Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S4478
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
INTERESSE DA EMPRESA
PREJUÍZO SÉRIO
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO DE CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
PORTARIA DE EXTENSÃO
DEVER DE OBEDIÊNCIA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Nº do Documento: SJ200805070044784
Data do Acordão: 05/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - O conceito de justa causa constante do art. 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho pressupõe a verificação de dois requisitos cumulativos: um comportamento culposo do trabalhador violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade da subsistência da relação laboral.
II - Exige-se para a verificação do segundo requisito uma “impossibilidade prática”, como necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato, tornando-se necessário que nenhum outro procedimento se revele adequado a sanar a crise contratual.
III - Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, deverá considerar-se o entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso concreto.
IV - Em consonância com o princípio geral da inamovibilidade do trabalhador - art. 122.º, al. f) do Código do Trabalho -, o art. 154.º, n.º 1 do Código estabelece a coincidência entre o local da realização da prestação pelo trabalhador e o local contratualmente definido para o efeito, normativizando os desvios consentido “ope legis” ao assinalado princípio (arts. 315.º a 317.º).
V - Na modalidade de transferência individual (definitiva ou temporária), a existência de um “prejuízo sério” habilita o trabalhador, a optar por: (i) permanecer no local de trabalho, desobedecendo a uma ordem que é ilegítima (a existência desse prejuízo constitui, então, um facto impeditivo do direito, por banda e no interesse do empregador, de alterar o local de trabalho); (ii) resolver de imediato o vínculo com o consequente direito à componente indemnizatória.
VI - Na hipótese de transferência colectiva (resultante da mudança, total ou parcial, do estabelecimento), o único meio de oposição consentido ao trabalhador, caso se verifique o “prejuízo sério”, reconduz-se à resolução do vínculo, acompanhada da respectiva indemnização (n.º 2, do art. 315.º do CT).
VII - Tanto na transferência individual como na transferência colectiva, o “prejuízo sério” constitui o necessário pressuposto de qualquer reacção que o trabalhador queira (ou possa) assumir de oposição a essa transferência, competindo a este, à luz do Código do Trabalho, o ónus da prova dos factos que servirão de suporte à apreciação do prejuízo expectável.
VIII - Na transferência individual (definitiva ou temporária), o juízo do tribunal sobre a legitimidade da ordem pressupõe um necessário confronto entre o “interesse da empresa” e o “prejuízo” do trabalhador, só sendo admissível a transferência se o interesse da empresa o exigir (ao invés do que sucede na transferência colectiva em que a lei presume “juris et de jure”um interesse funcional da empresa).
IX - Sendo uma ordem de transferência individual temporária sucessivamente adiada na sua execução e complementada na sua fundamentação, o tribunal deve atender ao circunstancialismo global que emerge das várias comunicações efectuadas.
X - A transferência pode acobertar-se em parâmetros de estratégia organizativa.
XI - Verifica-se o “interesse da empresa” na transferência se esta implementou medidas de mobilidade geográfica atingindo todos os trabalhadores responsáveis por lojas com quebra de vendas, visando com isso introduzir novos métodos de trabalho e motivar os trabalhadores, constatando-se que as mudanças operadas noutras lojas significaram um acréscimo de vendas e que a loja de Aveiro, em que a autora laborava, continuou com vendas e resultados fracos.
XII - Não pode afirmar-se que a ordem de transferência da autora para a loja do Porto acarrete “prejuízo sério”, para os efeitos do exercício do direito de resolução do contrato de trabalho com indemnização, no seguinte circunstancialismo: a transferência é temporária (por três meses); o empregador contabiliza o tempo das viagens como tempo de trabalho (não estando a autora obrigada a sair de casa mais cedo ou a ela regressar mais tarde); Aveiro e Porto são duas cidades com excelentes ligações de transportes públicos, nomeadamente ferroviários, em cujas viagens não se despende mais tempo do que aquele a que se acham obrigados os trabalhadores residentes em zonas periféricas de grandes centros urbanos; a autora não logrou provar relevantes prejuízos de ordem familiar ou pessoal.
XII - Sendo a factualidade fixada omissa quanto à actividade económica do empregador, não pode aferir-se da aplicabilidade do CCT a que se reporta a Portaria de Extensão, publicada no BTE, 1.ª série, n.º 27, de 22 de Julho de 1981, por esta via extensiva, um vez que a referida portaria erege como pressuposto da aplicabilidade daquele instrumento de regulamentação colectiva o exercício da actividade económica por ele abrangida.
XIV - Configura justa causa de despedimento, inviabilizando definitivamente a subsistência do vínculo laboral, o comportamento da autora, funcionária com cargo de superintendência na hierarquia da empresa, que não cumpriu a já referenciada ordem legítima de transferência temporária e, além disso, desobedeceu a determinações superiores no sentido de atribuir descansos compensatórios devidos a trabalhadores que laboravam sob a sua directa supervisão na loja que superintendia (e que haviam trabalhado em folgas e feriados), do mesmo passo que também não lhes concedeu o período de férias superiormente determinado, sem cuidar de justificar este seu comportamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1 – RELATÓRIO



1 -1
AA intentou, no Tribunal, do Trabalho de Aveiro, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB 7 – Comércio de Mobiliário S.A.”, pedindo se declare que foi despedida pela Ré sem justa causa e que, em decorrência directa disso, seja a mesma condenada a pagar-lhe os componentes retributivos e indemnizatórios descriminados na P.I., sem prejuízo da sua reintegração optativa nos quadros da empresa, além das quantias, que também discrimina, a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, em feriados obrigatórios e em dias de descanso compensatório, tudo acrescido dos correspondentes juros de mora.
A Ré contrariou expressamente o fundamento de todas as pretensões accionadas, afirmando nuclearmente a licitude do despedimento e, quanto às prestações atinentes a trabalho suplementar, refere que as mesmas se reportam a um período em que os seus estabelecimentos eram explorados por outra empresa – “BB 2 – Comércio, Móveis e Electrodomésticos S.A.” – tendo a Ré convidado os seus trabalhadores a reclamar eventuais créditos relativos a esse período, o que a Autora não fez.
Admitido, sob o impulso da demandante, o chamamento da “BB 2”, veio a mesma aduzir a prescrição dos créditos reclamados, aderindo, no mais, à defesa da Ré.
1-2
Instruída e discutida a causa, foi a acção julgada parcialmente procedente, em consequência do que se decidiu:
- reconhecer como ilícito o despedimento da Autora, por improcederem os motivos para tal invocados;
- condenar a Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
- condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €1.557,98, tantas vezes quanto os meses decorreram e decorram entre 20/8/2005 e o trânsito em julgado da decisão, a título de compensação conforme art.º 437º do C.T. (“somando actualmente € 24.927,68”), acrescida de juros de mora “desde a presente data” até pagamento, à taxa de 4%, com dedução daquilo que a Autora tiver recebido, a título de subsídio de desemprego ou por via de outra actividade que tenha iniciado;
- absolver a Ré do demais peticionado;
- absolver a chamada do pedido.
Debalde apelou a Ré, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou integralmente a sentença da 1ª instância.
1–3
Continuando irresignada, a Ré pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
1 – a decisão que julgou ilícito o despedimento da Autora, ao basear-se em ordem de transferência temporária de local de trabalho considerada ilegal, não se compatibiliza com a valoração do conjunto da matéria de facto provada, nem com as disposições legais aplicáveis;
2 – Com efeito, o princípio da estabilidade do local de trabalho – art.º 154º do C.T. – não é um princípio absoluto, pois o próprio normativo prevê que deve ceder perante a verificação das condições e circunstâncias fixadas nos art.ºs 315º a 317º do mesmo Código;
3 – “In casu”, tratava-se de uma ordem de transferência temporária, comunicada por escrito à A., com a indicação da sua justificação e do tempo previsível da alteração (3 meses), bem como da informação de que a R. custearia as despesas da trabalhadora impostas pela transferência, decorrentes do acréscimo de custos de deslocação, concretamente as despesas de transporte;
4 – a justificação, que deve ser avaliada numa óptica de gestão empresarial, teve a ver com o interesse legítimo da R. em avançar com uma reestruturação que estava em curso, com vista à melhoria da performance das lojas e, consequentemente, da sua melhor rentabilidade, como era entendimento da própria A., na reunião que tivera com o Director dos Recursos Humanos;
5 – justificação essa que depois foi desenvolvida, explicada e complementada em reuniões que o Director de Serviços e o Director dos Recursos Humanos (este, por 2 vezes) tiveram com a A. em Aveiro;
6 – tal reestruturação, como ficou provado, teve origem na grave crise económica que atingiu a empresa, provocando a redução geral das vendas, em especial na loja de Aveiro, cujos resultados eram fracos, colocando-se mesmo a hipótese do seu encerramento;
7 – reestruturação que, como também ficou provado, passava pela rotação temporária dos vários gerentes das lojas com vista à implementação de novos métodos de trabalho para motivar os recursos humanos, medida que deu resultados positivos nas lojas onde foi aplicada, enquanto a loja de Aveiro continuava em quebra de vendas e com risco de encerramento;
8 – no sentido de evitar para a A. prejuízos sérios na organização da sua vida familiar, que ela invocara em carta, a R. assegurou-lhe por escrito, que o tempo das deslocações entre Aveiro/Porto/Aveiro seria computado como tempo de trabalho, mantendo-se assim inalterado o horário que a A. praticava na loja de Aveiro, entre as 10h e as 20h;
9 – Com esta medida, a R. garantiu que a deslocação diária da A. para o Porto e regresso a Aveiro não afectaria negativamente o tempo disponível que esta dedicava ao apoio familiar, que era exactamente igual ao que dispunha antes da transferência;
10- de resto, a A. nem alegou em concreto, nem provou, o modo e o tempo que dedicava ao apoio familiar e de que maneira esse apoio seria afectado pela transferência nas condições proporcionadas pela empresa;
11- também perante a indisponibilidade da A., manifestada na referida carta, de conduzir e ao facto de ter um veículo velho, a R. acedeu a que utilizasse o transporte público, designadamente o comboio;
12- a viagem de comboio dura cerca de 45 minutos – tempo incluído no horário de trabalho da A. – tratando-se de um tempo semelhante ou até inferior à média gasta pelos trabalhadores que residem nas periferias das cidades, independentemente do meio utilizado, devido aos problemas de trânsito;
13- além disso, a R. garantiu que não alteraria os dias de folga semanal da A. enquanto estivesse na loja do Porto, ponto também muito importante para a estabilidade da sua vida familiar;
14- afastados estes obstáculos, restava a própria viagem que, podendo ser um incómodo ou transtorno, não seria seguramente um prejuízo sério que legitimasse a recusa da A. em comparecer na loja do Porto, onde nunca se apresentou, continuando a fazê-lo na loja de Aveiro, em claro desafio à ordem de transferência;
15- não se provando a existência de prejuízo sério mas, tão só, de eventual incómodo que, aliás, teria uma duração curta, a ordem em causa era lícita, sendo ilegal e ilegítima a recusa da A. em acatá-la, o que constitui infracção disciplinar – art. 121º n.º 1 al. D) do C.T. – que integra justa causa de despedimento – art.º 396º n.º 1 e n.º 3 al. A) do mesmo Código;
16- por outro lado, recusando o cumprimento da ordem, a A. não compareceu no novo local de trabalho, faltando injustificadamente ao serviço durante 16 dias, o que também constitui infracção disciplinar e íntegra justa causa de despedimento – art. 396º n.º 3 al. G);
17- mesmo que se entendesse que a ordem era ilegal, ainda assim ficaram provados comportamentos graves praticados pela A. que, por si sós, constituíram infracções disciplinares susceptíveis de conduzir ao despedimento, como consta da decisão final do processo disciplinar;
18- na verdade, provado ficou que a A. desrespeitou determinações superiores da empresa no sentido de conceder as legais compensações aos trabalhadores da loja de Aveiro que laboraram em dias de folga semanal e em feriados em Novembro e Dezembro de 2003, não só por ser uma imposição legal mas como factor de motivação adicional;
19- provado também ficou que a A., desrespeitando de novo determinações superiores da empresa, não concedeu 15 dias de férias aos trabalhadores da loja de Aveiro nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2004, prática que não era habitual nos anos anteriores, inviabilizando um factor adicional de motivação dos trabalhadores, que não gozaram desse benefício por incumprimento da A.;
20- a agravar este comportamento, e como também ficou provado, a A. procurou esconder este facto do conhecimento da sua hierarquia, dizendo à colega CC que não enviasse o mapa de férias para a Direcção dos Recursos Humanos, em Lisboa;
21- sendo a A. a responsável máxima da loja, em quem a R. tinha de confiar na execução das suas instruções e determinações, competia-lhe dar o exemplo, cumprindo determinações legais e actos de gestão enquadrados na política de recuperação da empresa então em curso;
22- esses incumprimentos puseram em causa a aplicação da lei e a realização dos direitos dos trabalhadores, subordinados da A., com os ónus dessa situação a recaírem injustamente sobre a empresa;
23- perante tais comportamentos, não era possível à R. contar com a colaboração da A., como responsável da loja, pela recuperação desta e pela motivação dos trabalhadores nesse esforço de recuperação;
24- neste contexto, estas infracções disciplinares assumiram uma maior relevância e gravidade, fazendo com que se quebrasse, de forma irremediável, o grau de confiança indispensável ao exercício do cargo, pela A., de responsável de loja, tornando impossível a manutenção do contrato de trabalho;
25- tais infracções, em si mesmas ou, por maioria de razão, associadas à desobediência anteriormente referida – ordem de transferência – são de elevada gravidade, atenta, por um lado, a alta responsabilidade funcional da A. e, por outro, a violação de disposições legais, dos direitos dos trabalhadores e de determinações superiores;
26- ao decidir em contrário – desvalorizando as gravíssimas infracções apontadas – as instâncias não valoraram correctamente os factos provados e fizeram uma errada interpretação e aplicação dos arts. 315º a 317º, 121º als. B), C), D) e G) e 396º n.ºs 1 e 3 als. A), B), D) e C do C.T..
27- assim, deverá ser revogado o Acórdão da Relação, considerando-se legítima a ordem de transferência e, consequentemente, ilegítima a sua recusa pela A., o que constitui, só por si, justa causa de despedimento, como também a constituem, por si mesmas, as demais infracções cometidas.
1.4.
A Autora contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e a consequente confirmação do julgado.
1.5.
No mesmo sentido, e sem reacção das partes, se pronunciou a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FACTOS

As instâncias fixaram, pacificamente, a seguinte factualidade:
1- a A., em 13/1/92, foi admitida ao serviço subordinado de “BUT – Comércio de Móveis e Electrodomésticos S.A”, para desempenhar as funções de vendedora no seu estabelecimento comercial sito no Centro Comercial Feira Nova, Esgueira (loja de Aveiro);
2- cerca de dois anos após a data referida no ponto anterior, a A. passou a ser responsável por loja;
3- sendo a A. a funcionária mais categorizada hierarquicamente na loja de Aveiro;
4- por escritura outorgado em 25/6/96 no 16º Cartório Notarial de Lisboa, exarada a fls. 12 e 12 vrs. Do Livro Cinquenta – I das notas daquele Cartório, a sociedade referida no ponto anterior adoptou a denominação de “BB 2 – Comércio de Móveis e Electrodomésticos, S.A.;
5- a partir de 1999 (Agosto), a chamada “BB 2 – Comércio de Móveis e Electrodomésticos S.A.” atribuiu à A. a categoria profissional de “Caixeira encarregada”, sendo a encarregada da loja de Aveiro;
6- em 30/12/2002, “BB 2 – Comércio de Móveis e Electrodomésticos S.A.” e “BB 7 – Comércio de Mobiliário S.A.” outorgaram contrato com o conteúdo que consta de fls. 163/166, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente, apelidado de “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial”;
7- a Ré “BB 7 – Comércio de Mobiliário S.A.”, em data que não foi possível apurar da 2ª quinzena de Dezembro de 2002, procedeu à afixação, no estabelecimento onde a A. trabalhava (loja de Aveiro), de um aviso comunicando a todos os trabalhadores a operação em curso (referida em 6º) – com o teor constante de fls. 113, que aqui se dá for integralmente reproduzido – convidando-os a reclamarem eventuais créditos que tivessem sobre a empresa cedente;
8- a R., “BB 7 – Comércio de Mobiliário S.A.”, em 1/1/2003, passou a explorar o estabelecimento comercial onde a A. trabalhava;
9- a A. sempre trabalhou no estabelecimento comercial referido em 1- - sito no Centro Comercial Feira Nova, Esgueira (loja de Aveiro);
10- durante o ano de 2003, houve uma quebra mais ou menos generalizada das vendas em várias lojas da R., incluindo na loja de Aveiro, onde a A. trabalhava;
11- o que levou a R. a adoptar medidas internas, que passavam por promover a mudança e troca de responsáveis de loja, com vista a implementar novos métodos de trabalho para motivar os recursos humanos;
12- em resultado dessas mudanças e trocas responsáveis, houve em acréscimo de vendas noutras lojas;
13- a loja de Aveiro continuava com vendas e resultados fracos;
14- em 2004, o Director de Serviços da R. visitou a loja de Aveiro e, em reunião com a A., informou a mesma da intenção da Administração em, à semelhança da rotação operada noutras lojas, a transferir para a loja do Porto, garantindo-lhes as condições de trabalho, nomeadamente salariais, e que pagaria as despesas inerentes à deslocação;
15- em 7/672004, a R. enviou à A. a carta com o teor de fls. 41, que aqui se dá por integralmente reproduzida, com o seguinte assunto: “transferência temporária de local de trabalho”; à qual a A. respondeu como consta de fls. 42, cujo teor igualmente se dá por integralmente reproduzido;
16- a R. remeteu depois as cartas como o teor de fls. 43 e 44, que aqui se dá também por integralmente reproduzido, às quais respondeu a A. como consta de fls. 45/46, cujo teor igualmente se dá por integralmente reproduzido;
17- a A., em 9/6/2004, enviou à R. “e-mail”, em resposta a “e-mail” da R., com cópia da carta de fls. 41, referida em 15, com o teor de fls.41, referida em 15, com o teor de fls. 91/92, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
18- dá-se por reproduzido o teor dos “e-mail’s” de fls. 98;
19- em 7/3/2004, o Director de Recursos Humanos da R. visitou a loja de Aveiro, reafirmando a necessidade do referido no ponto anterior, para evitar um hipotético encerramento da loja;
20- a A., sem rejeitar a mudança, procurou saber onde seria colocada quando viesse a deixar a loja do Porto;
21- em 12/8/2004, a R. voltou a enviar carta à A., com o teor de fls. 47, que aqui se dá por integralmente reproduzido, à qual a A. respondeu como consta de fls. 48, cujo teor igualmente se dá por integralmente reproduzido;
22- entre 1 e 17 de Setembro de 2004, o marido da A. comunicou que esta não iria trabalhar por se encontrar a prestar assistência à sua filha, remetendo depois à R. declaração com o teor de fls. 103 que aqui se dá por integralmente reproduzido;
23- em 17/8/2004, a R. enviou à A. carta com o teor de fls. 104, que aqui se dá por integralmente reproduzido, com o assunto: “justificação de faltas – prova; transferência temporária de local de trabalho”;
24- em 21/9/2004, a A. apresentou-se na loja de Aveiro para trabalhar, enviando nesse dia o Director de Recursos Humanos da R. “e-mail” para ser entregue à A., com o teor de fls. 106, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
25- em 22/9/2004, a A. apresentou-se novamente na loja de Aveiro para trabalhar, enviando nesse dia o Director de Recursos Humanos da R. “e-mail” para ser entregue à A., com o teor de fls. 107, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
26- em 23/9/2004, a A. enviou à R. carta com o teor de fls. 108, acompanhada com a declaração de fls. 109, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
27- a R. enviou à A. a carta com o teor de fls. 49, que aqui se dá por integralmente reproduzido, com o seguinte assunto: “processo disciplinar – suspensão preventiva”;
28- a A., entre 27/9/2004 e 9/10/2004, esteve no gozo de folgas de compensação;
29- a A., entre 25 e 31/10/2004, esteve em gozo de férias;
30- nos demais dias, a A. sempre se apresentou na loja de Aveiro, sem executar qualquer tarefa;
31- a A. nunca compareceu na loja do Porto da R. para trabalhar;
32- tendo, em 22/10/2004, o Director de Recursos Humanos da R. voltado à loja de Aveiro no sentido de conversar com a A., de modo a esta aceitar a sua transferência para o Porto;
33- a loja da R. (no Porto), na altura referida em 15-, 16-, 17- e 21-, tinha um responsável pela loja e um “sub-responsável”;
34- o “sub-responsável” da loja do Porto, DD foi transferido para a loja de Aveiro, onde, pelo menos em 21/9/2004, já se encontrava;
35- a A., enquanto encarregada da loja de Aveiro, não concedeu as compensações legais aos trabalhadores que trabalharam nas folgas e feriados nos meses de Novembro e Dezembro de 2003;
36- quando a A. tinha ordens superiores para o fazer;
37- tendo sido os serviços da R. a apurar esses dias de compensação devidos;
38- a A. não cumpriu a determinação superior de conceder aos trabalhadores, no ano de 2004, 15 dias de férias nos meses de Julho, Agosto e Setembro;
39- não era hábito da R. conceder férias nos termos referidos no ponto anterior, tendo-o feito naquele ano como factor de maior motivação dos trabalhadores das lojas e armazéns;
40- tendo a A. dito à colega CC para não remeter o mapa de marcação das férias para a Direcção dos Recursos Humanos, como estava determinado;
41- a R. enviou à A. a “nota de culpa” com o teor de fls. 28/31, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, datada de 19/11/2004, dando-se aqui por integralmente reproduzido também todo o teor do processo disciplinar junto “por linha” e também as cópias do mesmo, juntos a fls. 27 a 41, 50 a 52, 110 a 112;
42- em Janeiro de 2005, a A. tinha a retribuição base de € 822,02; à remuneração base acrescia, todos os meses, quantia por isenção de horário de trabalho, quantia relativa a diuturnidades, o subsídio de refeição e ainda o valor variável a título de comissões, com a designação de “adiantamentos”;
43- a A., por isenção de horário de trabalho, recebia € 253, 36 mensais, € 22,50 mensais de diuturnidades e € 122,10 mensais de subsídio de refeição;
44- a A. recebia uma média mensal de € 338,00 a título de comissões, sendo o valor médio das comissões recebidas pela A., entre Janeiro e Setembro de 2004, de € 244,62 líquidos;
45- a A. teve as retribuições que constam dos “recibos de vencimento” juntos aos autos;
46- a A., em data que não foi possível apurar, questionou o seu superior hierárquico, Dr. EE, pelo menos sobre o modo de gozo de descanso compensatório;
47- o marido da A., FF trabalha em Aveiro;
48- a filha da A., GG, frequenta o 4º ano de escolaridade em Aveiro;
49- a avó da Autora tem 84 anos e vive perto de si, necessitando de apoio;
50- a mãe da A. vive a cerca de 40 Kms de Aveiro;
51- o pai da A. já faleceu;
52- os pais do marido da A. vivem em França;
53- a R. tinha conhecimento do referido nos pontos 47- a 52-, pelo menos desde Junho de 2004.
São estes os factos.

3- DIREITO

3.1.
Ao intentar a presente acção, visava a Autora:
- que viesse a ser reconhecida a ilicitude do seu despedimento, com a sua consequente reintegração nos quadros da empresa – conforme opção exercida oportunamente – e a necessária condenação da Ré no pagamento retributivo daí resultante;
- o pagamento, também a cargo da demandada, das quantias que reclamava a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, feriados obrigatórios e dias de descanso compensatório.
Como vimos, as instâncias vieram a conferir-lhe ganho de causa relativamente à ilegalidade da sanção aplicada, com as consequências reparatórias inerentes, rejeitando, no mais, a pretensão deduzida.
A única reacção recursória, quer em sede de apelação, quer de revista, proveio da Ré que, naturalmente, circunscreveu a sua censura aos segmentos decisórios que desfavoreciam.
Na verdade, e como melhor deflui dos núcleos conclusivos daqueles dois recursos, continua a demandada a defender a plena legalidade da sanção eleita, quer por ter a Autora incumprido a ordem de transferência que lhe foi imposta, quer pela sua desobediência a determinações superiores no tocante à atribuição de férias e descansos compensatórios aos trabalhadores da loja de Aveiro, que laboravam sob a sua directa supervisão.
Deste modo, o objecto da revista circunscreve-se à questão de saber se a Ré tinha, ou não, “justa causa” para operar o questionado despedimento da Autora.
3.2.1.
O regime jurídico aqui atendível é o que emerge do Código do Trabalho: com efeito, tanto o despedimento, quanto a factualidade que o suporta, decorreram já na plena vigência desse diploma, ou seja, em data posterior a 1 de Dezembro de 2003 (arts. 3º n.º 1 e 8 n.º 1 – parte final – da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).
Na sequência do imperativo constitucional contido no art.º 53º da C.R.P., o art. 396º n.º 1 do Código do Trabalho define o conceito de “justa causa” de despedimento, promovido pela entidade patronal, como o “… comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Estabelece-se, logo após e a título meramente exemplificativo – n.º 2 do preceito – um quadro de comportamentos susceptíveis de justificar o despedimento.
Verifica-se, assim, que o Código do Trabalho recuperou integralmente o conceito de “justa causa” que, no pretérito, constava do artigo 9º n.º 1 da L.C.C.T. (“Lei da Cessação do Contrato de Trabalho”, aprovada pelo D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro).
E também se anota uma visível correspondência entre a enumeração exemplificativa do art.º 396º n.º 2 e a que anteriormente se enunciava no art. 12º da L.C.C.T.
Assim – e tal como acontecia no anterior regime – a transcrita noção legal de “justa causa” pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências;
- um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bónus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto.
Por outro lado, cabe dizer que o apuramento da “justa causa” se corporiza, essencialmente, no segundo elemento acima referido: impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho.
Relativamente à interpretação desta componente objectiva da “justa causa”, continua a ter plena validade a jurisprudência firmada no domínio do regime anterior, que coligia os seguintes elementos:
- a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade” da manutenção vinculística;
- exige-se uma “impossibilidade prática”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto;
- e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.
Para integrar este elemento, torna-se necessário fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida (cfr. Lobo Xavier in “Curso de Direito do Trabalho”, pags. 490 e segs.).
Segundo Monteiro Fernandes (in “Direito do Trabalho”, 12ª ed., pags. 557 e segs.), a inexigibilidade” determina-se mediante um balanço, em concreto, dos interesses em presença – fundamentalmente, o da urgência na desvinculação e o da conservação do vínculo – havendo “impossibilidade prática da subsistência da relação laboral” sempre que a continuidade do contrato represente (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é, sempre que a subsistência do vínculo, e das relações que ele supõe, sejam “… de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador”.
Torna-se necessário, em suma, que nenhum outro procedimento se mostre adequado a sanar a crise contratual.
O Código do Trabalho – art. 396º n.º 2 – tal como já fazia anteriormente a L.C.C.T. – art. 12º n.º 5 – também estabelece critérios da apreciação da “justa causa”: o grau de lesão dos interesses do empregador (em que, apesar de tudo e sem embargo da previsão específica do art. 396º n.º 3 al. E), não se exige a verificação de danos), o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores, todas as outras circunstâncias, enfim, que relevem no caso, a aferir no contexto da gestão da empresa.
Na indagação da “justa causa” de despedimento intervêm, desse modo, juízos de prognose e juízos valorativos, necessários ao preenchimento individualizado de uma hipótese legal indeterminada, a par, bem entendido, das operações lógico-subsuntivas a que se reporta o ónus da prova (cfr. Lobo Xavier, ob cit., págs. 511 e segs.).
É dizer que a lei, em busca de uma justiça individualizante, transfere para o julgador a tarefa de, em cada momento, concretizar a aplicação dessa “cláusula geral” a que a “justa causa” efectivamente se reconduz.
No âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem a jurisprudência salientado o papel da confiança nas relações de trabalho, afirmando a sua forte componente fiduciária e concluindo que a confiança contratual é particularmente ofendida quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina (cfr. Acórdão deste Supremo de 28/1/98 – A.D. 436º, 556).
Na mesma linha de entendimento, também Baptista Machado salienta que “… o núcleo mais importante de violações do contrato, capazes de fornecer justa causa à resolução, é constituído por violações do princípio da leal colaboração, imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais, diz-se que se trata de uma quebra da “fides” ou da “base da confiança” do contrato …” (in R.L.J. 118º, 330 e segs.).
Aliás, nos termos do art.119º n.º 1 do C.T., “o empregador e o trabalhador, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa fé”.
E, ademais, “… é importante que o empregador, (como qualquer julgador) tenha presente o princípio da proporcionalidade sempre que aplica sanções disciplinares …” (Pedro Romano Martinez in “Código do Trabalho Anotado”, 5ª ed., pág. 644).
3.2.2.
Passemos aos concretos fundamentos coligidos pela Ré em abono da sanção disciplinar aplicada à Autora.
Como está bom de ver, a nossa análise cingir-se-á àqueles que a empregadora continua a questionar no recurso e já não aos demais que constavam da “nota de culpa” mas que se mostram definitivamente descartados.
O primeiro deles – já o sabemos – reporta-se à incumprida ordem de transferência.
No âmbito dos seus poderes de conformação da prestação de trabalho, assiste ao empregador o direito de “localizar” essa prestação, ou seja, de definir em que lugar há-de a mesma ser desenvolvida.
Porém, como elemento decisivo que é para o estatuto sócio-profissional do trabalhador – por um lado, a “dimensão espacial”condiciona o vínculo de subordinação jurídica e, por outro, constitui a referência para que o trabalhador organize o seu “modus vivendi” – o local de trabalhador decorre, ainda que por mera adesão, do acordo celebrado entre as partes, aquando da vinculação recíproca.
Corporizando, por via disso, um interesse primordial do trabalhador, o direito à manutenção do local de trabalho impede a entidade patronal, por via de regra, de transferir os seus empregados “… para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou quando haja acordo” – art. 122º al. F) do C.T..
Em consonância com esse princípio geral de inamovibilidade, também o art. 154º n.º 1 do mesmo Código dispõe que “… o trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido, sem prejuízo do disposto nos artigos 315º a 317º”.
Estes preceitos normativizam, por seu turno, os desvios consentidos “ope legis” ao assinalado princípio.
De acordo com o n.º 1 daquele art. 315º, “o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador” (sublinhado nosso).
Trata-se da chamada “transferência individual definitiva” – no sentido de que não lhe é aposto um limite de tempo – cuja modalidade pressupõe a simples mudança de um posto de trabalho, permanecendo imutável o complexo físico da organização empresarial.
A “transferência individual” – com pressupostos de todo idênticos ao da transferência definitiva – também pode ser meramente “temporária” – art. 316º n.º 1.
Enquanto o regime de pretérito – art.º 24º da L.C.T. – estabelecia, neste domínio, um princípio geral de proibição da transferência – fazendo prevalecer o interesse do trabalhador na “estabilidade geográfica” da prestação sobre as conveniências empresariais que apontam para a mobilidade do pessoal – o regime vigente parece mais sensível aos interesses do empregador, visto que lhe confere, por norma, a faculdade de transferência individual (cfr. Monteiro Fernandes, obra citada, pág. 423).
Ainda assim, a existência de um “prejuízo sério” habilita o trabalhador, nesta modalidade de transferência (definitiva ou temporária), a optar por:
permanecer no seu local de trabalho, desobedecendo a uma ordem que é ilegítima: é que a existência desse prejuízo constitui, então, um facto impeditivo do direito, por banda e no interesse do empregador, de alterar o local de trabalho;
resolver de imediato o vínculo, com o consequente direito à componente indemnizatória.
Por seu turno, o nº2 do citado artigo 315º dispõe que “O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço”: nessa hipótese, “o trabalhador pode resolver o contrato se houver prejuízo sério, tendo neste caso direito à indemnização prevista no nº1 do artigo 443º” – nº 4 daquele art.º 315º (sublinhado nosso).
Ao contrário do que sucede na transferência individual, o único meio de resistência, consentido aqui ao trabalhador, reconduz-se à resolução do vínculo, necessariamente acompanhada da respectiva indemnização.
Mas, para isso, torna-se também incontornável a existência do “prejuízo sério”.
E, no domínio probatório desse prejuízo, o Regime actual, em confronto com o anterior, estabelece uma relevante diferença:
— Enquanto o mencionado art.º 24º da L.C.T. reconhecia ao trabalhador, nesta modalidade de transferência, a faculdade de romper o vínculo,”… salvo se a entidade patronal provar que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador” (nº2 – parte final – sublinhado nosso), o regime vigente eliminou essa presunção e o consequente ónus infirmativo a cargo do empregador.
As alterações vieram aproximar o regime das duas modalidades de transferência – individual e colectiva – no que concerne ao critério de repartição do ónus da prova.
Continuando a ser exacto que o “prejuízo sério” constitui o necessário pressuposto de qualquer reacção que o trabalhador queira (ou possa) assumir – resolução contratual com indemnização (nas duas modalidades); resolução ou desobediência (na transferência individual) – parece que o Código actual comete sempre ao trabalhador a responsabilidade pela prova desse pressuposto.
Salienta, a este propósito, Monteiro Fernandes:
“Em suma, o art.º 342º do C. Civil implica, tanto na transferência individual como na colectiva, a atribuição do ónus da prova dos factos (que servirão de suporte à apreciação das consequências expectáveis) ao trabalhador – em homologia, de resto, com o que se constatou a propósito do ónus de alegação”(ob. Citada, pág. 429).
Mas, ainda quando seja de entender que cabe ao empregador alegar e provar todos os pressupostos que legitimam a ordem, sempre será forçoso reconhecer que, neste particular, a alegação se basta, com a inexistência de “prejuízo sério” para o trabalhador (cujas condições de vida não é aquele obrigado a conhecer), competindo ao trabalhador provar o referido prejuízo para se escusar ao cumprimento da ordem (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho in “Direito do Trabalho”, Parte II, pág. 415).
Como quer que seja, subsiste uma diferença notória entre as duas modalidades: é que a transferência individual só é admissível se o interesse da empresa o exigir.
É claro que a transferência colectiva também pressupõe um interesse funcional da empresa: só que, neste caso, a lei presume-o “de juris et de jure”, conferindo uma protecção absoluta ao interesse organizativo e gestionário do empregador.
Decorre do exposto que o juízo do Tribunal sobre a legitimidade da ordem pressupõe, na transferência individual – definitiva ou temporária – um necessário confronto entre o interesse da empresa e o prejuízo do trabalhador: conforme adverte Monteiro Fernandes, “…a seriedade do prejuízo deve ser apurada também em confronto com a importância e consequências que a não transferência acarretará para a empresa “(ob. Citada, pág. 424).
3.2.3.
O enquadramento jurídico que acabámos de enunciar – pressupostos substantivos da transferência de trabalhadores – é o que decorre do regime legal plasmado nos sobreditos preceitos do Código do Trabalho.
Porém, tanto o nº 3 do art.º 315, como o nº2 do art.º 316º, admitem que as partes, por estipulação contratual, possam alargar ou restringir o mencionado regime.
Nunca ao longo da acção – como também no processo disciplinar – fizeram as partes a menor referência a qualquer instrumento de regulamentação Colectiva, que fosse eventualmente aplicável à relação jurídica em litigio e que dispusesse de modo diverso do regime legal.
Causa, por isso, natural perplexidade que a Autora tenha reservado para a fase dos recursos (contra-alegações da apelação e da revista) o anúncio da existência de um tal instrumento.
Aliás, esse anúncio é feito de modo “telegráfico” e até “descontextualizado”, certo que toda a argumentação nuclear da Autora continua a desenvolver-se nas fases recursórias – como sempre aconteceu, em redor do sobredito regime legal.
Ora, se outro fosse o regime atendível – e aquele que vem anunciado seria decisivamente favorável aos seus interesses – a argumentação da Autora não poderia deixar de ser radicalmente diversa.
Como quer que seja – e porque a aplicação das regras de direito é oficiosa (art. 664º do C.P.C.) – não podemos deixar de enfrentar a questão.
Nos termos da Cl.ª 1ª do C.C.T. invocado, este instrumento obriga as empresas que, no distrito de Aveiro, exerçam a actividade comercial representada pelas associações patronais outorgantes, bem como os trabalhadores ao seu serviço, com as categorias nele previstas e representados pelo Sindicato dos Trabalhadores de Escritório e do Comércio do mencionado Distrito.
Não havendo nos autos a menor notícia sobre a eventual filiação associativa das partes, não poderá o referido C.C.T. ser directamente aplicável “in casu”.
Por outro lado, o núcleo fundamental da aplicabilidade do referido instrumento, por virtude da P.E. também invocada – B.T.E. n.º 27, de 22/7/81 – reside no exercício da actividade económica por ele abrangido (art. 1º).
Ora, também aqui, a factualidade fixada é claramente omissa sobre a actividade económica da Ré, o que nos impede, sem mais, de apreciar a aplicabilidade do dito instrumento pela referida via extensiva.

3.2.4.
Devemos retomar, pois, o enunciado regime legal: para além dos requisitos substanciais enumerados, tanto a ordem de transferência, como a eventual recusa do trabalhador (desobediência ou resolução do vínculo com “justa causa”) estão sujeitas as normas procedimentais específicas.
Assim é que:
- aquela ordem deve ser comunicada por escrito e devidamente fundamentada, com oito dias de antecedência (no caso da transferência temporária) – art. 317º do C.T..;
- a eventual resolução do contrato, por banda do trabalhador, deve ser accionada nos 30 dias seguintes à recepção da ordem – art. 442º n.º 1 do mesmo Código;
- se optar pela desobediência em lugar da resolução, devemos entender, por manifesta analogia de situações, que também cabe ao trabalhador transmitir – e fundamentar – essa sua decisão em idêntico prazo de 30 dias;
- ademais, as duas comunicações conferem uma blindagem argumentativa às duas partes: em futura acção judicial, tanto a ordem como a recusa devem circunscrever-se à fundamentação enunciada nessas comunicações.
No caso dos autos, as coisas não se passaram com este rigor procedimental.
A projectada transferência foi objecto de sucessivos contactos, quer pessoais, quer escritos, entre a Autora e os quadros dirigentes da Ré, como nos dá conta a matéria de facto fixada.
Deste modo, e porque nem sequer vem aduzida qualquer violação procedimental, devemos atender, como também fizeram as instâncias, a toda a argumentação – prévia à presente demanda - produzida nesses sucessivos contactos.
Assim:
- na sequência de uma reunião entre o Director de Serviços da Ré e a Autora, foi a esta enviada uma carta, com data de 7/6/2004,onde lhe era confirmada “… a necessidade de transferência temporária, nos termos do artigo 316º do Código do trabalho, para a nossa loja do Porto, no âmbito da reestruturação da Empresa em curso, com vista à melhoria da perfomance das lojas e, consequentemente, de melhor rentabilidade das mesmas, como, aliás, é também seu entendimento, conforme referiu na nossa conversa”, mais se esclarecendo na missiva que da transferência não resultará “… qualquer alteração na sua categoria profissional e no seu ordenado”, custeando a empresa “… o acréscimo de despesas que provar fazer”, mantendo-se “… os dias de descanso que tem actualmente”, efectuando-se a transferência “… no próximo dia 14 do corrente”;
- em 16 de Junho seguinte, a Ré enviou nova carta à Autora, esclarecendo-a que na carta anterior “… lhe era transmitida uma ordem e não um convite”, devendo a mesma “… cumprir com esta determinação a partir da próxima segunda-feira, dia 21, sob pena de incorrer em infracção disciplinar grave”;
- em resposta a essas cartas, a Autora comunicou por escrito à Ré – carta, não datada, junta a fls. 42- “… que não posso cumprir a instrução que me foi transmitida, em virtude de a mesma me causar prejuízos graves”, além de que “… a comunicação de V.ªs Ex.ªs não cumpre integralmente o disposto no artigo 316º do Código do Trabalho”;
- por carta de 2/7/2004, a Ré voltou a reiterar a ordem em causa, adiando para 19 seguinte a data da apresentação da Autora na loja do Porto esclarecendo que “… Em princípio, o tempo de deslocação temporária será de três meses”;
- em resposta a essa carta, a Autora escreveu outra à Ré, datada de 12/7/04, onde designadamente refere:
“reafirmo que não me é possível cumprir a orientação que me dão, porque a transferência me causaria prejuízos gravíssimos e que não poderia suportar.
Esperando encerrar definitivamente o assunto, vou agora enumerar mais pormenorizadamente as razões que provocariam os insuportáveis prejuízos que já referi e que, aliás, já vos tinha indicado verbalmente. Assim:
1- Sou casada e tenho uma filha de 8 anos;
2- Vivo em Aveiro;
3- O meu marido trabalha em Aveiro;
4- A minha filha frequenta o 4º ano de escolaridade, em Aveiro;
5- Tenho uma avó, de 84 anos, que vive perto de mim e precisa do meu apoio;
6- Não tenho familiares chegados em Aveiro, pois, designadamente, a minha mãe vive a cerca de 40 Kms de Aveiro, o meu pai já faleceu e os meus sogros vivem em França;
7- Não sou especialmente vocacionada para condução, actividade que desenvolvo constrangida e com dificuldade;
8- Tenho um carro velho de onze anos;
9- Atentos os horários que, realmente, se praticam na empresa – saída perto das 21 horas ou mesmo perto das 22 horas, no Verão, ser-me-ia completamente impossível dar à minha família, sobretudo à minha filha, o apoio que precisa e a que tem direito;
10- Os senhores conhecem perfeitamente o quadro que acabei de descrever;
11- Tenho sérias dúvidas que, mesmo que eu me pudesse deslocar para o Porto, … precisassem lá de mim, pois está lá uma gerente e um sub-gerente”;
18- A esta carta respondeu a Ré com uma outra, de 12/8/2004, na qual designadamente refere:
“… as razões que agora invoca não são, a nosso ver, impeditivas da transferência, embora esta possa eventualmente causar alguns incómodos no seu quotidiano, mas que não se podem sobrepor aos interesses da Empresa e da sua viabilidade funcional”;
“… De qualquer modo, procurando atenuar alguns desses incómodos … a Empresa assegura que a sua saída de Aveiro para o Porto se faça a partir do início do seu horário de trabalho (10 horas) e que o seu regresso a Aveiro se concretize até ao termo do referido horário (20 horas);
“… recomenda-se que utilize o meio de transporte público mais adequado, designadamente o comboio”;
“… deverá apresentar-se na loja do Porto a partir do dia 1 de Setembro próximo”;
19- por carta de 25/8/64, a Autora reafirmou a de 12/7/04, dizendo:
“Em suma, a ordem que me dão é ilegítima, pelo que não tenho que a cumprir”.
3.2.5.
Como se vê, a ordem de transferência foi sendo sucessivamente adiada e complementada na sua fundamentação, devendo o Tribunal ponderar, como se disse, todo o circunstancialismo global que acabou por ser produzido.
Ora, à luz dessa factualidade atendível, não podemos subscrever minimamente a tese das instâncias.
Relativamente ao “interesse” da Ré, que estava subjacente à ordem questionada, verifica-se que foram implementadas medidas de mobilidade geográfica, atingindo todos os responsáveis por lojas com “quebra de vendas”, visando-se, com isso, introduzir novos métodos de trabalho para motivar os trabalhadores.
A verdade é que as mudanças operadas significaram um acréscimo de vendas, continuando a loja de Aveiro “com vendas e resultados fracos”.
Ao invés do que a Autora insinua em algumas das suas missivas – ao assacar à Ré intuitos persecutórios – a factualidade provada evidencia que a ordem de transferência não a atingiu apenas a si mas abarcou, em absoluta paridade de tratamento, os demais responsáveis por lojas com “quebras de vendas”.
Por outra banda, a melhoria dos resultados, em decorrência das mudanças introduzidas, veio demonstrar que, afinal, o “interesse” da Ré era perfeitamente legítimo.
E, com o devido respeito, pouco importa que tal interesse assentasse em “cultura organizacional” “mas não de estrutura”, como defende a Relação, em abono da tese contrária: para além das necessidades pontuais relacionadas com a simples reposição de recursos humanos, não se vê que a transferência não possa acobertar-se em parâmetros de “estratégia organizativa”.
O mesmo desacordo nos merece a apreciação que as instâncias fizeram sobre o aduzido “prejuízo sério” da Autora.
Antes de mais, importa recordar que estamos perante uma simples “transferência temporária” – em princípio com a duração de 3 meses – cuja circunstância não deixa, desde logo, de mitigar os “prejuízos” que o trabalhador suportaria no confronto com uma “transferência definitiva”.
Para além disso, a Autora não logrou provar – até porque nem sequer as alegara – relevantes prejuízos de ordem pessoal ou familiar.
Nesse contexto, não provou, tão pouco, que a sua avó carecesse do seu específico apoio.
Acresce – e aqui decisivamente – que a Ré decidiu contabilizar o tempo das viagens como “tempo de trabalho”, de onde resulta que a Autora nem sequer estava obrigada a sair mais cedo de casa e (ou) a ela regressar mais tarde.
Finalmente, é sabido que Aveiro e Porto são duas cidades com excelentes ligações de transportes públicos, mormente ferroviários, em cujas viagens não se dispende mais tempo do que aquele a que se acham obrigados os trabalhadores residentes em zonas periféricas dos grandes centros urbanos.
De resto, esse dispêndio só poderia relevar, no caso, em termos de “incómodo”, atenta a sobredita decisão da Ré sobre a contabilização do “tempo de trabalho”.
Somos a concluir, em suma, que a ordem da Ré, porque plenamente legítima, deveria ter merecido o seu necessário acatamento por parte da Autora.
3.2.6.
À semelhança do que acontece com a analisada ordem de transferência, também não podemos aceitar a decisão das instâncias quanto às demais infracções reconhecidamente praticadas pela Autora.
A factualidade vertida nos pontos n.ºs 35 a 40 da matéria fixada vem demonstrar que a Autora, sem cuidar sequer de apresentar uma justificação para esse seu comportamento, incumpriu as ordens superiores da Ré, que a incumbira de conceder as compensações legais aos trabalhadores da loja de Aveiro que haviam prestado a sua actividade nas folgas e feriados de Novembro e Dezembro de 2003, do mesmo passo que também não lhes concedeu o período de férias superiormente determinado.
Trata-se – também aqui – de uma grave desobediência a ordens legítimas da Ré, tanto mais que estavam em causa direitos inderrogáveis dos trabalhadores, cujo desrespeito não deixaria de acarretar ónus acrescidos para a empresa.
Por outro lado, tinha a Autora tanta consciência desse seu ilícito comportamento que pediu, inclusivamente, a uma colega que não remetesse o mapa de férias para a Direcção dos Recursos Humanos da Ré, como estava determinado.
A gravidade do descrito comportamento é tanto mais acentuada quanto é certo que ele provém de uma funcionária com cargo de superintendência na hierarquia da empresa, pois que lhe estava cometida a direcção da loja de Aveiro.
Conjugando todas as enunciadas desobediências da Autora devemos entender que se mostra definitivamente inviabilizada a subsistência do vínculo laboral, afigurando-se inexoravelmente ajustado o seu despedimento.
Procede inteiramente, deste modo, a tese da recorrente.

4- DECISÃO

Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão da Relação e absolvendo-se a Ré do pedido.
Custas pela Autora nas instâncias e no Supremo.
Lisboa, 07 de Maio de 2008

Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis