Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
301/06.4TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: CAUSA DE PEDIR
OBJECTO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RESPONSABILIDADE MÉDICA
LEGES ARTIS
CONSENTIMENTO
CONSENTIMENTO TÁCITO
INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
 

I - Centrando-se as alegações de recurso da autora num pedido de indemnização com fundamento numa intervenção médica não consentida, quando o objecto inicial da acção sempre foi o de indemnização pelos danos provocados por uma prestação médica desconforme com as leges artis, e que terá atingido a sua integridade física, poder-se-ia considerar aquela questão como sendo nova e, por isso, fora do objecto possível do recurso e da possibilidade de conhecimento da mesma pelo STJ.

II - O consentimento só é valido se for livre e esclarecido, isto é, se forem fornecidos ao doente todos os elementos que determinaram a consentir na intervenção médica que contratou.

III - Tendo a autora escolhido livremente a clínica ré, estamos num domínio inteiramente privado, sendo que esta livre escolha induz uma tácita aceitação da orientação médica que na clínica receba: isto é, alguém que escolhe previamente um determinado médico ou clínica privada porque confia nele, exigirá dele uma «informação menos informada», predispondo-se a aceitar as indicações médicas que receba nos mesmos termos, com o mesmo crédito de confiança com que firmou a sua escolha.

IV - Na distribuição das regras do ónus da prova entre o doente e o médico, no que ao dever de informar diz respeito, o médico veria naturalmente acrescido esse seu ónus se acaso a doente provasse por si própria que outros caminhos havia, possíveis ou mais adequados, de tratamento/intervenção, ou que com ou sem intervenção/tratamento o resultado sempre poderia ser o mesmo, ou que outros especiais riscos podia correr.

V - Não tendo a autora feito prova de um concreto acréscimo de possibilidades perante a sua lesão que pudesse formar-lhe diferentemente o consentimento, que exprimiu, para o tratamento intervenção, não nasceu para os réus o dever acrescido de informação sobre todas essas diferentes possibilidades.
 

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
AA
instaurou, em 27 de Janeiro de 2006, nas Varas Cíveis do tribunal da comarca do Porto, contra
CLÍNICA OFTALMOLÓGICA DR. ..., S.A. ( agora CLÍNICA OFTALMOLÓGICA ...-..., S.A. )
DRA. BB
DR. CC
acção ordinária, que recebeu o nº301/06.4TVPRT, da 2º Vara, 2ª secção, pedindo a condenação dos RR a pagar-lhe « as quantias referidas nos arts.77º a 80º | da petição inicial | no montante global de 65 650,00 euros, bem como o que demais se vier a liquidar em execução de sentença, conforme nos arts.78º e 79º precedentes, acrescida à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento ».
Alegou, em síntese:
em finais de Junho de 2003, por ter começado a notar que padecia de alguns problemas de visão, marcou uma consulta na Clínica ré para o dia 2.07.2003, tendo aí sido atendida pela ré BB, médica ao serviço da dita Clínica, que a informou que padecia de uma lesão no olho esquerdo e que teria de realizar um exame de “angiografia fluorsceínica”;
tal exame foi realizado no dia 8.07.2003, nas instalações da Clínica ré, sendo o respectivo resultado observado pela ré BB;
nesse momento, encontrava-se grávida de algumas semanas, mas nada lhe foi perguntado nesse sentido, sendo certo que o referido exame não é realizável em mulheres grávidas, por poder acarretar graves problemas para o feto;
após a realização daquele exame, foi informada pela ré BB que o tratamento adequado para a cicatrização da lesão de que padecia no olho esquerdo seria uma pequena intervenção com o uso de laser, a qual teria de ser realizada de imediato, atenta a gravidade da situação;
questionou a possível existência de riscos de tal intervenção, tendo a ré BB referido que tal intervenção com o uso de laser não importava quaisquer riscos, sendo que, ao invés, a autora correria riscos sérios e graves se não fosse feita tal intervenção;
realizou o tratamento de foto coagulação a laser focal no olho esquerdo, com vista a corrigir o problema de que nele padecia e que se tratava de cicatriz coriorretiniana supra nasal à mácula, com discreta difusão de corante na angiografia fluorsceínica supra nasal à mácula e astigmatismo miópico composto;
uma semana depois daquele tratamento, começou a notar uma visão ainda mais desfocada do que a que possuía inicialmente, tendo sido observada, na Clínica ré, pelo réu CC, que procedeu a novo tratamento com raios laser no olho esquerdo, já que, atenta a gravidade da situação, teria de ser efectuado de forma urgente e imediata;
não lhe foi solicitado que assinasse qualquer termo de consentimento para a realização do mesmo e não lhe foram cobrados quaisquer honorários;
não foi informada dos riscos que tal intervenção poderia acarretar;
antes da primeira intervenção com laser, possuía pequenos problemas de visão e uma acuidade visual de 8/10 no olho esquerdo, possuindo uma deficiência de visão de cerca de 20%;
após as referidas intervenções com laser, efectuadas pela Clínica ré, e em consequência das mesmas, a acuidade visual do olho esquerdo da autora sofreu um agravamento para 01/10, tendo ficado a padecer de uma deficiência de visão no olho esquerdo de mais 70% do que a que possuía anteriormente, num total de 90% de deficiência, e mantendo a visualização de imagens ainda mais distorcidas e desfocadas, o que implica uma incapacidade permanente geral;
posteriormente aos referidos tratamentos com laser, e após diversas consultas na Clínica ré, a ré BB referiu à autora que o tratamento adequado a uma melhor e rápida cicatrização do olho esquerdo seria a aplicação de uma injecção de corticosteróide;
questionou se tal injecção seria conveniente atenta a sua situação de gravidez, ao que lhe foi dito que não existia nenhum inconveniente;
após consulta ao seu médico ginecologista, decidiu não proceder a esse tratamento com corticosteróide, por poder acarretar riscos graves para o bebé;
o tipo de intervenção laser a que foi submetida queimou-lhe a retina, em virtude de o laser utilizado ter um efeito de propagação, por extensão ou alargamento do seu efeito, sendo previsível atingir a mácula;
a lesão de que a autora padecia no olho esquerdo, antes dos tratamentos com laser que lhe foram aplicados, encontrava-se muito próximo da zona proibida de aplicação de laser, sendo mais conveniente a realização de um tratamento diverso, sem utilização de laser;
para esse tipo de lesão, os tratamentos por laser constituíam uma terapêutica proibida, em face dos elevadíssimos riscos que envolviam;
no momento em que realizou os tratamentos com laser, encontrava-se grávida, facto do conhecimento da ré, que nunca colocou qualquer entrave à realização dos mesmos;
tais tratamentos são desaconselhados em mulheres grávidas, atento o risco que acarretam para o feto;
os réus não explicaram à autora quais as técnicas utilizadas, os objectivos da terapêutica, os potenciais riscos e consequências, não tendo a autora dado o seu consentimento informado nem à realização do exame de « angiografia fluorsceínica », nem dos tratamentos com laser;
consequentemente, tem a autora direito a ser indemnizada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência das intervenções e dos tratamentos que lhe foram aplicados, na Clínica ré, defeituosamente e em desconformidade com as “leges artis”, pelos réus CC e BB, médicos ao serviço da referida Clínica, com a qual havia celebrado um contrato de prestaçãode serviços médicos.
Contestaram os RR ( fls.40 ), começando por invocar a ilegitimidade da ré BB e impugnando depois os factos alegados na petição inicial, dizendo em resumo:
a lesão de que a autora padecia no seu olho esquerdo não era de evolução previsível, tendo sempre um prognóstico reservado, facto de que foi, sistematicamente, esclarecida e informada nas consultas a que foi submetida na Clínica ré;
a diminuição da acuidade visual do olho esquerdo da autora deveu-se, exclusivamente, à lesão inicial de que esse olho padecia e à sua evolução, que se apresentava imprevisível;
para o tratamento da doença de que a autora padecia no olho esquerdo, o uso do laser era o mais adequado e conforme aos ditames das “leges artis”;
até ao momento dos tratamentos com laser, sempre responderam prontamente aos inúmeros pedidos de esclarecimento por aquela formulados e prestaram-lhe abundante informação sobre a gravidade da lesão e os objectivos das técnicas utilizadas, tendo-a informada dos riscos da utilização dessas técnicas serem inferiores ao risco de não ser intervencionada.
Replicou a autora ( fls.67 ).
E, do mesmo passo, requereu a intervenção principal provocada de DRA. DD.
Responderam os RR ( fls.81 ), além do mais opondo-se à requerida intervenção, que todavia veio a ser admitida por despacho de fls.96.
A chamada DD veio ( fls.107 ) fazer seus os articulados dos RR.
A fls.146, após audiência preliminar com tentativa de conciliação infrutífera, foi elaborado despacho saneador no qual, além do mais, julgou improcedente a invocada excepção da ilegitimidade da ré BB e depois fixaram-se os factos assentes e alinhou-se a base instrutória.
Efectuado o julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls.477, foi proferida a sentença de fls.498 a 533 que julg\ou| improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolv|eu| os RR Clínica Oftalmológica ...-..., S.A., CC e BB e a chamada DD do pedido contra eles formulado pela autora AA.
Inconformada, a autora interpôs ( fls.541 ) recurso de apelação mas o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de fls.636 a 678, julg|ou| a presente apelação totalmente improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Ainda inconformada, a autora pede agora revista para este Supremo Tribunal.
E, alegando a fls.688, apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
I
O Venerando Tribunal da Relação do Porto fez uma errónea aplicação do Direito por ter interpretado deficientemente alguns dos factos que foram dados como provados nos presentes autos.
II
Da análise critica da factualidade supra transcrita e da sua conjugação com as regras jurídicas, outra conclusão não se pode tirar senão a de que os Recorridos incumpriram o contrato de prestação de serviços médicos a que estavam vinculados, pela inobservância dos deveres que tal contrato lhes impunha.
III
E fizeram-no, desde logo, pela inobservância do dever de obter o consentimento esclarecido da Recorrente antes de a terem submetido aos tratamentos a laser que realizaram.
IV
No momento em foi submetida às ditas intervenções, denominadas "fotocoagulação a laser", a Recorrente não dispunha da informação mínima indispensável para tomar uma decisão esclarecida, como a lei impõe que o seja, tendo representado erroneamente o âmbito do tratamento que lhe iriam realizar.
V
Sempre se há-de dizer que era da responsabilidade dos Recorridos a prestação de toda a informação necessária para que a Recorrente tomasse uma decisão livre e esclarecida relativamente à vontade de se sujeitar ou não ao tratamento proposto, como também era seu dever garantirem que o consentimento que a mesma viesse a prestar obedecia a estas características, coisa que os Recorridos nunca fizeram, incumprindo dessa forma um dos principais e mais elementares deveres a que estão vinculados no exercício da sua profissão.
VI
A descrita omissão dos Recorridos foi culposa e levou a que a Recorrente tomasse uma decisão precipitada e viciada pela falta de esclarecimento.
VII
A Recorrida DD, que era quem estava obrigada a prestar as aludidas informações à Recorrente antes de lhe fazer qualquer tratamento, apenas lhe disse que a mesma possuía uma lesão no olho esquerdo, que em virtude dessa lesão teria de realizar um exame denominado «angiografia fluorsceínica» e que o tratamento adequado para a cicatrização da dita lesão seria uma pequena intervenção com o uso de laser, denominada «fotocoagulação a laser». Questionada pela Recorrente se tal intervenção acarretava riscos, a mesma Recorrida respondeu que tal intervenção não importava quaisquer riscos e que, ao invés, a Recorrente correria riscos sérios e graves se a mesma não fosse feita. Mais informou que a lesão era grave.
VIII
Por sua vez, e imediatamente antes de proceder a nova intervenção a laser o Réu CC, não só não se preocupou em saber se a Recorrente estava devidamente informada sobre o tratamento a que se tinha submetido com a Recorrida DD, como não lhe adiantou mais informações que não fossem o facto de a sua lesão estar em evolução e ser necessário proceder, com urgência a novo tratamento com raios laser.
IX
A 2a Vara Cível do Porto e o Venerando Tribunal da Relação do Porto consideraram, salvo o devido respeito, erradamente, que tais informações eram adequadas, necessárias e suficientes para a prestação de um consentimento esclarecido por parte da Recorrente aos tratamentos a que se submeteu.
X
A Recorrente não pode concordar com tal entendimento, uma vez que lhe foram omitidas informações que alterariam o sentido da sua decisão de se submeter a tais tratamentos, informações essas que faziam parte do âmbito do dever de esclarecimento a que estavam adstritos os Recorridos.
XI
Com efeito, nenhum dos Recorridos informou concretamente à Recorrente qual o modo de actuação do laser que lhe iria ser aplicado, quais os possíveis resultados da realização da intervenção e quais as possíveis evoluções da doença no caso de a Recorrente optar por não fazer tratamento algum.
XII
A Recorrente veio a saber posteriormente que a sua lesão poderia evoluir no sentido em que evoluiu quer se fizesse, quer não se fizesse o tratamento, sendo que o inverso também é verdadeiro: a dita lesão poderia evoluir para a cura espontânea, mesmo que não se fizesse tratamento algum.
XIII
Estes factos eram do conhecimento dos Recorridos e nunca foram transmitidos à Recorrente, com a agravante de serem os factos mais importantes para que a mesma tivesse podido tomar uma decisão esclarecida.
XIV
Inobservando esta prática, incorreram os Recorridos numa omissão grave, que se traduz na violação do dever de obter o consentimento livre e esclarecido da paciente, facto que, aliado à realização dos tratamentos efectuados, consubstancia o incumprimento do contrato de prestação de serviços médicos e a prática de uma intervenção médica arbitrária, como sempre sindicou a Recorrente.
XV
Como é consabido, uma intervenção médico-cirúrgica e um tratamento invasivo são considerados, juridicamente, como ofensas à integridade física consentidas, sendo este aspecto que os distingue das demais ofensas à integridade física, facto que determina a imprescindibilidade do consentimento livre e esclarecido.
XVI
Pela análise da factualidade dada como provada, podemos dizer que apenas o diagnóstico da doença foi transmitido à Recorrente, e mesmo esse deficientemente.
XVII
Previamente à primeira intervenção a laser realizada à Impetrante, a Recorrida DD apenas disse à Recorrente que possuía uma lesão no olho esquerdo e que a referida lesão era grave. Nunca informou a Recorrente sobre quais os efeitos da lesão, nem em que consistia a sua gravidade. Nenhum dos restantes Recorridos prestou qualquer outra afirmação adicional.
XVIII
Também não foi transmitido à Recorrente, como era dever dos Recorridos, qual a natureza e em que consistia o exame denominado «angiografia fluorsceínica», omissão que também se reveste de extrema gravidade, uma vez que a Recorrente passou meses convencida, errada e desnecessariamente, de que tal exame poderia prejudicar a sua gravidez, sendo que era poder e dever dos Recorridos esclarecerem essa situação.
XIX
Relativamente ao tratamento a laser propriamente dito, a Recorrida DD apenas disse à Recorrente que tal tratamento se denominava «fotocoagulação a laser», nunca tendo informado em que consistia tal tratamento, como actuava, que efeito produzia, nem quais as consequências/resultados configuráveis perante a realização ou não realização do dito tratamento. Nenhum dos outros Recorridos prestou tais informações.
XX
Dizer que "a intervenção com o uso do laser não importava quaisquer riscos e que, ao invés, a Autora correria riscos sérios e graves se não fosse feita a intervenção", como fez a Recorrida DD, para além de ser falso, já que é do senso comum que qualquer intervenção cirúrgica ou terapêutica invasiva comporta riscos, ainda que mínimos, é vago, impreciso e não se traduz em qualquer informação, não importando nenhum facto concretizável.
XXI
Ao Invés, a Recorrida DD, uma vez que era a oftalmologista assistente da Recorrente e se propunha efectuar-lhe uma cirurgia a laser no momento imediatamente subsequente, deveria ter-lhe dito que a lesão de que padecia poderia levar à perda de visão, perda de visão essa que poderia ocorrer quer se fizesse, quer não se fizesse o tratamento proposto, pelo que estaria no poder na Recorrente decidir que risco preferia correr, sempre salvaguardando a possibilidade de o clínico emitir a sua opinião.
XXII
Desta forma, foram incumpridos os aspectos "índole", "alcance", "envergadura" e "possíveis consequências" da intervenção ou tratamento, o que abrange, naturalmente, as possíveis consequências do não tratamento.
XXIII
Pelo exposto, forçosamente se conclui que os Recorridos inobservaram o dever de informar a sua paciente, ora Recorrente, e de obter o seu consentimento esclarecido para a realização da intervenção a que a submeteram.
XIV
Este dever vem também previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Biomedicina que consagra, no seu art. 5°, o princípio da autonomia na relação médico-paciente, estabelecendo que "qualquer intervenção no domínio da saúde apenas pode ser efectuada depois de a pessoa em causa dar o seu consentimento de forma livre e esclarecida" e que "a esta pessoa deverá ser dada previamente uma informação adequada quanto ao objectivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e os seus riscos".
XXV
A doutrina corrobora a nossa tese, conforme se expôs supra - cfr. Guilherme de Oliveira e André Dias Pereira, in Consentimento Informado, Centro de Direito Biomédico, Coimbra 2006.
XXVI
Perante a situação clínica da Recorrente, de evolução imprevisível e prognóstico reservado, a obtenção de um consentimento esclarecido é ainda mais importante, visto que a perda de visão pode ocorrer quer se faça, quer não se faça o tratamento.
XXVII
Neste âmbito, o consentimento livre e esclarecido transforma-se no único factor de segurança, quer para o paciente, quer para o Clínico que propõe, executa ou responde pelo tratamento.
XXVIII
Acresce que, ao contrário com o que se passa com o dever de empreender todos os esforços para alcançar a cura do doente, que é uma obrigação de meios, a obrigação de obter o consentimento esclarecido do paciente é, em circunstâncias normais, uma obrigação de resultado.
XXIX
Nem a Recorrida DD nem o Recorrido CC observaram este dever antes de terem procedido às supracitadas intervenções a laser sobre a Recorrente
XXX
Conforme é do entendimento unânime da Recorrente, dos Recorridos e das Instâncias Judiciais, a relação estabelecida entre a Recorrente e os Recorridos configura um contrato de prestação de serviços, neste caso médicos, tal como resulta do artigo 11540 do Código Civil.
XXXI
Como tal, o referido contrato está sujeito às regras do cumprimento e da falta de cumprimento previstas, respectivamente, nos artigos 7620 e seguintes e 7980 e seguintes do Código Civil
XXXII
Nos termos do artigo 7620 do Código Civil, o aludido contrato originava para os Recorridos as obrigações de diagnosticar a doença da Recorrente, empreender todos os seus esforços e a sua ciência para curar a doença de que a mesma padecia e obter o seu consentimento informado antes de realizar qualquer tratamento, sendo as duas primeiras obrigações de meios e a última de resultado.
XXXIII
O incumprimento de qualquer uma destas obrigações determina o incumprimento do contrato de prestação de serviços médicos.
XXXIV
Dúvidas não restam que, perante a factualidade dada como provada, os Recorridos omitiram o dever de informar suficientemente a Recorrente sobre os contornos da intervenção a que se iria submeter, e consequentemente, o dever de obter o seu consentimento esclarecido, tendo incumprido, assim, culposamente, a aludida obrigação de resultado.
XXXV
O consentimento prestado pela Recorrente enfermava de vício determinado pela ausência de esclarecimento, sendo inválido, o que equivale a falta de consentimento.
XXXVI
Desta forma, incumpriram os Recorridos, culposamente, o contrato de prestação de serviços médicos que celebraram com a Recorrente.
XXXVII
Os Recorridos violaram ainda o direito à autodeterminação da Recorrente nos cuidados de saúde, bem como o seu direito à integridade física e moral
XXXVIII
Por tudo aquilo que se vem de expor, concluímos que os Recorridos não só faltaram ao cumprimento do contrato de prestação de serviços médicos que tinham celebrado com a Recorrente, como realizaram uma intervenção médica arbitrária, o que determina a obrigatoriedade de indemnizar a Recorrente, nos termos dos artigos 7980 e 4830 do Código Civil
XXXIX
Ao ter interpretado diversamente os factos dados como provados na douta sentença e mediante a subsunção jurídica efectuada, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, por via do douto acórdão proferido, violou, entre outras, as disposições previstas no artigo 25° da Constituição da República Portuguesa, no artigo 5° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Biomedicina, nos artigos 70°, 798°, 800° e 483° do Código Civil, e nos artigos 156° e 157° do Código Penal.
XL

Pelo que existe a obrigatoriedade de os Recorridos ressarcirem a Recorrente dos danos por esta sofridos.

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Contra – alegando a fls.713, e acentuando que as questões colocadas pelos recorrentes versam apenas o problema do consentimento informado, prévio aos tratamentos, « matéria exaustivamente tratada quer na sentença proferida na 1ª instância quer no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto », pugnam os recorridos pelo improvimento do recurso.

Estão corridos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

Os FACTOS são o que são, ou seja, são aqueles que as instâncias fixaram, maxime que o acórdão recorrido fixou e que, por comodidade de raciocínio, aqui transcrevemos por importação informática:

a) Em finais de Junho de 2003, a Autora começou a notar que a sua visão era desfocada, motivo pelo qual marcou, para o dia 02/07/2003, uma consulta na Clínica Ré, onde prestam serviços, como médicos oftalmologistas, os Réus BB e CC e a chamada DD, tendo, nesse dia, sido informada que possuía uma lesão no olho esquerdo, pelo que teria de realizar um exame denominado «angiografia f1uorsceínica».- al. A) e resp. quesitos 1º, 38º, 39º, 40º, 41º e 42ºda b. inst. ;
b) Nessa consulta, a Autora foi atendida pela Chamada DD, que foi quem lhe prestou a informação aludida na al. a) e prescreveu a realização do exame aí mencionado. - ­resp. quesitos 2º, 32º, 38º, 39º,40º,41º e 42º da b. inst.;
c) O exame de « angiografia f1uorsceínica » foi realizado no dia 08/07/2003, nas instalações da Clínica Ré, por uma técnica especializada, DrªEE, e o resultado desse exame foi observado pela Ré BB. - al. B) ;
d) Na altura do exame referido na al. c), a Autora suspeitava que estava grávida, nada lhe tendo sido perguntado sobre se estava grávida. - resp. quesitos 3º e 47º da b. inst.;
e) Após a realização desse exame, a Autora foi informada que o tratamento adequado para a cicatrização da lesão de que padecia seria uma pequena intervenção com o uso de laser, denominada «fotocoagulação laser», terapêutica essa que foi levada a efeito acto contínuo. - al. C) e resp. quesitos 38º, 39º,40º, 41º e 42º da b. inst.;
f) A Autora questionou a possível existência de riscos de tal intervenção, tendo a Ré BB referido que tal intervenção com o uso de laser não importava quaisquer riscos, sendo que, ao invés, a Autora correria riscos sérios e graves se não fosse feita tal intervenção. - al. D) e resp. quesitos 38º, 39º, 40º, 41º e 42ºda b. inst. ;
g) A informação aludida na al. e) foi prestada à Autora pela Chamada DD, que efectuou o tratamento aí referido, tendo informado, antes, a Autora da gravidade da lesão aí mencionada - resp. quesitos 5º, 32º, 38º, 39º, 40º, 41º e 42º da b. inst.;
h) Não foi solicitado à Autora que assinasse termo de consentimento para a realização do referido tratamento. - al. E) ;
i) A Autora realizou, então, o tratamento de fotocoagulação a laser focal no olho esquerdo, com vista a corrigir o problema de que nele padecia e que se tratava de cicatriz coriorretiniana supra nasal à mácula, com discreta difusão de corante na angiografia fluorceínica supra nasal à mácula e astigmatismo miópico composto. - al. F) ;
j) No dia da consulta mencionada na al. a), em 02/07/2003, a acuidade visual do olho esquerdo da Autora era, com correcção, de 9/10, e, em 08/07/2003, antes da intervenção aludida na al. i), realizada nesse mesmo dia, a acuidade visual do olho esquerdo da Autora, com correcção, era de 8/10. - resp. Quesitos 9º e 43ºda b. inst. ;
k) Após o tratamento mencionado na al. i), a Autora queixava-se de uma visão desfocada e distorcida. - resp. quesito 6ºda b. inst ;
l) Posteriormente, a Autora foi observada na Clínica Ré pelo Réu CC, que procedeu a novo tratamento com raios laser no olho esquerdo, sem que lhe tenha sido solicitado que assinasse qualquer termo de consentimento para a realização do mesmo e sem que lhe tenham sido cobrados quaisquer honorários. - al. G) ;
m) Aquela observação da Autora foi efectuada pelo Réu CC no dia 30/07/2003 - data em que a acuidade visual do olho esquerdo da Autora era, com correcção, de 10/10 ? -, o qual lhe marcou consulta para o dia 06/08/2003 - data em que essa acuidade visual, com correcção, era de 10/10 ?. -, sendo que, apresentando a Autora uma pequena baixa de visão do olho esquerdo, aquele Réu a informou que, pelo facto de a lesão de que a Autora padecia estar em evolução, teria de proceder, com urgência, àquele tratamento mencionado na al. l), que efectuou nesse mesmo dia 06/08/2003, com a concordância dela. - resp. quesitos 7º, 33º, 35º, 36º , 38º, 39º, 40º, 41º e 42º da b. inst.;
n) Na consulta de 30/07/2003, apresentando o olho esquerdo da Autora edema retiniano junto a foco de corioretinite, foi-lhe receitada «Edolfene, colírio, 6 vezes por dia». - resp. quesito 34º da b. inst. ;
o) No momento do tratamento mencionado na al. l), o Réu CC tinha conhecimento que a Autora suspeitava estar grávida, por esta última lho ter referido, não tendo colocado, no entanto, qualquer entrave à realização do mesmo. - resp. quesito 18º da b. inst. ;
p) O tratamento aludido na al. i) permitiu manter estabilizada a lesão no olho esquerdo da Autora durante um mês. - resp. quesito 37º da b. inst. ;
q) Após a intervenção com laser mencionada na aI. i), a Autora possuía, em 30/07/2003, uma acuidade visual do olho esquerdo, com correcção, de 10/10 ?, a qual, em 06/08/2008, era de 10/10?, e, após a intervenção com laser aludida na al. l), possuía, em 22/10/2003 - data em que teve lugar a última consulta na Clínica Ré -, uma acuidade visual do olho esquerdo, com correcção, de 4/10, sendo que, aquando do exame pericial aqui realizado, essa acuidade visual do olho esquerdo da Autora era de 2/10 ?, o que significa que houve uma perda da acuidade visual desse olho, com correcção, de 70% em relação à acuidade visual na data da consulta referida na al. a), padecendo a Autora, no total, de uma deficiência de visão no olho esquerdo de cerca de 90%, o que acarreta uma incapacidade permanente geral e visão distorcida e desfocada. - resp. quesitos 10º, 11º, 44º e 45º da b. inst.;
r) Posteriormente aos tratamentos aludidos nas als. i) e l), a Autora foi submetida a três consultas na Clínica Ré, sendo que, na última, realizada em 22/10/2003, foi-lhe referido que, em caso de insucesso de tais tratamentos ou de agravamento da lesão, um dos tratamentos adequados seria a aplicação de uma injecção de corticosteróide. - resp. quesito 12º da b. inst. ;
s) O tipo de intervenção laser a que a Autora foi submetida actua provocando a queimadura da retina, sendo certo que a lesão de que a Autora padecia no olho esquerdo se encontrava fora da «zona proibida» para aplicação do laser e que, atenta a distância dessa lesão à mácula, não era previsível o atingimento desta. - resp. quesitos 15º e 16º da b. inst.;
t) A lesão no olho esquerdo da Autora não era de evolução previsível, tendo, sempre, um prognóstico reservado. - resp. quesitos 42º e 46º da b. inst. ;
u) A Autora é inspectora tributária, profissão exigente ao nível da visão, que implica a análise e estudo diário de documentos, relatórios e contas, bem como o uso frequente do computador. - resp. quesito 22º da b. inst.;
v) No exercício da sua actividade, a Autora conduz com regularidade. - resp. quesito 23ºda b. inst.;
w) A incapacidade visual de que a Autora padece, resultante de possuir uma acuidade visual do olho esquerdo, com correcção, de 2/10 ?, implica que a mesma tenha mais dificuldade em exercer as suas funções profissionais, sentindo-se limitada no exercício da sua profissão e ficando cansada e desgastada com mais facilidade e provocando-lhe um maior esforço do olho direito. - resp. quesitos 24º e 25º da b.inst.;
x) A Autora padece de miopia no olho direito e usa uma lente de contacto nesse olho. - al. H) e resp. quesito 26º da b. inst. ;
y) No caso de essa lente de contacto cair durante a condução, a acuidade visual da Autora fica reduzida à do olho esquerdo, obrigando esta a imobilizar o veículo. - resp. quesito 27ºda b. inst.;
z) A acuidade visual, com correcção, de 2/10 ? que a Autora possui, actualmente, do olho esquerdo, limita-a na sua vida pessoal, causando-lhe tristeza, sofrimento, desgosto e quebra de auto-estima, vivendo a mesma momentos de pânico, por temer ficar cega. - resp. quesito 28º da b. inst.;
aa) A Autora tem frequentes crises de choro e de ansiedade sempre que pensa que corre sérios riscos de ficar cega. - resp. quesito 29º da b. inst.;
bb) A situação clínica do olho esquerdo da Autora pode vir a agravar-se com a idade, o que lhe causa medo e ansiedade. - resp. quesito 31º da b. inst.;
cc) A Autora nasceu em 15/07/71. - al. I).
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Sabemos que são as conclusões da alegação de recurso – deste como de qualquer recurso – que fixam o respectivo âmbito e objecto. Como vem sendo dito, uniforme e repetidamente, quer pela doutrina quer pela jurisprudência – ver, por exemplo, o Parecer de Calvão da Silva, CJ 1995, T 1, página 7 e Ac. STJ de 12 de Dezembro de 1995, BMJ nº452, pág.385.

Diremos então que têm razão os recorridos quando, contra – alegando, pretendem que este recurso incide apenas « sobre a eventual falta do consentimento informado, prévio aos tratamentos – que não intervenções cirúrgicas – a que a recorrente foi sujeita ».

E de tal forma vem esta questão autonomizada nas conclusões da alegação de recurso, que quase poderia dizer-se que a autora se apresenta com uma nova causa de pedir: aquilo que antes era o fundamento de um pedido indemnizatório formulado contra a ré – o (in)cumprimento da prestação de serviços médicos que os RR contratualmente assumiram, por um modo do qual resultaram para a autora danos, patrimoniais e não patrimoniais, que quantifica – desaparece para dar lugar agora a um pedido de indemnização com fundamento numa intervenção médica não consentida ( por não informada ), consequentemente arbitrária e ilícita.

Aquilo que na petição inicial era apenas instrumental ou residual no percurso fáctico da causa de pedir – a ausência de consentimento informado – é agora o único e exclusivo fundamento do pedido formulado.

O pedido já não é o da indemnização dos danos provocados por uma prestação médica fora dos meios a que os réus se obrigaram enquanto profissionais da medicina e que atingiu a integridade física da autora, mas antes aquele que vier a resultar de um outro dano – que só pode ser de natureza não patrimonial – que seja a ofensa à liberdade ou autonomia da mesma autora.

O que a autora pede agora estaria, assim, fora do objecto da acção e, portanto também, fora do objecto possível de recurso.

Seria uma questão inteiramente nova e de questões novas não poderia este Tribunal conhecer.

De qualquer modo – e porque se pode entender que, ao menos como instrumental ou residual, a questão vem conhecida pela Relação, no acórdão recorrido – perguntar-se-á:

consentiu ( ou não ) a autora no tratamento que lhe foi prestado na Clínica Oftalmológica ...-..., S.A.?

E, se consentiu, fê-lo ( ou não ) informadamente? Porque o consentimento só é válido, só pode julgar-se como validamente expresso, se for livre e esclarecido, logo se for informado. Se forem fornecidos ao doente – se foram fornecidos à autora – todos os elementos que a determinaram a consentir na intervenção médica que contratou com a Clínica ré e os seus médicos.

Não é despiciendo pensar, desde logo, que estamos num domínio inteiramente privado, em que a autora escolhe livremente a Clínica ré porque confia na qualidade dos seus médicos e dos seus serviços.

E esta livre escolha da autora induz, desde logo, uma tácita aceitação da orientação médica que na Clínica receba.

Alguém que escolhe previamente um determinado médico ou clínica privada porque confia nele, exigirá dele uma informação menos informada, passe o pleonasmo, predispondo-se a aceitar as indicações médicas que receba nos mesmos termos com o mesmo crédito de confiança com que firmou a sua escolha.

Ora bem:

a autora marcou, para o dia 02/07/2003, uma consulta na Clínica ré, onde foi atendida pela chamada Drª DD,

tendo, nesse dia, sido informada que possuía uma lesão no olho esquerdo, pelo que teria que realizar um exame denominado “angiografia fluorsceínica”,

exame esse que foi realizado no dia 08/07/2003, e cujo resultado foi observado pela ré Drª BB,

com a autora a ser informada pela chamada Drª DD da gravidade da lesão e de que o tratamento adequado para a cicatrização da lesão de que padecia seria uma pequena intervenção com uso de lazer, denominada “fotocoagulação laser”, terapêutica que foi levada a efeito acto contínuo por essa mesma Drª DD.

A Autora questionou a possível existência de riscos de tal intervenção, tendo a Ré BB referido que tal intervenção com o uso de laser não importava quaisquer riscos, sendo que, ao invés, a Autora correria riscos sérios e graves se não fosse feita tal intervenção.

Informada, então, da existência da lesão no olho esquerdo, a autora aceitou fazer o exame necessário à determinação rigorosa dessa mesma lesão, para definição do caminho médico a seguir perante ela.

E esta é, em nosso entender, informação suficiente para o doente que nos escolhe a menos que o exame tenha, em si mesmo, um especial risco, que justifique uma especial prevenção.

Assim mesmo o pretendia a autora porque – alegou – se encontrava grávida de algumas semanas « e o referido exame não é realizável em mulheres grávidas ».

Mas isso foi exactamente o que se não provou - a Autora suspeitava | apenas | que estava grávida, nada lhe tendo sido perguntado sobre se estava grávida e não se provou – resposta negativa ao ponto 4º da base instrutória – que este exame não é realizável em mulheres grávidas.

Não se provando o acrescido risco do exame, fica de fora do ónus da ré, dos réus, o acrescido dever de informar sobre um tal risco.

O exame confirmou a gravidade da lesão e a Autora foi informada | disso mesmo e de | que o tratamento adequado para a cicatrização da lesão de que padecia seria uma pequena intervenção com o uso de laser, denominada «fotocoagulação laser».

A Autora questionou a possível existência de riscos de tal intervenção, tendo a Ré BB referido que tal intervenção com o uso de laser não importava quaisquer riscos, sendo que, ao invés, a Autora correria riscos sérios e graves se não fosse feita tal intervenção.

Só depois, acto contínuo, essa terapêutica que foi levada a efeito.

Se a autora escolheu o seu médico, a sua clínica, é impensável aceitar a hipótese de não consentir no caminho terapêutico seguido.

Pois se por um lado temos a ausência de quaisquer riscos do tratamento e por outro temos riscos sérios e graves se a intervenção não fosse efectuada, qualquer razoável doente que previamente escolheu o seu médico – transportando nessa escolha, naturalmente, um capital de confiança – consentiria na realização do exame.

A menos que a intervenção a laser comportasse algum especial risco ( contra aquilo que foi afirmado pelo médico ), porque então sobre este incidiria o ónus da prova da informação à autora desse especial risco.

( Mas o que provou não foi isso. Foi que

a lesão de que a Autora padecia no olho esquerdo se encontrava fora da «zona proibida» para aplicação do laser e que, atenta a distância dessa lesão à mácula, não era previsível o atingimento desta ).
Ou que houvesse outros caminhos de intervenção/tratamento que à autora pudessem ter sido dados a conhecer, eventualmente mais adequados ou com melhores resultados previsíveis;
Ou que fosse perfeitamente indiferente, em termos de evolução da doença ou da sua regressão ou atalhar, fazer ou não fazer a fotocoagulação a laser.
Aí sim, sobre o médico – que não sobre o doente – incidiria o ónus de provar a informação necessária ao consentimento livre e esclarecido.
Mas não.
O que se provou foi apenas que a lesão no olho esquerdo da Autora não era de evolução previsível, tendo, sempre, um prognóstico reservado.
Em conclusão: perante a gravidade de uma lesão cujo tratamento adequado seria a fotocoagulação a laser, a autora teve da parte do médico que escolheu a informação necessária ao consentimento livre ( e esclarecido ) que prestou – a lesão era grave e séria, de prognóstico reservado, exigindo uma intervenção imediata como forma mais adequada de atallhar a progressão da doença.
E, de facto, o método interventivo sugerido era o adequado naquelas circunstâncias, não correndo a autora ( previsivelmente ) riscos porquanto a lesão se encontrava fora da zona proibida de aplicação do laser.
Nas cirunstâncias concretas provadas o médico cumpriu o seu dever de informar - a intervenção era a adequada, sem riscos, e bem mais grave do que fazer a intervenção era o não fazer nada, deixando a doença evoluir por si.
Na distribuição das regras do ónus da prova entre o doente e o médico, no que ao dever de informar diz respeito, o médico veria naturalmente acrescido esse ónus se acaso a doente provasse por si própria – ónus seu – que outros caminhos havia possíveis ou mais adequados de tratamento/intervenção, ou que com ou sem intervenção/tratamento o resultado sempre proderia ser o mesmo – ou seja, que o não tratamento era potencialmente tão “eficaz” como o tratamento.

Ou que outros especiais riscos podia correr.

Mas a autora não fez prova, como pretendia, de que “os tratamentos a laser são desaconselhados em mulheres grávidas, atento o risco que acarretam para o feto” – resposta negativa ao ponto 19º da base instrutória.

Não tendo a autora feito a prova de um concreto acréscimo de possíbilidades perante a sua lesão que pudesse formar-lhe diferentemente o consentimento, que exprimiu, para o tratamento/intervenção – o que era ónus seu – não nasceu para os réus o dever acrescido de informação sobre todas essas e diferentes possibilidades – informação que seria ónus deles, dos médicos.

A informação fornecida – nos termos provados – foi, em concreto, a informação necessária, cumprindo os réus o ónus de informar.

Oralmente, é certo, mas o consentimento, a menos que a lei expressamente diga o contrário, pode ser prestado por qualquer forma – não necessita de ter a forma escrita.

D E C I S Ã O

Nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

LISBOA,18 de Março de 2010

Pires da Rosa (Relator)

Custódio Montes

Alberto Sobrinho