Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2666/17.3T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : É necessário para responsabilizar o Banco pelo prejuízo sofrido pelo recorrente a prova de factos demonstrativos de um nexo causal entre o facto ilícito - a violação do dever de informação - e o dano, sabido que o nexo de causalidade entre o facto e o dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, seja na responsabilidade civil extracontratual seja na contratual (arts. 483.º e 798.º do CC), sendo que essa prova deve ser efetuada pelo autor.
Decisão Texto Integral:

Acórdão

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA intentou contra Banco BIC Português S.A., a presente ação declarativa com processo comum, pedindo que:

a) a Ré seja condenada a restituir ao Autor o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de € 327.550,68, sendo € 300.000,00 de capital e €27.550,68 de juros civis, calculados à taxa de 4% desde o dia seguinte àquele em que o capital deveria ter sido restituído até à presente data, bem como os juros vincendos, à mesma taxa, até efetivo e integral pagamento;

Subsidiariamente,

b) seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que a Ré invoque para ter aplicado os € 300.000,00 que o Autor entregou à Ré em obrigações subordinadas "SLN Rendimento Mais 2004", pela inexistência de contrato escrito,
ou pela nulidade das cláusulas contratuais gerais
in casu;

c) seja declarada ineficaz em relação ao Autor a aplicação que a Ré tenha feito desses montantes e, em consequência, condenar-se a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 300.000,00.

Para fundamentar as suas pretensões, o Autor alegou, em síntese, que:

- o Réu, através de um seu empregado da agência do ..., criou no Autor a convicção errónea de que o banco dispunha de uma aplicação financeira – obrigações “SLN Rendimento Mais 2004” – com as características de um depósito a prazo, levando, assim, a que o Autor subscrevesse 6 das referidas obrigações, apesar de saber que o Autor nunca teria subscrito as referidas obrigações se soubesse que eram emitidas por outra sociedade que não o banco Réu, e que o capital não era garantido pelo Réu;

- o Réu é depositário de €300 000,00 que mantém aplicados em obrigações SLN – Rendimento Mais 2004, que não devolve ao Autor, apesar de interpelado para o efeito;

- nunca o Réu, através dos seus empregados, explicou ao Autor quais as características e riscos próprios das referidas obrigações, violando, dessa forma, o dever de informação que resulta do disposto no artigo 312.º do Código de Valores Mobiliários;

- nessa medida, é responsável perante o Autor pelos danos causados, nos termos previstos no artigo 304.º do CVM, estando obrigado a indemnizar o Autor;

Subsidiariamente invoca a nulidade do contrato celebrado com vista à subscrição das referidas obrigações por não ter sido reduzido a escrito.

Subsidiariamente ainda, e para o caso de ter inadvertidamente subscrito qualquer escrito com aquela finalidade, invoca a nulidade das respetivas cláusulas principais e acessórias, por violação do dever de informação que sempre decorreria do disposto nos artigos 5.º, 6.º e 7.º do DL n.º446/85, de 25 de outubro.

Por último, alega já ter tentado reaver o seu dinheiro, pedindo ao banco Réu o reembolso da quantia investida, o que não lhe foi disponibilizada pelo Réu, apesar de ter sido referido ao Autor que o Réu seria o garante da aplicação financeira em causa.  

2. Contestou a Ré, excecionando a incompetência territorial do Tribunal, a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito de crédito exercido pelo Autor, por força do disposto no artigo 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários e impugnou a maior parte da factualidade articulada pelo Autor, alegando que o subscritor foi devidamente informado, tendo sido apresentada as condições do produto, prazo e remuneração, concluindo pela total improcedência da ação.

3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação.

4. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação, tendo impugnado, também, a matéria de facto.

A Ré requereu a ampliação do âmbito do recurso.

5. O Tribunal da Relação do Porto veio a julgar o recurso improcedente, e confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1a instância, sem voto de vencido, e com fundamentação substancialmente diferente no que concerne aos pressupostos da responsabilidade civil, tendo alterado factos dados como provados e não provados pelo Tribunal de 1a instância.

6. Inconformado de novo, o Autor veio interpor recurso de revista, invocando, como resulta das suas alegações, as disposições da revista excecional, quanto aos pressupostos da responsabilidade civil.

7. Por despacho do Relator, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 655.º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 679.º, do Código de Processo Civil), por entender que se verificava a dupla conforme quanto à questão da nulidade do contrato, pelo que o recurso de revista não era admissível por o Autor não ter interposto recurso de revista excecional e por o recurso de revista, regime regra, ser admissível quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro.

8. O Autor veio pronunciar-se e o Relator proferiu despacho a não admitir o recurso de revista quanto à questão da nulidade do contrato e a admitir o recurso de revista quanto à questão da responsabilidade civil do intermediário financeiro.

9. O Autor/Recorrente, nas suas alegações, apresentou as seguintes (transcritas) conclusões (excetuadas as que se reportavam à questão da admissibilidade do recurso de revista):

iii. Da responsabilidade civil do Banco Réu enquanto Banqueiro e intermediário financeiro:

26 - Com efeito, o BPN, na sua relação com o Autor, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN, apesar de este não o saber.

27- Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

28 - Outrossim, estava sujeito a princípios norteadores da atividade dos intermediários financeiros, que constituem verdadeiros deveres gerais de conduta, neles incluindo obviamente os deveres de informação (na versão do DL 357-A/2007, de 31 de Outubro).

29 - A obrigação de informação está inscrita no art. 312º do CVM, que determina que o intermediário financeiro deve prestar relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

30 - Daí que a lei estabeleça que “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente” (cfr. nº 2 do art. 312º).

31- E é indiscutível que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, conforme ressalta do guião diretivo imposto pelo artigo 7º do CVM.

32 - De acordo com a disciplina consagrada no artigo 304o do Código dos Valores Mobiliários os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e nesse relacionamento devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

33 - A responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM.

34 - Com efeito, a responsabilidade do intermediário financeiro a que alude o art.o 314º do CVM, apresenta-se desde logo (embora não exclusivamente, como veremos) como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo art.o 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, e presume-se nos termos do artigo 799º do CC.

35 - Ora, o ónus de prova que prestou todas as informações ao Autor, de forma esclarecida e fundamentada cabia ao Banco Réu, por via do disposto nos artigos 304.º-A, n.º 2 do C.V.M. e 344.º, n.º 1 do Código Civil.

36 - No entanto, nenhuma prova significativa foi mobilizada ou requerida pelo Banco Réu, a quem lhe incumbia o ónus de prova, no sentido de permitir, com segurança, de se concluir seja pela informação cabal e esclarecida das obrigações em causa (antes pelo contrário a mesma foi objetivamente condicionada), seja pela não entrega de qualquer ficha informativa/técnica sobre o aludido produto, seja mesmo pelo exato momento do seu conhecimento ulterior.

37 - Repare-se que, a subscrição do caso dos autos ocorreu, a pedido do gestor de conta, e com o aconselhamento deste, ou seja, não foi o Autor que procurou investir o seu dinheiro nas aludidas obrigações, antes pelo contrário, foi o funcionário do banco réu, que abordou o Autor, induzindo-o em erro e levando-o a subscrever produtos que aquele desconhecia.

38 - Na verdade, o busílis da questão está precisamente na forma como o produto foi enganadoramente apresentado ao Autor, nomeadamente, equiparado a um depósito a prazo em termos de risco, e com capital garantido e rentabilidade assegurada.

39 - Pelo que, a saliência exagerada da comparação a um depósito a prazo (quanto ao risco de investimento e da garantia do capital), ofuscou tudo o resto, não tendo o Autor, a verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas na operação em causa.

40 - Aliás, esta equiparação a um depósito a prazo, não é, evidentemente, inocente, uma vez que se trata de um produto muito divulgado, de todos conhecido, e sobretudo, reconhecido pela sua segurança, sobre ele recaindo invariavelmente conforme o Réu sabia a preferência do Autor.

41- Repare-se que, os depósitos a prazo, desde há muitos anos e pelo menos até ao início da crise de 2006, constituíram reduto de investimento de clientes não propensos ao risco ou iletrados, pelo que o depósito a prazo, o seu regime, a sua solidez são a pedra de toque da segurança e da ausência de risco: por isso, a apelativa comparação feita pelo Réu.

42 - Acresce que, ao Autor foi transmitida a mera e vaga afirmação de que era um produto de «capital garantido», sem mencionar especificamente qual a entidade responsável pelo pagamento da remuneração e pelo reembolso do capital, designadamente se era a SLN se era o BPN.

43 - Muito embora, o Banco Réu nunca tivesse dito expressamente que o capital era garantido pelo BPN, a verdade é que, era expectável para um cliente do BPN, que adquiriu um produto financeiro ao balcão do BPN, entidade que “dava a cara” e comercializava o produto, que ao transmitir a informação de que o capital estava garantido, omitindo a verdadeira entidade responsável pelo reembolso do capital, transparecia claramente a ideia de que era ele próprio quem garantia o capital investido, bem sabendo que, com esta mascarada informação, o Autor ficaria convencido da segurança da aplicação, fazendo com o que o mesmo a subscrevesse (art.236º, nº1 do CC).

44 - Acresce que, o reembolso do capital cabia à entidade emitente e a solvabilidade desta é um fator importante na decisão de subscrição.

45 - O Autor nunca foi informado de que as obrigações que iria subscrever eram dívida emitida pela SLN;

46 - Não lhe foi fornecida informação de que aquele contrato celebrado com o BPN, afinal é cumprido por outra empresa totalmente distinta daquele, pela SLN.

47 - Ora, o funcionário do banco Réu devia ter informado o Autor de que, em caso de insolvência da sociedade emitente das obrigações, ele corria o risco de não ser reembolsado do capital aplicado nas obrigações.

48 - Efetivamente, estando em causa obrigações «subordinadas», incumbia ao funcionário do BPN, explicar que em caso de insolvência da sociedade SLN, o Autor só seria pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados, como resultava do disposto na al. c) do art.48o do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (DL nº53/2004), de 18 de Março).

49 - Esta informação é de todo relevante e determinante, uma vez que coloca os investidores (neste caso o Autor), numa posição bem mais desvantajosa do que os simples depósitos a prazo, e que não lhe foi transmitida.

50 - Incumbia, pois, ao Banco Réu explicar ao Autor (declaratário comum), de forma objetiva e percetível que, o seu dinheiro ia ser transferido do BPN para a SLN, que era a SLN que ia pagar os juros e, que era a SLN a devolver-lhe o capital no final do prazo, mas que tal devolução só existiria se a referida SLN tivesse no final desses 10 anos capacidade financeira para fazer a devolução, o que como vimos não aconteceu.

51 - In casu, não há qualquer prova de que tenha sido explicada a diferença, cremos sinceramente que se fosse explicado ao Autor, que quem efetivamente reembolsava era uma outra empresa que podia não ter o mesmo tipo de garantia que alegadamente o BPN assegurava, que a ligação entre as duas empresas afinal não era tão forte podendo suceder que SLN não tivesse meios para o reembolso, aquele não celebrava o contrato pois iria correr o risco de uma entidade de cujos concretos e reais contornos não há prova que tenha sido fornecidos e que só quis correr por pensar que o dinheiro era do próprio Banco BPN, estando o dinheiro seguro numa instituição bancária conhecida no mercado.

52 - No caso dos autos, o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre si e o Autor, pelo princípio da boa-fé (cfr. art. 762º nº2 do C. Civil).

53 - Mas ainda que assim não se entendesse, também seria o Banco Réu aqui responsável extracontratualmente em consequência da violação de deveres, não só do exercício da sua atividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º do CVM, como sejam os ditames da boa-fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os arts. 7.º n.º 1 e 312.º, n.º1, ambos do CVM, e art. 77º, n.º 1 do RGICSF, fazendo, assim, incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 304º-A, n.º1, do CVM , sendo certo também que o banco Réu não ilidiu a presunção legal de culpa do n.º2 do citado art. 304º-A.º, constituindo-se por essa via também na obrigação de indemnizar os danos causados ao Autor, enquanto subscritores das obrigações, nos termos sobreditos.

54 - Efetivamente, tendo o Banco Réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa sem observar os deveres de informação junto do Autor, a que estava obrigado na qualidade de intermediário financeiro em que interveio, torna-se responsável pelos prejuízos causados ao Autor, nos termos do art. 314 nº1 do CVM, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o nº2 do citado art. 314 que impendia sobre o banco Réu.

55 - A factualidade provada aponta para uma subscrição, em que o essencial não foi devidamente explicado, omitindo-se, ou deturpando-se os reais riscos da mesma – transparecendo a ideia de que o Banco Réu se responsabilizava pelo pagamento das obrigações, embora na realidade, e tendo em conta o seu comportamento posterior, não tivesse essa intenção.

56 - Dizer-se que o produto tem capital garantido quando, na verdade, não tem, não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º, n.º 2, e 485.º, n.º 2, do CC).

57 - Ora, por força do art. 800º do C.C. (ou, para quem considere que em causa não está responsabilidade contratual, mas sim extracontratual, por força do art. 500º do C.C.), o BPN responde pelos atos dos seus funcionários.

58 - A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco constitui violação do dever de informação.

59 - Afirmar que o produto é produto seguro, como do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

60 - Que não é um produto de risco.

61 - Por força do art. 314º nº 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.

62 - Relevante é que, ao dizer que o produto era produto seguro, do próprio do banco, o A. marido não foi colocado perante a hipótese de investir as suas poupanças em produto que não era próprio do BPN.

63 - O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) também pode ser analisado através da demonstração, que decorre claramente do facto de que, se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o Autor, não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse o retorno integral do capital e dos juros.

64 - Impendia sobre o Banco R. o ónus de prova de que o Autor, sempre investiria em obrigações SLN, se lhe fossem fornecidas as informações de forma integral e rigorosa, o que não sucedeu.

65 - Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, e a entender-se que o ónus da prova da verificação do nexo de causalidade incumbia ao Autor, e não ao Banco Réu, sempre o nexo causal estaria verificado, se analisado à luz da posição adotada pelo Ac. STJ, de 25/10/2018, revista nº 2581/16.8T8LRA.C2.S1, a qual seguimos de perto.

66 - Este acórdão sustentou a sua posição, com base no Ac. de 28/04/2016, proc. nº 1114/11.7TBAMT.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, defendendo que «os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações que impliquem uma projeção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei a certeza quanto à sua ocorrência».

67 - Ora, das regras da experiência comum podemos facilmente retirar, que o A. e o pai deste, não teriam tomado a decisão de subscrever as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco Réu, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações, ou que o retorno do capital não era garantido.

68 - In casu, ficou demonstrado que, «(...) o gestor de conta do Autor (...) informou-o que o Banco dispunha de uma aplicação financeira semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada».

69 - Também, resultou provado que, «O Réu, através do seu funcionário, criou no Autor a convicção de que este estaria a aplicar o dinheiro das suas poupanças num produto com as características de um depósito a prazo, ou seja, um produto com capital e remuneração garantidos».

70 - De igual modo, resultou provado que, «O Autor avançou para a subscrição das referidas obrigações porque atendeu à informação transmitida pelo Réu, não tendo vontade, intenção ou consciência de estar a investir em instrumentos financeiros com um risco diferente dos clássicos depósitos a prazo».

71 - E ainda, resultou provado que, «O Réu banco não informou ou explicou ao Autor quem era «SLN...», ou que as obrigações que estavam a ser subscritas tinham riscos diferentes dos depósitos a prazo, nem quais eram os seus riscos efetivos».

72 - Sendo assim, forçosamente se impõe concluir que, se o funcionário do Banco Réu tivesse prestado a informação legal e contratualmente devida, o Autor, muito provavelmente, aliás, com altíssima probabilidade, nunca teria subscrito aquela aplicação.

73 - Ora, isto é quanto basta para estar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo Autor e a conduta ilícita e culposa do Réu, traduzida na violação dos deveres de informação e da boa-fé contratual, que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro.

74 - A situação dos autos pode ser igualmente enquadrada na modalidade de responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o Autor que estava garantido o retorno do capital.

75 - Assim, tanto com base na responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.o do CC, como com base no preceituado no artigo 314.º do CVM, se chega à conclusão de que impende sobre o Réu a obrigação de indemnizar o Autor do dano por ele sofrido.

76 - Esse dano, desde logo, abrangerá o valor do capital investido, isto é, os € 300.000,00, acrescido dos juros remuneratórios.

Contudo, e sem prescindir,

iv. Da admissibilidade do recurso de revista excecional com fundamento na alínea c), do nº1, do art.672º do CPC:

77 - No caso dos presentes autos, também é admissível a revista excecional nos termos da alínea c -) do nº1 do artigo 672º do CPC.

78 - No nosso entender, o Acórdão da Relação, o acórdão recorrido, está em contradição evidente com vários acórdãos, invocamos aqui apenas um recente, mormente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº2581/16.8LRA.C2.S1, de 25 de Outubro de 2018, publicado no site: www.dgsi.pt, no que concerne à questão do nexo de causalidade.

79 - Ora, salvo o devido respeito, que é muito, os recorrentes não se podem conformar com o douto Acórdão recorrido.

80 - Perante a fundamentação vinda de transcrever do Acórdão recorrido, verificamos que ao Banco Réu não é imputada qualquer responsabilidade, enquanto intermediário financeiro, por entender que da matéria de facto dada como provada não é possível ter-se por verificado o nexo de causalidade, uma vez que não resulta da mesma que se os deveres de informação que impendiam sobre o Banco réu tivessem sido cumpridos o autor não teria investido na aplicação em causa, decidindo assim de forma visivelmente oposta e contraditória à decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado.

81 - Sendo a situação relatada nos acórdãos fundamento e no acórdão recorrido, semelhantes, uma vez que em ambos os processos foi dado como provado que os funcionários transmitiam a informação aos clientes de que a aplicação que estavam a subscrever era equivalente a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada.

82 - Além de que, também resultou provado em ambos os Acórdãos que, o Autor só subscreveu as referidas obrigações, porque criou a convicção de que estava a colocar as suas poupanças num produto com as características de um depósito a prazo, ou seja, num produto seguro, sendo certo que, não tinha a vontade, intenção ou consciência de estar a investir em produtos com um risco diferente aos depósitos a prazo.

83 - Assim, salvo melhor entendimento, o tribunal recorrido, Tribunal da Relação do Porto, podia e devia ter apreciado o recurso admitindo a verificação do nexo de causalidade, uma vez que, a factualidade constante no Acórdão recorrido, é em tudo semelhante à do Acórdão fundamento, e por isso mesmo, apta e idónea a demonstrar que, com altíssima probabilidade o Autor nunca subscreveria as aludidas obrigações, se estivesse devidamente esclarecido.

84 - Deste modo, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2 ambos do CPC, a decisão proferida pelo Tribunal “ad quem” deverá ser revogada e substituída por outra que responsabilize o Banco Réu pelos prejuízos causados ao Autor, julgando, em consequência, a ação procedente por provada.

85 - A decisão recorrida fez desadequada aplicação do direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que condene o Banco Réu no pedido.

86 - O douto Acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto dos artigos 590º, 615º, nº1, al. d) e 672º todos do CPC; artigos 227º, 236º, 483º, 496º, 562º, 762º, 798º, 799º, 800º, 805º do Código Civil; 7º, 290º, 204º, 312º, 314º do CVM, entre outros.

E conclui: “deve ser dado provimento ao presente recurso de revista com fundamento no erro de julgamento, revogando-se o acórdão sindicando, e substituindo-o por outro que declare nulo o contrato de intermediação financeira, por falta de forma, condenando o Banco Réu a restituir ao Autor a quantia de 300.000,00€;

No caso de assim não se entender, deve o presente recurso ser admitido nos termos do disposto nos artigos 672º, nº1 alíneas a) e c) do CPC, como revista excecional, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2 ambos do CPC, a decisão proferida pelo Tribunal recorrido deverá ser revogada e substituída por outra que responsabilize o Banco Réu pelos prejuízos causados ao Autor, julgando, em consequência, a ação procedente por provada”.

10. O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

11. A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.

12. Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, que transitou em julgado.

13. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito (tendo em consideração o despacho do Relator sobre a admissibilidade do recurso de revista interposto pelo Autor) à questão de saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré, mais concretamente, a verificação do nexo de causalidade.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação do Porto):

1.1. O Autor é cliente do Réu há diversos anos, tendo aberto a conta bancária de depósito à ordem com o número 4882611.10.001, na agência do ..., sita na ..., ....

1.2. A relação entre o Autor e Réu remonta à data em que este girava sob a marca/designação «Banco Português de Negócios, B. P. N.».

1.3. Em julho de 2008, quando o Réu girava sob a marca «B. P. N....», o gestor de conta do Autor, BB, informou-o que o Banco dispunha de uma aplicação financeira semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada.

1.4. Em 24/07/2008, a pedido do referido gestor de conta, e com o aconselhamento deste, foram subscritas pelo Autor, no âmbito do empréstimo obrigacionista «SLN RENDIMENTO MAIS 2004» seis obrigações no valor de 50.000 EUR cada uma, totalizando o montante de 300.000 EUR.

1.5. 0 Réu, através do seu funcionário, criou no Autor a convicção de que este estaria a aplicar o dinheiro das suas poupanças num produto com as características de um depósito a prazo, ou seja, um produto com capital e remuneração garantidos.

1.6. O Autor avançou para a subscrição das referidas obrigações porque atendeu à informação transmitida pelo Réu, não tendo vontade, intenção ou consciência de estar a investir em instrumentos financeiros com um risco diferente dos clássicos depósitos a prazo.

1.7. (eliminado)

1.7.1. (Eliminado)

1.8. O Réu Banco não informou ou explicou ao Autor quem era «S. L. N. ...», ou que as obrigações que estavam a ser subscritas tinham riscos diferentes dos depósitos a prazo, nem quais eram os seus riscos efetivos.

1.9. (Eliminado).

1.10. Os juros foram sendo semestralmente pagos e depositados na conta bancária do Autor.

1.11. Quando o Autor pretendeu reaver o seu dinheiro investido por carta de 13/01/2017, foi informado após tal data pelo Réu que o «B. P. N. ...» não se responsabilizava por esse valor e que tal responsabilidade incumbia à «SLN - SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A (atual GALILEI, SGPS, S.A).

1.12. O Ré é depositário de 6 obrigações «SLN Rendimento Mais 2004" subscritas pelo autor.

1.13. O Réu não devolveu ao Autor a referida quantia nem paga juros, sendo que o produto em causa - Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, atingiu a sua maturidade em 27 de outubro de 2014.

1.14. O Autor recebeu o aviso de débito correspondente à subscrição que efetuou e os avisos de crédito dos respetivos juros bem como extratos periódicos onde surgia a referência às indicadas obrigações como integrando a sua carteira de títulos.

1.15. O Réu não informou o Autor do risco da sua insolvência ou da «SLN...» aquando da subscrição do produto em causa.

2. Da verificação da responsabilidade civil da Ré

O Tribunal de 1ª instância veio a julgar a ação improcedente, por ter o entendimento de que se encontravam demonstrados somente os pressupostos da responsabilidade civil da Ré: a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade, mas que não se encontrava demonstrado o dano.

Inconformado o Autor interpôs recurso de apelação, tendo a Ré requerido a ampliação do âmbito do recurso.

O Acórdão recorrido, depois da alteração da matéria de facto a que procedeu, entendeu estavam demonstrados somente os pressupostos da responsabilidade civil da Ré: a ilicitude, a culpa e o dano, mas que não se encontrava demonstrado o nexo de causalidade, pelo que julgou a ação improcedente.

O Autor insurge-se contra o assim decidido, pronunciando-se ao longo do recurso sobre a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.

Ora, no caso presente, não se coloca a questão da verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré, porquanto em face da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, estão definitivamente demonstrados: a ilicitude, a culpa e o dano, estando somente em causa o nexo de causalidade.

Vejamos.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN comercializou junto dos seus clientes como produtos bancários obrigações em que foi emitente a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (SLN 2004 Rendimento Mais: obrigações subordinadas, no valor de €50 000,00 cada uma)

- cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –

Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).

Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

No caso dos autos, atenta a data em que foi celebrado o contrato (24 de julho de 2008), são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.

Quanto ao nexo de causalidade:

Como se afirmou no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Essa orientação mantém-se mesmo após as alterações introduzidas depois de 31 de outubro de 2007.

Assim, sempre seria necessário para responsabilizar o Banco pelo prejuízo sofrido pelo Recorrente a prova de factos demonstrativos de um nexo causal entre o facto ilícito – a violação do dever de informação - e o dano, sabido que o nexo de causalidade entre o facto e o dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, seja na responsabilidade civil extracontratual seja na contratual (artigos 483.º e 798.º do Código Civil), sendo que essa prova deve ser efetuada pelo Autor.

Ora, no caso presente, o Tribunal de 1.ª instância deu como provado que:

“7. Se ao autor tivesse sido explicado que as obrigações «SLN Rendimento Mais 2004» se tratavam de uma aplicação financeira de risco, que essas obrigações eram emitidas por outra sociedade («SLN – SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A.» atualmente designada por «GALILEI, SGPS, S.A.») e que o capital não era garantido pelo Réu (na altura, «B.P.N. ...»), o Autor não teria subscrito as mesmas.

7.1. O Réu sabia que o Autor não subscreveria, nessas condições, o produto por não querer assumir tal tipo de risco.”

E destes factos, que deu como provados, o Tribunal de 1.ª instância concluiu pela demonstração do nexo de causalidade.

Contudo, e com a interposição do recurso de apelação e a ampliação do âmbito do recurso, nos termos atrás referido, o Tribunal da Relação apreciou a impugnação da matéria de facto e concluiu que esses factos não se provaram, pelo que veio a eliminá-los dos factos provados e, assim, concluiu pela não demonstração do nexo de causalidade, tendo julgada improcedente a ação.

E, assim, perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pelo Autor (€300 000,00) – seis obrigações subordinadas, no valor, cada uma delas, de €50 000,00 (SLN 2004 Rendimento Mais) -, não se encontra demonstrado.

Deste modo, o recurso terá de improceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 20 de junho de 2023


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães