Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B3412
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CPEREF/CIRE
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: SJ20081204034127
Data do Acordão: 12/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. A norma transitória do art. 12.º do CIRE visa problemas de solução no tempo quer das normas de direito processual quer substantivo nele previstas.
2. Por isso, iniciado o processo na vigência do CPEREF e verificados os pressupostos da compensação também na sua vigência, apesar de declarada - direito potestativo – na vigência do CIRE, porque a compensação tem efeitos retroactivos, é o regime daquele que se aplica e não o deste.
3. Assim, por força do disposto no art. 153.º do CPEREF, não pode o credor compensar os seus débitos após a declaração da insolvência.
Decisão Texto Integral:
Acordam Supremo Tribunal de Justiça


Relatório

AA, Lda (1)

Intentou contra

BB - Gestão de Empresas e Participações Financeiras, Lda

Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária

Pedindo

A condenação desta a pagar-lhe a quantia de €163.085,46, de amortização não paga da quota que teve na R.

A R. contestou, invocando a excepção de compensação de um seu crédito de €120.000 que tem sobre a A. derivada de dívida de rendas não pagas de um prédio que lhe havia arrendado, conforme sentença que correu termos em Matosinhos.

A A. replicou, referindo que, por força do art. 153.º do CPEREF, não é admissível a invocação da excepção de compensação.

No tribunal de comércio de Vila Nova de Gaia, para onde foi remetido o processo, no saneador foi julgada improcedente a excepção de compensação e procedente a acção, sendo a R. condenada a pagar á A. a quantia peticionada e juros de mora.

A R. apelou, mas sem sucesso.

Pede agora revista, terminando as suas alegações com as seguintes

Conclusões

1. Da prova carreada aos autos e dada como assente resulta que na data do vencimento da primeira das prestações do valor da deliberada amortização (12.1.2003 ou 27.1.2003) já a Autora deixara de pagar à ré as rendas devidas por força do contrato de arrendamento entre ambas celebrado (1.4.2002) e, ainda que, na data do vencimento da segunda daquelas prestações (12.7.2003 ou 27.7.2003), já transitara em julgado a sentença que condenou a Autora no montante ora em crise (28.4.2003);

2. Por esse efeito, extinguira-se já naquela data (28.4.2003), por compensação com o contra-crédito que foi judicialmente reconhecido à ré a maior parte do crédito, decorrente da amortização que a Autora sobre ela detinha.

3. A circunstância de, muito posteriormente, em 27.09.2004, ter transitado em julgado a sentença que veio decretar a falência da Autora, com a subsequente restrição ao direito de compensação prevista no art. 153.° do C.P.E.R.E.F. é irrelevante, no caso em apreço, para o efeito que a ré pretende ver reconhecido.

4. É o que decorre do disposto no art. 853.° do Código Civil, norma que consagra os pressupostos da compensação legal.

5. Esta figura, na verdade, decorre da vontade da lei e portanto não depende de convenção das partes, e tem efeitos mesmo que uma delas se oponha, gerando assim a extinção da obrigação, liberando os devedores e retroagindo à data da situação fáctica.

6. Diferente, é a compensação processual ou judicial na qual um réu, em reconvenção, pretende fazer valer o seu crédito contra o autor e provoca a compensação através do processo ou por obra dele.

7. Ora, não é isto que se discute na presente acção.

8. Esta distinção doutrinal entre a compensação legal - que é a que a ré pretender opor à Autoria por via de excepção - e a compensação judicial ou processual é fu1cral à decisão do presente pleito.

9. Mal andou, salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido ao decidir ser aplicável o artigo 153.° do C.P.E.R.E.F..

10. Mal andou, sobretudo, aquela douta prolação quando acabou por deixar reduzida a matéria controvertida no pleito a esta questão.

11. A compensação que a ré pretende ver reconhecida operara-se, como ficou amplamente alegado, já muito antes do trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência da Autora.

12. Pelo que a questão relativa à aplicabilidade do C.P.E.R.E.F. ou do C.I.R.E. e que diz respeito apenas ao processo de falência - é, sem conceder, secundária e apenas se deixou alegada por mera cautela e zelo de patrocínio.

13. Questão que, como vem vindo a ser sempre alegado pela ora ré, terá de reconduzir-se, isso sim, ao momento em que ficam preenchidos os pressupostos dos quais o Código Civil faz depender o direito à compensação.

14. Na verdade, o momento relevante a atender, quanto à produção de efeitos jurídicos, é aquele em que se produziram os factos que desencadearam o efeito de direito.

15. Ora, como ficou demonstrado para lá de qualquer dúvida, os factos que desencadearam o efeito de direito que a ré ora pretende ver reconhecido ocorreram antes da data do trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência, (na verdade, antes mesmo da data de entrada em juízo do respectivo requerimento).

16. Pelo que nenhuma restrição decorre do aplicado art. 153.° do C.P.E.R.E.F. que, como ao diante veremos, se aplicaria apenas, sempre sem conceder, caso tal relação jurídica, à data da falência, ainda subsistisse.

17. A reclamação dos créditos nos processos de insolvência se destina, unicamente, a obter pagamento através da massa falida.

18. Pelo que a ausência de reclamação não tem - nem podia - ter os efeitos que aquela douta decisão lhe atribuiu.

19. É o que resulta, desde logo, da letra da lei – cfr. o n.º 3 do art. 188.° do C.P.E.R.E.F.;

20. Não pode a recorrente concordar com a argumentação expendida naquela decisão, que pretende que a invocada compensação equivale a uma pretensão de pagamento à custa da massa falida.

21. É que a massa falida compreende também os créditos da falida sobre terceiros, como é o caso do peticionado nos autos, sendo certo que, à data da declaração de falência esse crédito estava já reduzido à diferença entre o valor da contrapartida estabelecida para a amortização e o valor da dívida que a falida tinha para com a ora ré.

22. A situação que o 153.° do C.P.E.R.E.F. visa regular é por demais diferente e prende-se com as relações jurídicas em curso à data da falência;

23. Que são as relações jurídicas já constituídas, incumpridas total ou parcialmente por um ou ambos os titulares, ou as relações jurídicas duradouras, cujo denominador comum reside da necessidade de um regime falimentar particular (de manutenção, de extinção ou até de suspensão, de cumprimento integral ou de cumprimento rateado).

24. Ora, à data de declaração de falência, a única relação jurídica em curso, pertinente nos presentes autos, entre Autora e ré, dizia respeito à parcialmente incumprida obrigação de pagamento da contrapartida por força da deliberada amortização.

25. A questão do arrendamento e das obrigações que dele decorriam encontrava-se já definitivamente resolvida por sentença transitada em julgado:

26. E o crédito que para a ora ré daí resultou compensado com aqueloutro que a Autora agora pretende fazer valer e que em parte por esse efeito, se extinguira mesmo anteriormente à data de entrada em Juízo do requerimento de falência.

27. No processo de falência, portanto, nada tinha ou tem a ora ré a discutir.

28. Não tinha já, à data da declaração de insolvência, qualquer relação jurídica preexistente ou em curso, da qual resultasse um crédito que pretendesse ver reconhecido e cuja faculdade estivesse, assim limitada pelas disposições do regime falimentar, designadamente, pelo art. 153.° do C.P.E.R.E.F ..

29. A ré nada reclamou no processo de falência da Autora precisamente por esse motivo - a relação jurídica não subsistia, nesse momento, e não havia, por esse motivo, causa de pedir.

30. O facto de querer a ré agora, por via de excepção, ver reconhecida a operada extinção parcial do crédito da Autora, por compensação, prende-se com a circunstância a Autora ter agora - e só agora, i.e., com a presente acção - ter vindo, ilegitimamente, exigir da ora ré a totalidade deste seu, em parte, pretenso, crédito.

31. O que a ré pede ao Tribunal é que reconheça que este se extinguiu, por compensação e que isto acontecera já antes da data do trânsito em julgado da sentença de declaração de falência.

32. Não pretendeu nem pretende invocar a compensação no processo de falência da Autora, pelo que nenhuma restrição a essa faculdade para ela decorre do aplicado art. 153.° do C.P.E.R.E.F. da mesma forma que nele não reclamou o seu crédito, porque já não o tinha, naquela data e como tal, não queria - como não quer - vê-lo satisfeito à custa da massa insolvente.

33. O seu crédito - reconhecido por sentença transitada em julgado - foi integralmente satisfeito por compensação com o contra-crédito que sobre ela detinha a Autora, pelo que, nessa exacta medida, extinguiram-se, crédito contra-crédito, mutuamente.

34. A douta decisão recorrida fez má interpretação da lei, violando, designadamente, o disposto nos artigos 10.° e 847.°, n.º, alíneas a) e b), do Código Civil e no artigo 99.°, alínea a), do DL 53/2004, de 18 de Março, que aprova o CIRE, nos artigos 10.° e 12.° do diploma preambular a este Código,

35. Tendo, bem assim, incorrido em erro quanto à determinação da norma aplicável, mormente, o artigo 153.° do C.P.E.R.E.F.

A recorrida contra alegou para pugnar pela manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Matéria de facto provada:

1. A ré é uma sociedade comercial por quotas que tem como objecto social a compra, venda, exploração e administração de bens móveis e imóveis, participações financeiras, consultoria, gestão e assistência contabilística, administrativa e fiscal, construção e urbanização de imóveis.

2. A autora deteve uma participação social na ré, no valor nominal de €5.000,00.

3. Tal participação social foi penhorada à ordem do 1 ° Serviço de Finanças de Matosinhos para pagamento da quantia exequenda de €185.005,42, desde a data de 23.4.2002.

4. Neste contexto, por deliberação da Assembleia-geral da ré, ocorrida em 14.6.2002 e inserida no livro de actas sob o nº 9 foi decidida a amortização da quota ora em causa e que ali era detida pela autora (cfr. doc. N.º 1 junto com a p.i., aqui dado por integrado e reproduzido).

5. Tal deliberação foi objecto do competente registo na Conservatória do Registo Comercial, com data de 27.7.2002.

6. Foi elaborado o necessário relatório para fixação da contrapartida da amortização pelo Ex.mo Sr. Dr. António ....., ROC n.º 906, que veio a fixar o valor da quota em causa em €163.085,46 (cento e sessenta e três mil oitenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos) - cfr. doc. n° 2 junto com a p.i., aqui dado por integrado e reproduzido.

7. De tal amortização deu a ré conta, através de requerimento, no âmbito do processo à ordem do qual havia sido penhorada.

8. Não obstante a fixação do valor e posterior requerimento, o certo é que a ré não liquidou qualquer das duas prestações que, de acordo com a al. b) do n° 1 do art. 235.º do CSC, deveriam ter sido liquidadas seis meses e um ano após a fixação definitiva da contrapartida.

9. A ré é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., 0000, freguesia de Leça da Palmeira, concelho de Matosinhos, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 00103/270885.

10. Mediante acordo de vontades, reduzido a escrito, a ré deu de arrendamento à autora o supra identificado prédio.

11. Por a autora ter deixado de pagar à ré as rendas acordadas, a ré intentou acção de despejo na qual peticionou a resolução daquele contrato de arrendamento, o pagamento das rendas vencidas desde 1.4.2002 até à prolação da sentença e ainda das devidas até entrega do locado, devoluto de pessoas e bens.

12. Por sentença, transitada em 28.4.2003, proferida no processo que, sob o nº 1222/2002, correu termos pelo 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, foi decretada a resolução do contrato de arrendamento e a aqui autora condenada a pagar à aqui ré, a título de rendas vencidas desde 1.4.2002 até 1.10.2002, a quantia de €17.500,00, bem como as restantes em dívida até efectiva entrega do locado, à razão mensal de €2.500,00 - cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

13. A autora foi declarada falida em 27.9.2004, no processo que, sob o n.º 589/03.2 TYVNG, corre termos pelo 1° Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia.

14. A autora, até à presente data, nada pagou à ré, sendo devedora do valor total de €120.000,00 reportado à acção proferida no 1° Juízo do Tribunal de Matosinhos e atrás salientada.

15. A ré não reclamou o supra referido seu crédito no âmbito do processo de falência de que a autora foi alvo.

O direito

A tese da recorrente nas suas longas conclusões é, fundamentalmente, a de que não há que trazer à colação o disposto no art. 153.º do CPEREF porque parte do crédito reclamado pela A. (até 120.000€) já se havia extinguido por compensação (em 28.4.2003), com a sentença condenatória da A a pagar à R. esse montante.

E diz também que nesta acção não vem exercer o direito à compensação processual ou judicial mas invocar aquela compensação legal.

Há aqui, no entanto, vários equívocos da recorrente.

De facto, a sentença que declarou o seu crédito sobre a A. não é uma compensação legal.

A compensação legal ocorre quando se versifiquem determinados requisitos que permitam extinguir dívidas compensáveis por “simples imposição” de um dos interessados ao outro(2); a compensação voluntária, contratual ou convencional, ocorre, por seu turno, quando, não se verificando os requisitos legais, as partes assim o determinem(3).

Mas quer a compensação voluntária quer a legal, na nossa lei, é um direito potestativo que depende da declaração de uma das partes à outra, só assim se tornando efectiva, nos termos do art. 848.º do CC(4).

Ora, a sentença que reconheceu o crédito da recorrente é uma acção declarativa de condenação e não uma acção em que a recorrente tivesse vindo exercer o direito de compensação.

A compensação só foi exercida nesta acção, já depois de a recorrida ter sido declarada falida.

Com efeito, o direito potestativo da compensação só foi exercido em 31.1.2007, aquando do oferecimento da contestação (5).

E perante a sucessão de leis no tempo (6), interessa agora verificar qual o regime aplicável, em face do regime transitório previsto no art. 12.º,

1. O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falências continua a aplicar-se aos processos de recuperação da empresa e de falência pendentes à data de entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

2. ….

3. O disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 97.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas só se aplica às hipotecas legais acessórias de créditos vencidos após a entrada em vigor do presente diploma.

4……

Dizem Carvalho Fernandes e João Labareda (7) que o n.º 1 da norma transcrita apenas se refere “ao problema da sucessão da lei processual no tempo” e não às diversas matérias nele reguladas de natureza substantiva (civil, penal, fiscal, laboral), valendo nesses domínios “as regras específicas de aplicação da lei no tempo”, mas em caso de dúvida deve “entender-se que o preceito em anotação aponta no sentido de o Código só dispor para o futuro”.

Também se seguiu este entendimento no único acórdão do STJ (8) que versou sobre esta matéria, embora se tivesse aceitado esta doutrina sem discussão.

Parece-nos, contudo, que, em sede de interpretação jurídica, não é de seguir este entendimento.

Na verdade, “a letra (o enunciado linguístico) é,…., o ponto de partida” e “o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas(9).

Por outro lado, um dos elementos de interpretação é o sistemático, devendo analisar-se o preceito no contexto da lei e atender aos lugares paralelos: é lícito recorrer à norma mais clara e explícita para fixar a interpretação de uma outra norma (paralela) mais obscura”(10) . .

Concorda-se que, quer o CPEREF quer o CIRE, contém normas de natureza adjectiva e de natureza substantiva.

Porém, o n.º 1 não faz qualquer distinção entre umas e outras, para podermos concluir que apenas visa as adjectivas e, embora não seja absolutamente correcta a expressão de que onde o legislador não distingue também nós não devemos distinguir (11), nada autoriza a que, dizendo a lei que se continua a aplicar o CPEREF aos processos pendentes à data da entrada em vigor do CIRE, se conclua que a norma em causa apenas visa o problema da sucessão da lei processual no tempo.

No normativo em causa há até uma norma de natureza substantiva – a do n.º 3, acima citada – que, pela sua inserção sistemática, nos permite concluir, sem grandes dúvidas, que o n.º 1 abarca a sucessão da lei processual e substantiva (12) no tempo, porque referindo que “o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 97.º(13) . só se aplica às hipotecas legais acessórias de créditos vencidos após a entrada em vigor do presente diploma”, esta norma é de natureza substantiva.

E se a norma exclui do número 1 um caso de natureza substantiva, temos de concluir que nele se abarcam quer as normas de natureza adjectiva quer as normas de natureza substantiva que integram quer o CPEREF quer o CIRE.

Entendemos, pois, que nenhuma justificação tem considerar que a norma transitória em análise apenas se refere ao problema da sucessão da lei processual no tempo, excluindo as normas substantivas que os referidos códigos disciplinam.

Mas mesmo que assim fosse, também não podia concluir-se que o CIRE era de aplicação imediata ao caso da invocada compensação porque o art. 99.º (14) do CIRE apenas define os “efeitos sobre os créditos(15), admitindo-se a possibilidade “de compensar os créditos sobre a insolvência”.

Não dispõe sobre o conteúdo dessa relação jurídica, abstraindo dos factos que lhe deram origem (16).

E quando a lei dispõe sobre os “efeitos” de quaisquer factos (17), entende-se, …., que só visa factos novos (18).

Embora a declaração de compensação tenha sido feita já no domínio do CIRE, dado que tem efeitos retroactivos, os requisitos de que depende a compensação, ocorreram no domínio do CPEREF.

Assim, a entender-se que a norma transitória do art. 12.º, 1 do DL 53/2004 só visava “o problema da lei processual no tempo”, mesmo assim, a lei aplicável ao caso seria sempre o CPEREF, no domínio do qual foi instaurada a falência da A.

Mas, como acima se deixou explicitado, entendemos que essa norma transitória visa quer o problema da sucessão no tempo quer da lei processual quer da lei substantiva.

Por isso, como o processo de falência da A. pendia à data da entrada em vigor do CIRE, é-lhe aplicável o CPEREF que no art. 153.º dispunha o seguinte: “a partir da data da declaração de falência, os credores perdem a faculdade de compensar os seus débitos com quaisquer créditos que tenham sobre o falido”.

Assim, decretada a falência da A. está a recorrente impedida de invocar a compensação.

O crédito da recorrente devia ter sido reclamado na verificação do passivo (19), só o podendo ser posteriormente até ao prazo de uma ano posterior à decretação da falência (20), prazo que, em 21.1.2007 (21), já tinha expirado, pois a falência foi decretada em 27.9.2004.

Assim, nenhuma crítica nos merece a decisão recorrida que, por isso, se vai manter.

Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2008

Custódio Montes (relator)
Mota Miranda
Alberto Sobrinho

________________________________

(1) Declarada falida e aqui representada pela liquidatária judicial.

(2) A. Varela, Das Obrigações em Geral, II vol. II, 7.ª ed., pág. 197

(3) A. Ob e vol. Cits, pág. pág. 198.
(4) A., Ob. e loc. Cits.
(5)Ver fls. 44.
(6) O processo iniciou-se na vigência do CPEREF e a sentença de insolvência foi proferia em 27.9.2004, já na vigência do CIRE – DL n.º 53/2004, de 18.3 – que entro em vigor em 15.9.2004 – ver CIRE Anotado de Carvalho Fernandes e João Labareda, pág. 50
(7) CIRE Anot. (reimpressão), pág. 50.
(8) De 30.9.2008, dgsi processo n.º 08A1825.
(9) São citações de baptista Machado, Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, págs., 189 e 182, respectivamente.
(10) A e ob. cits., pág. 183; ver também Ferrara, tradução de Manuel de Andrade, Interpretação e Aplicação das Leis, pág. 143: “o preceito singular não só adquire individualidade mais nítida, como pode assumir um valor e uma importância inesperada caso fosse considerado separadamente, ao passo que em correlação e em função de outras normas pode encontrar-se restringido, ampliado ou desenvolvido”.
(11) Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere licet.
(12) E não só aquela.
(13)Extinguem-se, com a declaração de insolvência c) “as hipotecas legais cujo registo haja sido requerido dentro dos dois meses anteriores à data do início do processo de insolvência, e que forem acessórias de créditos sobre a insolvência do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social”.

(14) “… a partir da declaração da insolvência os titulares de créditos sobre a insolvência só podem compensá-los com dívidas à massa desde que se verifiquem pelo menos um dos seguintes requisitos: a) ser o preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data da declaração da insolvência….”
(15) N.º 33 do preâmbulo do DL n.º 53/2004.
(16) Art. 12.º, 2 2.ª parte do CC.
(17) Neste caso a decretação da insolvência.
(18) Art. 12.º, 2, 1.ª parte.
(19)Art. 188.º do CPEREF.

(20) Art. 205.º, 2 do mesmo Código.
(21) Data da entrada em juízo da contestação – onde a recorrente exercu o direito potestativo de compensação.