Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1. Relatório.
"A", identificado nos autos, intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra B - Mobiliário Urbano e Publicidade Lda., com sede em Lisboa, pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento, e que a Ré seja condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, em dobro, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 24, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, e ainda a pagar-lhe as remunerações vencidas desde a data do despedimento até à data da sentença, e as importâncias correspondentes aos subsídios de alimentação e de combustível e à utilização da viatura automóvel, devidos desde a suspensão de funções.
Em sentença de primeira instância, foi a acção julgada parcialmente procedente, declarando-se ilícito o despedimento, e condenando-se a Ré a reintegrar o autor ao seu serviço, e a pagar-lhe as remunerações vencidas desde a data do despedimento até à data da sentença, bem como a importância relativa aos subsídios de combustível, no montante de 389,04 €;
Em apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa deu provimento parcial ao recurso interposto pela Ré, revogando a sentença apenas na parte em que condenava a Ré a pagar ao Autor as retribuições vencidas após a reintegração na empresa subsequente ao trânsito em julgado do acórdão proferido no apenso de suspensão de despedimento, bem como na parte em que a condenava a pagar o subsídio de combustível.
É contra esta decisão que se insurge de novo a Ré, na parte em que lhe é desfavorável, através do presente recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões:
1. Os comportamentos do recorrido, constantes da "Decisão" e provados nos autos, foram praticados com dolo directo, intenso e bem definido, com perfeita consciência da respectiva ilicitude.
2. Apontam decisivamente nesse sentido os métodos utilizados pelo recorrido, nomeadamente através da manipulação de dados que sabia não serem verdadeiros e da instrumentalização da autoridade policial com recurso à mentira quanto à sua qualidade sindical e ao facto de lhe ter sido negada a entrada nas instalações.
3 Sem qualquer justificação, o recorrido, com o comunicado que consciente e intencionalmente redigiu, afixou e distribuiu em 20 de Maio de 2002, ofendeu a imagem e a integridade moral da recorrente e insultou e difamou os seus responsáveis e gestores.
4. Com os seus comportamentos o recorrido violou os deveres de respeito, lealdade e urbanidade, a que estava vinculado por força do disposto na alínea a) do art. 20º da LCT e em decorrência do princípio da boa-fé e da mútua colaboração.
5. O recorrido persistiu na ilegitimidade das suas condutas, nunca apresentou desculpas, nem nunca mostrou arrependimento, apesar de ter tido várias oportunidades para o fazer, não só na altura dos factos, como posteriormente no processo disciplinar e no presente processo judicial, como ainda no processo crime, por ofensa a pessoa colectiva e difamação, em que foi condenado em 1ª instância.
6. Demonstra, assim, uma atitude de permanente conflitualidade e de irreversível confronto com a empresa.
7. Enquanto representante sindical, o recorrido vê os seus deveres laborais assumirem contornos qualitativamente diversos e mais exigentes, pelo que lhe era exigível que desse o exemplo pela positiva, sendo, por isso, os seus comportamentos alvo de uma censura acrescida.
8. Essa censura acrescida é ainda agravada, no quadro de gestão da empresa que emerge dos factos provados, pela elevada posição do recorrido na estrutura da empresa, pelo facto de reportar directa e funcionalmente ao Director Técnico e por ter uma formação escolar avançada.
9. A gravidade dos factos praticados pelo recorrido (que abrangem responsabilidade disciplinar, criminal e cível), a intensidade do dolo, o considerável grau de lesão dos interesses da empresa e a impossibilidade de comunicação directa, no futuro, entre os responsáveis da empresa e o recorrido colocam definitivamente em crise a confiança no comportamento futuro do recorrido e tornam inexigível e inoperativa qualquer sanção de natureza conservatória.
10. Eliminam decisivamente qualquer hipótese contrária os graves e recentes antecedentes disciplinares do recorrido, relativamente aos quais este tem uma atitude de puro desprezo e desconsideração.
11. Nessa medida, os comportamentos do recorrido integram o conceito de justa causa de despedimento, nos termos do n.º 1 do art. 9° da LCCT, então aplicável.
12. Ao decidir de forma contrária, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ponderou incorrectamente os aspectos relevantes do litígio e, dessa forma, violou a supracitada disposição legal.
13. Deve, por isso, considerar-se lícito o despedimento do recorrido e improcedente a acção, revogando-se, nessa parte, o douto acórdão recorrido.
14. O que se requer, com as legais consequências.
O autor, por sua vez, pretendendo que o objecto da revista se estenda, nos termos previstos no artigo 684-A do Código de Processo Civil, às questões em que decaiu no recurso de apelação, concluiu a sua alegação do seguinte modo:
1. O recorrido volta a pretender a ampliação do recurso nos termos do n° 1 do artigo 684-A do C.P.C., submetendo à apreciação do venerando tribunal "ad quem" duas questões: a questão do poder disciplinar e a do direito de afixação e distribuição de comunicados.
2. Primeira questão: Os factos imputados ao recorrido são consequência do exercício de funções sindicais.
3. No exercício das suas funções sindicais não cometeu qualquer infracção disciplinar, porquanto não se encontrava no cumprimento de quaisquer deveres laborais, antes no exercício da sua actividade representativa e autónoma, não passível de punição disciplinar.
4. Segunda questão: o direito de afixação e distribuição de comunicados.
5. Entendemos que ao dirigente sindical se aplica o direito de afixação e distribuição de comunicados, tendo em conta o artigo 25° do Decreto-Lei n° 215-B/75, de 30 de Abril, conjugado com o artigo 55° da CRP.
6. Uma interpretação literal do art. 31° do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, tal como o fizeram a Meritíssima Juíza de 1ª instância e os Venerandos Juízes Desembargadores, implicaria que o representante sindical visse limitado o exercício da acção sindical precisamente a partir do momento em que assume mais responsabilidades inerentes aos mais amplos poderes de intervenção sindical que lhe foram conferidos pelos trabalhadores que o elegeram.
7. Não só não corroboramos essa posição como cremos tratar-se de matéria cujo entendimento, no sentido que o defendemos, se tem mostrado pacífica.
8. A linguagem utilizada no comunicado do CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal decorre dos ideais que prossegue, sem qualquer intenção de atingir a honra, dignidade ou bom nome de quem quer que seja.
9. Tal comunicado cita notícias publicadas pela comunicação social escrita.
10. A globalização da economia conta com uma maior exigência por parte das organizações sindicais na repartição dos dividendos do grupo, sem conformação a nichos desse mercado. É essa posição que se encontra reflectida no comunicado.
11. A linguagem utilizada nesse comunicado tem que ser analisada à luz do seu justo enquadramento, e não é verdade que tenham sido proferidas expressões difamatórias com vista a atingir a honra ou a dignidade de quem quer que seja.
12. O recorrido distribuiu e afixou o comunicado da autoria do CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal e fê-lo na qualidade de representante sindical e na convicção de estar a agir no quadro da maior dignidade constitucional.
A Ré respondeu quanto à matéria da ampliação da revista, propugnando a improcedência das conclusões da contra-alegação do recorrido.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Procuradora-geral adjunta emitiu parecer no sentido de se não conhecer da matéria da ampliação da revista no tocante ao direito de afixação e distribuição de comunicados, por ser questão nova que não foi apreciada pela Relação, e considerando, no mais, que deverá ser negada a revista e confirmada a decisão recorrida.
A Ré ainda exerceu o seu direito de contraditório quanto ao parecer desfavorável da Exma Magistrada do Ministério Público, reafirmando as suas anteriores posições.
Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
2. Matéria de facto.
Após a alteração da resposta dada ao quesito 35º, em sede de impugnação da matéria de facto, e que passou a figurar como ponto n.º 52, a decisão recorrida deu como assente a seguinte factualidade:
1.) O autor trabalhou por conta, sob a autoridade e direcção da ré desde 4 de Março de 1985 a 8 de Agosto de 2002;
2.) O autor ultimamente, tinha a categoria profissional de Adjunto Técnico Administrativo e auferia a retribuição mensal de 1.995,99 € acrescida de 149,64 € a titulo de subsídio de combustível e de 4,74 € por dia completo de serviço de subsídio de alimentação;
3.) Ao autor foi instaurado pela ré processo disciplinar com intenção de despedimento de que lhe foi dado conhecimento, bem como da nota de culpa em 21 de Maio de 2002, tendo sido suspenso do exercício das funções inerentes à sua categoria profissional;
4.) O autor respondeu à nota de culpa;
5.) Em 25 de Junho de 2002 a ré deu conhecimento ao autor do aditamento à nota de culpa que consta de folhas 52 a 56 do processo disciplinar;
6.) O autor respondeu ao aditamento à nota de culpa;
7.) Na sequência deste processo disciplinar foi tomada pela ré a decisão de despedimento do autor com invocação de justa causa, o que foi comunicado por carta datada de 8 de Agosto de 2002;
8.) O autor exerceu as funções de Delegado Sindical em representação do CESP - Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio e Serviços de Portugal desde Outubro de 1999 até Maio de 2002;
9.) Por carta datada de 11 de Junho de 2002 a ré foi informada que o autor foi eleito Dirigente Sindical daquele Sindicato;
10.) O autor no dia 20 de Maio de 2002 distribuiu e afixou o comunicado constante de folhas 7 do processo disciplinar, encimado pela expressão "ORT - Organização Representativa de Trabalhadores da B " e assinado por aquele na qualidade de Delegado Sindical do CESP;
11.) Tal comunicado, cujo teor se dá por reproduzido, tem como título em letra maior, sublinhada e a bold "Eles comem tudo e não deixam nada" e aí se diz além do mais, "alguém nos está a enganar" e "muito para poucos e pouco para muitos" bem como a bold e em letra maior, terminando "Denuncie-se o roubo de que estamos a ser vitimas";
12.) O autor redigiu o comunicado a que se reportam as alíneas J), K) e L) supra e distribui-o em papel tamanho A4;
13.) Tal comunicado é da autoria do CESP - Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio e Serviços de Portugal;
14.) O autor cita nos dois primeiros parágrafos, frases publicadas em jornais sobre resultados económicos do grupo B;
15.) O autor, afixou tal comunicado em papel tamanho "A3" por forma bem visível nos locais de trabalho e na sede da empresa ré e nos seus armazém, sitos na Avenida Marechal Gomes da Costa em Lisboa;
16.) Alguns trabalhadores demonstraram o seu repúdio pelas expressões constantes do referido comunicado;
17.) Na empresa ré todos os anos são promovidos cerca de 25% dos colaboradores;
18.) Os salários praticados na "B" encontram-se acima da média no sector da publicidade exterior;
19.) Em 18 anos da actual gerência o ano de 2002 foi o único em que não foram efectuados os aumentos no mês de Abril sendo certo que, todos os colaboradores foram informados, pessoalmente, pelos respectivos directores sobre os motivos que levaram a " B" a tomar essa decisão;
20.) Foi dito aos trabalhadores incluindo ao autor, pelos directores respectivos que se estava a sentir na empresa ré forte recessão no mercado publicitário e que a facturação da ré tinha tido um decréscimo quer face aos resultados do primeiro trimestre de 2001, quer face aos objectivos de facturação previstos para 2002;
21.) Mais se informou os trabalhadores que, se as condições de mercado e de facturação melhorassem, ainda este ano, no mês de Outubro (outro mês em que costumam ser feitos aumentos salariais) seriam efectuados aumentos salariais;
22.) Os resultados económicos do grupo B a que se reporta a alínea L) da matéria assente são resultados em termos internacionais e que não se reportam à B;
23.) No dia 11 de Junho de 2002 o autor dirigiu-se ao armazém de materiais e cartazes da ré sito na avenida Marechal Gomes da Costa;
24.) E ai chegado cerca das 11h30 o autor pretendeu entrar nas referidas instalações com o objectivo de ali afixar informação sindical e distribuir pessoalmente um comunicado sindical aos trabalhadores que se encontravam a desempenhar as suas tarefas;
25.) E ao autor foi dito por responsáveis da empresa ré, de acordo com instruções dadas pelo Director Técnico Sr. D que só poderia exercer a actividade sindical desde que tal não perturbasse a normal laboração da empresa ré;
26.) No dia 11 de Junho de 2002 o autor dirigiu-se à 14ª Esquadra - Chelas da PSP participando que a ré lhe negou a entrada nas respectivas instalações com o fim de exercer actividades sindicais, tendo sido acompanhado ao local por dois elementos da referida Esquadra;
27.) Quando o autor se dirigiu às instalações da empresa ré no mesmo dia 11 de Junho de 2002, cerca das 13h30 acompanhado de dois agentes da PSP a Directora de Recursos Humanos da ré Dr.ª E na presença do Director Técnico Sr. D e dos Trabalhadores F e G, transmitiu ao autor que poderia entrar nas instalações e que o exercício da actividade sindical não poderia perturbar a normal laboração da empresa, e, que por isso a afixação e distribuição da informação sindical excederia o exercício dos seus direitos sindicais se não respeitasse aquelas indicações;
28.) Os dois agentes da PSP esclareceram o autor de que não lhe estava a ser impedido o acesso ás instalações e que ele devia decidir a forma como pretendia actuar;
29.) E o autor entrou nos aludidos armazéns e no interior dos mesmos afixou e distribuiu pessoalmente a alguns trabalhadores que se encontravam a trabalhar, o comunicado constante de folhas 57 e 58, do processo disciplinar que se dá por como reproduzido, impresso em papel timbrado do CESP e do CES Norte e não assinado;
30.) Enquanto procedeu à distribuição, por mão própria, do comunicado aos trabalhadores que se encontravam a laborar, conversou com alguns deles;
31.) O autor dirigiu-se de seguida para as instalações onde funciona a sede da ré e sitas na Avenida Infante D. Henrique;
32.) E em tal local o autor procedeu à afixação e distribuição pessoal a diversos trabalhadores se encontravam a trabalhar, de mais exemplares do mesmo comunicado, e entabulou conversações breves com trabalhadores;
33.) No mesmo local a que se refere o art.º 16, diversos trabalhadores a quem foi distribuído o comunicado pararam para o ler e alguns deles para conversar com o autor;
34.) O autor foi notificado aquando da entrega da nota de culpa para retirar o comunicado que havia afixado no dia 20 de Maio de 2002;
35.) E o autor não o retirou, designadamente, quando afixou o segundo comunicado e manteve-o afixado;
36.) O autor sabe que a gerência da empresa ré é exercida há cerca de 18 anos pelo Sr. H;
37.) O Sr. H tem contribuído para o progresso da ré e das condições de vida de todos os que nela trabalham incluindo o autor;
38.) Em 1984 a empresa ré tinha ao seu serviço entre 12 a 14 trabalhadores efectivos e actualmente tem cerca de 200 dos quais cerca de 25% a exercer funções ocupando cargos de chefia;
39.) Os custos com o pessoal em 1984 eram cerca de 12,3% da massa salarial e em 2001 representavam 17,8%;
40.) Em 1984 a empresa ré tinha uma facturação de 107.973.000$00, facturação essa que no ano de 2001 atingiu a cifra de 7.232.990.000$00 - 36.078.000,00 €;
41.) A ré goza em Portugal de notoriedade e excelente reputação;
42.) A ré dedica-se à instalação de mobiliário urbano em vários concelhos do país, mobiliário esse que é explorado publicitáriamente através do aluguer de espaços publicitários a clientes, e quando não pode ser explorado nestes termos é vendido ou alugado;
43.) O trabalhador C, que assumiu conjuntamente com o autor o projecto de dar início ao processo eleitoral tendente à constituição de uma Comissão de Trabalhadores é hoje "Adjunto Técnico electromecânico";
44.) A ré deu resposta a solicitações do "CESP" quer por escrito, quer em reuniões realizadas para o efeito inclusive nas instalações do próprio Sindicato;
45.) A ré propôs ao autor já depois de o mesmo ter iniciado o exercício de funções de Delegado Sindical, o lugar de "Adjunto comercial" numa empresa do grupo a que a ré pertence a "Claude Publicite";
46.) E tal proposta implicava a duplicação da retribuição do autor nessa altura com salvaguarda de todos os direitos adquiridos, incluindo a antiguidade;
47.) O autor à data da instauração do processo disciplinar exercia as suas funções no Departamento Técnico da empresa, reportando directamente ao Director Técnico Sr. D que também era o seu superior imediato;
48.) Durante o período de suspensão de funções de 21 de Maio a 8 de Agosto de 2002 a ré não pagou ao autor as quantias relativas aos subsídios de alimentação e de combustível;
49.) Aquando do despedimento do autor da ré pagou-lhe os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal relativos a 2002 e no valor de 1.164,33 € respectivamente;
50.) Actualmente a empresa ré está presente em 71 concelhos de Portugal;
51.) No mês de Outubro de 2001 foi aplicada ao autor a sanção disciplinar de suspensão por um período de 10 dias com perda de remuneração;
52.) O subsídio de combustível paga pela Ré ao Autor visava compensar as despesas de deslocação de casa para o trabalho e vice-versa e eventualmente, deslocações de serviço.
3. Fundamentação de direito.
A questão em debate é a de saber se ocorreu justa causa para o despedimento do autor, sendo que o caso apresenta como especificidade o facto de o trabalhador despedido exercer as funções de delegado sindical na empresa à data da instauração do processo disciplinar que conduziu ao despedimento e ter sido eleito dirigente sindical na pendência desse processo e ainda antes de proferida a decisão final.
O acórdão recorrido, confirmando, nessa parte, o julgado em primeira instância, considerou que o exercício da actividade sindical na empresa não inibe o empregador de accionar o poder disciplinar em caso de violação dos deveres profissionais, afastando assim um dos fundamentos da acção, que procurava convencer da existência de uma impossibilidade legal de actuação disciplinar contra trabalhadores por factos cometidos no exercício de actividade sindical.
No mais, o acórdão recorrido considerou que, nas circunstâncias do caso, a sanção de despedimento se mostrava desproporcionada, mormente tendo em conta que o autor actuou com um reduzido grau de culpa por estar convencido que a sua acção, sendo justificada pela qualidade de delegado e dirigente sindical, se encontrava a coberto de qualquer responsabilidade disciplinar.
É este entendimento que a Ré, ora recorrente, põe em causa, sublinhando, em traços largos, que os comportamentos do recorrido foram praticados com dolo directo e intenso e revelam perfeita consciência da ilicitude, incorrendo, desse modo, na violação dos deveres de respeito, lealdade e urbanidade. Acrescenta a recorrente que a condição de representante sindical do recorrido, associada à sua elevada posição profissional na estrutura da empresa, apenas agravam o juízo de censura relativamente à conduta adoptada, tornando inviável a manutenção da relação laboral até pela existência de antecedentes disciplinares.
Entretanto, na sua contra-alegação, o recorrido, com invocação do disposto no artigo 684-A do Código de Processo Civil, requereu a ampliação do âmbito do recurso, de modo a abranger a análise das questões em que decaiu no recurso de apelação, e especificamente no tocante à pretendida impossibilidade do exercício do poder disciplinar, por parte da empresa, e ao direito que ao recorrido assiste de afixar e distribuir comunicados nas instalações da ré.
Refira-se a este propósito que a ampliação do âmbito do recurso, consentida pelo citado normativo, reporta-se aos fundamentos da acção ou da defesa em que a parte vencedora tenha decaído, e tem em vista prevenir a necessidade da sua reapreciação, por virtude de uma alteração de julgado, em sede de recurso, que faça claudicar os efeitos favoráveis que tenham resultado para a parte da decisão recorrida.
Nesta perspectiva, conforme advogam a recorrente e a Exma magistrada do Ministério Público, a ampliação reclamada apenas poderia abranger a questão da pretensa irresponsabilidade disciplinar do dirigente sindical, e não o alegado direito de afixação e distribuição de comunicados, que não integra a causa de pedir na acção e não foi objecto de apreciação de fundo pelo tribunal recorrido.
Ora, quanto àquele primeiro aspecto, pode desde já adiantar-se, tal como sustentou a decisão recorrida, que todo o sistema jurídico de defesa dos trabalhadores com cargos sindicais, e que está exemplificado em diversas disposições do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, e do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), tem pressuposta a ideia de que os trabalhadores que sejam representantes sindicais não estão isentos do cumprimento dos seus deveres profissionais, nem imunes ao poder disciplinar da empresa.
De facto, estando especialmente previsto que os trabalhadores e os sindicatos possam desenvolver a actividade sindical no interior da empresa, nomeadamente através de delegados sindicais, e, em particular, mediante a possibilidade de convocação de reuniões de trabalhadores e do exercício do direito de informação sindical, mesmo nos locais de trabalho (artigos 25º, 27º, 28º, 30º e 31º do Decreto-Lei n.º 215-B/75), os comportamentos que venham a ser adoptados por um trabalhador na sua qualidade de representante ou dirigente sindical não poderão deixar de respeitar os princípios basilares da relação contratual. Por um lado, ele não perde o seu estatuto jurídico de trabalhador por conta de outrem, e, por outro, não pode evitar as regras de organização e disciplina laboral, que apenas conhecem as restrições que se mostrem justificadas pelo estrito exercício dos direitos sindicais.
Deste modo, a circunstância de os actos disciplinarmente puníveis terem sido praticados no âmbito da actividade sindical do trabalhador apenas poderá relevar no quadro de valoração da ilicitude e da culpa, além de que sugere a necessidade de uma especial ponderação dos interesses e factores que poderão determinar em concreto a existência de justa causa de despedimento. Assim se compreende também que a LCCT tenha rodeado o procedimento de despedimento de trabalhadores com funções sindicais de especiais medidas de protecção, que estão concretizadas nos artigos 10º, n.ºs 3 e 7, 12º, n.º 6, 14º, n.º 3, e 15º, n.º 4.
Deste modo, a questão suscitada pelo recorrido na contra-alegação reconduz-se ao thema decidendum central, que se traduz em saber se a actuação do trabalhador, nas circunstâncias particulares do caso, é susceptível de caracterizar a justa causa de despedimento.
Como é sabido e tem sido frequentemente sublinhado pela jurisprudência, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível.
A impossibilidade de subsistência da relação laboral, a que se reporta a parte final do n.º 1 do artigo 9º da LCCT, é entendida pela doutrina como uma inexigibilidade para o empregador de manter o trabalhador ao seu serviço, face a todas as circunstâncias do caso e tendo em atenção as regras da boa fé e da razoabilidade (por todos, MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, pág. 555).
No quadro desta ponderação, exige-se que se atenda a todos os interesses e circunstâncias do caso que se mostrem relevantes, como sejam a intensidade da culpa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações de trabalho, conforme, aliás, decorre do artigo 12º, n.º 5, da LCCT (JOÃO JOSÉ ABRANTES, Direito do Trabalho. Ensaios, Lisboa, 1995, pág.127).
Nesta perspectiva, MONTEIRO FERNANDES considera que o despedimento, constituindo "uma saída de recurso para as mais graves crises de disciplina - justamente aquelas que, pela sua agudeza, se convertem em crises do próprio contrato -, implica que o uso de tal medida seja balanceado, face a cada caso concreto, com as restantes reacções disciplinares disponíveis. Desenvolvendo este ponto de vista, o mesmo autor explicita que "a graduação das sanções disciplinares deve ser feita de tal modo que, ao menos tendencialmente, a margem de disponibilidade das medidas disciplinares conservatórias se equipare à margem de viabilidade da relação de trabalho (do contrato, portanto). É exigível, por outras palavras, que se não antecipe artificialmente a necessidade do despedimento, pelo recurso a sanções-limite para infracções primárias ou cuja gravidade o não justifique" (ob. cit., págs. 553-554).
No caso em apreço, a entidade patronal imputou ao trabalhador a violação dos deveres enunciados nas alíneas a), b), e) e f) do n.º 1 do artigo 20º da LCT. Para tanto, baseou-se, por um lado, nos dizeres que constavam de um comunicado que o autor distribuiu e afixou e que a recorrente considerou serem ofensivos da honra e consideração de um seu gerente, bem como da credibilidade, prestígio e confiança da empresa, e, por outro lado, na circunstância de o autor, em momento ulterior, ter perturbado a laboração normal da empresa, ao proceder à distribuição entre os trabalhadores de um outro comunicado, depois de ter solicitado a intervenção da PSP com a invocação de se encontrar impedido de exercer a sua actividade sindical.
Não é posto em dúvida que, à data em que ocorreu o primeiro daqueles factos, o autor era delegado sindical em representação do Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio e Serviços de Portugal e que o comunicado foi atribuído a uma designada "Organização Representativa de Trabalhadores da B " e assinado pelo autor na referida qualidade de representante sindical. Por sua vez, a segunda das apontadas condutas ocorreu quando o autor desempenhava já funções de dirigente sindical, para que havia sido eleito.
O autor agiu, portanto, como se comprova, na qualidade de delegado e de dirigente sindical.
Essa circunstância não pode deixar de ser avaliada, nas suas consequências, em dois diferentes planos: por um lado, os artigos 24º, n.º 1, e 35º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, estabelecem a presunção de que o despedimento foi feito sem justa causa quanto incide sobre os membros dos corpos gerentes de uma associação sindical ou sobre um delegado sindical; para além disso, a qualidade em que o trabalhador interveio é também ela um factor relevante na apreciação da justa causa de despedimento, no ponto em que interfere, de forma evidente, na caracterização da ilicitude e no grau de culpa que possa ser imputado ao agente.
A presunção legal decorrente dos citados normativos, devendo entender-se como uma presunção juris tantum, importa desde logo a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a entidade patronal a prova dos factos comprovativos da justa causa (artigo 350º, n.º 1, do Código Civil). No entanto, aparentemente este efeito encontra-se já salvaguardado pelo disposto no n.º 4 do artigo 12º da LCCT, que, no âmbito da acção de impugnação judicial de despedimento, confere à entidade empregadora o ónus da prova dos factos em que se alicerça a decisão de rescindir o contrato de trabalho. A presunção poderá, em todo o caso, ter um efeito útil imediato no domínio das providências cautelares, e mormente no tocante ao pedido de suspensão do despedimento, facilitando a demonstração do fumus boni juris em vista ao decretamento da providência. Assim se compreende que o requisito negativo exigido, em termos gerais, pelo artigo 39º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho ("probabilidade séria de inexistência de justa causa"), se converta num requisito positivo, quando o trabalhador despedido seja um representante sindical ("probabilidade séria de verificação de justa causa de despedimento") (artigo 14º, n.º 1, da LCCT).
Em todo o caso, o estabelecimento de uma presunção legal a favor dos trabalhadores despedidos que exerçam actividades sindicais, em sobreposição ao critério geral de repartição do ónus da prova que já resulta da LCCT, no âmbito das acções de impugnação de despedimento, evidencia o propósito legislativo de instituir um quadro especial de protecção dos representantes eleitos dos trabalhadores e tem naturalmente como pressuposto o maior risco de sujeição e conflitualidade com as entidades patronais.
Por outro lado, na avaliação da motivação atendível para efeito da caracterização da justa causa e também na avaliação do grau de deterioração da relação existente entre as partes, para efeito de fundar um juízo de prognose sobre a viabilidade no futuro da manutenção do vínculo contratual, importa igualmente ter presente a específica situação do trabalhador e da qualidade em que intervinha quando praticou os pretensos actos violadores dos deveres profissionais.
É natural que as organizações e os dirigentes sindicais utilizem na defesa de direitos e interesses sócio-profissionais uma linguagem mais viva e agressiva e que no relacionamento com as entidades patronais adoptem atitudes de maior frontalidade. As expressões utilizadas num escrito que se destine a ser divulgado junto do trabalhadores e o pedido de intervenção policial, quando se enquadrem no exercício de uma função sindical e tenham por objectivo fazer valer os direitos sindicais, não pode ser analisada, do ponto de vista da consideração dos deveres gerais de urbanidade e de lealdade, segundo os mesmos critérios que são aplicáveis ao trabalhador comum.
Além de que, encontrando-se legal e constitucionalmente garantido aos trabalhadores e aos sindicatos o direito de desenvolverem a actividade sindical no interior da empresa e de afixarem e divulgarem a informação sindical, não é possível evitar que ocorram desinteligências quanto à interpretação e aplicação das normas que reconhecem esses direitos, assim como não é de esperar que essa actividade possa ser realizada sem o mínimo de inconveniente para a empresa, em termos de eficiência da laboração e de produtividade dos trabalhadores.
Acresce que, encontrando-se os dirigentes sindicais numa situação de particular exposição e confronto latente com as entidades patronais, por efeito do normal carácter reinvidicativo das suas posições e da contraposição de interesses que lhe está subjacente, não é aceitável que o nível de conflitualidade entre as partes, como índice de ponderação da viabilidade da manutenção do vínculo contratual, seja aferido segundo os parâmetros que normalmente deverão regular a relação laboral.
Sendo certo que o trabalhador praticou os actos que lhe são imputados no interior da empresa, fê-lo na qualidade de delegado e dirigente sindical, pelo que tem pleno cabimento que, na ponderação global dos interesses em presença, se considere muito atenuado o juízo de censura e se dê especial relevância ao carácter das relações entre o trabalhador e o empregador.
Numa outra perspectiva, não está também demonstrado que a actuação do autor tenha produzido uma lesão séria dos interesses patrimoniais da empresa, tanto mais que apenas se comprova o que consta dos n.ºs 30, 32 e 33 da matéria de facto, sendo que os antecedentes disciplinares invocados não constituem motivo suficiente para modificar o critério valorativo que resulta de todas as anteriores considerações.
Temos por isso como correcto o entendimento sufragado pela Relação, que, considerando a diminuição da culpa e a falta de suporte factual sobre o grau de lesão dos interesses da Ré, interpretou a sanção expulsiva como desproporcionada e excessiva.
4. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar as revistas e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela ré e pelo autor, este na parte em que decaiu.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2005
Fernandes Cadilha,
Mário Pereira,
Laura Leonardo. |