Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | LIVRANÇA ACORDO DE PREENCHIMENTO AVAL ACÓRDÃO REMISSIVO | ||
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Data do Acordão: | 02/22/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO DE PROCESSO CIVIL DIREITO COMERCIAL | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V, 14. - Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 669. - Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, III, “Letra de Câmbio”, 1956, p. 197 e ss.. - Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 111, 246. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC):- ARTIGOS 342.º, N.º 2. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 668.º, ALÍNEA B), 713.º, N.º 5 (ESTE ARTIGO NA REDACÇÃO DO DL N.º 329-A/95, DE 12 DE DEZEMBRO). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 6 DE FEVEREIRO DE 1976 – BMJ 254-196; -DE 24 DE OUTUBRO DE 2002 – 02 A2976; -DE 27 DE MAIO DE 2004 – 04 A1518; -DE 18 DE ABRIL DE 2006 – 06 A 871; -DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006 – 06 A2589; -DE 6 DE MARÇO DE 2007 – 07 A205 ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA, DE 14 DE MAIO DE 1996 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, I.A, DE 11 DE JUNHO DE 1996). ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR N.º 4/2001, DE 23 DE JANEIRO DE 2001 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, I.A, DE 8 DE MARÇO DE 2003) | ||
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Sumário : | 1. O aval é um acto cambiário que origina uma obrigação autónoma independente, cujos limites são aferidos pelo próprio título. 2. A violação do pacto de preenchimento é uma excepção de direito material que não pode ser invocada pelo avalista salvo se o mesmo nele teve intervenção, subscrevendo-o. 3. Daí que o acordo de preenchimento só concluído entre o subscritor e o portador da livrança se imponha, tal qual, ao avalista. 4. O preenchimento, que pode ser contemporâneo ou posterior à aquisição do título pelo adquirente, terá de ser feito de harmonia com as cláusulas negociais do contrato que garantia, não podendo exceder esses limites. 5. A qualidade de mero avalista não legitima a oponibilidade da excepção de preenchimento abusivo, se não subscreveu o pacto de preenchimento. Isto porque a prestação do aval estará então condicionada ao conhecimento e aceitação pelo avalista do montante a avalizar e data de vencimento. 6. A nulidade da alínea b) do artigo 668.º do Código de Processo Civil não se basta com uma justificação deficiente ou pouco convincente, antes impondo ausência de motivação que impossibilite a revelação das razões que levaram à opção final. 7. Os requisitos que condicionam a decisão remissiva prevista no n.º 5 do artigo 713.º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 só são exigíveis para as decisões proferidas em lides intentadas após 1 de Janeiro de 2008. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça AA, deduziu oposição à execução que lhe foi movida por “I...2234 O...F...IV B.V.”, habilitada no lugar da “Caixa Geral de Depósitos, SA”. Alegou, em síntese, que entre este banco e a sociedade “H... – Empreendimentos Turísticos e Imobiliários, SA” foi constituído um contrato de empréstimo no qual foram prestadas garantias pessoais e reais; que, assim, foi constituída uma hipoteca sobre um prédio que identifica e entregue uma livrança em branco, subscrita pela sociedade e avalizada pelo oponente; foi acordada uma restruturação do crédito com a prorrogação do prazo de vigência do contrato, em 20 de Março e em 20 de Junho de 2002, respectivamente por 3 e 6 meses, e a constituição de uma segunda hipoteca destinada a desobrigar os avalistas que não tiveram intervenção na restruturação; que o valor aposto na livrança não é o correcto pois a mutuária fez, desde 2002, vários pagamentos parciais que a exequente não levou em conta no preenchimento do título. Na Comarca de Vila Verde, a oposição foi julgada improcedente sendo determinado o prosseguimento da execução. O oponente apelou para a Relação de Guimarães que,com aresto remissivo, confirmou a sentença. Vem, agora, pedir revista. E assim concluiu a sua alegação: O recurso não foi contra alegado. As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: Foram colhidos os vistos. Conhecendo,
O recorrente começa por assacar ao Acórdão recorrido a nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil – não especificação dos fundamentos de facto e de direito – e ainda a violação do disposto no n.º 5 do artigo 713.º do Código de Processo Civil. Sem razão, porém. No artigo 668.º do Código de Processo Civil só cabem os vícios formais (vícios de limite) aí taxativamente indicados, que não qualquer situação de erro de julgamento ou resultado de decisão, situação que, por vezes, as partes tendem confundir. (cfr., v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1976 – BMJ 254-196 – e, desta Conferência, de 18 de Abril de 2006 – 06 A 871. Mas se a decisão, e como é o caso, contém, ainda que por remissão, os elementos de facto e de direito suficientes para a revelação dos motivos da opção final, não há falta de motivação (veja-se ainda,a propósito desta invalidade, o Conselheiro Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 111, 246). Na sua alegação, o recorrente refere que o aresto em crise, ao ser remissivo, não atentou nos três pressupostos daquele preceito (simplicidade da questão; fundamentação sumária do julgado; apreciação jurisdicional anterior a impor a junção de cópia do precedente). Porém, se é esta a actual redacção do n.º 5 do artigo 713.º da lei processual, a mesma só foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, sendo apenas aplicável às lides instauradas a partir de 1 de Janeiro de 2008, o que não é o caso. (Note-se, aliás, que se fosse aplicável a reforma de 2007, não seria sequer admissível a revista – regra, atenta a presença de dupla conformidade e do disposto no, então introduzido, n.º 3 do artigo 721.º). Ora a redacção aplicável, do n.º 5 do artigo 713.º (do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro) dispensava os pressupostos atrás elencados limitando-se a dispor que “quando a Relação confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1.ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, pode o acórdão limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.” Assim tendo acontecido, o Acórdão não padece de qualquer irregularidade, ou vício processual, já que se limitou a incorporar a decisão da 1.ª instância sendo que a esta, e no acervo conclusivo da apelação, não fora apontado qualquer vício de limite. 2.1. Passa-se, agora, ao conhecimento do mérito acompanhando a alegação do recorrente que, nuclear e essencialmente, insiste ter sido incumprido o pacto de preenchimento ao ser renegociado o crédito sem o seu conhecimento ou acordo e, outrossim, que, e face àquela alteração, a obrigação garantida se tornou indeterminada e indeterminável sendo, por conseguinte, nula. Sabido é que o aval é um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente (cfr. o Prof. Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, III, “Letra de Câmbio”, 1956, p. 197 ss). A responsabilidade do avalista é solidária, que não subsidiária da do avalizado, pelo que o avalista não goza do benefício da prévia escussão; a nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica à do avalista; este tem direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado; (cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2004 – 04 A1518 – e de 24 de Outubro de 2002 – 02 A2976). O avalista (não sendo sujeito da relação jurídica entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas de uma relação subjacente à obrigação cambiária entre si e o seu avalizado) presta uma garantia de natureza pessoal geradora de uma obrigação autónoma. Daí que se responsabilize pela pessoa que avalizou assumindo uma responsabilidade, objectiva e abstracta, pelo pagamento do título, já que acaba por ser responsável nos mesmos termos em que o é a pessoa que garante por qualquer acordo de preenchimento concluído entre este e o portador. Não pode, em consequência, excepcionar o preenchimento abusivo, cujo “onus probandi” cabe ao obrigado cambiário (artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil) já que integra um facto modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito. (cfr., “inter alia”, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007 – 07 A205 – e, desta Conferência – de 14 de Dezembro de 2006 – 06 A2589), salvo se também tiver subscrito o pacto de preenchimento. Note-se, aliás, que, “in casu”, o recorrente avalista era Administrador da avalizada, não sendo alheio ao contrato de preenchimento no qual interveio, como resulta da sentença (fls. 177). O contrato de preenchimento mais não é do que o acordar os termos da relação cambiária, a fixação do seu montante, o tempo de vencimento, e a estipulação dos juros, além de outros elementos, o que o avalista só pode questionar se, ao subscrevê-lo, tiver condicionado a esses termos a prestação da sua garantia. Então, poderá dizer-se que o título foi concluído “contrariamente aos acordos realizados”, o que integra uma excepção de direito material que o avalista, repete-se, que o subscreveu, e se executado, pode invocar e também deve provar (cfr. a solução consagrada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de 14 de Maio de 1996 – Diário da República de 11 de Junho de 1996, aplicável às letras e às livranças). Do exposto resulta que como no aval – e ao contrário da fiança (artigo 627.º do Código Civil) – a responsabilidade do avalista não é acessória do avalizado, já que é uma mera garantia cambiária há que atentar apenas no título em si e no que foi referido quanto ao pacto de preenchimento, se também firmado pelo avalista. 2.2. Mas o recorrente não logrou provar qualquer violação do pacto de preenchimento em termos de ficar impossibilitado de medir a sua responsabilidade. De outra banda, e na sequência do que acima se disse, a doutrina do Acórdão Uniformizador n.º 4/2001, de 23 de Janeiro de 2001 (Diário da República, I.A, de 8 de Março de 2003) – que decidiu ser nula por indeterminabilidade do objecto a fiança de obrigações futuras, quando o fiador garante a responsabilidade de quaisquer obrigações sem expressa menção da sua origem ou natureza – não é aplicável ao aval quando o avalista não é demandado como garante do negócio subjacente à livrança mas como avalista do respectivo subscritor, ou seja, como garante de uma obrigação cambiária autónoma (cfr., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007 – 07 A205 – subscrito pelo ora Relator como 1.º Adjunto e pelo ora 1.º Adjunto como 2.º). Se, e como se disse, não resultou provada uma alteração do pacto de preenchimento que tornasse a garantia indeterminada ou indeterminável (e portanto nulo o aval) improcedem as razões do recorrente. Pode concluir-se que: Nos termos expostos, acordam negar a revista. Custas pelo recorrente. Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Fevereiro de 2011 Sebastião Póvoas (Relator) Moreira Alves Alves Velho |