Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
287/10.0 TBMIR. S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: BOA FÉ
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 02/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 594-595, nota 2, 779-780.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª edição, 10.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 543-544, 568-569, 930; Rasgos Inovadores do Código Civil Português de 1966 em Matéria de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1972, pp. 18 e ss.
- Carneiro da Frada, «Nos 40 anos do Código Civil – Tutela da personalidade e dano existencial», Themis, 2008, pp. 47-68, em especial, o elenco de situações descrito nas páginas 51 a 53.
- Castanheira Neves, «O sentido actual da Metodologia Jurídica», in Ciclo de Conferências em Homenagem Póstuma ao Professor Doutor Manuel de Andrade, Coimbra, 2002.
- Henrique Sousa Antunes, Da inclusão do lucro ilícito e de efeitos punitivos entre as consequências da responsabilidade civil extracontratual: a sua legitimação pelo dano, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p.13 e ss..
- Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 1035, nota 2481; O Conceito de Enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa, colecção teses, Porto, 1998, p. 748, 768 e ss.; «Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal?», RDE, 1989, pp. 105-144.
- Menezes Cordeiro, «Ciência do Direito e Metodologia Jurídica nos Finais do Século XX», 1988, pp. 714 e 716-717; Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, Lisboa, 1997, pp. 482-483; «Direito do Ambiente, princípio da prevenção: direito à vida e à saúde - anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Julho de 1996», ROA, Ano 56, Agosto de 1996, Lisboa, pp. 667-686; Tratado de Direito Civil, vol. IV, Parte Geral, Pessoas, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, p. 120.
- Orlando de Carvalho, «Para um Novo Paradigma Interpretativo. O Projecto Social Global», BFD, Universidade de Coimbra, Coimbra,1997, pp. 3 -4.
- Paolo Cendon, Commentario al Codice Civile, UTET, Milano, 2002, p. 1809.
- Patrícia Carla Monteiro Guimarães, «Os danos punitivos e a função punitiva da responsabilidade civil», Direito e Justiça, 2001, pp. 159-206.
- Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 121, 182, 183, 188-190, 202, 290-291; «Os danos punitivos», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII – N.º 2, 2002, pp. 1019-1111.
- Pereira Coelho, O problema da causa virtual na responsabilidade civil, colecção teses, Almedina, Coimbra, 1998, p. 218.
- Pessoa Jorge, Ensaio sobre a responsabilidade civil, (reimpressão da edição de 1968), Almedina Coimbra, 1995, p. 51.
- Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, p. 663, nota 1536.
- Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. I, Coimbra, 1990, pp. 427 e 457.
- Sara Monteiro Pinto Ferreira da Silva, Danos Punitivos – Problemas em relação à sua admissibilidade no ordenamento jurídico português, Dissertação no âmbito do Mestrado Forense, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2012.
- Suzanne Carval, La responsabilité civil dans sa fonction de peine privé, LGDJ, Paris, 1995, pp. 119-210.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, N.º1, 227.º, 251.º, 252.º, N.º1, 494.º, 496.º, 497.º, N.º2, 570.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 14 DE MAIO DE 1998, CJ, ANO XXIII, TOMO III, 1998, PP. 101-105.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8-6-1999, PROCESSO N.º 99A391, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 03-06-2004, PROCESSO N.º 04B3527; DE 24-10-2012, PROCESSO N.º 293/09. 8TTSNT.L1.S1.
Jurisprudência Internacional:
JURISPRUDÊNCIA ALEMÃ:
- «PERSÖNLICHKEITSRECHTSVERLETZUNG UND HÖHE DER GELDENTSCHÄDIGUNG – CAROLINE VON MONACO», BGH, URT. V. 5.12.1995 – VI ZR 332/94 (HAMBURG), NJW, 1996, PP. 984-985; «GELDENTSCÄDUGUNG WEGEN WIEDERHOLTER BEEINTRÄCHTIGUNG DES RECHTS AM EIGENEN BILD – KUMULATIONSGEDANKE», BGH, URT. V. 12.12.1995 – VI ZR 223/94 (HAMBURG), NJW, 1996, PP. 985-987.
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JURISPRUDÊNCIA DO REINO UNIDO:
-CASOS HUCKLE V. MONEY (1763), WILKES V. WOOD, ROOKS V. BARNARD (1964).
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JURISPRUDÊNCIA FRANCESA:
TRIBUNAL DE RECURSO DE DOUAI, DE 21 DE DEZEMBRO DE 1989.
Sumário :
1.O princípio geral de boa fé tem relevância na sua dupla dimensão objectiva e subjectiva, enquanto regra de conduta e exigência de respeito mútuo e como interdição de enganar outrem ou de agir em relação a outrem com a intenção de prejudicar.
2. A responsabilidade pré-contratual abrange os danos, patrimoniais e não patrimoniais, provenientes da violação de deveres de informação e de lealdade decorrentes do dever de boa fé pré-negocial.
3. A indemnização por danos não patrimoniais deve determinar-se, tendo em conta a gravidade da culpa do autor do facto ilícito, a situação económica do lesante e do lesado, a equidade e as circunstâncias do caso. 
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

No Tribunal Judicial de Mira,AA, casado no regime da separação de bens com BB, natural de França e de nacionalidade francesa, residente em ... França e, quando em Portugal, na Rua ..., no Troviscal, e CC- Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., NIPC ..., sociedade gestora de participações sociais sob a forma de sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Oliveira do Bairro e com sede na Rua ..., Zona Industrial, Oliveira do Bairro, vieram instaurar contra DD e EE, casados sob o regime da comunhão de adquiridos; FF, solteiro, maior; GG, solteira, maior; todos residentes na ..., na vila e concelho de Mira, e HH – Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA, sociedade anónima com o NIPC ..., com sede no lugar do ..., ..., Alcanena, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final que, na procedência da acção:

“a) Seja declarada a anulação do contrato de venda de acções celebrado entre o autor, na sua qualidade de legal representante da segunda autora, e os réus DD e EE, sendo a primeira também na qualidade de procuradora e em representação dos filhos, ora 3.º e 4.º réus, titulado pela escritura pública de 16 de Novembro de 2009, outorgada no Cartório Notarial de Cantanhede, exarada de fls. 109 a fls. 111 verso do livro de notas para escrituras diversas número 160-A;

b) Seja declarada a anulação do contrato de renúncia de usufruto, cessão de quota, unificação de quotas e alteração parcial de pacto social, no qual intervieram a primeira ré, DD, a quinta ré, ITMI e o autor AA, titulado pela escritura pública de 16 de Novembro de 2009, outorgada no Cartório Notarial de Cantanhede, exarada de fls. 104 a fls. 108 verso do livro de notas para escrituras diversas número 160-A;

c) Sejam as partes contratantes condenadas a repetir o que cada uma tiver prestado, no âmbito de cada um daqueles mesmos contratos, concretamente: i. Os quatro primeiros réus deverão devolver à segunda autora a quantia de € 3.400.000,00 que esta lhes entregou, a título de preço da compra e venda de acções da sociedade II, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data de entrega de cada uma das prestações do preço e que, nesta data, ascendem a € 99.879,45, e dos juros vincendos até integral pagamento; ii. A segunda autora deverá entregar aos quatro primeiros réus as acções que cada um deles lhe transmitiu, bem como a gestão da sociedade II; iii. A primeira e o segundo réus deverão devolver ao primeiro autor a quantia de € 148.000,00 que este lhes pagou, a título de preço da cessão de quota da sociedade JJ, Lda. acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data de entrega do dito montante e que, nesta data, ascendem a € 5.644,27 e dos juros vincendos até integral pagamento; iv. O primeiro autor deverá entregar aos dois primeiros réus a quota recebida e a gestão da sociedade JJ; v. A quinta ré, ITMI, ser condenada a devolver ao primeiro autor a quantia de € 41.600,00 a que se refere o artigo 46.º da petição inicial, concretamente, o preço pago pela aquisição de 80% do usufruto da quota do valor nominal de € 52.000,00 que a mesma quinta ré detém no capital da JJ, Lda., acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da data de entrega do dito montante e que, nesta data, ascendem a € 1.659,44, e dos juros vincendos até integral pagamento;

d) Sejam os quatro primeiros réus condenados, de forma solidária, a pagar ao autor AA a quantia de € 5.334,75 a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação até integral pagamento;

e) Sejam os quatro primeiros réus condenados, de forma solidária, a pagar ao autor AA a quantia de € 250.000,00, a título de danos morais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação até integral pagamento;

f) Sejam os quatro primeiros réus condenados, de forma solidária, a pagar à autora CC a quantia de € 77.648,76, a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação até integral pagamento e, ainda, a acrescer, os valores que a autor haja de pagar a título de custos com a operação de financiamento, taxas de justiça com a presente acção e respectivos honorários de advogado, a liquidar em execução de sentença;

Subsidiariamente, e sem conceder quanto ao pedido principal, pedem:

f) Sejam os quatro primeiros réus, solidariamente, condenados a pagar à sociedade II uma indemnização, correspondente ao denominado prejuízo bruto sofrido, de montante equivalente aos valores que esta mesma sociedade vier a pagar em resultado da acção inspectiva da Administração Fiscal, em sede de IRC, IVA, juros compensatórios e juros moratórios, coimas e sanção penal pelo ilícito criminal de fraude fiscal, indiciado pelo processo de inquérito em curso acima deduzido, tudo a liquidar em execução de sentença;

h) Sejam os quatro primeiros réus condenados a pagar à autora CC a quantia de € 1.900.000,00 a título de indemnização correspondente à redução do preço de aquisição das acções da sociedade II, acrescida de juros de mora, a computar à taxa legal, a contar da data da citação até integral pagamento, respondendo, em tal indemnização, a 1.ª e 2.º RR, pela quantia de € 1.896.151.94 e os 3.º e 4.ª RR, cada um deles, pelo montante de € 1 924,03”.

Em fundamento alegaram, em síntese, que em Maio de 2009, o autor AA reuniu com os réus DD e EE, iniciando com estes negociações com vista à compra do LL de Oliveira do Bairro, a qual se veio a concretizar através das escrituras de compra e venda e de renúncia ao usufruto melhor identificadas na petição inicial, outorgadas em 16 de Novembro de 2009. 

Todavia, em contrário do declarado pelos 1.ºs RR na preparação do negócio, em Maio de 2010, o autor AA, na sua qualidade de administrador da II, SA veio a ter conhecimento de uma dívida fiscal, relativa a IRC do exercício de 2005, no montante de € 102.276,81, por meio do ofício n.º 8404568, datado de 14 de Maio de 2010, da Direcção de Finanças de Aveiro, que remeteu à primeira R. DD em 31 de Maio. Tal liquidação de imposto, bem como as demais que identifica, derivaram de acções de inspecção tributária, decorrentes da abertura do processo de inquérito número 93/08.2lDAVR, no âmbito do qual foram emitidos, em Março de 2009, mandados de busca e apreensão à sociedade II, entre outras, dos quatro primeiros RR., por indícios de facturação falsa e operações simuladas com o fornecedor MM e, ainda, operações de busca nas instalações de Alcanena da quinta R., em 18 de Dezembro de 2009. Tais factos foram deliberadamente ocultados pelos réus, que nunca informaram o primeiro demandante da pendência de um processo fiscal, cuja existência bem conheciam, não tendo sido provisionada nas contas da II qualquer verba ou quantia a título de contingências fiscais. Afirmando que se tivesse sabido, até ao momento da formalização e assinatura das escrituras referidas, da pendência do processo criminal e contingências fiscais que daí decorreriam, relativas às liquidações adicionais e correctivas de impostos - IRC e IVA -, e eventuais consequências penais para a sociedade, nunca teria outorgado as referidas escrituras, facto de que os réus estavam cientes.

Com fundamento na existência de erro-vício sobre os motivos determinantes da vontade em contratar, concluem os Autores pela anulabilidade dos negócios celebrados, consoante dispõe o art.º 252.º, n.º 1 do Código Civil, anulação que por esta via pretendem seja decretada.

Mais alegaram que, em resultado da acção inspectiva da Administração Fiscal, das liquidações adicionais de impostos e da imputação de fraude fiscal à insígnia LL de Oliveira do Bairro, o valor da sociedade II diminuiu e, consequentemente, sofreu também variação negativa o valor das acções detidas pela autora CC, SGPS sendo que o volume de negócios desta diminuiu 9,80% em 2009, relativamente ao volume de negócios de 2008, o que constitui um prejuízo relevante.

Os factos relatados vêm causando ao primeiro autor, de forma ininterrupta e desde Maio de 2010, consternação, angústias e preocupações, dano relevante merecedor da tutela do direito, tendo ainda demandado a realização de várias despesas, cujo ressarcimento também reclama.

 

Regularmente citados, os réus deduziram contestação, pugnando pela improcedência da acção, tendo os quatro primeiros RR invocado ainda a excepção de preterição de Tribunal arbitral voluntário.

Notificados, os autores apresentaram réplica, pugnando pela improcedência da referida excepção.

 

Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a referida excepção.

 

Fixado o valor da causa, procedeu-se à selecção da matéria de facto, por meio da qual foram especificados os factos assentes e elencados aqueles que, por controvertidos e relevantes para a decisão da causa, ficaram a constar da base instrutória.

Realizado o julgamento, veio o Tribunal a decidir a matéria de facto nos termos da decisão constante de fls. 1143-1153, sem reclamações.

Na devida oportunidade foi proferida sentença que, na total improcedência da acção, decretou a absolvição de todos os RR dos pedidos formulados.

Irresignados, os autores interpuseram recurso de apelação, abrangendo matéria de facto e matéria de direito.

 

O Tribunal da Relação de Coimbra julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, AA, e condenou os RR DD, EE, FF e GG a pagar àquele demandante, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, a quantia de € 15 000,00 (quinze mil euros), acrescida dos juros que se vencerem desde a data da presente decisão e vincendos até integral pagamento, contados à taxa supletiva legal, no mais se mantendo a decisão recorrida.

Inconformados recorrem de revista os autores, apresentando as conclusões exaradas a fls. 1609 e 1610, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

Os Réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é o montante da indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da violação, pelos réus, dos deveres de informação e de boa fé nas negociações.   

 

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Fundamentação de facto

Foi esta a matéria de facto fixada pelas instâncias:

A. O autor AA é aderente do Grupo Empresarial LL, desde Setembro de 1991 (al. A).

B. E explorou, sucessivamente, em França, dois supermercados com aquela insígnia, respectivamente, em Sane d’Aude, junto a Narbonne (Setembro de 1993 a finais de Fevereiro de 2000) e Villeneuve Loubet, junto a Nice (adquirido em Março de 2000) (al. B).

C. Em Maio de 2009, o autor AA reuniu-se com os réus DD e EE, iniciando, com estes, negociações, com vista à compra do LL de Oliveira do Bairro (al. C).

D. O LL de Oliveira do Bairro era e é um estabelecimento comercial de supermercado, instalado e a funcionar na Zona Industrial de Oliveira do Bairro, sendo detido pela sociedade anónima II -Supermercados, S.A., NIPC 504033778, com o capital social de € 109.750, representado por 21.950 acções ao portador, do valor nominal de € 5 cada uma (al. D).

E. O capital social da II encontrava-se distribuído da seguinte forma: - a ré DD detinha 19695 acções; -os réus EE, FF e GG eram detentores de 20 acções cada um; a ré ITMI detinha 2195 acções (al. E).

F. O LL de Oliveira do Bairro encontra-se instalado no prédio urbano sito na freguesia de Oliveira do Bairro, inscrito na matriz sob o artigo 2950 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o nº 4507 (al. F).

G. No registo predial constam, como inscrições no prédio referido em F), sucessivamente: pela Ap. 14, de 2001/06/29, o direito de superfície, pelo prazo de trinta anos e com início em 10/08/1998 a favor da II – Supermercados, Lda.; pela Ap. 836, de 2009/01/16, a aquisição a favor da sociedade JJ – Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., por compra (al. G).

H. As negociações referidas em C) decorreram entre Maio e finais de Outubro de 2009 (resposta ao art.º 1.º).

I. Em 12 de Outubro de 2009, os réus EE, DD, FF e GG e o autor AA subscreveram o documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda de Valores Mobiliários, de Cessão de Quotas e de Transmissão de Usufrutos”, do qual consta, designadamente, o seguinte (cf. doc. de fls. 82, que aqui se dá por integralmente reproduzido) (al. H):

“PRIMEIROS OUTORGANTES: EE e mulher DD (…)

SEGUNDO OUTORGANTE: FF (…)

TERCEIRO OUTORGANTE: GG (…)

Proprietários conjuntos da totalidade das acções constituintes do capital social da sociedade

«II supermercados SA», com excepção da acção pertencentes à sociedade ITMI SA, agindo conjuntamente, solidariamente e indivisamente; DD, sendo igualmente proprietária de 74% da total propriedade do capital social da sociedade «JJ – sociedade de gestão Imobiliária, Lda.» e do usufruto de 80% das quotas remanescentes, correspondentes a 26% do capital da mesma sociedade.

E

QUARTO OUTORGANTE: AA (…)

Agindo tanto em seu nome como em nome de uma sociedade «Holding» que tenciona constituir e da qual terá posse da maior parte do capital, juntamente com a sua mulher, e na qual assumirá as funções de dirigente. (…)

Cláusula Primeira

1 – Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante, mulher, promete vender as quotas de que é titular e os usufrutos de que beneficia na sociedade « JJ sociedade de Gestão imobiliária LDA » ao Quarto Outorgante, que promete, adquirir.

(…)

Cláusula Quinta

1– a) Pelo presente contrato, os Primeiros, Segundo e Terceira Outorgantes prometem vender ao Quarto Outorgante que promete adquirir, ou a quem este indicar, as participações sociais que detêm na já identificada sociedade “II supermercados, S A”, constituindo a totalidade do capital, à excepção das acções detidas pela sociedade ITMI SA, por um preço total de 3.400.000,00 euros (três milhões e quatrocentos mil Euros); (…)”

J. A partir da data referida em I) o autor AA iniciou contactos com o Banco Espírito Santo, com vista à obtenção do financiamento da aquisição (al. I).

K. Os aderentes do Grupo LL acordam, aquando da previsão de mudança de titularidade de algum estabelecimento ou ponto de venda, em reunirem-se, comprador e ITMI, naquilo que é designado por “Comission de Reprise” (Comissão de Retoma) (resposta ao art.º 2.º).

L. A Comissão de Retoma consiste numa reunião entre a parte compradora e a ré ITMI, a fim de analisarem os elementos essenciais da transacção, o respectivo preço e as condições de solvabilidade do adquirente, devendo a ITMI validar, sendo caso disso, o negócio em presença (resposta ao art.º 3.º).

M. A referida Comissão de Retoma teve lugar entre o autor e a ré ITMI, sem qualquer intervenção dos vendedores, dela tendo resultado a elaboração do documento Comissão de Retoma Postos de Abastecimento (cf. fls. 96), datado de 3 de Novembro de 2009, e o documento Comissão de Retoma – SGPS, datado de 4 de Novembro de 2009 (cf. fls. 144), cujos mapas e documentos anexos foram elaborados pelo autor, que recolheu a informação que deles consta junto do vendedor (resposta ao art.º 4.º).

N. Na sequência do referido em I), o autor constituiu, em 5 de Novembro de 2009, com a sua mulher BB e a quinta ré ITMI, a sociedade segunda autora, denominada CC – Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., com o capital social de 200.000,00 euros, dividido em três quotas, sendo uma do valor nominal de 150.000 euros, do autor, outra do valor nominal de 30.000 euros, da sua referida consorte, e a terceira de 20.000 euros, da ITMI (al. J).

O. A detenção de 10% do capital por parte da ITMI constitui regra do grupo LL, representado em Portugal pela mesma ITMI (al. K).

P. Em 16 de Novembro de 2009, a autora CC, SGPS, S.A. e a ré DD subscreveram o documento intitulado “Protocolo de Acordo de Cessão de Acções”, do qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. doc. de fls. 210, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“As referidas contas dão uma imagem fiel e completa da situação patrimonial, tanto activa como passiva, e do resultado da Sociedade. (…) Não existe qualquer acção, processo, reclamação ou inquérito em curso, ou eminente, contra a Sociedade, no que respeita a todo o tipo de impostos, nem qualquer prazo ou prorrogação de prazo para uma tributação ou penalidade. (…) A Sociedade não é actualmente parte, quer como requerente, quer como requerida, de qualquer processo, acção de responsabilidade, contencioso, litígio, nem de qualquer arbitragem, nomeadamente, referente a produtos fabricados ou distribuídos pela Sociedade, em matéria social, comercial ou fiscal. Ao conhecimento do Vendedor, nenhum processo, nenhuma acção ou nenhuma reclamação de qualquer natureza que seja, está preste a ser iniciada, quer pela Sociedade, quer contra a Sociedade ou contra uma pessoa cujos comportamentos são susceptíveis de implicar a responsabilidade da Sociedade. O Vendedor não tem conhecimento de nenhum facto susceptível de causar sanções penais à Sociedade. (…) Esta situação contabilística, que fornecerá uma imagem fiel e completa da situação da sociedade, será estabelecida segundo os princípios e regras contabilísticas habituais da profissão aplicável até ao 15 de Novembro de 2009 (…) O passivo incluirá todas as somas devidas a terceiros e a accionistas, independentemente de as dívidas serem superiores ou inferiores a dois anos. (…) Os litígios em curso ou em instância, serão provisionados conforme acordo entre as partes. De igual modo, serão provisionados todos os litígios sucedidos entre a transferência de propriedade e o encerramento do balanço imputáveis à gestão do Vendedor. (…) A situação contabilística em forma de balanço encerrado no dia da realização da cessão, tal como indicado anteriormente, será certificada sincera e verdadeira pelo Vendedor, caso seja encerrada sem desacordo persistente. (…)” (al. L).

Q. Por escritura celebrada em 16 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial de Cantanhede, entre a R. DD e o R. EE (sendo a R. DD por si e na qualidade de procuradora dos RR. FF e GG ) e o A. AA, em representação da sociedade CC – Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., os outorgantes declararam o seguinte (cf. documento de fls. 235, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“Pelos primeiros outorgantes DD e marido EE, foi dito (…) que, pela presente escritura, vendem à sociedade “CC-SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, LDA”, que o segundo outorgante representa, dezanove mil seiscentos noventa e cinco acções, de que ela é titular e vinte acções de que ele é titular na sociedade “II-SUPERMERCADOS, SA” (…)

Que as referidas acções são cedidos pelo valor de três milhões trezentos noventa e três mil cento e catorze euros, que já receberam da representada do segundo outorgante e de que dão quitação.

Pela presente escritura, a primeira outorgante, DD na qualidade de procuradora de FF e de GG, cede pelo valor total de seis mil oitocentos oitenta e seis euros, também à sociedade “CC SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, LDA”, que o segundo outorgante representa, quarenta acções, de que os seus representados são titulares cada um de vinte acções, recebendo cada um a importância de três mil quatrocentos quarenta e três euros, que primeira outorgante na qualidade de procuradora declara que já receberam e que dão quitação. (…)

As transmissões de acções agora realizadas são feitas livres de quaisquer ónus, encargos ou outras responsabilidades e são transmitidas com todos os direitos e deveres.

Que aquele valor de três milhões e quatrocentos mil euros, corresponde ao acordado tendo como base a clientela e os activos corpóreos e incorpóreos e que será corrigido pelos valores previstos na cláusula seguinte, conforme balanço à data de quinze de Novembro corrente. (…)

Todos os valores referidos activos e passivos a ajustar ao preço de três milhões e quatrocentos mil euros nos termos acima referidos, serão os constantes de um balanço reportado a quinze de Novembro de dois mil e nove, devidamente certificado pelo Revisor oficial de Contas da sociedade.

Que a quantia de três milhões e quatrocentos mil euros já foram por eles recebidos e o restante positivo ou negativo que resulta das correcções do balanço de quinze de Novembro corrente, será liquidado trinta dias após a execução do balanço que deverá estar concluído e certificado dentro de trinta dias.

Pelo segundo outorganteAA foi dito que aceita para a sua representada “CC - SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, LD A”, a compra das referidas acções nos exarados termos” (al. M).

R. Por escritura celebrada em 16 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial de Cantanhede, entre a ré DD e o réu EE, por si e em representação da sociedade JJ – Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda., NN, em representação da sociedade HH – Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A., e o autor AA, os outorgantes declararam o seguinte (cf. documento de fls. 259, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“Que, a outorgante DD, pela presente escritura, para todos os efeitos de direito, renuncia ao usufruto que lhe pertence e constituído pelo prazo de trinta anos com início em três de agosto de dois mil e sete e em vinte e nove de Dezembro de dois mil e oito, respectivamente, relativamente aos seguintes bens: a) Em oitenta por cento das duas quotas, uma no valor nominal de trinta e dois mil euros, pelo preço de vinte e cinco mil e seiscentos euros, registado o usufruto favor DD e a raiz ou nua propriedade a favor da HH -Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA (…). –outra quota de valor nominal de vinte mil euros pelo preço de dezasseis mil euros, registado o usufruto a favor da outorgante DD e a raiz ou nua propriedade a favor da HH- Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA, valores esses que por ela já foram recebidos e que dá quitação.(…)

Pela terceira outorgante Dr.ª NN foi dito que aceita para a sua representada “HH -Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, SA a presente renúncia nos termos exarados;

Que pela presente escritura, os primeiros outorgantes DD e o marido EE, devidamente autorizados cedem a referida quota no valor nominal de cento e quarenta e oito mil euros de que ela é titular na referida sociedade “JJ -SOCIEDADE DE GESTÃO IMOBILIÁRIO, LDA ao segundo outorganteAA, pelo preço igual ao seu valor nominal de cento e quarenta e oito mil euros que já receberam e de que dão quitação.

Que esta cessão é feita com todos os direitos e obrigações e com renúncia à gerência da referida sociedade JJ -SOCIEDADE DE IMOBILIÁRIO, LDA pela sócia DD, que nela tem vindo a exercer.

Pelo terceiro outorganteAA foi dito que aceita a presente cessão nos termos exarados:

Os primeiros outorgantes comprometem-se:-1-Os referidos DD e marido EE comprometem-se e irrevogavelmente, inclusive, a suportar e responder por todas as dívidas decorrentes da segurança social, de carácter fiscal, de mútuos ou simples adiantamentos após de quaisquer valores a qualquer entidade ou pessoa, singular ou colectiva, todas fundamentadas em omissão, erro, dolo ou simples negligência, relativas ao período da sua respectiva gerência exercida por DD até à data da presente cessão, que não constem da escrituração da “JJ -SOCIEDADE DE GESTÃO IMOBILIÁRIO, LDA, efectuada, até data da sua renúncia de gerência, ou dela conste sem se encontrarem, devidamente documentadas.

2- O presente compromisso estende-se a quaisquer despesas, direitos, honorários e multas e eventuais créditos de trabalhadores da sociedade “JJ – SOCIEDADE DE GESTÃO IMOBILIÁRIO, LDA, seja qual for a sua natureza, abrangendo também outros compromissos não reflectidos na escrituração da sociedade, tais como cauções, penhores, hipotecas e avais dados pela mesma sociedade. (…)

O presente compromisso, prestado pelo prazo máximo de cinco anos, é estabelecido em benefício do terceiro outorgante, bem como de quaisquer outras pessoas, singulares ou colectivas, a quem este transmita as quotas objecto de cessão do presente contrato.

E pelo segundo outorganteAA foi dito que aceita a respectiva cessão de quota nos termos exarados.(…)

3- A primeira outorgante declara que a sociedade não tem dívidas perante o fisco nem perante a Segurança Social. (…)

Que sendo agora a sociedade HH -SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO lNVESTIMENTO, SA, representada pelo segunda outorgante e o terceiro outorganteAA, os únicos sócios da sociedade “JJ – SOCIEDADE DE GESTÃO IMOBILIÁRIO, LDA, deliberam o seguinte: a) Nomear gerente da referida sociedade o terceiro outorganteAA, para o quadriénio em curso” (al. N).

S. Em 16 de Novembro de 2009, a autora CC, SGPS, S.A. e a ré DD subscreveram o documento intitulado “Garantia de Activo e Passivo”, do qual consta, designadamente, o seguinte (cf. doc. de fls. 287, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“As referidas contas dão uma imagem fiel e completa da situação patrimonial, tanto activa como passiva, e do resultado da Sociedade. (…) Não existe qualquer acção, processo, reclamação ou inquérito em curso, ou eminente, contra a Sociedade, no que respeita a todo o tipo de impostos, nem qualquer prazo ou prorrogação de prazo para uma tributação ou penalidade. (…) A Sociedade não é actualmente parte, quer como requerente, quer como requerida, de qualquer processo, acção de responsabilidade, contencioso, litígio, nem de qualquer arbitragem, nomeadamente, referente a produtos fabricados ou distribuídos pela Sociedade, em matéria social, comercial ou fiscal. Ao conhecimento do Vendedor, nenhum processo, nenhuma acção ou nenhuma reclamação de qualquer natureza que seja, está prestes a ser iniciada, quer pela Sociedade, quer contra a Sociedade ou contra uma pessoa cujos comportamentos são susceptíveis de implicar a responsabilidade da Sociedade. O Vendedor não tem conhecimento de nenhum facto susceptível de causar sanções penais à Sociedade. (…) O Vendedor concede de forma irrevogável ao Comprador uma garantia de activo e passivo com base no balanço de cessão. O Vendedor garante, assim, todas as rubricas de activo e passivo da Sociedade, tais como se apresentarão no balanço de cessão, após acordo das partes. (…) O Vendedor dá garantias ao comprador contra qualquer novo passivo ou qualquer redução de activo que não conste no balanço de cessão, desde que esse novo passivo ou esta redução de activo tenha a sua causa nos factos e circunstâncias anteriores à data da cessão, ou devido a um ato efectuado ou omitido em violação ou em contradição com as declarações estipuladas no artigo 1°.(…) O Vendedor garante ao comprador, nos termos e condições a seguir referidos, a exactidão das contas de activo e passivo que serão encerradas em 15 de Novembro de 2009, tais como resultarão do balanço encerrado nessa data e no qual deverão constar todo o passivo que possa estar em dívida a terceiros, a qualquer título, assim como quaisquer provisões eventualmente necessárias ou para depreciação de rubrica de elementos do activo (...) Qualquer passivo não declarado mas existente no dia da cessão assim como qualquer passivo que tenha uma causa anterior a esta data e que se revelaria posteriormente, será de acordo expresso entre as partes, suportado pelo Vendedor, tal como é dito no que se segue. Fica, designadamente, garantido pelos presentes, o passivo que possa resultar da execução de compromissos fora do balanço, tais como cauções e garantias dadas pela Sociedade, de dívidas não registadas no balanço e não provisionadas, ou ser o resultado de recuperações efectuadas pela Administração Fiscal ou social que resultem, ou não, de uma verificação à Sociedade (…) O Vendedor dá garantias ao Comprador contra qualquer redução de activo, desde que esta tenha a sua causa e circunstâncias anteriores ao dia 15 de Novembro de 2009, ou devido a um ato efectuado ou omitido em violação ou em contradição com as declarações anteriormente estipuladas (…) No caso em que surgir um novo passivo ou uma redução do activo, o Vendedor compromete-se de forma irrevogável a pagar ao beneficiário, quer um montante igual à redução do valor dos títulos da sociedade, caso de trate do Comprador, quer o montante do prejuízo bruto, caso se trate da sociedade (abaixo designado por “prejuízo indemnizável”) (…) A indemnização consistirá numa redução do preço das acções em proveito do comprador e numa indemnização a título contratual para o montante do prejuízo que pode exceder o preço de aquisição, em proveito da sociedade” (al. O).

T. Em 28 de Abril de 2010, o preço final da transacção referida em Q) dos factos assentes, veio a ser fixado, mediante um reajuste de mais € 424.295,28, em € 3.824.295,28 (al. P).

U. O montante de € 3.400.000 referido em Q), só veio a ser pago por meio de três transferências bancárias, nas seguintes datas e montantes: -Em 2 de Dezembro de 2009, a quantia de 1.000.000 €, da conta pessoal no BES do autor para a conta pessoal da ré DD, no mesmo banco; - Em 24 de Março de 2010, a quantia de 1.900.000 €, da conta da autora CC, para a conta pessoal da ré DD, no BES; -No dia 30 de Marco de 2010, a quantia de 500.000 €, da conta da autora CC, para a conta pessoal da ré DD, no BES (al. Q).

V. O montante de 148.000,00 € referido em R), só foi pago pelo autor em 2 de Dezembro de 2009, por meio de uma transferência bancária da sua conta pessoal, no BES, para a conta pessoal da ré DD, no mesmo banco (al. R).

W. No dia 7 de Maio de 2010, a sociedade II recebeu notificações da Administração Fiscal para pagamento de dívidas relativas a: -IVA, no montante € 2.422,24; -juros compensatórios, no montante de € 400,57; -juros compensatórios, no montante de € 316,99; -IVA, no montante de € 1.878,25; -juros compensatórios, no montante de € 1.471,38; -IVA, no montante de € 8.557,28; - juros compensatórios, no montante de € 1.385,87; -IVA, no montante de € 7.898,83; - juros compensatórios, no montante de € 2.110,32; -IVA, no montante de € 11.799,43; - juros compensatórios, no montante de € 1.617,61; -IVA, no montante de € 8.892,01; - IVA, no montante de € 2.479,71; -juros compensatórios, no montante de € 460,07; -IVA, no montante de € l 6.440,44; -juros compensatórios, no montante de € 1.216,10; -juros compensatórios, no montante de € 865,40; -IVA, no montante de € 4.509,88; -juros compensatórios, no montante de € 1.960,33; -IVA, no montante de € 9.690,17 (al. S).

X. No dia 24 de Junho de 2010, foi a II citada para uma execução fiscal de IRC de 2005, no valor de € 104.633,02 (al. T).

Y. Em 21 de Outubro de 2010, foi a II citada para uma execução fiscal de IRC de 2006, no valor de € 104.438,57, e para uma execução fiscal, esta de IRC de 2007, no montante de € 100.940,09 (al. U).

Z. Em 27 de Julho de 2010, a II foi citada para uma execução fiscal, relativa a IVA de 2005, no valor de € 77.381,00 (al. V).

AA. No dia 7 de Maio de 2010, o assessor jurídico francês do autor AA remeteu à ré DD uma carta, que esta recebeu, da qual consta, designadamente, o seguinte (cf. documento de fls. 430, que aqui se dá por integralmente reproduzido)

“É com estupefacção que acabamos de tomar conhecimento, através de uma notificação para pagamento, emitida pela Administração Fiscal, que a sociedade II é alvo de um processo de controlo fiscal visando os anos de 2005 a 2009, traduzindo-se em correcções deveras importantes, já que se elevam, apenas para o ano de 2005, a 178.649,69 €. Quer aquando da assinatura dos vários actos de venda, do dia 16 de Novembro de 2009, quer durante todo o precedente período de negociação, nunca V. Exa., em algum momento, informou o seu adquirente da existência desta situação, cujas consequências extremamente importantes, para o futuro da sociedade, não podia ignorar. Bem pelo contrário, parece, à evidência, que V. Exa. ocultou voluntariamente este estado de coisas, preferindo, sem dúvida, receber o preço das vossas acções e deixando, de seguida, ao V. comprador o ónus de regularizar a carga fiscal, no lugar da V. Exa.. Acabamos de tomar conhecimento de que a sociedade foi alvo de buscas por parte dos serviços fiscais, que se deslocaram ao ponto de venda, no dia 30 de Março de 2009, com vista a recolherem elementos de contabilidade e informáticos. Além disso, os serviços fiscais fizeram uma busca à base LL, no dia 8 de Dezembro de 2009, com vista a obterem elementos contabilísticos da V. sociedade, na presença do revisor oficial de contas. Nenhum destes acontecimentos, cuja importância e natureza é, no mínimo, espectacular, foi objecto da mínima comunicação por parte de V. Exa.. Tanto o protocolo de cessão, como a convenção de garantia, que V. Exa. subscreveu, contêm, a vários passos, afirmações contrárias e, portanto, manifestamente falsas ou mentirosas, segundo as quais V. Exa. afirma que a sociedade se encontra em dia com as suas obrigações fiscais, que não foi objecto de qualquer processo, a esse título e que as contas revelam uma imagem fiel e completa da sociedade, etc.. O balanço da sociedade não foi objecto de qualquer provisão a título de correcções fiscais futuras e o relatório do revisor oficial de contas não faz, a tal respeito, a mínima das referências. Parece, claramente, que V. Exa. ocultou, voluntariamente, estes elementos essenciais, com a cumplicidade evidente do V. técnico de contas e do revisor oficial de contas, que assistiram, ambos, ao controlo fiscal e às negociações com o propósito da venda, às quais, aliás, estiveram presentes. V. Exa. não ignora que estas actuações fraudulentas, que emergem de pura e simples vigarice, para além dos seus aspectos penais e respectivas consequências, não podem ficar incólumes, constituindo um dolo susceptível de por em causa a cessão envolvendo as sociedades II e JJ. Sem prejuízo das acções legais a que o adquirente se reserva o direito de intentar contra V. Exa. e os V. cúmplices, informo-a que recusamos categoricamente a fixação do preço definitivo tal como V. Exa. o fixou, em 28 de Abril de 2010, sempre sem a mínima alusão à inspeção fiscal. Em consequência, informo-a que, até que a Administração Fiscal finalize as correcções para o conjunto dos anos controlados (2005, 2006, 2007, 2008 e 2009), que a mesma Administração Fiscal avalia, desde já, em cerca de 828.000 EUROS, nenhum valor lhe será pago em complemento do preço, quer no que respeita à sociedade II, quer à sociedade JJ. Por outro lado, a fim de evitar, tanto quanto possível, que este assunto prossiga na forma judicial, notifico-a para entregar à sociedade CC, no prazo de 8 dias, a contar da recepção da presente, uma garantia bancária ao primeiro pedido do montante de 1.000.000,00 €, destinada a cobrir o montante das correcções fiscais, incluindo os custos ocasionados pelo processo, para além do pseudo suplemento do preço que V. Exa. fixou, em 28 de Abril de 2010” (al. W).

AB. No dia 1 de Junho de 2010, a ré DD remeteu ao assessor jurídico do réu AA uma carta, que este recebeu, da qual consta, designadamente, o seguinte (cf. documento de fls. 433, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“Quando vendi as acções da sociedade II prestei todos os esclarecimentos que me solicitaram e autorizei o comprador a fazer um levantamento da situação contabilística e fiscal pelos seus próprios auditores, que aliás produziram um relatório próprio. A questão das inspecções fiscais não se colocaram nem mereceram da minha parte qualquer relevo na medida em que em Portugal estas acções inspectivas são normais e frequentes. Acresce, que na escritura pública que efectuei para a venda das acções, na qual V. Exa. assistiu, a 16 de Novembro de 2009, ficou assegurado o meu compromisso de honrar todos os eventuais encargos que pudessem vir a ser imputados à Sociedade relativos aos exercícios até 2009. À data, não havia qualquer dívida para com o Estado, conforme prova que apresentei no ato da escritura e que anexo cópia. Posteriormente à data da escritura foi efectuada uma liquidação correctiva de IVA relativa ao exercício de 2005. Para não causar qualquer perturbação à gestão actual da Sociedade apresentei ao Estado Português uma garantia bancária no valor de 828.303,93€ (oitocentos e vinte e oito mil e trezentos e três euros e noventa e três cêntimo e três cêntimos), cuja cópia também anexo” (al. X).

AC. A aludida garantia bancária referida foi emitida pelo BES, em nome e a pedido da ré DD , em 23 de Abril de 2010 (al. Y).

AD. Em 16 de Junho de 2010, o autor AA, na qualidade de administrador da II, emitiu a favor da ré DD uma procuração, para que esta representasse a sociedade junto da Administração Fiscal, para decidir, desistir ou delegar em qualquer assunto que se relacione com os exercícios fiscais dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 (al. Z).

AE. Em 28 de Julho de 2010, o autor, na qualidade de administrador da II, recebeu o ofício nº 900.469 da Direcção de Finanças de Aveiro, do qual consta, designadamente, o seguinte (cf. doc. de fls. 438, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“Contrapôs a Perita da Administração Tributária alegando que foram reunidos uma série de pressupostos que conduziram a que a Administração Tributária ficasse com a convicção de que a contabilidade do SP padecia de erros e omissões que não permitiram a que, pela via directa, i.e., através do exercício de correcções meramente aritméticas, se pudesse chegar a resultados efectivos (...) No relatório de inspeção e seus anexos se encontra devidamente demonstrada a prática evasiva do SP.(…) A perita da Administração Tributária, após análise do relatório da inspeção e seus anexos, constatou haver indícios de que a contabilidade da II não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido (…) O relatório elaborado pelos SIT demonstra que a contabilidade da empresa não merece credibilidade. (…) A Inspecção Tributária, nos pontos 11.4 a 11.10 e IV do Relatório (págs. 11 à 45 e 47), expõe vários argumentos que implicam o recurso à avaliação indirecta.(…) É apontado como primeiro motivo, o Mandato de Busca e Apreensão emitido com a finalidade de constituir meio de prova no processo inquérito no 93/08.2/DAVR (… ) Compras que não traduzem operações reais (…): Com base nos elementos recolhidos na II e do seu fornecedor MM (…) detectaram-se indícios da existência de operações simuladas facturas falsas) (…) Manipulação de registo de vendas (…) Contabilização de custos não relacionados com a actividade (…) Manifestações de fortuna dos responsáveis pela empresa (Capítulo 1/.8, pág. 38): da análise aos extractos bancários, a Inspecção constatou a existência de várias contas em nome dos administradores (casal), da filha (GG) e dos pais da administradora (R... e M... R...), cujos movimentos efectuados ao longo dos anos em análise, são manifestamente elevados face aos rendimentos declarados. Através da análise do património em nome dos administradores, seus familiares directos e da empresa Bolsa Predial de Cantanhede, SA (cujos únicos accionistas são os administradores DD e seu marido EE), relacionados nas páginas 39 a 42 do Relatório, conclui-se pela evidente manifestações de fortuna detidas por estes sujeitos passivos. Rendimentos declarados manifestamente insuficientes (Cap. II.9, pág. 42): consultados os rendimentos declarados dos administradores da sociedade analisada, da sua filha e dos pais da administradora (que aparecem como primeiros titulares de várias contas bancárias que têm em comum com a filha), conclui-se que aqueles são nitidamente insuficientes face às manifestações de fortuna evidenciadas por estes sujeitos passivos. Depósitos em numerário de quantias avultadas (Cap. II.10, pág. 43): Conforme é demonstrado neste Capítulo, através do retorno das compras que não traduzem operações reais e da simulação de anulações nos talões dos fechos do dia, os responsáveis da II apropriaram-se de dinheiro (numerário) sem que tal fique registado na contabilidade, que depositam em contas bancárias tituladas pelos seus administradores e seus familiares (…) Analisado o sistema informático, copiado no âmbito das buscas, verificou-se que o mesmo permite analisar o detalhe dos movimentos, por dia, por operadora (codcaissi), por terminal (numeroterm) e por número, de talão (numerotick), apenas a partir de Dezembro de 2008. Por este facto foi notificado o sujeito passivo para facultar a base de dados utilizada para registar a facturação efectuada nos exercícios de 2005 a 2008, não tendo sido facultada qualquer base de dados ou documentação alternativa, sendo evidente o porquê da falta de colaboração por parte do sujeito passivo, atendendo à situação irregular verificada na empresa (…) Os factos relatados permitem concluir que os elementos contabilísticos do contribuinte não merecem credibilidade (…) destacando-se: -Compras que não traduzem operações reais (facturação falsa); -Manipulação informática do registo de vendas com vista à sonegação de importâncias em dinheiro; -Contabilização de custos nos exercícios, não relacionados com a actividade; -Manifestações de fortuna dos responsáveis da empresa; -Rendimentos declarados manifestamente insuficientes face às manifestações de fortuna dos administradores e seus familiares directos; -Depósitos em numerário de quantias avultadas em contas bancárias tituladas pelos administradores e familiares. É notória a intenção do contribuinte em adoptar procedimentos que, a não serem detectados, lhe trariam vantagens patrimoniais de forma ilegal.” (al. AA).

AF. Em meados de Abril de 2010, o autor, na sua qualidade de administrador da II, veio a ter conhecimento de uma dívida fiscal relativa a IRC do exercício de 2005, no montante de € 102.276,81 [cento e dois mil, duzentos e setenta e seis euros e oitenta e um cêntimos], por meio do aviso de cobrança cuja cópia consta de fls. 391 e aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo que, ao receber a notificação número 8403256, emitida pela Direcção de Finanças de Aveiro e expedida a 14 de Abril de 2010, em cumprimento do disposto no artigo 60º, do RCPIT (notificação do “Projecto de Conclusão do Relatório”), o autor teve conhecimento de que aquela Direcção de Finanças se preparava para proceder a liquidações adicionais de IVA e IRC quanto aos exercícios de 2006, 2007 e 2008 (resposta ao art.º 5.º).

AG. As liquidações de imposto – IVA, IRC – e respectivos juros, referidas nas alíneas W) a Z), referentes aos exercícios de 2006, 2007 e 2008, derivaram de acções inspectivas que decorreram da abertura do processo de Inquérito número 93/08.2IDAVR, no âmbito do qual foram realizadas buscas e apreensões, em Março de 2009, à sociedade II, entre outras, dos quatro primeiros réus (resposta ao art.º 6.º).

AH. No âmbito do procedimento inspectivo que veio a dar origem às referidas liquidações adicionais de imposto, foi efectuada, a 18 de Dezembro[1] de 2009, uma acção de inspecção/obtenção de esclarecimentos na sede da ré ITMI, nos termos que constam do respectivo auto de ocorrência, cuja cópia consta de fls. 540 e seguintes e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (resposta ao art.º 7.º).

AI. Não foi dado conhecimento ao autor, quer pelos RR, quer pelo ROC da II, SA, do teor da diligência que teve lugar em 18 de Dezembro de 2009 em Alcanena, nas instalações da demandada ITMI, promovida pela Direcção de Finanças de Aveiro no âmbito de acção inspectiva visando as sociedades OO e II, cujo teor consta do documento de fls. 540 a 542 dos autos [sendo seu objectivo, para além do mais que ali se consignou, obter esclarecimentos sobre o modo de funcionamento do software de gestão comercial e averiguar do modo como é organizado o arquivamento do software de emissão de talões de cada loja LL] (resposta ao art.º 10.º).

AJ. A 16 de Novembro de 2009, os quatro primeiros réus tinham conhecimento da realização das buscas e apreensões ocorridas na sede da sociedade II e de outras sociedades de que eram titulares e sabiam da existência de um processo inspectivo (resposta ao art.º 14.º).

AK. As buscas levadas a cabo nas instalações da II em Março de 2009 não foram comunicadas ao autor, nem pelos 1.ºs RR, nem pelo TOC e ROC da sociedade (resposta ao art.º 8.º).

AL. Pelo menos até à data da celebração dos acordos referidos de P) a S) os RR não informaram o autor da pendência de um processo de natureza fiscal (resposta ao art.º 11.º).

AM. Não foi provisionada nas contas da II qualquer verba ou quantia a título de contingências fiscais (resposta ao art.º 12.º).

AN. Se os AA soubessem, até ao momento da formalização e assinatura das escrituras referidas em Q) e R), da pendência do processo criminal e contingências fiscais que daí decorreriam, não teriam outorgado as referidas escrituras nos precisos termos que delas constam (resposta ao art.º 15.º).

AO. Em consequência da preparação, negociação e formalização das escrituras referidas em M) e N), o autor AA despendeu: -Com despesas de hotéis, aquando de deslocações que fez a Portugal, a quantia de 852,75 €; -Com passagens aéreas, com vista a deslocar-se entre França e Portugal, um total de 14 viagens de ida e volta, o montante de 4.482 € (resposta ao art.º 16.º).

AP. O autor sofreu e vem sofrendo, ininterruptamente, consternação, angústias e preocupações, desde princípios de Maio de 2010, com a situação fiscal da II, que ele tem de continuar a gerir (resposta ao art.º 19.º).

AQ. Em resultado da aquisição da sociedade II, o autor mudou-se para Portugal e terá incómodos para retornar a França (resposta ao art.º 20.º).

AR. Em consequência da conduta dos réus, a autora CC despendeu: -em despesas de preparação, negociação e formalização dos contratos, notariado e registos, o montante de 21.458,71 €; -em custos com a operação de financiamento bancário, o montante de 23.760,17 €; -em taxa de justiça, certidões diversas e provisão para honorários de advogados, o valor de 32.429,88 € (resposta ao art.º 21.º).

AS. De acordo com um “Estudo Financeiro” encomendado pelo autor, cuja cópia traduzida consta de fls. 706 e seguintes e aqui se dá por reproduzida no seu teor, o volume de negócios de 2009 da II diminuiu 9,8% relativamente ao volume de negócios de 2008, circunstância que, aliada às liquidações adicionais de impostos acima referidas, no caso de o seu pagamento vir a ser suportado por aquela sociedade, importará, de acordo com aquele estudo, uma diminuição do seu valor e, consequentemente, do valor das acções detidas pela autora CC (resposta ao art.º 22.º).

AT. O autor, em representação da II, impugnou judicialmente todas as liquidações de impostos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (resposta ao art.º 25.º).
 

            III - Fundamentação de direito

1. Os autores peticionaram, nesta acção, a anulação dos contratos de venda de acções e de renúncia de usufruto, cessão de quota, unificação de quotas e alteração do pacto social, por erro sobre os motivos, acompanhada da consequente obrigação de restituição do que cada uma das partes prestou, bem como uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

As instâncias entenderam que o contrato era válido, por falta de verificação dos requisitos legais de anulabilidade, quer do erro sobre o objecto (art. 251.º), quer do erro sobre a base negocial (art 252.º, n.º 1).

A fundamentação do acórdão recorrido foi a seguinte:

« Estamos aqui perante uma modalidade de erro-vício, dispondo a lei especialmente para o caso de ele recair sobre os motivos determinantes da vontade que não se refiram à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio. Nesta modalidade não existe desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada, mas aquela formou-se em consequência de erro sofrido pelo declarante que, não fora o erro, não teria querido celebrar o negócio ou, pelo menos, não o celebraria nos termos em que nele outorgou.

Nesta modalidade de erro, verificado o mesmo, a lei permite a anulação, desde que haja uma cláusula (expressa ou tácita) no sentido da validade do negócio ficar dependente da existência da(s) circunstância(s) sobre que versou o erro.

Sendo estes os requisitos de relevância deste erro-vício não vemos, à luz da factualidade apurada e que se deixou consignada, que estejamos perante um erro desta natureza. Todavia, sempre se dirá que, ainda a ser este o enquadramento jurídico, não estavam reunidos os requisitos da anulação: por um lado, não lograram os AA fazer prova de que a ausência da pendência (u iminência) de processos -elemento sobre que se verificou o erro- tivesse sido determinante, tal como exige a lei, para que tivessem decidido celebrar os contratos aqui ajuizados; depois, não se vê que tal haja sido, ainda que tacitamente, estipulado.»

(…)

                «Retornando ao caso que nos ocupa, a verdade é que os AA, mesmo à luz deste enquadramento, não lograram fazer prova da essencialidade do elemento sobre o qual erraram. Com efeito, apesar das cautelas reveladas pela pormenorizada regulamentação que mereceu este aspecto da negociação - e por causa delas - em lado algum se previu a anulação do negócio para o caso de sobrevirem dívidas, fosse qual fosse a sua natureza, antes tendo sido prevista e fixada a responsabilidade dos vendedores pela sua satisfação. Assinale-se que tal facto não arreda a circunstância dos RR vendedores não terem revelado quanto deveriam, aspecto que, todavia, não releva para esta questão.

Sendo assim de caracterizar como incidental o erro verificado - o declarante sempre concluiria o negócio, mas não nos precisos termos em que foi celebrado - o regime a observar, seria o da redução ou modificação, valendo o negócio nos termos em que teria sido concluído se não se tivesse verificado o erro. Mas que termos seriam estes neste caso concreto, não o dizem os AA.

O Prof. Mota Pinto parece admitir que, nas situações em que se não possa ajuizar com segurança quais os termos em que o negócio teria sido concluído sem erro haverá ainda lugar, no caso do erro incidental, à anulação do negócio. Afigura-se-nos, porém, que, cabendo ao autor o ónus da alegação e prova desses termos, em ordem a obter a redução ou modificação do negócio, a ausência do cumprimento do referido ónus não deve reverter em desfavor da contraparte, com a imposição da severa sanção da anulação do negócio que, em nosso entender, nesta hipótese, deverá manter-se conforme foi celebrado».

            Relativamente ao pedido de indemnização, o acórdão recorrido condenou os réus ao pagamento de uma compensação por danos não patrimoniais no valor de 15.000 euros, entendendo que estes incorreram em responsabilidade civil pré-contratual, nos termos do art. 227.º do Código Civil, por violação culposa do dever de informação quanto à situação patrimonial da empresa e a processos pendentes.

               

Os recorrentes, na sua alegação de revista, declaram que aceitam a dupla conforme em relação à validade do contrato e recorrem apenas do segmento da decisão relativo aos danos não patrimoniais, alegando que a indemnização concedida é miserabilista e peticionando um valor de 250.000 euros, dada a dimensão do seu investimento num quantitativo superior a três milhões de euros, os incómodos e as angústias suportadas com as dívidas e os processos judiciais, inclusivamente processos-‑crime, invocando, também, como fundamento da sua pretensão, a componente sancionatória da responsabilidade civil, como forma de punição dos réus pelo dolo intenso revelado nas negociações.

Vejamos os factos do caso:

Em 16 de Novembro de 2009, os autores compraram acções no valor de três milhões e quatrocentos mil euros, preço a que acresceu um valor adicional de cerca de cento e noventa mil euros pela renúncia ao usufruto de que era titular a ré, DD e pela cessão da respectiva quota (factos provados Q e R), em cumprimento de um contrato promessa celebrado em 12 de Outubro de 2009 (facto provado I). Estes montantes foram pagos pelo autor conforme factos provados U e V. Em 28 de Abril de 2010, o preço final da transacção referida em Q) dos factos assentes veio a ser fixado, mediante um reajuste de mais 424.295,28 euros.

Nestes contratos e nas negociações a ele conducentes, os vendedores declararam (Protocolo de Acordo de Cessão de Acções e Garantia de Activo e Passivo) que as contas da empresa dão uma imagem fiel e completa da situação patrimonial, tanto activa como passiva, e do resultado da Sociedade, que esta não tinha dívidas nem estavam pendentes processos judiciais nem processos-crime, acções, reclamação ou inquérito em curso (factos provados P e S).

Veja-se também o que consta dos documentos juntos aos autos, com base nos quais foi elaborada a matéria de facto:

Documento n.º 6 (Protocolo de Acordo de Cessão de Acção), a fls 210 e ss, onde consta no ponto 4., sob a epígrafe «Litígios – Pré-contenciosos – Contenciosos ou verificações em curso ou passadas», o seguinte:

«A Sociedade não é actualmente parte, quer como requerente quer como requerido, de qualquer processo, acção de responsabilidade, contencioso, litígio, nem de qualquer arbitragem nomeadamente referente a produtos fabricados ou distribuídos pela Sociedade, em matéria, social, comercial ou fiscal.

Ao conhecimento do Vendedor, nenhum processo, nenhuma acção ou nenhuma reclamação de qualquer natureza que seja, está preste a ser iniciado, quer pela Sociedade, quer contra a Sociedade ou contra uma pessoa cujos comportamentos são susceptíveis de implicar a responsabilidade da Sociedade.

O Vendedor não tem conhecimento de nenhum facto susceptível de causar sanções penais à Sociedade.»

No documento n.º 6 – Protocolo de acordo de cessão de acções (e no documento n.º 18, Garantia de Activo e Passivo), consta também o seguinte, no ponto 1.5, relativo à situação fiscal e parafiscal:

«A Sociedade efectuou, e efectuará até à data da cessão, todas as declarações obrigatórias fiscais e parafiscais, e os impostos devidos por ela foram pagos com regularidade.

Não existe qualquer acção, processo, reclamação ou inquérito em curso, ou iminente, contra a Sociedade no que respeita a todo o tipo de imposto, nem qualquer prazo ou prorrogação de prazo para uma tributação ou penalidade.»

E ainda o parecer do revisor oficial de contas, fls. 334 e 335, onde se lê o seguinte: «Tendo em conta o referido anteriormente, é nosso parecer que as citadas demonstrações financeiras apresentam de forma verdadeira e apropriada, em todos os aspectos materialmente relevantes, a posição financeira da II – Supermercado, S.A., em 15 de Novembro de 2009, bem como os resultados das suas operações no período findo naquela data, em conformidade com os princípios contabilísticos aceites».

Posteriormente à compra, entre os meses de Maio e Outubro de 2010, chegou ao conhecimento do autor, PP, a existência de dívidas fiscais acrescidas de juros compensatórios que, no seu conjunto, perfazem cerca de 550 mil euros (factos provados W, X,Y, Z e AF), e a pendência de processos de liquidação e execução fiscal, acções inspectivas, buscas e apreensões à Sociedade II (AG e AH).

  O autor, na qualidade de administrador da II, recebeu da Direcção de Finanças de Aveiro, em 28 de Julho de 2010, uma carta (ofício nº 900.469), reproduzida no facto provado AE, e da qual resulta que a contabilidade padecia de erros e omissões; não reflectia a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido; compras que não traduzem operações reais; indícios da existência de operações simuladas; facturas falsas; manipulação de registo de vendas; contabilização de custos não relacionados com a actividade, manifestações de fortuna dos responsáveis pela empresa; contas bancárias em nome dos réus, cujos movimentos efectuados ao longo dos anos em análise são manifestamente elevados face aos rendimentos declarados; manifestações de fortuna detidas por estes sujeitos passivos; rendimentos declarados manifestamente insuficientes; depósitos em numerário de quantias avultadas; retorno das compras que não traduzem operações reais e simulação de anulações nos talões dos fechos do dia; apropriação de dinheiro (numerário) sem que tal fique registado na contabilidade.  

Não foi dado conhecimento ao Autor, pelos Réus nem pelo ROA da II, da diligência que teve lugar a 18 de Dezembro de 2009, conforme facto provado AI.

Provou-se que os réus, a 16 de Novembro de 2009, tinham conhecimento da realização das buscas e apreensões ocorridas na sede da II e de outras sociedades de que eram titulares e sabiam da existência do processo inspectivo (facto provado AJ). As buscas levadas a cabo em Março de 2009 não foram comunicadas ao autor (facto provado AK). Pelo menos até à data dos acordos referidos de P) a S), os réus não informaram o autor da pendência de um processo de natureza fiscal (facto provado n.º AL). Não foi provisionada nas contas da II qualquer verba ou quantia a título de emergências fiscais (facto provado AM).

           

2. Neste quadro factual, não restam dúvidas, que estamos perante responsabilidade civil pré-contratual dos réus perante os autores, nos termos do art. 227.º, n.º 1 do Código Civil, por violação dos deveres de informação, boa fé e lealdade nas negociações.

A cláusula geral da boa fé é uma das técnicas jurídicas mais importantes para introduzir, no contrato, uma ética de cooperação e de solidariedade, restringindo o comportamento oportunista e a prioridade concedida pela doutrina clássica à autodefesa dos interesses exclusivos de uma das partes. É neste contexto que se vão alargando os deveres contratuais das partes aos chamados deveres laterais de conduta, como os deveres de lealdade, de conselho, de assistência e de cooperação.

O princípio geral de boa fé tem aqui relevância na sua dupla dimensão objectiva e subjectiva, enquanto regra de conduta e exigência de respeito mútuo, e como interdição de enganar outrem ou de agir em relação a outrem com a intenção de prejudicar. A boa fé exige, na fase pré-negocial, a observância de deveres de informação, esclarecimento e lealdade, tendo em vista os interesses legítimos da contraparte. A responsabilidade pré-contratual abrange justamente os danos provenientes da violação desses deveres secundários decorrentes do dever de boa fé pré-negocial.

Esta modalidade de responsabilidade civil, independentemente da questão de saber da sua natureza contratual ou extracontratual, exige a verificação dos requisitos gerais da responsabilidade civil: facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. 

O acórdão recorrido entendeu que estes requisitos estavam verificados, e atribuiu aos autores uma indemnização por danos não patrimoniais, cujo valor foi fixado em quinze mil euros.

            Alega o recorrente que esta indemnização é miserabilista e se baseou numa interpretação errada dos artigos 494.º e 496.º do Código Civil. Por seu lado, os recorridos entendem que a indemnização peticionada pelo autor – 250 mil euros – é inadequada e excessiva dentro do quadro da jurisprudência portuguesa que atribui valores inferiores, de cerca de 150.000 euros, às vítimas de acidentes de viação, que sofrem lesões físicas e psíquicas graves e irreversíveis.

            Quid iuris?

3. Os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, conforme factos provados AP e AQ, traduzem-se no seguinte:

«AP. O autor sofreu e vem sofrendo, ininterruptamente, consternação, angústias e preocupações, desde princípios de Maio de 2010, com a situação fiscal da II, que ele tem de continuar a gerir (resposta ao art.º 19.º).

AQ. Em resultado da aquisição da sociedade II, o autor mudou-se para Portugal e terá incómodos para retornar a França (resposta ao art.º 20.º)».

Os danos não patrimoniais são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa – biológica e mental, física e psíquica – e que pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, nos termos do art. 496.º, n.º 1 do Código Civil.

O poder do juiz é mais amplo na fixação dos danos não patrimoniais, em que recorre a juízos de equidade. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar a solução mais justa, de acordo com as particularidades do caso concreto, em oposição à justiça meramente formal.

Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis (a vida, a integridade física, psíquica e sexual, a saúde, a liberdade, o bem-estar físico e psíquico, a alegria de viver, a beleza) e não podem ser reintegrados por equivalente. Não se calcula um «preço da dor» ou um «preço da incapacidade» ou da falta de saúde, mas visa-se proporcionar à pessoa lesada uma satisfação que, em certa medida, possa contrabalançar o dano. Esta compensação assume um significado simbólico de reconhecimento da dignidade da pessoa humana e da sua dor, pois, na verdade, estes danos são irreparáveis e nada substitui a qualidade de vida e a saúde perdidas.

O dano sofrido pelo autor refere-se aos incómodos, preocupações e angústias com a situação fiscal da Sociedade que tem de gerir em condições financeiras com as quais não contava, por não ter sido informado, pelos réus, das dívidas e dos processos pendentes. Pelo contrário, nas cláusulas do contrato, os réus asseguraram a regularidade da situação contabilística e fiscal.

Foram violados direitos de personalidade do autor, protegidos pela cláusula geral do art. 70.º, n.º 1, que consagra a tutela geral da personalidade e que abrange um catálogo amplo e indeterminado de direitos fundamentais, entre os quais figuram o direito à tranquilidade, à saúde psíquica e ao livre desenvolvimento da personalidade.

            O Código Civil não enumera os danos não patrimoniais, confiando ao tribunal o encargo de os apreciar, no quadro das várias situações concretas.

A conceptualização do dano não patrimonial sofrido pela pessoa, a partir da situação concreta em que se encontra em virtude da lesão, conduz ao reconhecimento de várias sub-categorias ou especializações, dentro da categoria geral de dano não patrimonial, consoante o aspecto da vida ou da personalidade que ficou afectado. Foi no domínio dos acidentes de viação que mais se aprofundou esta matéria, aceitando categorias como o dano estético; o dano biológico, o dano da perda de autonomia, o dano psicológico e da perda da alegria de viver; o dano da afirmação pessoal; o dano sexual; o dano da incapacidade laboral, etc.  

Podemos designar os danos sofridos pelo autor da seguinte forma: dano da perda da tranquilidade e da alegria de viver; dano do projecto de vida; o dano existencial, como aquele que afecta toda a vida relacional da pessoa lesada com a sua família e a esfera íntima da pessoa[2]. Com efeito, o autor terá que viver angustiado com as dívidas e com dificuldades de gestão de problemas fiscais, jurídicos e financeiros que não foram criados por ele e com os quais não estava a contar, com a agravante de ser forçado a estabelecer residência num país estrangeiro, onde o seu enraizamento sócio-cultural nunca será idêntico àquele de que beneficiava no seu país de origem. Sofreu também o autor o dano da confiança, na medida em que confiou na outra parte do contrato, na sua boa fé e lealdade, tendo assentado nessa confiança os seus investimentos, planos de vida e o seu projecto de vida profissional e pessoal, pois veio viver para Portugal acompanhado da família.

Só por si, estes danos, embora graves, não podem conduzir a indemnizações do valor peticionado pelo autor, no quadro jurisprudencial corrente. 

Contudo, a indemnização atribuída pelo acórdão recorrido situa-se, ainda assim, muito abaixo do patamar do que entendemos ser adequado, mesmo tendo em conta, apenas, a finalidade reparadora da responsabilidade civil.

 O contexto do caso dos autos é composto por circunstâncias específicas que tornam o valor atribuído pelo acórdão da Relação demasiado reduzido. Note-se que os réus se comportaram nas negociações com culpa grave, atingindo mesmo a modalidade de dolo, obtendo, assim, lucros com um negócio celebrado de má fé, enganando a contraparte quanto à situação fiscal e contabilística da Sociedade. 

É, precisamente, no contexto do caso dos autos, que se torna relevante, por razões de justiça, a finalidade sancionatória do instituto da responsabilidade civil.

4. Mesmo a doutrina, no início de vigência do Código Civil de 1966, reconhecia à responsabilidade civil uma finalidade sancionatória ou punitiva, embora de natureza secundária e subordinada à finalidade reparatória[3], destacando-se, contudo, a posição de Pessoa Jorge, que aceitando a tese dominante quando está em causa a responsabilidade meramente civil, defendia que a responsabilidade civil conexa com a criminal desempenhava uma função predominantemente punitiva[4]. Também Pereira Coelho, no domínio da relevância da causa virtual, defende que apesar da causa virtual, a indemnização subsiste, reconhecendo que esta visa não um fim compensatório de danos, mas um fim sancionatório:

«O legislador terá consagrado, em princípio, o conceito de dano como diferença no património. Mas aceitando, em regra, a irrelevância da causa virtual, não terá tirado todas as consequências lógicas da «teoria da diferença» e do pensamento em que ela se baseia, da função puramente reparadora ou compensadora da obrigação de indemnizar. Na verdade, a subsistência da obrigação de indemnizar apesar da causa hipotética é um resultado que está para além deste pensamento; a obrigação de indemnizar não visa, não pode visar aí um fim de compensação do dano, pois não há aí um dano como diferença no património; não é uma ideia de compensação mas uma ideia de sanção que explica um tal resultado»[5].

A natureza punitiva da responsabilidade civil tem sido aprofundada por alguns estudos de direito civil, que a reconhecem com maior amplitude do que a doutrina clássica[6]. Usa-se, para referir esta finalidade repressiva da responsabilidade civil, a expressão «danos punitivos», importada do termo anglo-saxónico “punitive damages”, do qual é uma tradução literal, embora se trate de uma expressão pouco adequada, porque é a indemnização que é punitiva e não os danos[7].

O conceito de «danos punitivos» ou de «indemnização punitiva» é uma figura com escopos idênticos ao direito criminal, encerrando uma função retributiva, característica da justiça correctiva e uma finalidade preventiva, associada à justiça distributiva[8]. Esta categoria esbate as fronteiras entre o Direito Civil e o Direito Penal, e significa o reconhecimento de que os princípios da responsabilidade civil e da responsabilidade penal são os mesmos[9]. Entre o ilícito civil e o ilícito penal, há um continuum que passa por figuras intermédias como o ilícito de mera ordenação social e a sanção civil punitiva.

O dano tem uma dimensão simultaneamente individual e comunitária. As noções de interesse privado e de interesse público, como sempre reconheceu a ciência jurídica, entrecruzam-se, de forma que a ofensa aos direitos de uma pessoa pode traduzir também ofensa a interesses sociais. Os danos punitivos visam promover o respeito pelas normas de conduta da sociedade e influenciar o comportamento dos agentes económicos. Também são designados por exemplary damages, pois visam orientar os agentes económicos na conduta correcta e exprimem a reacção da sociedade a uma conduta ilícita, que tem impacto, não apenas individual, mas social.   

Na prática, a categoria resulta de uma jurisprudência criativa que, preocupada com a justiça, condena o lesante, em casos de dolo ou de culpa grave, ao pagamento de uma quantia mais elevada do que os padrões habituais.

A origem história do conceito remonta ao século XVIII, no Reino Unido, como estandarte do respeito pelo direito à reserva da vida privada e pela liberdade do indivíduo contra os abusos de autoridade e exercício arbitrário de poder[10]. Com efeito, os punitive damages surgiram devido aos graves abusos de autoridade por parte de funcionários públicos e entes privados, evidenciados nos casos Huckle v. Money (1763) e Wilkes v. Wood, nos quais se reconheceu que a responsabilidade civil comportava uma função de pena privada[11]. Mas foi em 1964, no caso Rooks v. Barnard[12], que pela primeira vez se distinguiu os punitive damages dos aggravated damages: a função dos primeiros seria prevenir condutas graves e punir o agente, não tendo as quantias concedidas nenhuma relação com o prejuízo sofrido pelo lesado, e os segundos resultariam do impacto da conduta do infractor na dignidade do lesado e serviriam para o compensar.

A condenação ao pagamento de uma indemnização punitiva significa que a finalidade sancionatória da responsabilidade civil passa de meramente secundária ou acessória a finalidade dominante, em certos contextos ou casos específicos, considerados excepcionais. Nestes casos, a incapacidade do agente prever o montante de danos punitivos que lhe será imposto em caso de transgressão de regras de conduta é a única forma de evitar que, orientado por critérios de racionalidade económica, opte por praticar condutas ilícitas, escolhendo incumprir os seus deveres, sempre que preveja que os lucros que a conduta ilícita pode produzir são superiores ao valor das indemnizações que seria condenado a pagar ao lesado[13].

 A incursão de danos punitivos dá-se, quer no domínio da responsabilidade civil extracontratual (lesão de direitos de personalidade), quer na responsabilidade obrigacional, nas situações em que o incumprimento do contrato é perpetrado através de uma conduta fraudulenta [14].

            A doutrina tradicional tem aceitado a finalidade sancionatória da responsabilidade civil, mas apenas com uma natureza acessória ou secundária, sempre subordinada à função reparadora e fundamenta-a na norma do art. 494.º, que confere ao julgador o direito de redução equitativa da indemnização na hipótese de mera culpa, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, as condições económicas do lesante e do lesado e outras circunstâncias do caso[15]. No mesmo sentido, concorrem o regime do art. 497.º, n.º 2, no qual a repartição da indemnização entre as várias pessoas responsáveis se faz na medida das respectivas culpas, e o do art. 570.º, em que a graduação da indemnização, quando haja culpa do lesado, se faz com base na gravidade das culpas de ambas as partes, reflectindo estas normas o carácter punitivo ou repressivo da responsabilidade civil[16].

Para Antunes Varela, «(…) a função preventiva ou repressiva da responsabilidade civil, subjacente aos requisitos da ilicitude e da culpa, subordina-se à sua função reparadora, reintegradora ou compensatória, na medida em que só excepcionalmente o montante da indemnização excede o valor do dano»[17]

 Mas o autor, a propósito da causa virtual do dano, afirma que «Não se pode aceitar como boa a afirmação de que seja “nitidamente excepcional” a função sancionatória ou preventiva da responsabilidade, baseada na ilicitude do facto. Será uma função subordinada (…); mas, com a amplitude que o art. 494.º hoje atribui ao poder do tribunal de graduar o montante da indemnização, de olhos postos, acima de tudo, no grau de culpabilidade do agente, não pode seriamente contestar-se o seu carácter geral, fundado na ilicitude do facto»[18].

Contudo, a ciência jurídica tem evoluído e encontramos, desde o final do século XX, defensores de um alargamento da finalidade punitiva da responsabilidade civil.

Pinto Monteiro refere que a dimensão sancionatória da responsabilidade civil implica o reacentuar da finalidade ético-jurídica do instituto e relaciona-se com o emergir do direito civil como direito constitucional das pessoas[19].

Júlio Gomes acentua o papel da pena privada como uma reacção eficaz face às insuficiências do direito penal [20] e defende a sua aplicação no domínio da difamação via imprensa, criminalidade económica e concorrência desleal[21].

A figura dos punitive damages, no domínio da responsabilidade contratual, contribui ainda para tornar efectiva a reparação integral do dano, pois os métodos tradicionais de cálculo do dano não garantem tal reparação integral, contribuindo, pelo contrário, para que a parte inocente seja onerada com uma parte substancial dos prejuízos causados pela violação culposa da outra parte[22].

Menezes Cordeiro acolhe a função punitiva para as indemnizações por danos não patrimoniais, «Quando estejam em causa valores morais – portanto: atinentes à pessoa, à família, à dignidade, à saúde e ao bom nome – a responsabilidade civil deve assumir uma postura mais avançada, retribuindo o mal e prevenindo as ofensas. As agressões, no sentido mais amplo do termo, multiplicam-se, mercê da evolução tecnológica e da crescente pressão das sociedades modernas sobre as pessoas; paralelamente, parece clara a incapacidade do direito penal clássico para assegurar uma protecção. (…) Há pois que facilitar a imputação aquiliana, no tocante a danos morais, quer aligeirando – tanto quanto a interpretação da lei o permita – os seus pressupostos, quer reforçando as indemnizações»[23]. Reconhece o autor à responsabilidade civil um papel punitivo: visa ressarcir o mal feito e desincentivar, quer junto do agente, quer junto de outros elementos da comunidade, a repetição das práticas prevaricadoras[24].

No mesmo sentido, chamando a atenção para o facto de o ilícito, sem uma indemnização adequada, compensar o agente, Patrícia Guimarães defendeu a consagração oficial da indemnização como pena privada, para evitar que a violação de direitos alheios compense o agente, na medida em que reduz os custos de transacção e não dá à outra parte a possibilidade de exigir um preço superior ao de mercado[25].

Paula Meira Lourenço, no seu estudo «A finalidade punitiva da responsabilidade civil», faz a defesa da indemnização sancionatória ou punitiva, solução que contribuirá para o reforço da tutela da pessoa humana relativamente à violação dos direitos de personalidade pelos meios de comunicação social sensacionalistas, permitirá a punição do produtor que prefere pagar indemnizações a eliminar os defeitos encontrados e promoverá a prevenção e punição do poluidor, em sede de responsabilidade ambiental[26]. A Autora propõe um modelo em que a indemnização punitiva seja dividida em partes iguais, entre o lesado e um Fundo de Garantia criado com o objectivo de assegurar o pagamento de indemnizações, sempre que os lesantes não sejam proprietários de bens penhoráveis, procedendo-se, assim, à socialização do lucro e do dano[27].

A indemnização punitiva tem sido adoptada nos casos de invasões de privacidade ou ofensas ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, em que as lesões a direitos fundamentais podem não causar danos às vítimas, mas ainda assim, por razões preventivas e sancionatórias, a imprensa deve ser condenada a pagar indemnizações, as quais devem ser suficientemente pesadas, para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro[28]. Também no Direito do Ambiente, é reconhecida à responsabilidade civil uma finalidade preventiva[29].

Henrique Sousa Antunes utiliza para o cálculo da indemnização punitiva um modelo explicativo que se situa, ainda, dentro do conceito de dano, propondo uma revisão do conceito de dano não patrimonial, que inclua o desequilíbrio patrimonial com expressão económica na esfera do lesante, permitindo ao lesado resgatar o lucro[30]. Neste modelo, o lucro ilícito, para além de constituir um critério de quantificação do dano, constitui, ele mesmo, um dano autónomo ou uma lesão. O autor exclui da satisfação do lesado um escopo punitivo principal, admitindo, apenas, um efeito punitivo secundário, relacionado com a vindicta do lesado[31]. O lesante é tão-só privado daquilo com que ilegitimamente se enriqueceu, não cabendo falar em punitive damages ou em pena privada[32].  

 

5. Independentemente das várias construções doutrinais possíveis, a jurisprudência europeia, dos países da civil law, tem vindo a dar relevância crescente à finalidade punitiva da responsabilidade civil, numa lógica de interacção entre a civil law a common law.

No domínio da protecção da reserva da intimidade da vida privada, tem sido esta a opção do Supremo Tribunal Alemão neste contexto, a propósito dos casos que opuseram a Princesa Carolina do Mónaco a jornais que publicaram fotografias suas e do seu filho[33].

No direito francês, a doutrina estudou já aprofundadamente os casos em que a responsabilidade civil é usada como pena privada com o objectivo de moralização da ordem económica, a propósito da regulação das relações de concorrência e da defesa dos contratantes colocados em situações de inferioridade económica, no domínio dos contratos de seguro, responsabilidade do produtor, direito do trabalho e direito do consumidor[34].

 Os tribunais franceses, sem aceitar a categoria dos danos punitivos, utilizam a maleabilidade do conceito de dano moral e o critério da equidade, para elevar o valor das indemnizações, a fim de obter um resultado sancionatório da conduta do lesante, sobretudo em matéria de violação de direitos de personalidade por difamação ou invasão da privacidade[35]. Contudo, o Tribunal de recurso de Douai, de 21 de Dezembro de 1989, um tribunal francês defendeu que, nas acções judiciais em matéria de concorrência desleal, a indemnização tem por finalidade não tanto reparar um prejuízo causado a outrem, mas sim sancionar a deslealdade dos actos cometidos[36]. Mesmo nos casos em que a jurisprudência, na fundamentação das decisões judiciais, não refere a finalidade sancionatória, é claro que, no cálculo das indemnizações em matéria de concorrência desleal, se afasta dos critérios gerais.

A jurisprudência portuguesa, apesar de não ter aceitado o conceito de danos punitivos , não deixa de, em determinados casos concretos, nomeadamente nos casos de ofensas ao bom nome e nos acidentes de viação atribuir à indemnização por danos não patrimoniais uma natureza mista de «reparar os danos sofridos pelo lesado e reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»[37], calculando o montante da indemnização por danos não patrimoniais, tendo em conta o grau de culpa do agente e a sua situação económica(arts. 494.º e 496.º, n.º 3), o grau de culpa dos responsáveis nos casos de direitos de regresso, conforme o art. 497.º, n.º 2 e diminuindo ou excluindo a indemnização nos casos de culpa do lesado (art. 570.º) [38].

O conceito de indemnização punitiva surge, assim, a par de um movimento de desmaterialização do direito civil e da necessidade social de aumentar os valores das indemnizações por danos não patrimoniais, quando está em causa a violação de direitos fundamentais da pessoa humana. 

Mas esta função punitiva é muito importante também na responsabilidade contratual, na área do direito das empresas e dos negócios. A evolução da sociedade, a crise e o recuo dos direitos sociais dos cidadãos trouxeram, hoje, uma maior necessidade de controlar e de punir a fraude fiscal e financeira. As fugas ao Fisco e as fraudes na celebração ou no incumprimento de contratos permitem a concentração da riqueza em agentes económicos que fogem às suas responsabilidades sociais. A repressão destes comportamentos assume um interesse público, em relação ao qual o instituto da responsabilidade civil não pode ficar indiferente, sob pena de estar em causa o respeito dos cidadãos pela ordem jurídica e a sua confiança nos tribunais. Estas alterações sociológicas e económicas impõem que a responsabilidade civil assuma, neste contexto, uma finalidade sancionatória ou punitiva, reconhecendo-se que a violação de direitos ou interesses legalmente protegidos não atinge só o titular ofendido, causando-lhe danos, mas pode revelar, também, uma extrema danosidade social.

6. No caso sub iudice, estamos perante lesantes com manifestações de fortuna, conforme ofício das Finanças de Aveiro. Os réus não informaram o comprador das acções acerca dos problemas judiciais, fiscais e financeiros da Sociedade, como era seu dever, e enriqueceram com um preço próximo dos quatro milhões de euros pago por um bem que não tinha as características pretendidas pelo comprador, e que ele lhe tinham assegurado. O grau de ilicitude e o grau de culpa dos vendedores é muito elevado. Podemos mesmo falar, a este propósito, de dolo, pois estando na posse das informações que permitiriam a correcta e informada formação da vontade negocial do comprador, os réus omitiram, conscientemente, informações relevantíssimas para a decisão do comprador investir, ou não, e em que termos. Os princípios da boa fé e os deveres de lealdade exigiam dos réus outra conduta. Está ultrapassada a concepção liberal dos contratos, em que cada uma das partes defende, de forma egoística, exclusivamente os seus interesses. Pelo contrário, a boa fé, numa lógica de cooperação e de colaboração, exige que cada uma das partes pense nos interesses da outra. Ora, no caso dos autos, quem falhou no cumprimento dos seus deveres pré-contratuais foram os réus. Estão em causa montantes em dinheiro de valor muito elevado, cujo pagamento, pelo autor, significou um investimento na confiança depositada nos réus, confiança que foi traída, com culpa grave e intensa destes.

A situação do caso dos autos, para além de ser grave para os interesses do autor, é também grave do ponto de vista social e económico, e exige, portanto, a ponderação da finalidade sancionatória da responsabilidade civil, por razões simbólicas e preventivas, num contexto em que os réus são agentes de poder económico e riqueza de valor muito elevado.

Com efeito, no caso sub iudice, dado o nível de vida dos réus, a indemnização deve ser suficientemente elevada para que a finalidade punitiva, mesmo vista como secundária, possa ser minimamente eficaz e exprimir o desvalor social da conduta.

Por razões de unidade do sistema jurídico, aceitamos o conceito de indemnização punitiva para fundamentar o cálculo da compensação a pagar ao lesado, no caso dos autos. 

É certo que o conceito de danos punitivos confere poderes acrescidos ao juiz, mas a jurisprudência, em épocas de grandes transformações económico-sociais, deve ser uma jurisprudência criativa que adapta a ciência do direito e as normas jurídicas à realidade social e aos seus juízos de valor e necessidades.

Como dizia Orlando de Carvalho, «O Direito é insusceptível de isolamento da ética” e “(...) a questão do paradigma só se compreende em torno do caso, do problema sub iudice, da relação de tensão entre a regra e a espécie, entre a norma e a situação (...)”»[39]. Como salientava Castanheira Neves, na interpretação da norma jurídica e na construção da solução, há que dar prioridade ao caso, ao seu contexto e especificidades[40].

O direito civil, o ramo do direito que regula a vida quotidiana da pessoa comum, não pode ignorar os valores morais e as necessidades da sociedade. A prática judiciária refere-se sempre a certos valores e princípios normativos, que pertencem a uma certa cultura e a uma certa época, e que traduzem um determinado consenso jurídico-comunitário que designamos por “consciência jurídica geral”. É inegável que, em contexto de crise, a mentalidade da população tem evoluído no sentido de um juízo de censura crescente à gestão egoísta e fraudulenta de negócios. Fala-se, hoje, a este propósito, por força da eticização do direito privado, de uma ética nos negócios, que por razões de bem comum é necessário proteger, sancionando as suas violações. Reconhece-se que a jurisprudência necessita de elementos supra positivos e que deve ser uma jurisprudência ética[41]. Os Tribunais não podem ficar indiferentes a estas mudanças e necessidades sociais, e as decisões judiciais devem ter um valor pedagógico, transmitindo à sociedade uma mensagem quanto ao que deve ser o comportamento correcto dos agentes económicos nos negócios.

A decisão relativa à indemnização punitiva não é arbitrária e assenta em critérios legais.

O art. 496.º, n.º 1 prevê expressamente que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

O n.º 3 do mesmo preceito legal enuncia que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º».

Sendo assim, a indemnização por danos não patrimoniais é calculada de acordo com os seguintes critérios:
a) Equidade;
b) Grau de culpabilidade do agente;
c) Situação económica do agente;
d) Situação económica do lesado;
e) Demais circunstâncias do caso.

A equidade é um critério que corresponde à ideia de justiça distributiva e que fundamenta a determinação do montante da indemnização punitiva, permitindo a adaptação da regra ao caso concreto.

O grau de culpabilidade dos réus foi elevado, atingindo um padrão equivalente à culpa grave ou dolosa e permitindo, assim, fundamentar a atribuição de uma indemnização com significado relevante. 

A situação económica do agente é de fortuna. Também por este motivo, para que a finalidade sancionatória da responsabilidade civil seja eficaz, a indemnização deve ser elevada.

O lesado foi enganado e, apesar de não conhecermos a sua situação económica, temos conhecimento que pagou cerca de três milhões e oitocentos mil euros, por um bem que não tinha as características pretendidas e que, portanto, valia muito menos.

Por último, a ponderação do critério das «demais circunstâncias do caso concreto» consiste numa cláusula aberta, que remete para critérios de justiça do caso concreto, e permite equacionar, como critério de cálculo, a gravidade do comportamento dos réus e a sua danosidade, não só para o autor, mas também de dimensão social e comunitária.  Este critério também fundamenta a atribuição de uma indemnização significativa, atenta a manifesta relevância dos valores e realidades socioeconómicas envolvidas, a falta de ética negocial dos réus, bem como as preocupações e a angústia dos autores.

Sendo assim, fixamos o valor da indemnização pelos danos morais sofridos em 100.000 euros.

IV – Decisão

 

Pelo exposto, decide-se, na 1.ª Secção Cível deste Supremo Tribunal de Justiça, conceder parcialmente a revista, condenando os réus a pagar aos autores uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 100.000 euros.

Custas a cargo dos recorrentes e dos recorridos, na proporção do respectivo decaimento.

(Anexa-se sumário)

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2014

Maria Clara Sottomayor

Sebastião Coutinho Póvoas

Moreira Alves

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[1] No texto da sentença constava mês de Novembro, o que corresponde a lapso manifesto (cf. auto de fls. 540 a 542).

[2] O conceito de dano existencial surgiu na jurisprudência italiana sobre responsabilidade civil para designar os danos da vida de relação do lesado, os danos causados pela morte do cônjuge, pela perda do feto, durante a gravidez, pelo ruído que perturba o repouso, pela recusa de um pai em pagar alimentos ao filho menor. Cf. Commentario al Codice Civile diretto da Paolo Cendon, UTET, Milano, 2002, p. 1809.

Sobre o conceito, considerando-o uma especialização dentro do dano não patrimonial geral, vide Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 594-595, nota 2. No direito do trabalho, enquanto dano na vida afectiva e familiar do trabalhador despedido ilicitamente, vide Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 1035, nota 2481. Na jurisprudência portuguesa, STJ 03-06-2004, Lucas Coelho (Relator), processo n.º 04B3527, relativamente aos danos sofridos pelo filho com a morte do pai; STJ 24-10-2012, Maria Clara Sottomayor (relatora), processo n.º 293/09. 8TTSNT.L1.S1, relativamente aos danos sofridos pela trabalhadora grávida despedida ilicitamente. Sobre o dano existencial como conceito heterogéneo e ligado à dimensão relacional da pessoa humana, vide Carneiro da Frada, «Nos 40 anos do Código Civil – Tutela da personalidade e dano existencial», Themis, 2008, pp. 47-68, em especial, o elenco de situações descrito nas páginas 51 a 53. 
[3] Cf. Antunes Varela, Rasgos Inovadores do Código Civil Português de 1966 em Matéria de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1972, pp. 18 e ss.
[4] Cf. Pessoa Jorge, Ensaio sobre a responsabilidade civil, (reimpressão da edição de 1968), Almedina Coimbra, 1995, p. 51.

[5] Pereira Coelho, O problema da causa virtual na responsabilidade civil, colecção teses, Almedina, Coimbra, 1998, p. 218
[6] Cf. Júlio Gomes, «Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal?, RDE, 1989, pp. 105-144; Patrícia Carla Monteiro Guimarães, «Os danos punitivos e a função punitiva da responsabilidade civil», Direito e Justiça, 2001, pp. 159-206; Paula Meira Lourenço, «Os danos punitivos», Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII – N.º 2, 2002, pp. 1019-1111; Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2006; Henrique Sousa Antunes, Da inclusão do lucro ilícito e de efeitos punitivos entre as consequências da responsabilidade civil extracontratual: a sua legitimação pelo dano, Coimbra Editora, Coimbra, 2011; Sara Monteiro Pinto Ferreira da Silva, Danos Punitivos – Problemas em relação à sua admissibilidade no ordenamento jurídico português, Dissertação no âmbito do Mestrado Forense, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2012.
[7] Utilizando esta expressão, a propósito de um caso de responsabilidade civil por danos não patrimoniais, por violação de direitos de personalidade, por um jornalista da rádio, vide o acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Maio de 1998, CJ, Ano XXIII, Tomo III, 1998, pp. 101-105 (Relator: Conselheiro Noronha Nascimento), em que se defendeu, à semelhança da jurisprudência espanhola, a inclusão, no cálculo da indemnização, do lucro do lesante proveniente da própria violação.
[8] Paula Meira Lourenço, A função punitiva da responsabilidade punitiva, ob. cit., p. 188.
[9] Ibidem, pp. 189-190.
[10] Patrícia Guimarães, «Os danos punitivos e a Função Punitiva da Responsabilidade Civil», 2001, p. 168 e ss; Paula Meira Lourenço, «Os danos punitivos», 2002.
[11] Ibidem

[12] Neste caso, um trabalhador foi despedido pela British Airways, após ter retirado a sua inscrição de membro do sindicato, na sequência de uma ameaça de greve feita pelo sindicato à empresa, caso esta não despedisse o referido trabalhador. Este intentou uma acção contra o sindicato devido à utilização de meios ilegais para induzir a British Airways ao seu despedimento.
[13] Cf. Paula Meira Lourenço, «Os danos punitivos», 2002, p. 1092.

[14] Cf. Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, ob. cit., pp. 182-183.
[15] Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª edição, 10.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2013, p. 930; Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 779-780; Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. I, Coimbra, 1990, pp. 427 e 457, entende que a finalidade punitiva é secundária, mas corresponde a uma perspectiva de eticização do direito civil, e que a função sancionatória está indissociavelmente ligada ao pressuposto da culpa.
[16] Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., pp. 543 e 568-569.
[17] Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., pp. 543-544.
[18] Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 930.
[19] Cf. Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, p. 663, nota 1536.
[20] Cf. Júlio Gomes, O Conceito de Enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa, colecção teses, Porto, 1998, p. 748.
[21] Cf. Júlio Gomes, «Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal?, 1989, p. 111.
[22] Cf. Júlio Gomes, O Conceito de Enriquecimento…ob. cit., pp. 768 e ss.
[23] Cf. Menezes Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, Lisboa, 1997, pp. 482-483.
[24] Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. IV, Parte Geral, Pessoas, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, p. 120.
[25] Cf. Patrícia Carla Guimarães, «Os danos punitivos e a função punitiva da responsabilidade civil», 2001, p. 178.
[26] Cf. Paula Meira Lourenço, A finalidade punitiva da responsabilidade civil, ob. cit.
[27] Ibidem
[28] Ibidem, pp. 121 e 202.
[29] Cf. Menezes Cordeiro, «Direito do Ambiente, princípio da prevenção: direito à vida e à saúde - anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Julho de 1996», ROA, Ano 56, Agosto de 1996, Lisboa, pp. 667-686.
[30] Cf. Henrique Sousa Antunes, Da inclusão do lucro ilícito e de efeitos punitivos entre as consequências da responsabilidade civil extracontratual: a sua legitimação pelo dano, ob. cit., pp. 13 e ss.
[31] Ibidem, p. 14.
[32] Ibidem, p. 14.
[33] Cf. «Persönlichkeitsrechtsverletzung und Höhe der Geldentschädigung – Caroline von Monaco», BGH, Urt. V. 5.12.1995 – VI ZR 332/94 (Hamburg), NJW, 1996, pp. 984-985; «Geldentscädugung wegen wiederholter Beeinträchtigung des Rechts am eigenen Bild – Kumulationsgedanke», BGH, Urt. V. 12.12.1995 – VI ZR 223/94 (Hamburg), NJW, 1996, pp. 985-987.
[34] Cf. Suzanne Carval, La responsabilité civil dans sa fonction de peine privé, LGDJ, Paris, 1995, pp. 119-210.
[35] Ibidem, pp. 25-29.
[36]  Ibidem, p. 131.
[37] Cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Junho de 1999, Relator: Conselheiro Garcia Marques, processo n.º 99A391.
[38] Para uma análise da jurisprudência, desde a década de 80 do Século XX, vide Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, ob. cit., pp. 257-263 e 290-291.

[39] Cf. Orlando de Carvalho, «Para um Novo Paradigma Interpretativo. O Projecto Social Global», BFD, Universidade de Coimbra, Coimbra,1997, pp. 3 -4.
[40] Cf. Castanheira Neves, «O sentido actual da Metodologia Jurídica», in Ciclo de Conferências em Homenagem Póstuma ao Professor Doutor Manuel de Andrade, Coimbra, 2002.

[41] Menezes Cordeiro, «Ciência do Direito e Metodologia Jurídica nos Finais do Século XX», 1988, pp. 714 e 716-717.