Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1891/16.9T8LRA.C2.S2
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 09/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I - A informação prestada pelo intermediário financeiro é deficiente e inexacta quando não elucida aspectos essenciais do produto de modo a permitir ao cliente entender as respectivas especificidades.
II - Constitui aspecto essencial para um investidor de perfil conservador e não qualificado, a informação de apresentar o produto (obrigações SLN) como de capital garantido, sem que lhe tenha sido explicitado, pelo menos, que não lhe assistia a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo, isto é, o reembolso de € 25 000,00 garantidos legalmente, que consubstancia característica específicas do produto ab initio (por não estar dependente de quaisquer variantes designadamente da evolução da conjuntura económico-financeira).
III - A violação do dever de informação que impende sobre intermediário financeiro leva a presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no art. 314.º, n.º 2, do CVM.
IV - A verificação do nexo de causalidade entre o acto ilícito e o dano decorrente da perda do capital investido, enquanto pressuposto da responsabilidade do intermediário financeiro, constitui ónus do lesado a quem incumbe demonstrar que o comportamento violador do dever de informação havia sido decisivo e causal da subscrição das obrigações, no sentido de que, caso tivesse recebido a informação completa, não teria subscrito as obrigações.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório


1. AA e BB instauraram acção declarativa de condenação com processo comum contra o Banco BIC Português, SA, pedindo a condenação da Ré nos seguintes termos:


a-) a pagar aos AA. o capital e juros vencidos e garantidos (perfazendo, à data da entrada da acção, a quantia de 57.000,00€), bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;


subsidiariamente:


b-) ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que a Ré invoque para ter aplicado os 50.000,00€ que os AA. entregaram ao Banco em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004;


c) ser declarado ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o Banco tenha feito desses montantes;


d) restituir aos AA. 57.000,00€, que ainda não receberam dos montantes que entregaram à Ré R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento;


em qualquer caso:


- a pagar aos AA. a quantia de € 3.000,00, a título de dano não patrimonial, bem como nas custas e demais encargos legais.


Fundados no incumprimento contratual do Banco BPN, alegaram para o efeito:


- ter o Autor feito uma aplicação no montante de 50.000,00€, na aquisição de uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, embora sem saber em concreto o tipo de produto em causa;


- ter tal aquisição sido determinada pelo facto de o gerente do BPN (agência de ...) lhe ter referido que o capital era garantido pelo Banco, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;


- ter o Autor actuado convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo;


- ter o incumprimento do Banco (quanto à garantia de capital e juros para data certa), colocado os AA. num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iriam reaver o seu dinheiro e, por isso, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.


2. A Ré contestou, defendendo-se por excepção (arguindo a ineptidão da petição inicial, a incompetência territorial e a prescrição) e por impugnação (fundamentalmente invocando que os AA. foram esclarecidos e que estavam cientes das características do produto), concluindo pela improcedência da acção.


3. Em resposta os AA. defenderam a improcedência das excepções arguidas.


4. Foi proferido despacho que declarou territorialmente incompetente o tribunal de ..., tendo o Tribunal da Relação mantido a competência daquele.


5. No saneador foi julgada improcedente a excepção da ineptidão e relegado para final o conhecimento da excepção da prescrição. Foi fixado o objecto do litígio e definidos os temas de prova.


6. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.


7. Os Autores interpuseram apelação, impugnando a matéria de facto.


8. O Tribunal da Relação de Coimbra proferiu acórdão, que alterou parcialmente a matéria de facto fixada na sentença, confirmando a mesma quanto à improcedência da acção.


9. Inconformados os Autores interpuseram recurso de revista normal e, subsidiariamente, revista excepcional (com fundamento nas alíneas a) e c) do n.º1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil - CPC), concluindo1 nas suas alegações (transcrição):


a) Do recurso de revista - Violação da lei substantiva com base em erro de interpretação do direito (art.674º, nº1 a) do CPC):


1- Face à alteração da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal recorrido, mormente quanto à eliminação do item 10) dos factos provados, e o facto 28) aditado à factualidade dada como provada, de uma leitura conjugada de ambos, impunha-se decisão diversa da proferida, quanto à responsabilidade do Banco Réu.


2- Na verdade, não podemos concordar com o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido, quando afirma que não é possível presumir que, quando o réu disse ao autor marido que a aplicação que o mesmo veio a subscrever era de capital “garantido”, o tenha induzido em erro como “capital garantido pelo BPN”, como uma garantia de reembolso do capital investido que era dada pelo Banco.


3- Ainda que se entenda que o Banco Réu nunca tivesse dito expressamente que o capital era “garantido pelo BPN”, no nosso entendimento, tal nem era preciso, pois sendo o Banco Réu a entidade que “dava a cara” e comercializava o produto, ao transmitir a informação de que o capital estava garantido, e omitindo a verdadeira entidade responsável pelo reembolso do capital, transparecia claramente a ideia de que era ele próprio quem garantia o capital investido.


4- Como tal, era relevante para o Autor, saber que quem assegurava o produto era a própria entidade emitente (SLN), e assim se lhe tivesse sido dito que o produto não era assegurado pelo BPN, mas por outra entidade e que havia risco na subscrição, sem garantias, é lógico que o Autor marido não teria subscrito tal produto por ser muito diferente do que lhe é apresentado, até porque, de acordo com a experiência, se afinal lhe fosse explicado que não era o Banco a assegurar o produto (Banca que, em 2008, era vista pela generalidade dos cidadãos como uma área sólida e sem possibilidade de entrar em incumprimento generalizado), ou iria querer saber mais sobre a dita empresa e em qualquer situação, o bancário teria de demonstrar que, face aos dados que dispunha, a SLN era uma empresa segura como o Banco BPN era.


5- Pode até admitir-se que o Autor poderia saber o que era a SLN, mas daí a ter-lhe sido explicado que tipo de entidade era, como se movia no mercado e que estava a subscrever obrigações só dessa empresa e não do BPN, é algo que não foi mencionado em julgamento como tendo sucedido, tendo as explicações permanecido na equiparação a um depósito a prazo e na falta de risco, sempre como se fosse este Banco a assegurar a rentabilidade do produto.


6- As orientações e comunicações internas que o BPN transmitia aos seus comerciais consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a um depósito a prazo junto do próprio Banco (cfr. facto provado em 12)), o que denota claramente que o “argumentário” utilizado não correspondia de todo à realidade, não sendo de todo inocente as características que eram salientadas, em detrimento das que eram claramente omitidas.


7- O Banco prestou diversas informações essenciais, nomeadamente a taxa de juro, o prazo de vencimento e até o modo de poder reaver o montante investido antes do decurso de 10 anos cedendo as obrigações a terceiros interessados (desde que os houvesse), mas não o fez relativamente a outros aspetos, como por exemplo, o facto de as obrigações serem emitidas pela SLN VALOR (que não era a “dona” do Banco) mas sim a maior acionista da SLN GPS (31%), esta sim detentora de 100% do BPN.


8- O Banco Réu sabia que o Autor marido não iria aceitar investir no produto com o risco de o Banco não o assegurar, tanto mais que, toda a tónica na sua venda era colocada precisamente na afirmação de que o produto era tão seguro como se fosse o próprio Banco e que o risco era nulo, exatamente para convencer o cliente que essa outra entidade era como que irrelevante, pois tudo desembocava no Banco Réu.


9- Provando-se, como aliás se provou, que o banco Réu, através do seu funcionário, propôs ao Autor marido uma aplicação financeira onde dava a garantia do capital investido (facto provado nº28), nesse pressuposto e por se tratar de um produto comercializado pelo próprio Banco, este é responsável pelo compromisso assumido com o cliente.


10- Tanto assim é que, o Autor subscreveu aquele produto convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, e sem saber os efetivos riscos (cfr. facto provado no nº4), ficando convencido que seria esta entidade (BPN) a reembolsá-lo do capital e juros (cfr. facto provado no nº5).


11- O apelado incumpriu em toda a linha o dever de informação que sobre si recaia, omitindo informação relevante e prestando informação incorreta, determinando o Autor marido à subscrição de um produto que não conhecia, não tendo sido esclarecido quanto às suas características, antes lhe tendo sido descrito enganadoramente como sendo “semelhante a um depósito a prazo”, razão pela qual o risco era igual ao de um depósito a prazo.


12- E esta referenciação ao depósito a prazo não é, evidentemente, inocente, uma vez que se trata de um produto muito divulgado, de todos conhecido, e sobretudo, reconhecido pela sua segurança (o risco é mínimo), sobre ele recaindo invariavelmente conforme o Réu sabia e resultou provado, a preferência do Autor.


13- Por outro lado, ainda que, à data, pudesse não ser previsível que viesse a ocorrer insolvência da sociedade emitente (risco especial), a Ré tinha a obrigação de alertar os Autores para o risco (geral) da insolvência da emitente, sobretudo face à posição extremamente desfavorável atribuída aos credores obrigacionistas em tal situação.


14- Em bom rigor, a existência desse risco ficou, completamente ocultada atrás da garantia do retorno integral do capital que foi prestado pelo Banco intermediário, com integral ausência de qualquer definição ou caracterização de que é uma obrigação subordinada, em especial da sua hierarquização após os créditos comuns em caso de insolvência do devedor, ou seja, que em caso de insolvência da SLN os Autores só receberiam o capital investido depois de todos os outros credores – não subordinados.


15- E esta é uma informação de todo relevante, uma vez que coloca os Autores numa situação bem mais arriscada que o cliente de um depósito a prazo.


16- Em suma, o funcionário do BPN tinha o dever de informar o Autor marido que a insolvência da SLN podia dar lugar à perda total ou parcial do capital investido, o que como vimos, não aconteceu.


17- É incontornável que no âmbito da colocação daquele produto no mercado, o intermediário faltou aos seus deveres de boa-fé, diligência, transparência, lealdade, fidelidade e informação, levando a que o cliente subscrevesse, desfavoravelmente, um valor mobiliário que não desejava e que importa a assunção de maiores riscos.


18- Pelo que, se impõe concluir que os Autores foram levados a subscrever obrigações, sem lhes ser dada uma informação minimamente clara e que lhes permitisse formar adequada e responsavelmente a sua vontade contratual.


19- Assim, o tribunal “ad quem” violou a lei substantiva, por erro de julgamento na aplicação do direito.


20-O BPN, na sua relação com o Autor, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN.


21- Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.


22-Outrossim, estamos perante um contrato de intermediação financeira, em que o Banco Réu intermediou a subscrição das mencionadas obrigações por parte do Autor marido.


23- A responsabilidade do intermediário financeiro, no caso o Banco Réu, decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM.


24-É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos.


25-A informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, em ordem a viabilizar que o investidor tome uma decisão esclarecida (art.7º, nº1 do CVM).


26-Nesse âmbito o risco envolvido na operação financeira é uma das vertentes que a lei autonomiza expressamente (art. 312º, nº1 a), do CVM), pois que só com ela existirá uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.


27- O intermediário financeiro está vinculado aos deveres que decorrem da boa-fé, nomeadamente no que toca à lealdade e transparência (art.304º, nº2 do CVM), e bem assim, a proteger os legítimos interesses dos clientes e da eficiência do mercado (art.304º, nº1 do CVM).


28-Resulta da factualidade dada como provada em 28), que o funcionário do Banco Réu assegurou ao Autor marido que o capital era garantido, e que este deu a sua anuência à concretização da aplicação, nesse pressuposto e por se tratar de um produto comercializado pelo próprio Banco.


29- Esta declaração, para com o Autor marido, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais (art.236º do CC), só pode significar que o Banco assume um compromisso perante o Autor, o do reembolso do capital.


30- Por outro lado, ainda que se possa entender, que o Autor marido sabia o que era a SLN, tal não significa, que lhe tivesse sido explicado que o seu dinheiro ia ser transferido do BPN para a SLN, que era a SLN que ia pagar os juros e que era a SLN a devolver-lhe o capital no final do prazo, mas que tal devolução só existiria se a referida SLN tivesse no final desses 10 anos capacidade financeira para fazer a devolução.


31- O BPN omitiu, portanto, informação de maior relevância.


32- Assim, o Banco Réu, ao ter avançado para aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação torna-se responsável pelos prejuízos causados aos Autores.


33- A responsabilidade a que se reporta o artigo 314º do CVM, é qualificada como sendo responsabilidade contratual – artigo 799º do CC.


34- Outrossim, com base na responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.º do C.C., conjugado com o preceituado no artigo 314.º do CVM, se chega à conclusão de que impende sobre o Banco Réu a obrigação de indemnizar os Autores do dano por eles sofrido.


35- Esse dano, desde logo, abrangerá o valor do capital investido, isto é, os € 50.000,00, acrescido dos respetivos juros.


36-Houve incumprimento por parte do Banco Réu, na pessoa do seu funcionário, de deveres inerentes à atividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts.7º, 8º, 304º e 312º do CVM, o que basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido.


37- O que motivou a subscrição do produto, foi o facto de o Autor estar convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo (cfr. facto provado no nº4), o que como vimos não é verdade.


38- Porém, os Autores vieram a constatar que não só o réu não lhes permite levantar a quantia investida como, ademais, não lhes garante capital nem juros.


39- O réu sabia que prestava informação errada ao Autor marido – minimizando os riscos e dando-lhe garantia de liquidez, ou seja, garantia do capital e os juros – e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida.


40-Resulta que o funcionário do BPN apresentou o produto seguro, como produto próprio do banco, transparecendo a ideia de que o BPN era o garante do seu reembolso.


41- A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco constitui violação do dever de informação.


42-Por força do art. 314º nº 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.


43- Afirmar que o produto é produto seguro, com garantia do capital e rentabilidade assegurada, é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.


44-Que não é um produto de risco.


45- Acresce que, os Autores não foram informados de que, em caso de insolvência da sociedade emitente das obrigações, eles corria o risco de não ser reembolsados do capital que aplicaram nas obrigações.


46- Aliás, as orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a um depósito a prazo junto do próprio Banco (cfr. facto provado em 12)).


47- E, o facto de não ser previsível, à época, o colapso do sistema financeiro, não justifica o facto de o Banco Réu ter omitido aos Autores o risco de insolvência da SLN, e a possibilidade de nunca mais vir a reaver o dinheiro investido, pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas e designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise.


48- Assim, além da ilicitude da conduta do Banco Réu, os Autores demonstraram também a culpa, o nexo de causalidade e o dano.


49- Tem, pois, o Banco Réu a obrigação de indemnizar os Autores pelo valor do capital investido, acrescido de juros à taxa legal desde a data do termo do prazo das obrigações subscritas (arts. 805º nº 3 e 806º do C.C.).”.


9. Em contra-alegações a Ré defende a inadmissibilidade da revista, designadamente da revista excepcional e a improcedência do recurso.


10. A Formação admitiu a revista excepcional ao abrigo da alínea a) do n.º1 do artigo 672.º do CPC.


II – APRECIAÇÃO DO RECURSO


De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:

Da (in)verificação dos pressupostos da responsabilidade do intermediário financeiro pelos danos decorrentes do investimento dos AA em obrigações SLN Rendimento Mais 2004


1. Os factos


1.1 provados


1. Os Autores eram clientes do BPN, Banco Português de Negócios, SA (actualmente a Ré), na sua agência de ..., com a conta à ordem nº ..., onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.


2. A certo momento, os Autores procuravam um produto com possibilidade de disponibilização a qualquer momento, com taxa de juro interessante e com segurança para rentabilizar algum capital que possuíam, o que era do conhecimento dos funcionários da aludida Agência do BPN.


3. Nessa sequência, no dia 13 de Outubro de 2004, junto da referida agência do Réu, o Autor assinou o “Boletim de Subscrição” relativo a “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, sob a epígrafe “EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS” no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros) onde, para além do mais, constava a o seguinte: «NATUREZA DA EMISSÃO Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador (…) MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO €50.000,00 (1 obrigação) PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO (…) DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA 25 de Outubro de 2004. PRAZO E REEMBOLSO O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 27 de Outubro de 2014 (…) REMUNERAÇÃO Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas (…) IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR (…) ORDEM DE SUBSCRIÇÃO (…) ORDEM DE DÉBITO (…)».


4. O Autor subscreveu o produto acima mencionado convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo.


5. Os Autores estiveram sempre convencidos que o Réu lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.


6. Após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo semestralmente pagos.


7. E que manteve até Maio de 2015, data em que o Banco deixou de pagar os juros respectivos.


8. Não foi emitido qualquer outro documento a esse propósito, para além das habituais comunicações/avisos/extractos relativos ao pagamento dos juros semestrais, acima mencionados, o que sucedeu até Maio de 2015.


9. Na data de vencimento contratada, o Réu não restituiu aos Autores o montante que ambos subscreveram.


10. (eliminado pelo acórdão).


11. Em consequência, os Autores ficaram impedidos de usar o montante subscrito como bem entendessem.


12. As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a um depósito a prazo junto do próprio Banco.


13. Os Autores sempre mostraram apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente, em valores mobiliários, como a subscrição de Unidades de Participação de Fundos de Investimento mobiliário.


14. O autor era, como funcionário de uma Companhia de Seguros, responsável pelos contactos com mediadores (alterado pelo acórdão).


15. O autor tinha conhecimento de que o produto era um investimento em obrigações e que tinha uma maior rentabilidade do que um depósito a prazo (alterado pelo acórdão).


16. As obrigações em causa foram emitidas, como o próprio nome indica, pela SLN, SGPS, S.A..


17. Esta sociedade era titular de 100% do capital social do Banco-Réu.


18. Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008.


19. Altura em que foi nacionalizada.


20. Nesta sequência, porque a SLN, SGPS, S.A., detinha o Banco BPN, qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património.


21. O risco de um Depósito a Prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco.


22. Consideração válida sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de €25.000,00.


23. Foi explicado ao Autor o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu.


24. (eliminado pelo acórdão).


25. E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.


26. E que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.


27. O Autor sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo.


28. O réu, através de funcionário seu, disse ao A. marido que a aplicação que o mesmo veio a subscrever era de capital “garantido” (aditado pelo acórdão).


1.2 não provados


a) Que em 13 de Outubro de 2004 o gerente do Banco Réu da agência de ... disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, no sentido de ser realmente um depósito a prazo.


b) Que o Autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer aprofundadamente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem.


c) Que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.


d) Que os Autores não queriam investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da referida Agência do Réu.


e) Que o Autor não sabia que aplicou a quantia de €50.000,00 em “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”.


f) Que se o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, que era produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.


g) Que o Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, no sentido de ser efectivamente um depósito a prazo


h) Que os Autores desconheciam e nem podiam conhecer, que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido.


i) Que os Autores não foram informados sobre a compra das obrigações subordinadas “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”.


j) Que os Autores celebraram algum contrato com o Réu que nunca lhe tivesse sido lido ou explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos Autores e que nem nunca conheceram os Autores qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações SLN.


k) Que os Autores tenham assinado algum documento que não corresponda à sua vontade real.


l) Que os Autores nunca aceitariam investir em “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004” e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu.


m) Que o Autor não sabia o que era a SLN.


n) Que o Autor pensava que SLN era uma mera denominação de conta a prazo que o Banco Réu utilizava.


o) Que o Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa.


p) Que um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do BPN e que os funcionários da rede de balcões do banco Réu repetiam junto dos seus clientes era o de que este assegurava o reembolso do capital investido e juros.


q) Que com a sua actuação, o Réu colocou os Autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saberem quando iam reaver o seu dinheiro.


r) Que tem provocado nos Autores ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerirem a sua vida.


s) Que os Autores andam em permanente estado de “stress”, doentes e sem alegria de viver, por terem sido desapossados das suas economias de uma vida, e sem perspectivas de futuro.


t) Que foi explicado aos Autores, ou não, que esse produto constituía valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente.


u) Que foi explicado aos Autores de que se tratava da sociedade-mãe do Banco.


2. O direito


Através da presente acção pretendem os Autores que o Banco Réu lhes pague o capital investido e os juros garantidos (no valor total à data da acção de €57.000,00) pela aquisição, em Outubro de 2004, de uma obrigação SLN, na convicção de que se tratava de um produto seguro, em consequência de uma errada informação prestada pelo Banco BPN quanto às características do mesmo.


O acórdão recorrido, no seguimento do que havia sido decidido na sentença, concluiu que não podia ser assacada qualquer responsabilidade ao Banco Réu por falta de prova da conduta ilícita, ou seja, por não terem os Autores demonstrado a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro.


Justificou a tal respeito:


Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que os autores não provaram, como lhes competia (Ac. R.C. de 15.12.2016, em www.dgsi,pt), que o BPN não deu, através dos seus funcionários, uma informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita ao autor.


Assim, não provaram que o gerente tenha dito ao autor que a aplicação era em tudo igual a um depósito a prazo (a), que o produto não era de obrigações subordinadas (i e l) ou que o capital era garantido pelo Banco réu. Não provaram também que não foram informados de que as obrigações que iriam subscrever eram dívida emitida pela SLN (cfr., pese embora a eliminação do facto 19, as alíneas m, n, o e t dos factos não provados), de que o reembolso do capital cabia à entidade emitente e que, em caso de insolvência dessa entidade, corriam o risco de não serem reembolsados do capital aplicado nas obrigações.


É verdade que ficou provado que os autores estiveram sempre convencidos de que o réu lhes restituiria o capital e os juros quando os solicitasse (5). E que o réu, através de funcionário seu, disse ao A. marido que a aplicação que o mesmo veio a subscrever era de capital “garantido” (28).


No entanto, também foi dado como não provado (e tal não foi impugnado) que o réu tivesse assegurado que a aplicação em causa tinha a garantia de um depósito a prazo [não provado facto g], sabendo, aliás, o autor perfeitamente que o produto não era um depósito a prazo (27), mas um investimento em obrigações (15) e que a obtenção de liquidez ao longo dos 10 anos de prazo só seria possível por via de endosso das obrigações (25). Também não se deu como provado que o réu tenha dito ao autor que o capital era garantido pelo Banco Réu (l).


Ora, assim sendo, não é possível presumir (para além do facto não provado) que, quando o réu disse ao autor marido que a aplicação que o mesmo veio a subscrever era de capital “garantido”, o tenha induzido em erro sobre as características do produto, levando-o a interpretar a expressão “capital garantido” como “capital garantido pelo BPN”, como uma garantia de reembolso do capital investido que era dada pelo Banco.”


Relativamente ao dever de informar quanto aos “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar” nos termos do artigo 312.º, n.º 1, alínea a), do Código de Valores Mobiliários (na redacção do DL n.º 66/2004), referiu ainda o tribunal a quo:“um desses riscos especiais (que o distinguia do risco menor dos depósitos a prazo) era o risco da perda da totalidade do investimento (em obrigações) se a entidade emitente fosse à insolvência. Os clientes poderiam nada receber (como, de resto, não vieram a receber, no termo do prazo da aplicação).


Porém, também aqui cumpria aos autores alegar e provar que o autor não foi alertado para o risco da perda da totalidade do investimento.”.


Nas alegações da revista os Autores defendem que a matéria de facto provada, depois de alterada pelo acórdão recorrido, demonstra a violação dos deveres de informação por parte do BPN, bem como a existência dos restantes pressupostos da responsabilidade (culpa e nexo de causalidade entre o facto e o dano sofrido consubstanciado na não restituição do capital investido, que seriam a presumir).


2.1. Da violação do dever de informação


O equívoco do tribunal a quo ao concluir pela falta de demonstração da ilicitude da conduta do Banco enquanto intermediário financeiro resulta da caracterização que fez do dever de informação adstrito ao intermediário financeiro e da valorização indevida da factualidade não provada2, pese embora, não haver dúvida, de estar em causa um pressuposto da responsabilidade (pré e/ou contratual) cuja prova constitui ónus do investidor, no caso, os Autores.


Vejamos.


Em causa está um contrato de intermediação financeira celebrado em Outubro de 20043, cabendo aplicar o regime jurídico em vigor àquela data (o CMVM aprovado pelo DL 486/99, de 13-11 e sucessivas alterações, sendo a introduzida pelo DL 66/2004, de 24-03, última com relevância para a situação sob apreciação).

Conforme se fez realçar no acórdão de 15-12-20204, a “actividade de intermediação financeira e, no caso, a responsabilidade do Banco que presta informações com vista a celebração de negócios, encontra-se submetida a um conjunto de regras específicas.

Com efeito, o CVM impõe aos intermediários financeiros especiais deveres de informação e publicidade (artigos 312.º e 323.º, do CVM, na versão a ter em conta o caso), que se destinam a assegurar a confiança dos investidores e a transparência do mercado, devendo possuir os requisitos de completude, verdade, atualidade, clareza, objetividade e licitude (artigo 7.º, nº 1, do CVM).

Determina o n.º1 do artigo 304.º do CVM, que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade por forma a proteger os legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, dispondo o n.º2 que os mesmos devem conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

Encontram-se assim os intermediários financeiros adstritos a deveres principais (os indicados de protecção dos legítimos interesses dos clientes, de informação e publicidade) e a deveres acessórios de boa-fé nas relações que estabelecem com todos os intervenientes no mercado (n.º2 do artigo 304.º do CVM).

Importa realçar que relativamente aos deveres de protecção dos legítimos interesses dos clientes, o intermediário financeiro deve averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste a recepção do serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento (artigo 304.º, n.º 3, CVM), pelo que não pode incentivar o cliente a efetuar operações que tenham objetivos contrários aos interesses do mesmo (artigo 310.º, n.º 1 CVM), fazendo prevalecer os interesses do cliente sobre os seus ou de outros eventuais interessados (artigo 309.º, n.º 3, CVM).

Destinando-se as informações a prestar ao cliente para a tomada de uma decisão esclarecida e fundamentada, a extensão e profundidade da mesma dependem do grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º n.º2, CVM)”.


Encontrando-se o intermediário financeiro adstrito a prestar a melhor informação para o cabal esclarecimento do cliente, a mesma só será completa quando não omite dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais no processo de tomada da decisão de investir (Simão Mendes de Sousa, Contrato de Swap de Taxa de Juro: Dever de Informação e Efeitos da Violação do Dever, AAFDL, 2017, pp. 55-56).


No caso, a matéria de facto provada em 4, 5 e 28 revela que a informação prestada ao Autor foi necessariamente incompleta.


Com efeito, apesar de se encontrar provado que o Autor tinha conhecimento de que o produto era um investimento em obrigações (facto n.º 15) e ter sido explicado o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso (factos n.ºs 23 e 25), resulta igualmente apurado que Autores estiveram sempre convencidos de que o Réu lhes restituiria o capital e os juros quando os solicitasse (facto n.º 5) o que revela que a informação prestada padeceu, pelo menos, de obscuridade.


Acresce que se impunha que a informação prestada fosse totalmente coincidente com a realidade dos factos por forma a não induzir em erro o potencial investidor (cfr. Simão Mendes de Sousa, obra citada, p. 57), atento o facto de o produto em causa não possuir a mesma garantia de um depósito a prazo.


Conforme decorre do facto n.º 28, o funcionário do Banco disse ao Autor que a aplicação que o mesmo veio a subscrever era de capital “garantido”; nessa medida, para além da natureza do produto - obrigações representativas de dívida subordinada - e da sua implicação em caso de insolvência ou liquidação da sociedade, não lhe assistia a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo até 25 000 ecu (artigos 164.º e 166.º, n.º1, do DL 298/92, de 31-12., na redacção do DL 252/2003, de 17-10). Tal, porém, não aconteceu porquanto a factualidade apurada (facto n.º 28) evidencia que a informação prestada não foi completa nem exacta.


Na sequência do realçado no citado acórdão de 15-12-2020, essa característica consubstanciava uma diferença crucial para um investidor com o perfil dos Autores5 e verificava-se ab initio, porquanto em caso de falência de banco depositário o depositante teria o reembolso de € 25.000,00 garantidos legalmente. Porém, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações, o que veio a suceder, os Autores não têm garantia legal (a priori) de reaver qualquer montante aplicado no produto.


Como refere Agostinho Cardoso Guedes, o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, coloca-se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, a pp. 138-139).


No caso em apreço, conforme supra referido, a informação foi indubitavelmente deficiente e obscura porque não foram esclarecidos aspectos essenciais do produto de modo a permitir ao Autor entender as respectivas especificidades. Note-se que o Banco caracterizou a aplicação como sendo uma aplicação de capital garantido, que não só não concretizou, como seria passível de pretender induzir em erro o investidor relativamente às concretas especificidades do produto.


Impunha-se, pois, que o Autor tivesse sido elucidado de forma a saber se estava (ou não) assegurado o reembolso do capital investido e se este assumia (ou não) as garantias de um depósito a prazo, que consubstanciavam as características específicas do produto ab initio, ou seja, não estavam dependentes de quaisquer variantes designadamente da evolução da conjuntura económico-financeira.


Por conseguinte e ao invés do concluído pelas instâncias, encontra-se demonstrada a violação do dever de informação por parte do Banco; como tal, a prática do acto ilícito, pressuposto da sua responsabilidade.


Uma vez violado, pelo intermediário financeiro, o dever de informação relativamente aos esclarecimentos que estava obrigado a dar aos Autores, há que presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no artigo 314.º, n.º 2, do CVM.


2.2 Do nexo de causalidade


Entendeu ainda o acórdão recorrido que, ainda que fosse de considerar verificada a violação do deve de informação, não se encontrava demonstrado o pressuposto da responsabilidade do Réu reportado ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano.


Relativamente a este aspecto, importa ter em linha de conta o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, deste Tribunal, n.º 8/2022, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de Novembro de 20226, que uniformizou jurisprudência, nos seguintes termos:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.


2 - Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto “não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.


3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.


4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Em conformidade com tal entendimento no que diz respeito ao pressuposto nexo de causalidade, para que na situação sob apreciação se pudesse concluir pela responsabilização do Banco Réu pelo dano decorrente da perda do capital investido, caberia a demonstração (ónus dos Autores) de que o comportamento do Banco violador do dever de informação havia sido decisivo e causal da subscrição das obrigações, no sentido de que, caso tivesse recebido a informação completa, o Autor não teria subscrito as obrigações, isto é, nunca teria adquirido as obrigações caso tivesse sido informado, designadamente, de que as mesmas eram produto com risco de perda de capital, cujo reembolso o Banco não podia garantir. Tal, porém, conforme concluído pelas instâncias, não ficou provado, o que determina, necessariamente, a improcedência da pretensão dos Autores/Recorrentes.


IV. DECISÃO


Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça, julgar a revista improcedente, ainda que com fundamento não de todo coincidente.


Custas pelos Autores.

Lisboa, 13 de Setembro de 2023

Graça Amaral (Relatora)


Maria Olinda Garcia


Barateiro Martins





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1. Conclusões 50.º a 94.º reportadas à admissibilidade da revista excepcional.↩︎

2. Com efeito, refere o acórdão a respeito da matéria não provada relativamente às características do produto: “No entanto, também foi dado como não provado (e tal não foi impugnado) que o réu tivesse assegurado que a aplicação em causa tinha a garantia de um depósito a prazo (…). Também não se deu como provado que o réu tenha dito ao autor que o capital era garantido pelo Banco Réu (l)”.↩︎

3. Através da venda ou subscrição, como cliente do Réu, de obrigações não pertencentes à instituição bancária, mas pertencente à SLN, entidade emitente das obrigações em causa; nessa medida, o Banco actuou como intermediário financeiro↩︎

4. Proferido no Processo n.º 2243/18.1T8STR.E1.S1 (com intervenção da aqui Relatora e da 1.ª Adjunta).↩︎

5. Cfr. factos n.ºs 2 e 13: “A certo momento, os Autores procuravam um produto com possibilidade de disponibilização a qualquer momento, com taxa de juro interessante e com segurança para rentabilizar algum capital que possuíam, o que era do conhecimento dos funcionários da aludida Agência do BPN; 13. Os Autores sempre mostraram apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente, em valores mobiliários, como a subscrição de Unidades de Participação de Fundos de Investimento mobiliário.”.↩︎

6. Com a Declaração de Retificação n.º 31/2022, de 21 de Novembro de 2022.↩︎