Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | TAVARES DE PAIVA | ||
Descritores: | CESSÃO DE EXPLORAÇÃO RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO FUNDAMENTOS ABUSO DE DIREITO ERRO SOBRE OS MOTIVOS DO NEGÓCIO ERRO VICIO ANULABILIDADE ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS REQUISITOS | ||
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Data do Acordão: | 10/24/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - A. Varela, “Código Civil”, Anotado, vol. I, 2.ª ed. Revista e Actualizada. - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.ªed., p. 52. - Ana Isabel Afonso, “Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial. Direito de Resolução pelo lojista em caso de insucesso comercial”, in Direito e Justiça, Vol. XIX Tomo II (2005), pp. 48 a 68. - José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do Contrato No Direito Civil Português, p. 172. - M. Clara Calheiros, in Cadernos de Direito Privado, n.º 42, Abril/ Junho, 2013, p. 12. - M. Januário C. Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2ª ed., Almedina, p. 61. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, 252.º, N.º2, 334.º, 436.º, N.º1, 437.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 664.º, 676.º, N.º1. | ||
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Sumário : |
1-Num contrato de cessão de exploração a resolução do contrato não pode valer quando não s se provam os fundamentos que o R invoca na declaração resolutiva, tanto mais também que o próprio contrato apenas prevê a resolução pela via de acordo( negocial). 2- Nestas circunstâncias o R fica obrigado ao pagamento das prestações respectivas até ao termo do contrato, sem que, isso, constitua da parte do A uma situação de abuso de direito, porquanto mais não representa do que um exercício legítimo de um direito, que no caso não excede os limites impostos pela boa fé ( cfr. art. 334 do C. Civil). 3- O erro do declarante sobre a base negocial, a que alude o art. 252 nº2do C. Civil pode servir de base á anulação do contrato, sendo que o campo de aplicação do citado preceito é definido pela falsa representação da realidade negocial no momento da celebração do contrato. 4- A consequência jurídica do art. 437ºdo C. Civil não é desencadeada por uma qualquer circunstância em que as partes fundaram a decisão de negociar, é necessário que ocorra “ alteração anormal das circunstâncias”, não sendo, no entanto, requisito essencial a natureza incalculável ou imprevisível da alteração, exigindo-se, contudo, que esta seja excepcional ou anómala; mas é requisito essencial que a lesão para uma das partes ,isto é, que ocorra uma perturbação no equilíbrio contratual de tal modo que a prestação de uma das partes se torne demasiado onerosa; sendo necessário, no entanto, que a exigência do cumprimento das obrigações assumidas pelo lesado afecte gravemente os princípios da boa fé e finalmente exige-se que o cumprimento das obrigações impostas ao lesado não esteja coberto pelos riscos do contrato. 5-No caso em apreço, em função da factualidade provada não se mostram preenchidos os apontados requisitos para desencadear a aplicação dos citados preceitos , sendo certo também, como observou o Acórdão recorrido, que a alteração das circunstâncias e o erro na base negocial constituem questões novas surgidas apenas com a apelação, não sendo também por essa via de apreciar( cfr.art.676 nº1 do CPC). | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I- Relatório
A autora AA Ldª intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra, BB e Banco CC SA , pedindo a condenação do 1º Réu no pagamento da quantia de € 55.623,76 , acrescida de juros de mora à taxa legal ,desde a citação e a condenação do 2º R até ao montante de € 24.000,00 daquela quantia.
A Autora fundamentou a sua pretensão alegando em síntese, ter celebrado com o Réu BB um contrato de cessão de exploração de um restaurante, por três anos, e que este pôs fim ao contrato antes do termo, sem causa justificativa, pelo que incorreu em responsabilidade pelos prejuízos causados e pelos benefícios que a autora deixou de receber, o que ascende a €55.623,76 , dos quais €11.771,26 respeitam a reparações que a autora teve de efectuar, €41.140, 00 respeitam às 17 prestações mensais devidas até ao termo do contrato e €2.712,50 respeitam às diferenças de IVA entre Julho de 2006 e Novembro de 2006 , que o réu não pagou e à diferençado valor base da prestação acordada para os meses de Maio de 2006 a Novembro de 2006.
Quanto à peticionada condenação do Réu BCP, alegou a autora que a responsabilidade lhe advém de se ter obrigado como principal pagador na garantia bancária que prestou para o caso de incumprimento do contrato pelo1º Réu, até ao montante de €24.000,00.
O réu BB contestou, por excepção e por impugnação, alegando, em síntese, que só depois de ter começado a laborar se apercebeu das deficiências de construção e de equipamento do restaurante, que a sua responsabilidade pela manutenção fora acordada tendo em vista um estabelecimento e equipamento em condições normais de utilização, que ele próprio teve de comprar equipamento vário para suprir as deficiências e avarias do existente, que os defeitos, que enumerou, eram tão graves que o impossibilitaram de continuar a trabalhar, que, por outro lado, desde Maio de 2007 que a autora tem o estabelecimento de novo a funcionar, e que esta não tomou posse do estabelecimento mais cedo apenas porque se recusou a receber as chaves. Concluiu que foi a autora que não cumpriu o contrato, por lhe ter entregue um estabelecimento que não estava em condições de funcionamento, o que integra excepção de não cumprimento, e que, por isso, tinha direito a resolver o contrato, pelo que desde a resolução ficou exonerado de quaisquer obrigações, sendo a pretensão da autora de receber as prestações um abuso de direito. O réu Banco também contestou, impugnando a factualidade alegada pela autora quanto ao incumprimento do réu BB, por não serem factos pessoais ou que devesse conhecer, e dizendo que a garantia caducou com a resolução do contrato efectuada pelo primeiro réu. A autora replicou, para resposta às excepções, dizendo nomeadamente que o réu BB explorou o estabelecimento durante duas épocas altas, a Primavera e o Verão de 2005 e 2006, sem lhe ter apresentado qualquer reclamação da falta de condições do estabelecimento. Tendo sido realizada audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, que concluiu julgando parcialmente procedente a acção, e improcedentes as excepções deduzidas, pelo que ficou decidido declarar ilícita a resolução do contrato de cessão de exploração feita pelo primeiro réu, e condená-lo a pagar à autora a quantia de € 44.162,50 (quarenta e quatro mil, cento e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento; e condenar o réu BCC, como principal pagador, a pagar a quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), daquela quantia de € 44.164,50, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Não se conformaram os RR, BB e BCC e interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora que, pelo Acórdão de fls.585 a 613, julgou improcedentes os recurso de apelação interpostos e confirmou a sentença da 1ª instância. Novamente inconformado o Réu, BB, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal. Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: a) Normas jurídicas violadas: Arts. 252.°, n.° 2, 334.° e 437.°. n.° 1, do Código Civil. b) Dispõe o Art. 334.° do CC que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. c) Pelo contrato celebrado com o recorrente, a recorrida transmitiu a este a exploração do estabelecimento, tendo sido acordada uma prestação mensal que seria a remuneração da transmissão em causa. d) A legitimidade da recorrida em realizar o negócio advém-lhe do seu direito de propriedade sobre o estabelecimento em causa. e) A recorrida na presente acção vem pedir a totalidade das prestações que o recorrente teria de pagar até ao final do contrato de cessão de exploração, que apenas terminaria em 1 de Maio de 2008. f) Entretanto, durante o período de tempo que medeia entre o dia 17 de Novembro de 2006 e o dia 1 de Maio de 2008, o recorrente não mais explorou o estabelecimento comercial em causa. g) Por sua vez, a recorrida pelo menos desde o dia 6 de Março de 2007, que está na posse do estabelecimento, tendo inicialmente executado obras e explorando-o desde Maio de 2007. h) Exigir o pagamento de prestações vincendas ao recorrente, sem que este explore o estabelecimento, é um comportamento que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé. i) O disposto no art. 334.° do CC impõe assim a necessidade de reduzir o pedido da recorrida aos limites impostos pela boa fé, redução essa que passa claramente pelo menos pela impossibilidade de pedir o pagamento das prestações a partir da data em que a recorrida poderia ter tomado efectivamente a posse do estabelecimento, isto é, em 17 de Novembro de 2006, data em que se recusou a receber as chaves das mãos do recorrente. j) Face a matéria dada como provada pelo tribunal da l.a instância, torna-se evidente que as falhas mencionadas na matéria de facto em nada têm que ver com uma normal utilização de um estabelecimento comercial de restaurante. k) Tais falhas afectavam gravemente o normal funcionamento do estabelecimento, contendendo assim o estado do edifício e equipamento defeituoso quer com as garantias dadas pela recorrida no contrato de cessão de exploração (vide cláusula 2a) quer até pelas regras da boa fé que regem o negócio celebrado com o recorrente. 1) Era obrigação da recorrida ter o estabelecimento comercial de restauração em boas condições de funcionamento, de modo a permitir que o recorrente o explorasse em circunstâncias normais. m) Tendo em conta os problemas existentes, designadamente com a fossa séptica e com o sistema eléctrico, o estabelecimento comercial em causa não cumpria as mais elementares normas de higiene e segurança, pondo em risco o recorrente, os seus funcionários, os seus clientes e até a própria vizinhança; n) O facto de chover no interior do edifício onde se encontra instalado o estabelecimento comercial, o facto de as casas de banho emitirem um cheiro nauseabundo que provocava queixas de clientes, o facto de a fosse séptica extravasar provocando um cheiro nauseabundo, o facto de existirem equipamentos deficientes e em mau estado e ainda também o facto de existirem problemas na instalação eléctrica tem como consequência o incumprimento por parte da recorrida do contrato de cessão de exploração. o) Tal incumprimento, confere ao recorrente o direito de poder resolver com justa causa o contrato, o qual veio a exerce-lo, mediante a carta que enviou à recorrida datada de 7 de Novembro de 2006. p) Mesmo que tal não viesse a ser assim entendido, sempre o recorrente teria direito de resolver o contrato, com base no disposto no art. 437.°, n.° 1 do CC, que dispõe que se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem entretanto sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada o direito à resolução do contrato ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que as exigências das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. q) O recorrente quando contratou com a recorrida não podia ter conhecimento dos problemas existentes da fossa séptica, da casa de banho, eléctricos, da água a cair dentro e o problema do equipamento os quais vieram a afectar de modo inevitável e definitivo a exploração do estabelecimento comercial. r) Apesar de não ter sido invocada expressamente pelo recorrente a alteração superveniente das circunstâncias na carta que enviou à recorrida datada de 7 de Novembro de 2006, as mesmas podem extrair-se e/ou subentender-se dos fundamentos que levaram o recorrente à resolução do contrato por justa causa, sendo certo que, a alteração superveniente das circunstâncias é um conceito jurídico, não sendo de exigir ao recorrente ter conhecimentos jurídicos que lhe permitam vir invocar expressamente tal conceito, nem sequer lhe pode ser assacada tal responsabilidade, s) A alteração das superveniente das circunstâncias extrai-se da prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento na l.a instância, pelo que, não necessita o recorrente de vir invocá-la expressamente, uma vez que, trata-se expressamente de matéria de direito. t) Para além disso, sempre se dirá ainda que, a resolução do contrato por alteração das superveniente das circunstâncias também se aplica à presente situação, por aplicação do disposto no n.° 2 do art. 252.° do CC que dispõe que se o erro recair sobre as circunstâncias que constituam a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído. u) Na verdade, o recorrente nunca teria assinado o contrato se tivesse tido conhecimento prévio dos problemas graves de funcionamento existentes no restaurante. v) Assiste-lhe o direito de resolver o contrato, com base no erro sobre a base do negócio, nos termos do disposto no n.° 2 do art. 252.° do CC. w) Ao manter a decisão da l.a instância, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 252.°, n.° 2, 334.° e 437.°, n.° 1, do Código Civil. Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Acórdão proferido no tribunal a quo, assim se fazendo serena, sã e objectiva JUSTIÇA!
A Autora recorrida apresentou contra-alegações e depois de afastar o alegado abuso de direito invocado pelo recorrente e considerar também a alteração das circunstâncias e o erro sobre a base de negócio invocados pelo recorrente como questões novas , pugna pela confirmação do Acórdão recorrido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar:
II- Fundamentação :
Os factos provados são os seguintes:
Tendo em conta os factos assentes por via documental, e as respostas dadas aos artigos da base instrutória, foi declarada provada a seguinte matéria de facto: “1 - A Autora, representada pelo seu gerente DD, designado por cedente e o primeiro Réu BB, designado por cessionário, subscreveram um documento datado de 1 de Maio de 2005 que intitularam "Contrato de Cessão de Exploração", com o seguinte teor: "1. A primeira é dona e legítima possuidora de um estabelecimento destinado a Restaurante "...", sito no ..., instalado no prédio urbano destinado a comércio inscrito na matriz, sob o artigo … e no prédio rústico no mesmo sítio e inscrito na matriz sob o artigo na …, secção … da freguesia de ..., concelho de Lagos, que se encontra tomado de arrendamento a EE, FF e mulher GG, conforme escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Lagos, em 12 de Março de 1999, a fls. 21 a 23 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº … - adiante também designado simplesmente por "Restaurante". 2. A primeira assegura que o Restaurante tem todos os requisitos legalmente exigíveis para o seu funcionamento, nomeadamente no que respeita a alvará e licenças emitidas pelas entidades competentes Câmara Municipal e outras, as quais se encontram válidas e em vigor, constituindo esta garantia prestada pela primeira uma condição essencial para a celebração e formalização do presente contrato, ficando obrigado a apresentar a documentação comprovativa, logo e sempre que a mesma lhe seja exigida pelo segundo ou por qualquer entidade competente. PARÁGRAFO PRIMEIRO: deverá ficar na posse do segundo toda a documentação oficial que faz parte do Restaurante de modo a poder ser apresentada às entidades competentes sempre que por estas for solicitado. 3. Tendo em conta o supra exposto, pelo presente contrato a primeira (doravante designada por "cedente") cede ao segundo (doravante designado por cessionário) que aceita a exploração do referido Restaurante, pelo prazo de três anos, com início em 1 de Maio de 2005 e términus em 1 de Maio de 2008. 4. O prazo da cessão de exploração renova-se automaticamente por igual período de tempo se não denunciado por qualquer das partes durante 30 dias antes do terminus da cessão de exploração, denúncia essa que deverá ser efectuada por carta registada com aviso de recepção para a sede e domicílio escolhido dos contraentes. 5. Como contrapartida pela cessão de exploração objecto do presente contrato, o cessionário paga à cedente uma prestação pecuniária mensal, que no primeiro ano de vigência do contrato é de 1.750,00 Euros, acrescida do IVA à taxa legalmente em vigor. Nos dois anos seguintes o cessionário pagará à cedente uma prestação pecuniária mensal de 2.000,00 Euros, acrescida do IVA à taxa legalmente em vigor. 6. A quantia mencionada no número anterior será paga nos seguintes prazos e condições: a) O cessionário entregará à cedente como garantia do cumprimento do contrato uma garantia bancária no valor de 24.000,00 Euros. Garantia essa que será entregue na data da assinatura deste contrato. b) O cessionário pagará à cedente a prestação pecuniária mensal até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária. 7. O cessionário utilizará no uso desta cessão, os móveis e utensílios que se encontram no aludido Restaurante e que constam da referida relação organizada em documento anexo ao presente contrato como ANEXO 1, elaborado conjuntamente entre cedente e cessionário e assinado por ambas as partes, móveis e utensílios esses que deverão ser restituídos em bom estado de conservação findo que seja o presente contrato, ficando o cessionário obrigado a substituir os que se inutilizarem ou perderem. 8. Todo o equipamento que vier a ser adquirido pelo cessionário para ser utilizado no Restaurante é da sua propriedade, podendo como tal retirá-lo no fim da cessão de exploração ou quando o entender por conveniente. 9. O cessionário não poderá ceder por qualquer título mesmo gratuito total ou parcialmente o estabelecimento atrás referido sem autorização por escrito do cedente. 10. O cessionário e caso venha a ser cedida a posição contratual... II. O cessionário compromete-se a observar as leis e regulamentos aplicáveis ao funcionamento do restaurante, nomeadamente... 12. O cessionário é responsável pela manutenção do edifício e equipamento que decorra da sua normal utilização... 13. A falta de pagamento das prestações devidas pela cessão de exploração nas datas previstas, em caso de mora por período superior a 30 dias, confere à cedente o direito à resolução do presente contrato, com expressa autorização de entrar imediatamente na posse do estabelecimento sem oposição do cessionário, valendo o presente contrato como título executivo particular caso seja necessário recorrer a juízo, para obter a efectiva entrega do Restaurante. 14. A rescisão sem justa causa do presente contrato por parte da cedente confere ao cessionário o direito a uma indemnização equivalente ao valor da totalidade das prestações devidas pelo cessionário por um ano de contrato. 15. Este contrato só poderá ser suspenso, modificado ou resolvido, no todo ou em parte, por acordo escrito, assinado por ambas as partes ou por quem os represente. 16. Ambas as partes aceitam o presente contrato nos seus termos precisos termos exarados, manifestando que o mesmo exprime a sua vontade Com a assinatura que dele vão fazer." 2 - O segundo Réu emitiu a 3 de Maio de 2005 uma declaração escrita com o seguinte teor: "Garantia Bancária n° … AA, LDA. Em nome e a pedido de BB com morada na Urbanização ... Lote …. - …Lagos. o Banco CC. SA. sociedade aberta com o capital social de 3.257.400.827,00 Euros, registado na Conservatória do Registo Comercial do Porto com o número …, com o número de contribuinte e de pessoa colectiva ..., com sede na Praça …, … Porto e estabelecimento na Rua …, …, … Porto, vem declarar que oferece uma garantia bancária no valor de EUR 24.000,00 (vinte e quatro mil Euros) destinada a garantir o cumprimento do contrato de cessão de "EXPLORAÇÃO DO RESTAURANTE (...), E. N. 120 - 8600 LAGOS", pelo que se obriga como principal pagador, a fazer as entregas de quaisquer importâncias que se tornem necessárias até aquele limite, se BB o não fizer em devido tempo. O valor da presente garantia é, pois, de EUR 24000,00 (Vinte e Quatro Mil Euros) e é válida pelo período de 1 (um) ano a contar desta data, sendo sucessiva e automaticamente renovável por iguais períodos, cessando mediante declaração expressa do Banco garante até 30 dias do fim do período que estiver em curso. O prazo de interpelação para o pagamento de quaisquer quantias devidas pelo Banco CC, S A, por força desta garantia, expira no momento em que esta, ou qualquer das suas renovações, deixar de estar em vigor, pelo que não poderá ser atendido qualquer pedido entrado nos serviços deste Banco depois desse momento". Porto, 3 de Maio de 2005" ; 3 - O primeiro Réu subscreveu uma carta endereçada à Autora, que datou de 7 de Novembro de 2006, da qual consta que: “No dia 1 de Maio de 2005, celebrei com V. Exas. um contrato de cessão de exploração, tendo por objecto a exploração do estabelecimento de restaurante denominado .... Na cláusula 2ª do contrato de cessão de exploração V. Exas. asseguraram o seguinte: "o restaurante tem todos os requisitos legalmente exigíveis para o seu funcionamento, nomeadamente no que respeita a alvará e licenças emitidas pelas entidades competentes Câmara Municipal e outras, as quais se encontram válidas e em vigor". Mais foi referido no contrato que tais requisitos constituíam condição essencial da celebração e formalização do contrato de cessão de exploração. Acontece que o Restaurante tem apresentado inúmeros problemas que têm impedido uma exploração normal, adequada e rentável do mesmo. Assim: a) No local do grelhador dos leitões e de outras carnes, o tecto apresenta-se preto sendo impossível remover a sujidade, atendendo a que o mesmo é de fibrocimento e nele existem fios eléctricos que colocam em risco quem raspar a sujidade. b) Quando chove cai água em vários locais das cozinhas, tendo a água que caiu danificado um forno micro-ondas; c) O chão da sala é de cimento e apesar de lavado várias vezes por semana está sempre sujo e preto. d) O facto de o chão ser de cimento dificulta a sua limpeza, obrigando a avultado dispêndio de produtos de limpeza e atrai com mais facilidade a sujidade. e) O edifício onde está instalado o restaurante não tem acesso ao esgoto geral, sendo o esgoto assegurado por uma fossa séptica, de dimensões muito pequenas tendo em atenção a necessidade de escoamento. f) Frequentemente, a fossa séptica enche e escoa os líquidos para a ribeira, o que provoca um cheiro nauseabundo no interior do restaurante, que afasta os clientes. g) A bomba do esgoto tem avariado frequentemente, tendo-a já reparado várias vezes; h) Cada vez que a bomba avaria, tenho também de chamar o limpa fossas da Câmara Municipal. i) Com as últimas chuvas, nestes últimos dias tem caído água dentro do edifício, o que provocou avarias no meu equipamento electrónico. Todas estas circunstâncias têm afastado a clientela do estabelecimento, sendo certo que durante os dias úteis da semana é rara, apenas havendo alguma aos fins de semana; Tornou-se assim impossível desenvolver no estabelecimento uma exploração rentável do mesmo, sendo certo que as receitas nele angariadas são insuficientes para fazer face às despesas de exploração e ao preço da cessão de exploração que lhe tenho de pagar. Pelos motivos referidos venho resolver com justa causa o contrato de cessão de exploração. Nesta data enviei carta ao Banco que deu a garantia bancária, informando dos motivos da rescisão do contrato e que o pagamento da caução não é devido a Vas. Exas. No próximo dia 17 de Novembro irei entregar-lhe as chaves do restaurante." 4 - O documento 3 foi remetido sob registo postal com o nº R…PT. 5 - O documento 3 foi recebido pela autora a 9/11/2006; 6 - A Autora subscreveu uma carta dirigida ao 1° Réu que datou de 13 de Novembro de 2006, da qual consta que: "Temos presente a vossa carta de 7 do corrente; Não aceitamos a resolução do contrato por total falta de fundamento para a mesma. O local em que funciona o restaurante apresenta actualmente as mesmas características que apresentava quando da celebração do contrato de cessão de exploração. Qualquer degradação deve-se ao uso que V, Exa. vem fazendo do local, sendo certo que a manutenção do edifício e equipamento é da responsabilidade de V. Exa. (cláusula 12 do contrato). Acresce que tudo temos feito para facilitar a situação financeira de V. Exa. Até ao momento não reclamámos nem o aumento previsto contratualmente da prestação mensal de € I.750,00 para € 2,000,00, acrescido de IVA. Até ao momento não exigimos a diferença do valor do IVA (aumento de 19% para 21 %) que V. Exa. tem ignorado nos pagamentos que vem efectuando desde a data do aumento em 1 de Julho de 2005, o que totaliza nesta data € 2, 712,50., Sem justa causa para a resolução o contrato mantém-se em vigor, tal como a garantia bancária; Aguardamos assim da vossa parte o cumprimento do contrato e o pagamento das quantias devidas nos termos do mesmo sob pena de accionamento da garantia bancária e demais meios legais", 7. O documento 6 foi expedido sob registo local e recepcionado pelo 1º Réu; 8 - A Autora subscreveu uma carta dirigida ao 2° Réu que entregou em mão na agência de Lagos no dia 02/02/2007, da qual consta que: "Fazemos referência à garantia bancária … no valor de €24.000,00 prestada pelo vosso Banco a nosso favor a pedido de BB, destinada a garantir o cumprimento do contrato de cessão de exploração do restaurante "...". Cremos ser do vosso conhecimento que o referido BB manifestou expressamente a intenção de deixar de cumprir aquele contrato, como efectivamente deixou, estando já a explorar outro estabelecimento e não tendo efectuado pagamento das prestações de Dezembro a Janeiro p.p .. Conforme sabem, o contrato foi celebrado pelo prazo de 3 anos. Tendo sido celebrado em Maio de 2005, duraria até Maio de 2008; ou seja, teríamos ainda a receber um total de 17 prestações mensais de Dezembro de 2006 a Maio de 2007. A prestação mensal é de €2.000,00 mais IVA à taxa em vigor; Assiste-nos o direito a receber o valor total da cessão de exploração, ou seja €34.000,00 (17 x € 2.000,00). Vimos pela presente interpelar V. Exas. para, por força da referida garantia, efectuarem o pagamento da quantia de € 24.000,00" 9. O 2° Réu subscreveu e remeteu à Autora uma carta datada de 21/02/2007, da qual consta que: "Na sequência da vossa carta de 05 de Fevereiro de 2006, vimos por este meio acusar a recepção da mesma. Como será do conhecimento de V Exas. a garantia supra identificada, prestada pelo Banco CC, SA, a vosso favor trata-se de uma garantia simples do tipo fiança. Assim, considerando as características deste tipo de garantia e o que a mesma visa assegurar "o cumprimento do contrato de cessão de exploração do restaurante (...), E. N. 120 - 6000 Lagos, pelo que se obriga como principal pagador, a fazer as entregas de quaisquer importâncias que se tornem necessárias até àquele limite, se BB não fizer em devido tempo", poder-se-à concluir em que condições o Banco CC S A, efectuará o pagamento correspondente. Segundo carta que dirigiu a V. Exas, e de cujo teor nos deu conhecimento, o nosso cliente terá resolvido o contrato de cessão de exploração que citámos supra. Naturalmente que, esta questão não poderá deixar de merecer por parte de V. Exas. a devida atenção aquando do momento de aferir e demonstrarem, se na realidade esse for o caso, o incumprimento por parte do mesmo de obrigações às quais se encontrava adstrito em resultado do contrato supra referido. Só a demonstração de que o nosso cliente, o Sr. BB, se encontra na posição de incumprimento, ou dito de outro modo, só se se vier a demonstrar que o mesmo não cumpriu alguma das obrigações às quais se encontrava adstrito em resultado do contrato de Cessão de Exploração em cima citado, se poderá satisfazer a condição exigida pela garantia em epígrafe, à qual nos referimos supra, para que o Banco CC, SA efectue o pagamento em causa dentro dos limites estabelecidos pela mesma. Até que nos seja feita prova dos factos em cima referidos, não se encontram reunidas as condições necessárias para o accionamento da Garantia Bancária em epígrafe, estando a nossa instituição impossibilitada de proceder ao pagamento ao qual nos vinculámos pela emissão da mesma. Assim, encontra-se o Banco CC, S A impossibilitado de, no imediato, satisfazer o pedido de que foi interpelado por V. Exas, no sentido de proceder ao pagamento a que se encontra vinculado por via da Garantia Bancária mencionada em epígrafe.". 10. O 1º Réu pagou à Autora durante todo o tempo em que se manteve no estabelecimento 2.082,50 € por mês; 11. À data da assinatura do documento 1 (1 /5/2005) a taxa normal do IVA era de 19%: 12. O valor a pagar mensalmente pelo 1º Réu à data da celebração do contrato (1/5/2005) era 2.082,50€ (1. 750,00 € + 19% IVA); 13. Em 1 de Julho de 2005, a taxa normal do IVA passou a ser de 21 % - Lei 39/2005 de 24 de Junho; 14. O valor das prestações mensais devidas 1º Réu a partir de 1 de Julho de 2005 passou a ser de 2.117,50€ (1. 750,00 + 21 % IVA); 15. O valor das prestações mensais devidas pelo 1º Réu a partir de Maio de 2006, inclusive, passou a ser de 2.420.00 € (2.000.00 + 21 %); 16. O 1º Réu explorou o restaurante de Maio de 2005 a Novembro de 2006; 17. O chão da cozinha era de tijoleira, estava esburacado em vários locais e tinha várias unidades de tijoleira partidas; 18. O chão da sala exterior do restaurante que se encontra coberta é de cimento. 19. Durante a exploração do estabelecimento pelo Réu a cobertura deixava entrar água da chuva e quando chovia faltava a luz eléctrica e caía água no interior. 20. Um dos micro-ondas avariou-se em virtude de ter caído água em cima dele, água proveniente da cobertura e que caiu no interior da cozinha no local onde o microondas se encontrava; 21. Nalguns sítios da sala de refeições no interior do edifício caíam gotas de água quando chovia; 22. Na sala o Réu tinha o computador que ficou avariado em resultado dos pingos de água que caíram do tecto e molharam o computador; 23. A lâmpada exterior do restaurante, sempre que chovia, deixava de funcionar e provocava a descarga eléctrica de todo o quadro, obrigando o Réu a desligar o botão da rua, para poder ter electricidade no resto do estabelecimento; 24. A porta do forno caiu; 25. A seguir ao início da exploração, o Réu teve de comprar dois motores para os armários de frio, pois os existentes avariaram-se; 26. O edifício do restaurante não tem acesso à rede pública de esgotos, tendo uma fossa séptica. 27. A bomba da fossa séptica avariava com frequência, provocando também que a água dos esgotos extravazasse; 28. Pelo motivo referido no artigo anterior, a água suja dos esgotos extravasava da fossa e saía para fora, provocando uma má imagem e um cheiro nauseabundo; 29. O cheiro das águas dos esgotos da fossa por vezes era sentido na sala do restaurante, provocando a queixa de clientes ou o afastamento de potenciais clientes; 30. As casas de banho durante os meses de Primavera e de Verão tinham um cheiro nauseabundo a esgoto o que implicava queixas dos clientes; 31. O sistema eléctrico da fossa sofreu desde 1 de Maio várias avarias. 32. Por várias vezes, o Réu teve de chamar o veículo limpa fossas da Câmara Municipal de Lagos para proceder à limpeza da fossa; 33. O estabelecimento foi inspeccionado pela ASAE. 34. O 1º Réu conhecia o pavimento da sala do restaurante quando subscreveu o contrato; 35. Em 01/05/2005 as portas interiores dos armários de frio, o banho-maria e a porta do forno estavam a funcionar; 36. Em 1/5/2005, o fogão a gás, a fritadeira e os micro-ondas estavam a funcionar; 37. Em 01/05/2005 o sistema eléctrico da fossa estava a funcionar; 38. O tecto do restaurante no local do grelhador estava todo preto quando o Réu deixou a exploração. 39. O tecto estava muito sujo e não se conseguia limpar; 40. Em 06/03/2007, as portas interiores dos armários de frio, o banho-maria e a porta do forno estavam avariados: 41. Em 6/03/2007 fogão a gás, a fritadeira e os micro-ondas estavam avariados; 42. A avaria do fogão a gás resultava da falta de manutenção. 43. A avaria do fogão a gás, da fritadeira e dos micro-ondas obrigou à substituição dos mesmos. 44. A Autora despendeu na substituição de contacto, relais, disjuntor trifásico, inversor, boiador e bomba submersível da fossa 1.281,39 €: 45. A Autora despendeu na reparação de portas interiores dos armários de frio e do banho-maria e na substituição da porta do forno 744,15€: 46. Na substituição do fogão a gás, da fritadeira e dos micro-ondas a Autora despendeu €6.745,75€; 47. Nos itens assinalados nos documentos 15, 16 e 17 a Autora despendeu €2.999,97; 48. O outro micro-ondas, a fritadeira e o fogão a gás trabalhavam quando o Réu cessou a exploração; 49. O banho-maria não era utilizado. 50. Quando o Réu cessou a exploração em Novembro de 2006, os armários de frio trabalhavam; 51. O Réu sempre procedeu à reparação do sistema eléctrico da fossa, que funcionava quando o Réu cessou a exploração, em Novembro de 2006; 52. O Réu sempre manteve a bomba a funcionar, pois sempre que esta precisava de manutenção chamava um técnico para a reparar, estando a trabalhar quando ele cessou a exploração; 53. A Autora apenas recebeu as chaves do estabelecimento em 6 de Março de 2007, porque se recusou a recebê-las em data anterior; 54. Para conseguir que a Autora recebesse as chaves, o Réu teve de requerer a sua notificação judicial avulsa para esses fins; 55. O Réu procurou entregar as chaves à Autora em 17 de Novembro de 2006; 56. Em 17 de Novembro de 2006, o gerente da Autora recusou receber as chaves; 57. O Réu voltou a querer entregar as chaves no dia 21 de Novembro de 2006, tendo-se deslocado a casa do gerente da autora acompanhado de duas testemunhas, tendo este recusado receber as chaves: 58. Em 21 de Novembro de 2006, o Réu enviou à Autora por carta registada com aviso de recepção as chaves, tendo a Autora recusado a recepção do envelope; 59. Só em 6 de Março de 2007 é que o gerente da Autora foi buscar as chaves ao escritório do mandatário do Réu. 60. A Autora abriu o restaurante em fins de Maio de 2007; 61. O restaurante encontra-se a funcionar, a servir refeições e em pleno funcionamento; 62. A Autora executou obras. 63. A autora colocou novo chão, pintou todo o edifício, substituiu e colocou novo equipamento na cozinha; 64. A autora desde Maio de 2007 que tem o estabelecimento em laboração; 65. A Autora recebeu as chaves do estabelecimento em 6 de Março de 2007; 66. O sócio gerente da autora inspeccionou o estabelecimento em 6 de Março de 2007.
Apreciando:
Conforme decorre das precedentes conclusões as questões suscitadas na presente revista , prendem-se fundamentalmente com o invocado abuso de direito consubstanciado no dizer do recorrente no facto de o A lhe vir exigir o pagamento de prestações vincendas, sem que o recorrente explore o estabelecimento, incumprimento do contrato por banda do A que legitima a sua resolução por parte do R e por último alteração superveniente das circunstâncias e aplicação do art.252 nº2 do C. Civil.
Antes de mais importa registar que o contrato que, aqui, está em causa é um contrato de cessão de exploração de estabelecimento, qualificação, aliás, que as partes aceitaram e que as instâncias também acolheram. Como bem refere a 1ª instância citando M. Januário C. Gomes, Arrendamentos Comerciais 2ª ed. Almedina 61 “ o contrato de cessão de exploração de estabelecimento consiste numa forma de negociação do estabelecimento comercial traduzida numa transferência temporária e onerosa do seu gozo ou exploração “ em que “ o locatário explorador não recebe qualquer remuneração como se fora um gerente, tendo antes de pagar uma « renda» ao locador ,explorando o estabelecimento por sua conta e risco” e é “ abrangido pela ampla descrição tipológica do art. 1022 do C. Civil, sendo-lhe portanto aplicáveis as disposições gerais da locação, embora seja um contrato não sujeito ao regime vinculístico dos arrendamentos (RAU), nomeadamente na parte que, aqui interessa, a resolução do contrato.
A resolução do contrato levada a cabo pelo R BB e consubstanciada na sua carta que dirigiu ao A em 7 de Novembro de 2006 tem primeiramente de ser confrontada com o próprio clausulado do contrato a esse respeito e, isto , porque, como se disse, não se está perante um contrato que siga o regime vinculístico do contrato de arrendamento . Como resulta da factualidade provada o R dirigiu essa carta invocando justa causa para a resolução antes do termo do contrato, ou precisando melhor quando eram decorridos 19 meses do prazo acordado e a 17 meses do seu termo. Os concretos fundamentos para a justa causa invocados pelo R foram discriminados no facto indicado sob o nº3 do elenco dos factos provados: -o tecto preto do grelhador sendo impossível limpá-lo, devido à existência de fios eléctricos que põem em risco a vida a quem; Entrada de água da chuva nas cozinhas, que danificou um micro-ondas; - o chão de sala em cimento ,que implica maior dispêndio em limpeza , por exigir quantidade superiores de detergentes; Insuficiência da fossa sética para o esgoto, provocando um cheiro nauseabundo que afasta os clientes; A avaria da bomba da fossa , obrigando a chamar diversas vezes o limpa fossa da Câmara Municipal; As avarias em equipamento electrónico – um computador provocado pelas últimas chuvas .
Com base nesta factualidade e para fundamentar a justa causa de resolução o R BB concluiu “ sendo as receitas insuficientes para fazer face às despesas ,isto é , impossibilitando uma exploração rentável do estabelecimento”. Acontece, como bem observa a 1ª instância a impossibilidade de uma exploração rentável do estabelecimento não foi contemplada no clausulado respeitante á resolução do contrato. Aliás sobre a problemática da resolução apenas a cláusula 15ª faz uma referência, que a atender afasta liminarmente a resolução levada cabo pelo R , ou seja, o mesmo é dizer que a resolução a ter lugar, segundo esse clausulado contratual, só pela via do acordo das partes , pelo menos é assim que reza a citada clàusula quando expressamente consigna “ Este contrato só poderá ser suspenso , modificado ou resolvido, no todo ou em parte , por acordo escrito , assinado por ambas as partes ou por quem as represente”. Mas mesmo essa factualidade que o R elencou na carta resolutiva convém ser confrontada com o que vem provado nomeadamente : Durante a exploração do R BB –de Maio de 2005 a Maio de 2006 o estabelecimento apresentava os defeitos que integram os factos provados em 17 a 32 e provou –se também que destes defeitos os mencionados em 17 e 18 respeitante á qualidade do chão , o Réu conhecia quando começou a exploração ( cfr. facto nº34 e que os factos respeitantes a avarias ou mau funcionamento surgiram durante a exploração do Réu ( cfr. factos nºs 20, 24, 25 , 27 , 31 e 35 a 37). Isto para dizer em função do que vem provado o R não se pode valer dos factos que elencou na carta resolutiva como integradores da alegada justa causa da resolução do contrato e isto porque algumas deficiências ou defeitos que apontou já se verificavam à data da celebração do contrato, como é o caso do pavimento em cimento do estabelecimento e outros ocorreram durante o tempo em que o R explorou o restaurante. A resolução por inadimplência que, bem vistas as coisas, no caso em apreço, é o que o R verdadeiramente invoca consiste no poder que cada um dos contraentes tem de pôr termo ao contrato bilateral não executado pela contraparte. Opera mediante simples declaração à outra parte , nos termos do art. 436 nº1 do C. Civil ( declaração receptícia nos termos gerais do art. 224 do C. Civil). É o próprio credor que resolve o contrato , não tendo que recorrer ao tribunal ; este quando muito, apenas poderá ser chamado, não a decretar a resolução , antes a verificar se se reuniam as condições necessárias ao rompimento do contrato pela vontade unilateral do credor ( cfr. José João Abrantes in A excepção de não cumprimento do Contrato No direito Civil Português pag. 172). Só que, como já se viu, além do contrato, segundo a citada cláusula 15ª prever a resolução pela via do acordo dos contraentes, o R também não se pode valer dos fundamentos que invoca, atenta a factualidade provada nomeadamente sob o nº 34 ( respeitante á qualidade do chão que o Réu já conhecia quando começou a exploração, como os defeitos e avarias que aponta na carta ocorrerem durante a própria exploração que o R fez ( 20,24, 25,27, 31 e 33 a 37) o que, desde logo, infirma os fundamentos invocados na carta resolutiva. Em conclusão o R BB não podia avançar para a resolução do contrato nos termos em que o fez, não só por o contrato não o permitir, como também os fundamentos que invocou como justa causa na aludida carta não se verificavam.
E não valendo a resolução, o A tem direito ao pagamento das prestações até ao termo do contrato nos termos que peticionou, ainda que o R tenha deixado de explorar o estabelecimento , sendo que esse comportamento do A mais não significa que um exercício legítimo de um direito , que em nada consubstancia uma situação de abuso de direito. Para obviar a situações que se nos deparariam como clamorosamente injustas , a nossa lei consagra o abuso de direito , de que uma das manifestações mais evidentes é a proibição de venire contra factum proprium a que o Prof. A. Varela entende estar ligado ao dito conceito através da fórmula” manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé “ do art. 334 do C. Civil. Como diz o Ilustre Professor in C. Civil Anotado vol. I 2ª ed. Revista e Actualizada “ não é necessária a consciência de se excederem como seu exercício , os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites”. Também Almeida Costa in Direito das Obrigações 4ªed. 52 considera que o instituto do abuso do direito constitui” um dos expediente técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar em algumas situações particularmente clamorosas , aos efeitos da rígida estrutura das normas legais. Ocorrerá tal figura de abuso do direito quando determinado direito- em si mesmo válido – seja exercido de modo que ofenda o sentimento da justiça dominante na comunidade social”. No caso dos autos, não obstante o R ter deixado de explorar o estabelecimento antes do termo do contrato por via de uma resolução de um contrato que não tem fundamento legal e contratual, o certo é que A face à resolução ilícita tem direito ás prestações até ao termo do contrato, direito este que não excede os limites impostos pela boa fé.
Alteração das circunstâncias e o art. 252 nº2 doC Civil. Estamos aqui no domínio dos arts. 437 e 252 nº2 do C Civil. A respeito destes dois normativos escreve Ana Isabel Afonso in Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial Direito de Resolução pelo lojista em caso de insucesso comercial publicado in Direito e Justila Vol. XIX Tomo II ( 2005) pags. 48 a 68) “No que concerne ao art.252 nº2 do C. Civil há desde logo que registar que o artigo permite que o erro do declarante sobre a base negocial ( circunstâncias que constituem a base do negócio) possa servir de fundamento a requerer a anulação do contrato. Este erro pode ser de uma só ou de ambas as partes do negócio, conferindo de qualquer modo à parte que estava em erro o direito de requerer a anulação do negócio. O art.437 do C Civil reconhece que a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sirva como fundamento de resolução do contrato pela parte lesada por tal alteração. O campo de aplicação do art. 252 nº2 – erro sobre a base negocial- é definido pela falsa representação da realidade no momento da celebração do contrato « aquando da formação da vontade negocial as partes contam com um quadro negocial não existente” . A consequência jurídica do art.437 não é desencadeada por uma qualquer alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de negociar, pressupondo a verificação de requisitos exigentes , capazes de conciliar a estabilidade do contrato com a sua justiça interna. É necessário desde logo , que ocorra uma “ alteração anormal das circunstâncias “. A este respeito tem-se entendido que o critério da anormalidade da alteração permite abranger hipótese em que a alteração era previsível ,mas vem afectar o equilíbrio do contrato. Não é portanto o requisito essencial a natureza incalculável ou imprevisível da alteração exigindo-se contudo , que esta seja excepcional ou anómala” Requisito essencial é também a lesão para uma das partes, isto é, que ocorra uma perturbação do equilíbrio contratual de tal modo que a prestação de uma das partes se torne demasiado onerosa. Além disso é preciso que a exigência do cumprimento das obrigações assumidas pelo lesado afecte gravemente os princípios da boa fé . Finalmente requer ainda o art. 437 nº1 que o cumprimento das obrigações impostas ao lesado não esteja coberto pelos riscos do contrato”- A este respeito o art. 437 do CC também M Clara Calheiros in Cadernos de Direito Privado nº 42 Abril/ Junho de 2013 pag. 12 é extremamente claro ao determinar que ficarão de fora do âmbito de aplicação aquelas circunstâncias que correspondem ao risco do próprio negócio. E a respeito do risco refere a citada autora “ como expôe Heinrich Horster o que deve entender-se por risco próprio do contrato é aquele que pertence á sua peculiaridade ,é o risco ao qual cada parte se sujeita ao concluir o contrato. Este risco constitui a álea normal do contrato e é-lhe intrínseco”.
Embora, no caso em apreço, não se mostrem preenchidos, atenta a factualidade que vem provada, os requisitos para desencadear a aplicação dos citados preceitos , o certo é como bem observa o Acórdão recorrido, a alteração das circunstâncias e erro na base do negócio constituem questões novas, que não foram apreciadas( decididas) na 1ª instância e só surgiram apenas em sede de recurso de apelação e como tal não têm sequer que ser apreciadas.( cfr. art. 676 nº1 do CPC ). Efectivamente, a matéria nova alegada em recurso e não articulada pelas partes, não pode ser conhecida, por força do disposto no art. 664 do CPC . Improcedem, assim, na totalidade as conclusões do recorrente.
Em conclusão:
1-Num contrato de cessão de exploração a resolução do contrato não pode valer quando não s se provam os fundamentos que o R invoca na declaração resolutiva, tanto mais também que o próprio contrato apenas prevê a resolução pela via de acordo( negocial). 2- Nestas circunstâncias o R fica obrigado ao pagamento das prestações respectivas até ao termo do contrato, sem que, isso, constitua da parte do A uma situação de abuso de direito, porquanto mais não representa do que um exercício legítimo de um direito, que no caso não excede os limites impostos pela boa fé ( cfr. art. 334 do C. Civil). 3- O erro do declarante sobre a base negocial, a que alude o art. 252 nº2do C. Civil pode servir de base á anulação do contrato, sendo que o campo de aplicação do citado preceito é definido pela falsa representação da realidade negocial no momento da celebração do contrato. 4- A consequência jurídica do art. 437ºdo C. Civil não é desencadeada por uma qualquer circunstância em que as partes fundaram a decisão de negociar, é necessário que ocorra “ alteração anormal das circunstâncias”, não sendo, no entanto, requisito essencial a natureza incalculável ou imprevisível da alteração, exigindo-se, contudo, que esta seja excepcional ou anómala; mas é requisito essencial que a lesão para uma das partes ,isto é, que ocorra uma perturbação no equilíbrio contratual de tal modo que a prestação de uma das partes se torne demasiado onerosa; sendo necessário, no entanto, que a exigência do cumprimento das obrigações assumidas pelo lesado afecte gravemente os princípios da boa fé e finalmente exige-se que o cumprimento das obrigações impostas ao lesado não esteja coberto pelos riscos do contrato. 5-No caso em apreço, em função da factualidade provada não se mostram preenchidos os apontados requisitos para desencadear a aplicação dos citados preceitos , sendo certo também, como observou o Acórdão recorrido, que a alteração das circunstâncias e o erro na base negocial constituem questões novas surgidas apenas com a apelação, não sendo também por essa via de apreciar( cfr.art.676 nº1 do CPC).
III- Decisão:
Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido. Custas pelo recorrente Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça 24 de Outubro de 2013
Tavares de Paiva (Relator) Abrantes Geraldes Bettencourt de Faria
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