Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13636/18.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Apenso:
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA intentou esta ação declarativa de condenação, na forma comum, contra Banco BIC Português, S.A., peticionando a condenação do Réu a restituir ao Autor a quantia de €54 645,72, acrescida de juros calculados à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre €50 000,00, desde a citação até integral e efetivo pagamento, bem como a condenação em custas e em procuradoria condigna.

Articulou, com utilidade, que subscreveu junto do BPN – Banco Português de Negócios, S.A., um produto financeiro designado por Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 (de outubro de 2004), que foi apresentado pelo banco como se fosse um produto equivalente a um depósito a prazo e que poderia ser resgatado a qualquer altura por vontade do titular, não comportando nenhum risco (capital garantido). O Réu, através dos funcionários que lidavam com o Autor, assegurou-lhe que se tratava de uma aplicação substancialmente igual a um depósito a prazo, em especial quanto ao prazo e à remuneração estabelecida através de uma taxa de juro fixa e líquida.

Contudo, não houve informação na negociação, celebração e execução do aludido contrato, sem o fornecimento de um qualquer documento informativo, a par de que o banco não transmitiu os riscos reais e inerentes a tal operação financeira, ocultando a verdadeira natureza do produto em causa, cujo capital jamais foi restituído ao Autor, sendo que este nunca teria subscrito tal produto caso conhecesse a sua verdadeira natureza e a não segurança do capital. Nessa medida, sofreu os danos decorrentes da não restituição do capital acordado, aquando do vencimento daquela aplicação, o que lhe é devido com acréscimo dos juros moratórios aplicáveis para as operações comerciais.

2. Regularmente citado, o Réu contestou por exceção e por impugnação, sempre com vista à sua consequente absolvição do pedido.

3. No exercício do contraditório, respondeu o Autor com vista à improcedência da exceção da prescrição.

4. Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal julga improcedente a deduzida exceção de prescrição da responsabilidade civil da instituição bancária, por não provada; em consequência, procedendo a presente ação, condena o banco Réu a restituir ao Autor a quantia de €54 645,72 (cinquenta e quatro mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos), mais acrescida de juros calculados à taxa supletiva legal de 4 % (juros civis), contados sobre €50 000,00, desde a citação até integral e efetivo pagamento”.

5. Inconformado, o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão mantendo a sentença proferida em 1ª Instância.

6. Novamente irresignado, o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. insurgiu-se contra a decisão proferida em 2.ª Instância, tendo interposto recurso de revista excecional, entretanto admitida, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido pelo banco, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado ao Autor, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente!

Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptivel de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!

24. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

25. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

27. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

29. Apesar do autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

32. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

33. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

34. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

35. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

36. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

37. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

38. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

39. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

40. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

41. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

42. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

43. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!

44. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

45. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

46. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

47. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações.

Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

48. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.

49. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

50. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

51. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

52. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

53. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

54. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptivel de o caracterizar.

55. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

56. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

57. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

58. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

59. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

60. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

61. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

62. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

63. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

64. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

65. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

66. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

67. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

68. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

69. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

70. E nada disto foi feito!

71. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

72. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

73. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

74. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo… ... JUSTIÇA!

7. O Recorrido/Autor/AA apresentou contra-alegações, aduzindo as seguintes conclusões:

“A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.

B. Ao contrário do que pretende o Banco recorrente, e como bem entendeu o tribunal a quo, no caso dos autos o que está em causa é uma responsabilidade civil pré contratual, derivada do facto de o Banco réu ter seduzido o autor, recorrendo á mentira e ao embuste sobre as características do produto financeiro que pretendia impingir-lhe.

C. Afigura-se como um facto público e notório o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes.

D. Tal modus operandi, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.

E. E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros,

F. O que na realidade não era verdade e, como da simples leitura do mesmo se retira, o douto acórdão recorrido assim também o considerou.

G. Ficou plenamente demonstrado e provado nos autos que ao autor foi dito que o produto financeiro SLN RENDIMENTO MAIS 2004 era semelhante a um depósito a prazo.

H. Foi enganosa a informação prestada pelo BIC ao autor acerca das características do produto financeiro SLN RENDIMENTO MAIS 2004.

I. Do mail junto como Doc. 11 da petição inicial, se conclui que os próprios funcionários do Banco recorrente admitem terem sido eles próprios levados a enganar os clientes.

J. O mail junto como Doc. 10 da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco, que consistia em seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse e está em sintonia com os depoimentos das testemunhas, traduzindo-se num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.

K. O facto fundamental e incontornável dos autos é que o produto financeiro aqui em apreço era apresentado aos clientes como se de um depósito a prazo se tratasse, um produto garantido pelo Banco.

L. O Banco devia ter informado o autor que se tratava de obrigações subordinadas, explicando em que consistia a subordinação, que o Banco se limitava a colocá-las no mercado e que o produto em causa em nada era semelhante a um depósito a prazo e não era sequer adequado ao seu perfil de investidor.

M. O D.L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, é uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se limitou a concretizar melhor uma das soluções de direito possíveis que já decorriam da lei anterior e que, como tal se integra na lei interpretada.

N. Os factos provados em 1.ª instância demonstram que foi por via do ardil, da astúcia e do engano que o Banco recorrente, por intermedio dos seus funcionários da agência de ... - ..., levou o autor a subscrever uma obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004, que hoje não tem qualquer valor transacionável e que nunca foi reembolsada.

O. O dano do recorrido é evidente e ostensivo.

P. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Q. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que lhe é censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.

R. O Banco réu não logrou provar que informou o autor, nos termos que lhe eram legalmente impostos, acerca das características das Obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004.

S. Dos documentos n.º 6, n.º 7, n.º 10 e n.º 11 da petição inicial e da matéria de facto provada extrai-se que o Banco recorrente violou de os deveres de lealdade, diligência, transparência, boa-fé e de informação a que estava adstrito.

T. O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.

U. O Banco recorrente atuou de forma ilícita e não ilidiu, antes confirmou, a presunção de culpa que sobre si impedia.

V. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e os danos que o autor reclama salta á vista, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (produto semelhante a um depósito a prazo), que acabou por adquirir a obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004 dos autos.

W. Se tivessem sido previamente explicadas ao autor as características da obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004 que este veio a subscrever, ou se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa do produto, nomeadamente quanto ao reembolso antecipado, que a obrigação era apenas assumida pela SLN e que, no caso de insolvência da SLN, o pagamento do capital investido ficaria subordinado ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo apenas prioridade sobre os acionistas da SLN, como se infere das aludidas notas informativas sob as epígrafes “Reembolso Antecipado”; “Liquidez” e “Subordinação”, o autor nunca teria aceitado tal subscrição.

X. O contrato de conta bancária constitui o contrato bancário primogénito; é ele que inaugura, através da celebração de um contrato de abertura de conta, a relação obrigacional que é a relação jurídica bancária.

Y. O contrato de abertura de conta está na origem de uma relação obrigacional complexa, consubstanciada na existência de um conjunto de direitos subjetivos (em sentido amplo) e os deveres jurídicos ou de sujeições que advêm de um mesmo facto jurídico.

Z. Emerge daquele contrato-quadro um feixe de deveres de proteção, a cargo do intermediário financeiro, que se desdobram e autonomizam dos deveres acessórios de conduta e que têm por finalidade conservar a atual situação jurídica dos bens de ambos os sujeitos da relação obrigacional complexa, tutelando-os contra ingerências externas lesivas na sua pessoa, na sua propriedade ou no seu património.

AA. O dever de conhecimento do cliente encontra-se relacionado com o denominado princípio da proporcionalidade inversa consagrado no n.º 2 do artigo 312.º do CVM, relativamente aos deveres de informação.

BB. Tal princípio baseia-se na necessidade de tratamento diferenciado entre investidores, com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade.

CC. Havendo uma ligação especial entre o intermediário financeiro e a prossecução dos referidos deveres de proteção, formam-se por causa disso os denominados círculos de diligência devida.

DD. No âmbito da responsabilidade o intermediário financeiro, cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte daquele demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.

EE. O autor, para além de ser um investidor não qualificado, era um cliente conservador, não disposto a apostar em produtos de risco e que confiava no seu gerente de conta relativamente aos produtos que lhe eram fornecidos e às informações que este lhe prestava.

FF. Sendo o autor um investidor não qualificado, as informações a prestar sobre o produto que lhe estava a ser apresentado, tinham de ser completas, atuais e verdadeiras, incluindo informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando o produto ou serviço envolva risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado.

GG. O Banco réu não só prestou informações falsas e omitiu informações relevantes e essenciais para conhecimento do tipo de produto em causa, como desvalorizou por completo a informação de que o mesmo seria um produto reembolsável a 10 anos, dando a entender ao autor que este poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, o que, como ora se sabe, não correspondia, de todo, à verdade.

HH. O autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto com risco exclusivamente Banco.

II. Quanto maior for a complexidade do negócio, mais completa deve ser a informação a disponibilizar ao investidor; de igual modo, quanto maior for o risco envolvido no negócio em causa, maior deve ser o rol de elementos informativos a disponibilizar ao investidor.

JJ. O escopo do n.º 1 do artigo 304º-A do CVM é a recuperação normativa da tutela do cliente – materializada, na fixação de deveres específicos no quadro da conduta devida e consagrada na fase da responsabilidade civil do prestador do serviço financeiro perante o cliente.

KK. O n.º 1 do artigo 314.º do CVM encerra uma cláusula geral de responsabilidade civil a cargo do intermediário financeiro, pela violação dos deveres que sobre ele impendem no exercício da sua atividade – princípio geral de ressarcibilidade dos danos – abarcando quer a responsabilidade delitual quer a responsabilidade contratual.

LL. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor. Isto, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simples mora ou de cumprimento defeituoso. A lei estabelece uma presunção de culpa do devedor: portanto, sobre ele recai o ónus da prova.

MM. No domínio da responsabilidade por factos ilícitos culposos contratuais, o facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais.

NN. A conduta do intermediário financeiro negligentemente inadimplente revestirá, necessariamente, a violação de um dever específico de conduta profissional devida.

OO. Quanto à culpa do intermediário financeiro, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil, consagrando um padrão de conduta profissional diligentíssima.

PP. A presunção de culpa do intermediário financeiro projeta implicações ao nível da relação de causalidade.

QQ. O Banco recorrente não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele impendia e os factos dados como provados deixam demonstrada a ocorrência de culpa grave da sua parte nas informações prestadas ao autor.

RR. O Banco recorrente, através dos seus funcionários, promoveu uma campanha agressiva de angariação de investidores, numa atividade de canibalização de depósitos.

SS. Tratou-se de técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência dos clientes a determinados produtos de risco que nunca subscreveriam se tivessem conhecimento de todas as caraterísticas dos produtos.

TT. As orientações e comunicações internas existentes no Banco réu e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

UU. O Banco réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.

VV. Tais informações são insuficientes, omitindo informação relevantíssima quanto às caraterísticas do produto financeiro onde iam ser investidas as poupanças do autor e são dadas de modo a induzi-lo em erro, ao insistirem na equiparação das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 a simples depósitos a prazo, sem o alertarem para as respetivas diferenças.

WW. O dever de informar torna-se muito mais operacional quando tenha estrutura obrigacional, devido à tutela da confiança.

XX. As consequências advenientes da proteção da confiança tanto podem consistir na preservação da posição nela alicerçada como num dever de indemnizar.

YY. O Direito português exprime a tutela da confiança através da manutenção das vantagens que assistiriam ao confiante, caso a sua posição fosse real.

ZZ. O dano indemnizável na responsabilidade bancária por informações abrangerá sempre o interesse contratual negativo, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente.

AAA. Para efeito de imputação dos danos, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM contém igualmente uma presunção de culpa e de causalidade.

BBB. Tendo em conta que entre o comportamento do intermediário financeiro e os danos sofridos pelo investidor medeia um facto do seu foro interno, isto é, a sua vontade, facilmente nos apercebemos da especial dificuldade de prova nesta matéria.

CCC. Perante a incontroversa omissão de um dever informativo, cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância de tal omissão na produção dos danos sofridos pelo credor, sob pena de se alimentar uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios, situação que o legislador de todo não visou, neste segmento económico de forte regulação do mercado.

DDD. O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

EEE. O princípio da boa-fé, tal como está consagrado no instituto da culpa in contrahendo, faz deste o instrumento ideal para operar a proteção do contraente mais débil, uma vez que irá vincular mais fortemente o contraente mais forte.

FFF. No caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido pelo autor.

GGG. Os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco réu.

HHH. A atividade profissional é um ponto de conexão idóneo para a imputação de danos enquanto preenche critérios gerais a atender no juízo de distribuição dos riscos relevantes como o da introdução ou controlabilidade de um risco, o da capacidade para a sua absorção ou repercussão e o do saber quem tira o primordial proveito da fonte do perigo.

III. Em casos como a da responsabilidade do intermediário financeiro por informação incompleta ou enganosa, a responsabilidade pela confiança representa o único modo de enquadrar dogmaticamente concretas soluções e regimes previstos, uma vez que a proteção da confiança corresponde a um princípio ético-jurídico que, por estar firmemente radicado na ideia de Direito, não pode deixar de transpor o umbral da juridicidade.

JJJ. Há imposições tão fortes da Justiça que não as acolher significaria negar o próprio Direito, a sua razoabilidade e a sua racionalidade; imposições que se sentem de modo particular quendo não há alternativa prática que evite, para além do tolerável, a ameaça de ficar por satisfazer uma indesmentível necessidade de tutela jurídica. Nestes imperativos indeclináveis e indisponíveis se situa certamente o pensamento de que quem induz outrem a confiar, deve (poder ter de) responder caso frustre essa confiança, causando prejuízos.

KKK. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do C. Civil.

LLL. O autor foi desapossado da quantia de 50.000,00€ em troca de um produto financeiro que nunca teria adquirido, não fossem as informações enganosas prestadas pelo Banco réu, enquanto intermediário financeiro.

MMM. Ficou demonstrado nos autos que o Banco réu estava obrigado a prestar informação respeitante ao instrumento financeiro em causa, de forma completa, verdadeira, atual, clara e objetiva (art.º 7.º, n.º 1 do CVM), e não o fez; estava obrigado a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e a observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência, e não o fez (art.º 304.º, n.ºs 1 e 2 do CVM); tinha o dever de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão por parte do autor esclarecida e fundamentada, sobretudo por estar perante um investidor não qualificado, nomeadamente as relativas aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art.º 312.º, n.º 1 e n.º 2 do CVM), e também não o fez.

NNN. Está demonstrado nos autos e é um facto notório (que não carece de alegação nem de prova) que as contas da SLN eram falsificadas desde o ano 2000.

OOO. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de, já em 2004, a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN serem falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.

PPP. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações como a dos autos.

QQQ. Se uma norma de proteção procura reagir contra uma possibilidade de pôr em perigo típica e se, em violação dessa norma, ocorrer um prejuízo do género que a norma visa impedir, é de considerar, em primeira aparência, uma relação causal entre a violação da norma de proteção e o prejuízo.

RRR. Todos estes princípios, derivados do princípio fundamental da boa-fé, levaram não só a doutrina a defender a responsabilidade civil dos Bancos, nomeadamente na veste de intermediários financeiros, quando desrespeitassem tais deveres gerais, como o próprio legislador (artigos 304.º; 312.º e 314.º do CVM).

SSS. Pelo que terá o Banco Réu que responder pela violação dos deveres de informação previstos no artigo 312.º do CVM.

TTT. A jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal tem também perfilhado esta posição, nomeadamente, entre outros, nos Acórdãos de 17.03.2016, (Maria Clara Sottomayor), de 10.04.2018, (Fonseca Ramos), de 18/09/2018, (Salreta Pereira), de 18/09/2018, (Maria Olinda Garcia), de 25.10.2018, (José Manuel Bernardo Domingos) e de 26.03.2019 (Alexandre Reis).

UUU. Quanto à causalidade, ocorrendo um inadimplemento contratual, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada. Não há margem para mais discussão: o dever de indemnizar é, pelo menos, decalcado do de prestar, a presunção de culpa do artigo 799.º envolve uma presunção de causalidade.

VVV. Os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações de que impliquem uma projeção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei certeza quanto á sua ocorrência.

WWW. Para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco réu traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o autor não teria subscrito aquela aplicação financeira se o dever de informar tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei ou seja de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e licita.

XXX. No caso dos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa ação ou omissão. O que está em causa é uma situação hipotética.

YYY. Ainda assim, a matéria de facto dada por assente em 24 dos factos provados demonstra inequivocamente o nexo causal entre a atividade ilícita do banco recorrente e o prejuízo sofrido pelo recorrido.

ZZZ. O douto acórdão deste Colendo Supremo Tribunal de 25/10/2018 é demonstrativo de que, no âmbito da responsabilização do intermediário financeiro por violação dos deveres de informação, não podem ter aplicação as regras gerais do artigo 563.º do Código Civil, sob pena de incorrermos em prova diabólica.

AAAA. A quantificação do dano faz-se indagando qual o valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.

BBBB. Ficou demonstrada a existência de um conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, uma vez que o BPN e a SLN tinham por Presidente do Conselho de Administração o recentemente falecido BB.

CCCC. Os autos são reveladores de intermediação excessiva, pois a atividade demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, o que se prosseguia era a canibalização dos depósitos.

DDDD. Não foram violados quaisquer preceitos legais.

EEEE. Impõe-se a total improcedência do presente recurso e a confirmação do douto acórdão recorrido.

Termos em que deverão V/ Exas. manter na íntegra o douto acórdão recorrido, julgando o presente recurso totalmente improcedente, por não provado, com o que farão, como é timbre deste Colendo Supremo Tribunal, a já costumada JUSTIÇA!”

9. Remetidos os autos à Formação, foi admitida a revista excecional.

10. Entretanto, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência, atinente à responsabilidade dos intermediários financeiros (Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.).

11. Os aludidos autos para uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, já transitaram em julgado.

12. Foram dispensados os vistos.

13. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem?


II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

“1. O Réu é um banco comercial que girava anteriormente sob a denominação social BPN - Banco Português de Negócios, S.A.;

2. Até à nacionalização do BPN - Banco Português de Negócios, S.A., operada pela Lei n.ºs 62-A/2008, de 11 de novembro, a totalidade do capital social do banco em causa era detida pela sociedade BPN - SGPS, S.A., a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.;

3. O capital social da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., era detido por um conjunto de investidores em nome individual, bem como por algumas entidades, com especial relevo para a SLN Valor, SGPS, S.A.;

4. O estatuído no artigo 3.2, alínea 12), do Aviso n.º 12/92 do Banco de Portugal, permitia a realização de fundos próprios do banco mediante “Empréstimos subordinados, cujas condições sejam aprovadas pelo Banco de Portugal”;

5. Ao nível do conselho de administração do banco (BPN), em setembro de 2004, foi gizado um plano considerado “(...) de importância estratégica para o Grupo”; a saber:

- Captação pela SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., de até cinquenta milhões de euros através de um empréstimo obrigacionista, denominado de SLN - Rendimento Mais 2004, através da “Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, em forma escriturai, ao portador, com o valor nominal de € 50.000,00 cada (...)”;

- Emissão de obrigações a dez anos, a amortizar, ao par, de uma só vez, em 25 de outubro de 2014;

- Instruções aos funcionários do banco, nomeadamente aos gerentes e gestores de conta, para captarem depositantes do banco para o novo produto, que devia ser vendido como sucedâneo de um depósito a prazo;

6. Na página 2 da “Nota interna”, alusiva ao referido produto financeiro, consta: “Capital Garantido: 100 % do capital investido”;

7. A “Nota interna” desta operação corresponde ao documento 7 da petição, encontra-se datada de 7 de Outubro de 2004, tem como destinatários os administradores e os directores coordenadores, indica ter sido emitida em razão da decisão do Conselho de Administração de lançar uma emissão de Obrigações Subordinadas a 10 anos, denominada “SLN Rendimento Mais 2004”, para consolidação da dívida da SLN, SGPS, SA, mais referindo que a total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo, e que a operação foi integrada no campeonato de prémios do BPN de 2004.

8. No que se refere ao argumentário para a colocação das obrigações, consta da nota interna referida em 7: a) O SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante dez anos; b) O SLN Rendimento Mais 2004 assegura o pagamento semestral de juros; c) Caso o subscritor necessite de liquidez, o BPN está disponível para fazer financiamentos com condições especiais; d) Caso o subscritor pretenda vender as suas obrigações, o BPN assumirá uma atitude pró-activa, tentando identificar potenciais compradores no universo de Clientes do BPN. Contudo, o BPN não assegura a recompra desta emissão, nem garante a existência de compradores para eventuais intenções de venda das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004. (ALTERADO RELAÇÃO)

9. Os funcionários do balcão onde o Autor tinha depositadas as suas quantias acreditavam que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores;

10.  Em 22 de outubro de 2004, o Autor foi convidado a abrir conta no banco Réu, tendo logo depositado na sua conta à ordem a quantia global de € 50 000,00, que tinha distribuída noutras contas de outras instituições bancárias;

11.  Um dos funcionários do banco Réu convenceu o Autor a aplicar a quantia que acabara  de depositar na  sua  conta  de depósitos à ordem  (com o  número ...01), na subscrição do referido produto; o Autor não chegou a assinar qualquer boletim de subscrição ou qualquer outro documento similar, nem tal alguma vez lhe foi solicitado pelo banco Réu e, no dia 25 de outubro de 2004, foi debitada da sua conta à ordem a quantia de € 50 000,00, para a aquisição de um título SLN Rendimento Mais 2004;

12.  O referido título encontra-se, ainda hoje, depositado na carteira de títulos do Autor, junto do banco Réu;

13.  O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças prometeu que, antes de abril de 2010, os investidores (clientes do BPN) seriam reembolsados, o que foi noticiado a 14 de janeiro de 2010;

14.  A entidade emitente SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., pagou ao Autor os juros referentes à obrigação SLN Rendimento Mais 2004 até 30 de setembro de 2015;

15.  Entretanto, o Autor soube que essa sociedade, hoje denominada Galilei, SGPS, S.A., apresentou um processo especial de revitalização, o qual correu seus termos pela 1.- Secção de Comércio (Juiz ...), da comarca de Lisboa (Instância Central), com o número 22922/15...., tendo sido logo proferido o despacho a que alude o artigo 17.2-C, n.9 3, al. a), do CIRE, e tendo já sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem a aprovação do plano de recuperação, determinou o encerramento do processo de revitalização;

16.  A Galilei, SGPS, S.A., foi, entretanto, declarada insolvente por sentença datada de 29 de junho de 2016, proferida pelo mesmo Tribunal, no âmbito do processo com o número 23449/15....;

17.  O Autor foi recebendo um extrato periódico onde lhe aparecia a referida obrigação como integrando a sua carteira de títulos, separada dos depósitos, com menção expressa à circunstância de se tratar de obrigação depositada na sua carteira de títulos;

18.  Da mesma forma, foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos ao cupão da obrigação, o que também originava o registo no seu extrato periódico do banco;

19.  O Autor depositava confiança na entidade BPN - Banco Português de Negócios, S.A., e nos seus funcionários ou interlocutores;

20.  Quanto ao perfil do Autor como investidor, trata-se de uma pessoa com um elevado espírito de trabalho e de poupança, o que lhe permitiu amealhar algum aforro, sendo avesso a qualquer tipo de jogo ou de risco - o que sempre foi do conhecimento do banco Réu;

21.  Em relação ao aconselhamento sobre os valores pertença do Autor, foi-lhe apresentado o dito produto financeiro designado por Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 (de outubro de 2004) enquanto sucedâneo de um depósito a prazo; (ALT RELA)

22.  Na negociação, celebração e execução do mencionado contrato, o Réu informou o Autor conforme referido em 21 e 23, mas não lhe forneceu um documento informativo sobre a natureza e as características principais do produto em questão;

23.  O funcionário do BPN apresentou ao Autor a compra das obrigações SLN Mais 2004 como uma aplicação idêntica à constituição de um depósito a prazo com uma taxa de juro mais atractiva em razão do prazo e da menor liquidez até à maturidade, a qual podia, no entanto, ser substituída pela transacção para outros clientes, havendo muita procura, ou por financiamento do BPN, com a garantia da aplicação. (ALT RELAÇÃO)

24.  Ao subscrever o produto em causa, o Autor julgava estar a celebrar um negócio semelhante a um depósito a prazo, por tal lhe ter sido informado pelos funcionários do banco, subscrição essa que jamais ocorreria caso conhecesse a natureza do produto;

25.  O Autor foi informado pelos funcionários do banco nos termos constantes dos pontos de facto 21, 23, 28 e 29;

26. Aquando do vencimento do produto financeiro em questão (25 de outubro de 2014), o capital investido pelo Autor (= € 50 000,00) não lhe foi restituído pelo banco Réu, situação que perdura até hoje;

27. O Autor apenas ficou ciente dos termos específicos do negócio (para além do constante dos pontos de facto 21, 23, 28 e 29) e de que o banco Réu não assumiria qualquer responsabilidade pelo produto vendido a partir de 30 de setembro de 2015, data em que cessaram os pagamentos pela Galilei, SGPS, S.A., dos juros contratualizados;

28.  Aquando da subscrição do produto em causa, o Autor apenas foi informado de que o reembolso antecipado só era possível a partir do 5.º ano e, ainda, de que poderia endossá-lo unilateralmente a um terceiro interessado (até ao 5.º ano);

29.  (...) O que, na altura, era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura por serem rentáveis;

30.  A presente ação judicial foi instaurada no dia 7 de junho de 2018 e o banco Réu foi citado para os seus termos no dia 15 de junho de 2018.”


II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem? (1)

Escrutinado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância), concluiu, no segmento decisório, pela confirmação da decisão proferida em 1ª Instância que condenou o banco Réu a restituir ao Autor a quantia de €54 645,72 (cinquenta e quatro mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos), mas acrescida de juros calculados à taxa supletiva legal de 4 % (juros civis), contados sobre €50 000,00, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo. Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista.

Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de atividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

Subsumida a facticidade adquirida processualmente, não temos dificuldade em reconhecer, aliás, pacificamente aceite pelas partes, a celebração entre o Autor/AA e o BPN, agora Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. (que além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas), de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Sendo, pois, incontroversa, a qualificação jurídica do ajuizado negócio outorgado entre as partes, impõe-se saber e decidir, se o Banco/Réu violou, quanto ao Autor, deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por este, do produto financeiro articulado, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, atividades de intermediação financeira, estão sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os preceitos legais que importam aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respetiva atividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a atividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários, preceitua no seu n.º 1:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das atividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respetiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo, a este propósito ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objetiva, completa, verdadeira, actual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, resultar dos enunciados preceitos legais, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta, ao cabo e ao resto, no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.03.2018.

Conforme decorre da lei, o dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente.

No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece o art.º 314º do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Para o caso trazido a Juízo releva especialmente o facto de ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Outrossim, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do enunciado acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Daqui se colhe a firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, relembremos a decisão da matéria de facto relevante para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Relembremos os factos adquiridos processualmente.

“Factos Provados:

1. O Réu é um banco comercial que girava anteriormente sob a denominação social BPN - Banco Português de Negócios, S.A.;

2. Até à nacionalização do BPN - Banco Português de Negócios, S.A., operada pela Lei n.ºs 62-A/2008, de 11 de novembro, a totalidade do capital social do banco em causa era detida pela sociedade BPN - SGPS, S.A., a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.;

3. O capital social da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., era detido por um conjunto de investidores em nome individual, bem como por algumas entidades, com especial relevo para a SLN Valor, SGPS, S.A.;

4. O estatuído no artigo 3.2, alínea 12), do Aviso n.º 12/92 do Banco de Portugal, permitia a realização de fundos próprios do banco mediante “Empréstimos subordinados, cujas condições sejam aprovadas pelo Banco de Portugal”;

5. Ao nível do conselho de administração do banco (BPN), em setembro de 2004, foi gizado um plano considerado “(...) de importância estratégica para o Grupo”; a saber:

- Captação pela SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., de até cinquenta milhões de euros através de um empréstimo obrigacionista, denominado de SLN - Rendimento Mais 2004, através da “Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, em forma escriturai, ao portador, com o valor nominal de € 50.000,00 cada (...)”;

- Emissão de obrigações a dez anos, a amortizar, ao par, de uma só vez, em 25 de outubro de 2014;

- Instruções aos funcionários do banco, nomeadamente aos gerentes e gestores de conta, para captarem depositantes do banco para o novo produto, que devia ser vendido como sucedâneo de um depósito a prazo;

6. Na página 2 da “Nota interna”, alusiva ao referido produto financeiro, consta: “Capital Garantido: 100 % do capital investido”;

7. A “Nota interna” desta operação corresponde ao documento 7 da petição, encontra-se datada de 7 de Outubro de 2004, tem como destinatários os administradores e os directores coordenadores, indica ter sido emitida em razão da decisão do Conselho de Administração de lançar uma emissão de Obrigações Subordinadas a 10 anos, denominada “SLN Rendimento Mais 2004”, para consolidação da dívida da SLN, SGPS, SA, mais referindo que a total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo, e que a operação foi integrada no campeonato de prémios do BPN de 2004.

8. No que se refere ao argumentário para a colocação das obrigações, consta da nota interna referida em 7: a) O SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante dez anos; b) O SLN Rendimento Mais 2004 assegura o pagamento semestral de juros; c) Caso o subscritor necessite de liquidez, o BPN está disponível para fazer financiamentos com condições especiais; d) Caso o subscritor pretenda vender as suas obrigações, o BPN assumirá uma atitude pró-activa, tentando identificar potenciais compradores no universo de Clientes do BPN. Contudo, o BPN não assegura a recompra desta emissão, nem garante a existência de compradores para eventuais intenções de venda das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004. (ALTERADO RELAÇÃO)

9. Os funcionários do balcão onde o Autor tinha depositadas as suas quantias acreditavam que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores;

10.  Em 22 de outubro de 2004, o Autor foi convidado a abrir conta no banco Réu, tendo logo depositado na sua conta à ordem a quantia global de €50 000,00, que tinha distribuída noutras contas de outras instituições bancárias;

11.  Um dos funcionários do banco Réu convenceu o Autor a aplicar a quantia que acabara  de depositar na  sua  conta  de depósitos à ordem  (com o  número ...01), na subscrição do referido produto; o Autor não chegou a assinar qualquer boletim de subscrição ou qualquer outro documento similar, nem tal alguma vez lhe foi solicitado pelo banco Réu e, no dia 25 de outubro de 2004, foi debitada da sua conta à ordem a quantia de € 50 000,00, para a aquisição de um título SLN Rendimento Mais 2004;

12.  O referido título encontra-se, ainda hoje, depositado na carteira de títulos do Autor, junto do banco Réu;

13.  O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças prometeu que, antes de abril de 2010, os investidores (clientes do BPN) seriam reembolsados, o que foi noticiado a 14 de janeiro de 2010;

14.  A entidade emitente SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., pagou ao Autor os juros referentes à obrigação SLN Rendimento Mais 2004 até 30 de setembro de 2015;

15.  Entretanto, o Autor soube que essa sociedade, hoje denominada Galilei, SGPS, S.A., apresentou um processo especial de revitalização, o qual correu seus termos pela 1.- Secção de Comércio (Juiz ...), da comarca ... (Instância Central), com o número 22922/15...., tendo sido logo proferido o despacho a que alude o artigo 17.2-C, n.9 3, al. a), do CIRE, e tendo já sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem a aprovação do plano de recuperação, determinou o encerramento do processo de revitalização;

16.  A Galilei, SGPS, S.A., foi, entretanto, declarada insolvente por sentença datada de 29 de junho de 2016, proferida pelo mesmo Tribunal, no âmbito do processo com o número 23449/15....;

17.  O Autor foi recebendo um extrato periódico onde lhe aparecia a referida obrigação como integrando a sua carteira de títulos, separada dos depósitos, com menção expressa à circunstância de se tratar de obrigação depositada na sua carteira de títulos;

18.  Da mesma forma, foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos ao cupão da obrigação, o que também originava o registo no seu extrato periódico do banco;

19.  O Autor depositava confiança na entidade BPN - Banco Português de Negócios, S.A., e nos seus funcionários ou interlocutores;

20.  Quanto ao perfil do Autor como investidor, trata-se de uma pessoa com um elevado espírito de trabalho e de poupança, o que lhe permitiu amealhar algum aforro, sendo avesso a qualquer tipo de jogo ou de risco - o que sempre foi do conhecimento do banco Réu;

21.  Em relação ao aconselhamento sobre os valores pertença do Autor, foi-lhe apresentado o dito produto financeiro designado por Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 (de outubro de 2004) enquanto sucedâneo de um depósito a prazo; (ALT RELA)

22.  Na negociação, celebração e execução do mencionado contrato, o Réu informou o Autor conforme referido em 21 e 23, mas não lhe forneceu um documento informativo sobre a natureza e as características principais do produto em questão;

23.  O funcionário do BPN apresentou ao Autor a compra das obrigações SLN Mais 2004 como uma aplicação idêntica à constituição de um depósito a prazo com uma taxa de juro mais atractiva em razão do prazo e da menor liquidez até à maturidade, a qual podia, no entanto, ser substituída pela transacção para outros clientes, havendo muita procura, ou por financiamento do BPN, com a garantia da aplicação. (ALT RELAÇÃO)

24.  Ao subscrever o produto em causa, o Autor julgava estar a celebrar um negócio semelhante a um depósito a prazo, por tal lhe ter sido informado pelos funcionários do banco, subscrição essa que jamais ocorreria caso conhecesse a natureza do produto;

25.  O Autor foi informado pelos funcionários do banco nos termos constantes dos pontos de facto 21, 23, 28 e 29;

26. Aquando do vencimento do produto financeiro em questão (25 de outubro de 2014), o capital investido pelo Autor (= € 50 000,00) não lhe foi restituído pelo banco Réu, situação que perdura até hoje;

27. O Autor apenas ficou ciente dos termos específicos do negócio (para além do constante dos pontos de facto 21, 23, 28 e 29) e de que o banco Réu não assumiria qualquer responsabilidade pelo produto vendido a partir de 30 de setembro de 2015, data em que cessaram os pagamentos pela Galilei, SGPS, S.A., dos juros contratualizados;

28.  Aquando da subscrição do produto em causa, o Autor apenas foi informado de que o reembolso antecipado só era possível a partir do 5.º ano e, ainda, de que poderia endossá-lo unilateralmente a um terceiro interessado (até ao 5.º ano);

29.  (...) O que, na altura, era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura por serem rentáveis;

30.  A presente ação judicial foi instaurada no dia 7 de junho de 2018 e o banco Réu foi citado para os seus termos no dia 15 de junho de 2018.”

Daqui resulta ser o Autor, titular de uma obrigação subordinada, na qual foram aplicadas as suas poupanças, conquanto aplicadas sem estar devidamente esclarecido acerca das suas características, a qual não era adequada ao seu perfil de investidor, avesso ao risco, sendo o Autor, pessoa habituada a aplicar o seu dinheiro apenas em depósitos a prazo, o que era do conhecimento dos funcionários da agência do BPN, com os quais o Autor lidava e em quem este confiava, sendo que se ao Autor tivesse sido dada completa informações sobre as características do produto financeiro que lhe foi proposto, lhe tivesse mostrado e explicado integralmente o conteúdo da nota informativa respeitante a esse produto, o Autor não o teria adquirido.

Está, pois, adquirido processualmente que o Autor não possuía conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros, concretamente, as obrigações subordinadas, e não sabia avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que ficou convencido de que o seu dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto garantido e assegurado.

Esta declaração, para com este Autor, deverá ser compreendida à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - .

A declaração só pode significar que o Banco/Réu assumiu um compromisso perante o Autor, seu cliente, o do reembolso do capital investido no consignado produto financeiro.

É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O Banco/Réu incumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do Autor, enquanto investidor e cliente, de tal sorte que o Banco/Réu, ao deixar de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo do seu cliente, aqui Autor, não cuidou de proceder com boa-fé.

Assim, reconhecemos verificada a ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, aqui Banco/Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, grosseiramente desconsiderado.

Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil; e o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, importa apreciar do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se o Autor, acaso tivessem sido informado das verdadeiras características do produto que adquiriu, a troco das entregas de dinheiro a que procedeu, se não o teria efetuado.

Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”

Outrossim, como já adiantamos, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o Banco/Réu é responsável pelo dano sofrido pelo Autor, necessário se torna que este demonstre o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao Autor, ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o Autor não teria investido naquela aplicação financeira, isto é, impõe-se que da facticidade demonstrada se possa concluir que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever o produto financeiro - SLN Rendimento Mais - se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o dinheiro investido.

Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a matéria de facto adquirida processualmente, concluímos que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever aquele produto financeiro (compra da obrigação subordinada - SLN Rendimento Mais -) se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o seu dinheiro, importando, assim, retirar dos factos demonstrados, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual, tão evidente se torna ao cotejar os factos concretos que permitem estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados pelo Autor.

Em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente, nos termos discreteados, não reconhecemos à argumentação aduzida pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo esta a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, negando-se a revista, mantendo-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de outubro de 2022

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes