Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B2344
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ACORDO DE PREENCHIMENTO
LETRA EM BRANCO
Nº do Documento: SJ200507120023447
Data do Acordão: 07/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 2285/04
Data: 02/20/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. A circunstância de o contrato de doação ter incidido sobra a nua propriedade do prédio e de o usufruto continuar na titularidade do doador é insusceptível de descaracterizar a situação de diminuição da garantia patrimonial a que se reporta o proémio do artigo 610º do Código Civil.
2. O credor a prazo pode usar da impugnação pauliana com vista a repor a respectiva garantia patrimonial geral.
3. A livrança-caução em branco, assinada pela subscritora e pelos avalistas, entregue à instituição de crédito com a data desse dia para garantia do cumprimento de um contrato de concessão de crédito, sob convenção de preenchimento se e quando ocorresse o incumprimento daquele contrato, só assume relevo como título de crédito cambiário na data do complemento daquele preenchimento.
4. No circunstancialismo mencionado sob 1, o direito de crédito cambiário da instituição de crédito apenas se constitui com o complemento do preenchimento da livrança.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I

O Banco A, SA intentou, no dia 18 de Outubro de 1999, contra B, C e D, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, com fundamento na diminuição da sua garantia patrimonial, pedindo a declaração da ineficácia do contrato de doação da nua propriedade do prédio urbano sito no Moinho de Azeite ou Ladeira Branca, freguesia de São Sebastião, Município de Lagos, dito celebrado entre o primeiro como doador e os últimos como donatários, em termos de poder realizar o seu direito de crédito derivado de contrato de abertura de crédito em conta corrente titulado por livrança-caução.
Em contestação, os réus afirmaram não terem visado com o contrato de doação prejudicar o autor, que ele resultou de um acordo em processo de divórcio entre o primeiro e seu cônjuge, estarem então pagas as dívidas de "E", Ldª para com o autor, ter a livrança sido abusivamente preenchida por o seu preenchimento não corresponder a qualquer direito de crédito.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 26 de Abril de 2004, por via da qual os réus foram absolvidos do pedido sob o fundamento da não simultânea verificação dos requisitos da impugnação pauliana.
Apelou a "F", SA, sucessora do Banco A, SA, e a Relação, por acórdão proferido no dia 20 de Janeiro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs a "F", SA recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- à data da doação tinha a recorrente um direito de crédito contra B, irrelevando não estar ainda vencido;
- o crédito cambiário constitui-se na data da subscrição da livrança e da sua entrega ao seu legítimo portador, ficando a responsabilidade do subscritor e do avalista constituída com os actos de subscrição e de aposição do aval;
- a anterioridade do crédito sobre os avalistas relativamente à doação reporta-se à data da prestação do aval e não à data do vencimento da livrança;
- a livrança-caução com data anterior à doação consubstancia o direito de crédito da recorrente anterior sobre B;
- o saldar por "E", Ldª da conta-corrente caucionada, situação diversa da sua resolução ou denúncia, não afastou a responsabilidade de B, dada a evolução do saldo na vigência do contrato consoante os movimentos positivos e negativos que ocorreram;
- os factos provados não revelam que o prédio objecto do acordo é o mesmo que foi objecto da doação, nem a exclusão da má fé dos recorridos em razão da desoneração de D e da responsabilização dos subscritores e avalistas constantes da carta remetida por "E", Ldª;
- por gerar desinteresse de aquisição do direito de usufruto, a circunstância de a doação só abranger a nua propriedade não permite a conclusão da não intenção de B de prejudicar a recorrente;
- a procedência da impugnação pauliana não depende da prova da má fé dos recorridos, porque o direito de crédito da recorrente é anterior ao contrato de doação;
- os recorridos agiram no contrato de doação com o propósito de impedir a recorrente de cobrar o seu direito de crédito;
- o acórdão recorrido infringiu o artigo 610º do Código Civil, devendo ser substituído por outro que declare a procedência da acção.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação:
- pretende a recorrente o reexame pelo Supremo Tribunal de Justiça dos factos provados, mas é vedado àquele Tribunal apreciar ou alterar as ilações das instâncias representativas do desenvolvimento lógico dos factos assentes;
- foi considerado provado pela Relação que na data da doação a recorrente não tinha algum crédito vencido contra o recorrido B;
- a recorrente não provou, como lhe incumbia, que a doação visou impedi-la da satisfação de futuros créditos, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 610º do Código Civil.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. O réu B é um dos sócios-gerentes de E - Faianças Decorativas do Algarve Ldª, e D, nascida no dia 27 de Outubro de 1982, e C, nascido no dia 21 de Setembro de 1993, não filhos dele.
2. Está descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o n.° 02432/141093 da freguesia de São Sebastião, o prédio urbano Moinho do Azeite, edifício de rés-do-chão com 1 divisão, destinado a armazém, área coberta 30 m2, logradouro com 2.970m2, a confrontar a norte e nascente com G, a sul com herdeiros de H e a poente com estrada.
3. Pela apresentação nº 14/141093 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o n º 02432/141093, da freguesia de São Sebastião, a modificação ao prédio descrito sob 2, passando o mesmo a descrever-se do seguinte modo: rés-do-chão com 4 compartimentos, cozinha, casa de banho e logradouro, e 1.° andar com 1 compartimento, casa de banho e varanda, destinado a habitação, área coberta de 140 m2, descoberta de 2.860 m2 e, pela inscrição G1, sob a apresentação nº 14/141093, foi inscrito a favor do réu B.
4. Por comunicação escrita datada de 31 de Dezembro de 1993, "E", Ldª solicitou ao Banco A, SA a abertura de um crédito em conta-corrente com o limite de 15.000.000$00, pelo prazo de 6 meses, renovável automaticamente enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes com aviso prévio de pelo menos 30 dias, utilização mediante cheques, ordens de pagamento ou de transferência, outros documentos bastantes ou correspondência, reembolso findo o prazo do contrato, obrigar-se a pagar de imediato o saldo devedor da conta, ficar o Banco com a faculdade de debitar juros, comissões e demais despesas e encargos devidos no âmbito do contrato na conta de depósitos nº 320 1.21 0.007388.0, na agência daquele Banco, em Lagos, obrigarem-se a tê-la aprovisionada para o efeito, poder o Banco considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades emergentes do contrato quando vencidas e não pagas quaisquer obrigações devidas no âmbito do mesmo ou outras pelas quais fossem responsáveis perante o Banco, quando estivesse em curso contra o titular da conta corrente qualquer execução, arresto, penhora ou qualquer outra providência que implicasse limitação à livre disponibilidade de bens ou estivesse em dívida perante o fisco ou a segurança social.
5. Por comunicação escrita dirigida ao Banco A, SA, datada de 31 de Dezembro de 1993, "E", Ldª expressou-lhe que de acordo com as negociações havidas com ele e para garantia de todas e quaisquer responsabilidades por ela contraída ou a contrair perante ele, até ao limite de 18.000.000$00, provenientes de qualquer operação ou título em direito permitidos, designadamente, empréstimos, saldos devedores em contas de qualquer natureza, garantias ou avales, créditos em moeda nacional ou estrangeira, desconto de títulos de crédito, letras e livranças, incluindo capital, juros, comissões e demais encargos, e que lhe remetia uma livrança em branco, datada desse dia, subscrita por ela e avalizada por I e B e cônjuge D, e que o Banco ficava autorizado a preencher a referida livrança pelo montante que em qualquer momento se encontrasse em dívida, fixando-lhe o vencimento em qualquer das modalidades possíveis, podendo igualmente proceder ao desconto da mesma, se assim o entendesse, e que os outros intervenientes da livrança concordavam com as estipulações dessa carta-contrato, anuindo a que aquele título lhes fosse entregue pelo Banco, contra recibo, logo que cumprissem todas as obrigações para com ele, assinando também a carta-contrato em confirmação.
6. O Banco A, SA acedeu em conceder crédito a "E", Ldª sob a forma de conta-corrente, nas condições referidas sob 4 e 5, o réu B subscreveu a comunicação escrita referida sob 5.
7. O Banco A, SA recebeu, por entrega do réu B e do outro sócio da "E", Ldª, I, e respectivos cônjuges, a livrança-caução, em branco, mencionada sob 5, subscrita pela "E", Ldª e por eles avalizada, com a aposição das respectivas assinaturas no verso, acompanhadas da expressão bom por aval à firma subscritora.
8. E Lda começou a efectuar levantamentos da conta de depósitos à ordem nº 3 201.210.007388.0, da sua titularidade, através de cheques sacados sobre ela e de quantias da mesma transferidas, conta que era aprovisionada com o dinheiro proveniente da conta-corrente, segundo as necessidades de "E", Ldª e, posteriormente, nela fazia depósitos de valores, nomeadamente de cheques, de molde a que no último dia de cada semestre apresentasse saldo credor.
9. Entre Abril e Outubro de 1996, "E", Ldª saldou na íntegra a conta caucionada n.º 605 300 23 19, no valor de 15.000.000$00, também para desonerar da responsabilidade por ela contraída a avalista D, então cônjuge do réu B, que pediu àquele e ao sócio dele que ela deixasse de ter quaisquer responsabilidades no comércio daquele, nomeadamente nas livranças por ela avalizadas.
10. Por comunicação escrita, datada de 16 de Outubro de 1996, "E", Ldª expressou ao Banco A, SA o seguinte: "De acordo com as negociações havidas com V. Exªs e para garantia de todas e quaisquer responsabilidades por nós contraídas ou a contrair perante esse banco até ao limite em capital de 35.000.000$00, provenientes de qualquer operação ou título em direito permitidos, designadamente, empréstimos, saldos devedores em contas de qualquer natureza, garantias ou avales, créditos em moeda nacional ou estrangeira, desconto de títulos de crédito, letras e livranças, incluindo capital, juros, comissões e demais encargos, junto remetemos uma livrança em branco, datada de hoje, subscrita por "E", Ldª e avalizada por I e B; havendo incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, caso em que se consideram vencidas todas as outras, fica esse Banco autorizado a preencher a referida livrança pelo montante que se encontrar em dívida, fixando-lhe o vencimento em qualquer das modalidades possíveis, podendo igualmente proceder ao desconto da mesma, se assim o entender. Esclarecemos que esse Banco fica com a faculdade de determinar as nossas dívidas que integram o referido limite; as responsabilidades entretanto pagas deixam de ser contadas para o preenchimento do referido limite; esse Banco fica com a faculdade de não nos conceder crédito ainda que, para tanto, haja margem suficiente do referido limite; os outros intervenientes da livrança concordam com as estipulações desta carta-contrato e anuem a que o título lhes seja entregue pelo Banco, contra recibo, logo que cumpramos todas as obrigações para com esse Banco, assinando, também esta carta-contrato em confirmação.
11. Na sequência do escrito referido sob 10, "E", Lda remeteu ao Banco A, SA uma livrança-caução em branco datada de 16 de Outubro de 1996.
12. No Tribunal Judicial de Lagos correu termos uma acção de divórcio por mútuo consentimento com o nº 42/96, em que eram requerentes o réu B e D e, na acta da primeira conferência, datada de 17 de Julho de 1996, eles declararam acordar que o primeiro efectuaria a doação de um imóvel aos filhos menores, com reserva de usufruto, cuja sentença homologatória foi proferida no dia 26 de Fevereiro de 1997.
13. B, por um lado, e os seus únicos filhos, D e C, por outro, declararam, em escritura lavrada no dia 3 de Julho de 1998, no Cartório Notarial de Lagos, o primeiro doar aos últimos, por força da sua quota disponível, com dispensa de colação e reserva de usufruto vitalício, o prédio mencionado sob 3 e eles aceitarem a doação.
14. Pela inscrição G2, sob a apresentação nº 13/300798, em razão da declaração mencionada sob 13, a nua propriedade do prédio mencionado sob 3 foi inscrita, provisoriamente e por dúvidas, a favor de D e C e, pela inscrição F1, sob a apresentação nº 14/300798, o usufruto do mesmo prédio foi inscrito, provisoriamente e por dúvidas, a favor do réu B e, pelas apresentações nºs 11/051099 e 12/05199, foram removidas aquelas dúvidas.
15. Em Setembro de 1998, o Banco A, SA financiou "E", Ldª na exportação para a Alemanha de faianças decorativas, na sequência de pedido dela, contra a apresentação das facturas das encomendas das mercadorias pelos clientes daquela, quantias essas creditadas na conta depósitos à ordem nº 3201.210.0073880, da titularidade de E Ldª, aberta na Agência de Lagos do Banco A, SA.
16. E Ldª obrigou-se, então, a restituir ao Banco A, SA as importâncias do financiamento e juros das quantias de 98.5739$00, 1.741.315 e 494.793$00, equivalentes DM 9.632,00, 17.015,00 e 4.834,80.
17. O Banco A, SA procedeu ao preenchimento da livrança caução referida sob 11 pelo valor de 3.714.172$00, correspondente às importâncias e juros referidos sob 16, fixando-lhe o vencimento para 21 de Junho de 1999.
18. O Banco A, SA, por carta datada de 23 de Março de 1999, comunicou à "E", Ldª que considerava rescindido o contrato de conta-corrente mencionado sob 4 a 5 e reclamou dela o pagamento da importância em dívida e do mesmo decorrente.
19. O Banco A, SA preencheu e assinou a livrança caução referida sob 7, apondo-lhe o valor de 15.382.291$00, fixou-lhe o vencimento para o dia 21 de Junho de 1999, avisou a subscritora e os avalistas, incluindo o réu B, por carta que lhe dirigiu no dia 14 de Junho de 1999, da data do vencimento e do lugar do pagamento do título.
20. A autora é igualmente detentora de outras quatro livranças subscritas pela "E", Lda e avalizadas por I e pelo réu B, uma no valor de 4.389.000$00, datada de 2 de Dezembro de 1998, com vencimento no dia 5 de Janeiro de 1999; outra no valor de 2.612.500$00, datada de 2 e Dezembro de 1998, com vencimento no dia 10 de Janeiro de 1999; outra no valor de 3.762.000$00, datada de 7 de Dezembro de 1998, com vencimento no dia 18 de Janeiro de 1999; e a outra no valor de 4.370.000$00, datada de 22 de Dezembro de 1998, com vencimento no dia 2 de Fevereiro de 1999.
21. No 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Lagos corre termos, com o n.° 138/99, sob a forma ordinária, uma acção executiva em que é exequente a autora e executados "E", Ldª, I e o réu B, em que foram dadas à execução as seis livranças mencionadas sob 7,11 e 20.
22. Após a ocorrência do facto referido sob 13, o réu continuou a desfrutar das utilidades do prédio ali mencionado, tomando nele as refeições e dormindo com os seus dois filhos.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se os factos provados revelam ou não o direito da recorrente a exercer os direitos de restituição, de conservação e de execução sobre o prédio mencionado sob II 3.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e dos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- caracterização dos negócios jurídicos mencionados sob II 4 a 6 e 13;
- direito de crédito da recorrente no confronto do recorrido avalista;
- data da constituição do direito de crédito da recorrente;
- pressupostos legais objectivos e subjectivos da impugnação pauliana;
- verificam-se ou não no caso espécie os referidos pressupostos?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela caracterização, em termos sintéticos, dos contratos mencionados sob II 4 a 6 e 13.
As operações de Banco são reguladas pelas disposições especiais respectivas aos contratos que representarem ou em que afinal se resolverem (artigo 363º do Código Comercial).
A concessão de crédito mediante remuneração é uma das funções naturais dos bancos, por via de modalidades diversas, por exemplo mútuo, abertura de crédito, desconto, todas elas entroncando no chamado mútuo bancário.
Entre as referidas modalidades surgem-nos no comércio jurídico os contratos de abertura de crédito em conta-corrente e de descoberto em conta-corrente.
Previstos no artigo 362º do Código Comercial, não têm regulamentação própria, regendo-se por via das respectivas declarações negociais e, na sua falta, pelas normas dos contratos que representarem ou em que se desenvolverem (artigos 405º do Código Civil e 363º do Código Comercial).
No primeiro caso, a instituição de crédito e o cliente convencionam no sentido de o crédito ser utilizado pelo último por várias vezes; no segundo, a instituição de crédito, sob a forma de conta-corrente, admite um saldo positivo a seu favor, decorrente, por exemplo, de pagamentos por conta do cliente, no confronto com o correspondente saldo negativo para o último.
Não raro, os referidos contratos são envolvidos de garantia pessoal, como é caso, por exemplo, da subscrição pelo creditado de livranças-caução avalizadas pelos seus sócios, operação que é correntemente designada por conta-corrente caucionada.
Trata-se de algo semelhante a contratos-quadro em que os direitos de crédito concernentes surgem por via da movimentação da conta-corrente a crédito ou a débito, ou seja, por via da utilização do dinheiro por parte do creditado.
Considerando a factualidade mencionada sob II 4 a 6 e as considerações de ordem jurídica acima expostas, a conclusão é no sentido de que, por um lado, o Banco A, SA e"E", Ldª celebraram um contrato de concessão de crédito a descoberto em conta-corrente caucionada.
E, por outro, que tal contrato foi sendo prorrogado durante cerca de seis anos, período durante o qual era executado por via de operações de débito e de crédito diversas (artigos 3º, 362º, 363º, 394º a 396º do Código Comercial, 1142º 1145º do Código Civil.
Conexo com o referido contrato, "E", Ldª e o Banco A, SA convencionaram a garantia do cumprimento do mencionado contrato de concessão de crédito por via da entrega pela primeira ao segundo de uma livrança em branco subscrita em seu nome e avalizada pelos seus sócios com preenchimento complementar pelo segundo, diferido, nos termos também entre ambos convencionados.
Decorrentemente, a par do mencionado contrato de concessão de crédito, "E", Ldª e o Banco A, SA celebraram um contrato de garantia e outro de eventual complemento do preenchimento da aludida livrança (artigo 405º do Código Civil).
Os factos elencados sob II 10 e 11 revelam, por seu turno, uma proposta formulada por "E", Ldª, dirigida ao Banco A, SA, de contrato de concessão de crédito, que só diverge do acima analisado no que concerne à data, ao limite do crédito e à circunstância de D não figurar como avalista.
Finalmente, a factualidade constante de II 13 revela um contrato de doação cujo objecto mediato foi o direito de nua propriedade sobre um prédio urbano celebrado entre o recorrente B, como doador, e D e C como donatários (artigo 940º, nº 1, do Código Civil).
Dele resultou, por força da lei, a transmissão do direito de nua propriedade sobre o mencionado prédio da esfera jurídica do doador para os donatários (artigos 408º, nº 1 e 1316º do Código Civil).

2.
Vejamos agora o âmbito do direito de crédito da recorrente em relação ao recorrido B.
Conforme acima se referiu, o Banco A, SA recebeu de "E", Ldª uma livrança subscrita por ela e avalizada por I, B e D, a fim de o primeiro completar o seu preenchimento em convencionados termos se e logo que se verificasse o incumprimento por ela do mencionado contrato de concessão de crédito.
Verificado o incumprimento do mencionado contrato de concessão de crédito, passados que eram cerca de seis anos sobre a sua celebração, o Banco A, SA resolveu-o e completou o preenchimento da referida livrança nos termos convencionados.
Ademais, conforme resulta de II 15 a 17, com base em financiamento de crédito à exportação, o Banco A, SA, no mês de Setembro de 1998, completou o preenchimento de uma livrança que lhe havia remetida por "E", Ldª no dia 16 de Outubro de 1996, por ela subscrita e avalizada pelos seus sócios, incluindo o recorrente B, inscrevendo-lhe o valor de 3.714.172$00 e apondo-lhe o vencimento no dia 21 de Julho de 1999.
Na realidade, quem emite uma livrança em branco atribui a quem a entrega o direito de a preencher de acordo com as cláusulas convencionadas entre ambos, em jeito de delegação de confiança.
Trata-se de um contrato de preenchimento delimitador dos termos da definição da obrigação cambiária, designadamente o montante, as condições de conteúdo, o tempo de vencimento, o local de pagamento e a estipulação de juros.
A entidade a quem é entregue o título de crédito a fim de o preencher deve, naturalmente, fazê-lo de harmonia com o convencionado, sob pena de incumprimento do pacto, ocorrendo uma situação de preenchimento abusivo se o tomador do título cambiário desrespeitar a convenção.
O preenchimento abusivo do título de crédito constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo seu portador e primeiro adquirente, pelo que incumbe a quem o pagamento é exigido a respectiva alegação e prova (artigos 342º, nº 2, do Código Civil e 467º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil).
Mas no caso vertente não está em causa que o Banco A, SA não tenha cumprido o referido pacto de preenchimento daquelas livranças.
Finalmente, conforme decorre de II 20 a recorrente também é detentora de mais quatro livranças subscritas pela "E", Ldª e avalizadas por I e pelo recorrente B, datadas entre 2 de Dezembro de 1998 e 22 de Dezembro de 1998, com vencimentos entre 5 de Janeiro de 1999 e 2 de Fevereiro de 1999, com os valores inscritos de 4.389.000$00, 2.612.500$00, 3.762.000$00 e 4.370.000$00.
Consequentemente, a recorrente, na sua posição de sucessora do Banco A, SA, é titular de um direito de crédito cambiário no montante global de € 170.738,34, correspondentes a 34.229.963$00, no confronto de "E", Ldª, em virtude de esta haver subscrito as mencionadas livranças.
O referido direito de crédito pressupõe, como é natural, as relações de concessão de crédito por parte do Banco A, SA, a sua utilização por "E", Ldª e o incumprimento por ela da obrigação de restituição, na medida em que são o fundamento da sua constituição.
Todavia, o referido direito de crédito apresenta-se de feição unilateral no confronto com as mencionadas relações jurídicas subjacentes, delas abstraindo, de harmonia com os princípios da independência, da literalidade e da abstracção.
O pagamento de uma livrança pode ser no todo ou em parte garantido por aval de terceiro ou de um seu signatário, configurando-se como garantia especial da obrigação do avalizado (artigos 30º e 77º da LULL).
O dador de aval ao subscritor da livrança, por exemplo, vincula-se como garante, no confronto do primeiro, do mesmo modo que este, o que significa que o conteúdo da sua obrigação é o mesmo da obrigação do subscritor avalizado (artigo 32º, primeira parte, e 77º da LULL).
O avalista vincula-se em termos de solidariedade perante o respectivo portador, passando a ser um devedor cambiário, sujeito de uma obrigação cambiária autónoma, embora dependente no plano formal da do avalizado (artigos 47º e 77º, primeira parte, da LULL).
Assim, a obrigação do avalista é materialmente autónoma da obrigação do avalizado, embora dela dependente no plano formal, só imperfeitamente sendo acessória da última.
Consequentemente, B vinculou-se, por via do referido acto cambiário de aval, ao pagamento do valor inscrito nas aludidas livranças ao Banco A, SA, a que sucedeu a recorrente.
Em consequência, a recorrente, como sucessora do Banco A, SA, é titular do mencionado direito de crédito cambiário no confronto do recorrente B, em razão da sua vinculação, na posição de avalista, em relação à subscritora daquelas livranças.

3.
Vejamos agora a questão de saber qual a data da constituição do direito de crédito cambiário da recorrente.
Enquanto a recorrente afirma que o seu direito de crédito cambiário se constituiu no momento da entrega por "E", Ldª ao Banco A, SA das livranças em causa, os recorridos afirmam que ele se constituiu posteriormente.
Quanto às livranças mencionadas II 20, face aos factos provados, tendo em conta o princípio da emissão dos títulos de crédito, não há fundamento legal para que se não considere que o direito de crédito cambiário delas emergente se constituiu na data que delas consta como sendo a da sua emissão, que se situa no ano de 1998, entre 2 e 22 de Dezembro.
A controvérsia das partes neste ponto é, com efeito, centrada nas livranças com as datas de emissão de 31 de Dezembro de 1993 e de 16 de Outubro de 1996 e os valores inscritos de 15.382.291$00 e 3.714.172$00, respectivamente.
A referida controvérsia opera numa matéria em relação à qual tem havido divergência na interpretação das normas da Lei Uniforme Sobre as Letras e Livranças, em que importa atentar.
A propósito do conteúdo das livranças, expressa a lei que elas devem conter essa expressão, a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada, a época do pagamento, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem devem ser pagas, a indicação da data em que e do lugar onde são passadas, e a assinatura do respectivo subscritor, ou seja, de quem as passa (artigo 75º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças - LULL).
Os escritos em que faltar algum dos referidos requisitos, salvo os concernentes à época ou ao lugar do pagamento, ao lugar de pagamento ou da sua passagem não produzem efeitos como livranças (artigo 76º da LULL).
Não obstante, a título excepcional, a lei expressa que se as livranças ficaram incompletas no momento em que foram emitidas e tiverem sido completadas contrariamente ao acordo para o efeito, não pode esse acordo ser oposto ao portador, salvo se as tiver adquirido de má fé, ou adquirindo-as, tenha cometido alguma falta grave (artigos 10º e 77º da LULL).
Resulta, pois, da lei que as livranças podem ser incompletamente preenchidas, caso em que são designadas por livranças em branco, e entregues a outrem, que assim passa a assumir em relação a elas a posição de portador.
Assim, antes de extinta a obrigação subjacente, podem as livranças incompletas, designadamente a que apenas foram assinadas, entrar em circulação, restrita, no pressuposto de que vão ser completadas no futuro, altura em que atingirá a sua perfeição como títulos cambiários.
Dir-se-á que as livranças em branco são válidas, embora os concernentes efeitos cambiários só surjam depois de completado o convencionado preenchimento.
Mas da circunstância de as livranças preenchidas em branco serem válidas não pode resultar a abstracta conclusão no sentido de que o respectivo direito de crédito cambiário se constitui no momento da sua emissão por via aposição nelas de assinaturas e entrega ao portador.
Com efeito, uma tal conclusão ignoraria a circunstância de a criação de títulos de crédito derivar de acto voluntário das partes e de a dinâmica das referidas livranças estar condicionada aos termos do pacto de preenchimento.
Mas já foi entendido, porém, por alguma doutrina e jurisprudência que, mesmo nessa situação, a obrigação cambiária surge no momento da emissão da livrança, pelo menos desde que contenha o nome do respectivo tomador, o que, aliás, não ocorre no caso em análise.
A solução para esta questão há-de derivar da interpretação do disposto nos artigos 10º, 75º, 76º e 77º, penúltimo parágrafo, da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças no confronto com a situação de facto respectiva.
É certo que a partir do momento em que o subscritor da livrança a entrega a outrem na envolvência de alguma convenção de completamento do seu preenchimento verificado que seja determinado circunstancialismo de facto, fica o primeiro vinculado àquela convenção, sem que possa impedir o exercício pelo segundo do seu direito potestativo de a completar nos termos convencionados e de dela extrair plenamente os concernentes efeitos jurídicos.
Tal não implica, tendo em conta o disposto nos normativos acima identificados, que o direito de crédito cambiário se constitua no momento da emissão das livranças em branco, principalmente em situações como a que está aqui em análise.
Com efeito, no caso vertente, a emissão das livranças em branco, com o fim restrito de garantia ou caução, ocorreu em momento em que o Banco A, SA não dispunha de qualquer direito de crédito contra "E", Ldª, a subscritora, e o complemento do preenchimento, por convenção, ficou dependente do incumprimento por ela do contrato de concessão de crédito que estava em curso de formação.
Perante este quadro, a conclusão é no sentido de que as obrigações cambiárias de "E", Ldª e do recorrente B, no que concerne às livranças com o valor inscrito de 3.714.172$00 e de 15.382.291$00, só surgiram no momento do respectivo complemento do preenchimento, ou seja, em Setembro de 1998 e Junho de 1999, respectivamente.

4.
Vejamos agora quais são os pressupostos legais objectivos e subjectivos do instituto designado por impugnação pauliana, meio de conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações.
A procedência deste meio de conservação da garantia patrimonial a que se reporta o artigo 601º do Código Civil, ou seja, os bens do devedor susceptíveis de penhora, implica a atribuição ao impugnante do direito à restituição na medida do seu interesse e à prática por ele de actos de conservação da garantia e à execução no património do obrigado à restituição (artigo 616º, nº 1, do Código Civil).
São seus requisitos os actos envolventes de natureza não pessoal que impliquem a diminuição da garantia patrimonial do crédito, a anterioridade deste em relação àqueles, ou sendo o crédito posterior ao acto ter este sido realizado dolosamente, com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor, o nexo de causalidade entre o acto e a impossibilidade de satisfação integral do direito de crédito verificada na altura da sua prática e a má fé dos respectivos sujeitos no caso de se tratar de actos onerosos (artigos 610º e 612º do Código Civil).
Mas não obsta ao exercício do direito de impugnação o facto de o direito do credor não ser ainda exigível (artigo 614º, nº 1, do Código Civil).
Por isso, o credor a prazo, porque o seu direito já está constituído, pode usar do instituto em análise com vista a repor a respectiva garantia patrimonial geral.

No que concerne ao ónus de prova, ocorre a especialidade de o credor dever provar o seu direito de crédito, incluindo a sua quantificação, e o devedor ou o terceiro interessado na manutenção do acto a existência no património do obrigado de bens penhoráveis de igual ou maior valor no confronto com o valor do referido acto.
Assim, neste ponto, em desvio ao regime geral sobre a distribuição do ónus de prova, cabe ao credor a prova do montante do crédito que tenha contra o devedor, da anterioridade dele em relação ao acto impugnado, e ao devedor e ou ao terceiro adquirente a existência de bens penhoráveis na titularidade do obrigado lato sensu de valor igual ou superior (611º do Código Civil).
Isso significa, em termos práticos, que provada pelo impugnante a existência e a quantidade do direito de crédito e a sua anterioridade em relação ao acto impugnado se presume a impossibilidade de realização do direito de crédito em causa ou o seu agravamento.
Mas nesta matéria distingue a lei conforme os actos em causa sejam onerosos ou gratuitos e, quanto aos primeiros, exige que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé, que caracteriza como consciência do prejuízo que eles causem ao credor (artigo 612º do Código Civil).
Grosso modo, os actos gratuitos visam conceder a uma das partes um benefício pecuniário ou de outra espécie, e os actos onerosos a obtenção de vantagem para ambas as partes.
Face ao mencionado conceito de actos gratuitos e onerosos, certo é que na primeira da referida categoria é que se integra o contrato de doação acima referido.
Sendo o acto gratuito, a impugnação procede, ainda que o devedor e o terceiro tenham agido de boa fé (artigo 612º, nº 1, do Código Civil).
Consequentemente, o requisito da má fé a que se reporta o artigo 612º, nºs 1, 1ª parte, e 2 não assume qualquer relevo na solução jurídica do caso controvertido em análise.

5.
Atentemos agora se ocorrem ou não na espécie os pressupostos da impugnação pauliana.
No acórdão recorrido considerou-se que a pretensão da recorrente não podia proceder por virtude de o seu antecessor não ser titular, ao tempo do contrato de doação, de algum crédito vencido e como tal exigível ao recorrido B e de os factos não revelarem que a doação visou impedir a realização do seu futuro direito de crédito.
Mas a recorrente entende essencialmente o contrário, e importa analisar a argumentação das partes em relação aos aspectos da factualidade provada que seguem.
Os factos provados não revelam que o contrato de concessão de crédito celebrado entre o antecessor da recorrente e "E", Ldª tenha sido revogado pelas partes ou substituído por outro posteriormente por eles celebrado; mas deles se infere que entre Abril e Outubro de 1996 "E", Ldª saldou na íntegra a conta caucionada acima referida no valor de 15.000.000$00, também para desonerar D da sua responsabilidade como avalista.

O prazo do contrato de concessão de crédito por via da abertura de conta-corrente era de seis meses, renovável, e foi convencionado entre as partes que em cada período a conta em causa tinha que ser aprovisionada em termos de não apresentar registo de crédito a favor do mutuante.
Nesse contexto, a expressão saldou significa que entre Abril e Outubro de 1996 a referida conta não apresentou registo de crédito a favor do antecessor da recorrente. Mas, depois disso, continuou a executar-se o mencionado contrato de concessão de crédito, porque ele só foi resolvido por via de comunicação operada pelo Banco A, SA no dia 23 de Março de 1999.
Consequentemente, nada exclui que, nessa data, o direito de crédito do antecessor da recorrente no confronto de "E", Ldª derivado da execução do mencionado contrato-quadro se cifrasse no montante de 15.382.291$00 que foi inscrito na livrança.
Como o antecessor da recorrente não interferiu no acordo de doação entre B e D no âmbito da acção de divórcio por mútuo consentimento, não pode essa convenção relevar em relação à impugnação pauliana do contrato de doação em análise, designadamente no quadro da intenção de impedir a realização pelo antecessor da recorrente de algum direito de crédito (artigo 406º, nº 2, do Código Civil).
Consequentemente, não assume qualquer relevo a alegação da recorrente no sentido de os factos provados não revelarem que o prédio a que o aludido acordo se refere é o mesmo que constituiu o objecto mediato do contrato de doação.
Face aos elementos literal e finalístico do proémio do artigo 610º do Código Civil, a circunstância de o contrato de doação apenas ter incidido sobre o direito de propriedade de raiz do prédio e de o direito de usufruto sobre ele continuar na titularidade do doador é insusceptível de descaracterizar a situação de diminuição da garantia patrimonial a que aquele normativo alude.
Tendo em conta que o contrato de doação impugnado pela recorrente é de natureza gratuita, o que releva essencialmente na decisão do recurso é a questão de saber se a recorrente é ou não titular, no confronto do recorrido B, de algum direito de crédito anterior ao referido contrato.
Tal como foi considerado nas instâncias, se o referido contrato de doação for anterior ao direito de crédito da recorrente no confronto com o recorrido B, a procedência da impugnação pauliana depende de a celebração daquele contrato ter sido envolvida da intenção de impedir ao antecessor da recorrente a realização do seu futuro direito de crédito.
Com efeito, o princípio de que os actos dispositivos não devem ser afectados por virtude de dívidas contraídas posteriormente à sua ocorrência é atenuado pela verificação da intenção de prejudicar o direito de crédito do futuro credor.
Tal como foi considerado no acórdão recorrido, os factos provados não revelam a intenção de B de, por via da celebração do contrato de doação, impedir a realização do direito de crédito futuro do antecessor da recorrente, e o ónus da sua alegação e prova a esta incumbia (artigo 342º, nº 1, do Código Civil).

Tal como já se referiu, a recorrente, como sucessora do Banco A, SA, é titular de um direito de crédito cambiário no confronto do recorrente B no montante de € 170.738,34, correspondentes a 34.229.963$00.
Embora por virtude do disposto no artigo 614º, nº 1, do Código Civil o êxito da impugnação pauliana não dependa do vencimento ou da exigibilidade do pagamento do crédito, mas tão só da sua existência, tendo em conta o segmento da anterioridade a que alude o nº 1 do artigo 610º daquele diploma, importa distinguir entre as livranças com data de emissão anterior e as livranças com data posterior ao mencionado contrato de doação.
As seis livranças subscritas por "E", Ldª e avalizadas pelo recorrido B de que a recorrente, como sucessora do Banco A, SA, é legítima portadora, têm vencimento em data posterior à da celebração do referido contrato de doação e, conforme já se referiu, apenas duas delas têm inscrita data de emissão anterior à daquele contrato, uma a de 31 de Dezembro de 1993, com o valor inscrito de 15.382.291$00, e a outra, a de 16 de Outubro de 1996, com o valor inscrito de 3.714.172$00.
No que concerne às livranças com datas de emissão inscritas posteriormente à do mencionado contrato de doação, em relação às quais não há notícia de terem sido emitidas em branco, a conclusão é no sentido de que o direito de crédito cambiário por elas incorporado não se enquadra no conceito de anterioridade a que se reporta o artigo 610º, nº 1, do Código Civil.
Quanto às outras duas livranças, isto é, aquelas cuja data de emissão é anterior à do referido contrato de doação, conforme acima se referiu, o direito de crédito delas emergentes da titularidade do antecessor da recorrente só se constituiu com o complemento do seu preenchimento, que ocorreu posteriormente à celebração do mencionado contrato de doação entre os recorridos.
Consequentemente, a conclusão é no sentido de que o direito de crédito cambiário que a recorrente invocou como fundamento da acção de impugnação pauliana se constituiu posteriormente à outorga entre os recorridos do referido contrato de doação.
Assim, não verificado o mencionado pressuposto de anterioridade do direito de crédito da recorrente em relação à outorga pelos recorridos no contrato de doação nem a intenção de qualquer deles, nessa outorga, de impedir a realização do direito de crédito pelo sucessor da recorrente, a conclusão é no sentido de que, no caso em análise, se não verificam os pressupostos objectivos e subjectivos da impugnação pauliana.

6.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
A recorrente fundou a impugnação pauliana no contrato de doação celebrado entre o recorrido B, como doador, e C e D, como donatários, e no seu direito de crédito cambiário decorrente do aval dado à primeira, subscritora de várias livranças a título de garantia do cumprimento de contratos de concessão de crédito lato sensu.
O direito de crédito cambiário do antecessor da recorrente constituiu-se depois da outorga pelos recorridos no mencionado contrato de doação, a aquela não provou a intenção deles, ao celebrá-lo, de com essa celebração visarem impedir a realização por ela daquele direito de crédito contra o doador.
Não se verificam, por isso, no caso em análise, os pressupostos da impugnação pauliana a que se reportam os artigos 610º e 614º do Código Civil.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 12 de Julho de 2005.
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa,
Armindo Luís.