Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05P2325
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: CRIME
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
ATENUAÇÃO DA PENA
MEDIDA DA PENA
PENA SUSPENSA
Nº do Documento: SJ200506290023255
Data do Acordão: 06/29/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL TOMAR
Processo no Tribunal Recurso: 486/04
Data: 05/09/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário : I - Se o arguido já foi altamente beneficiado com o usufruto do regime especial para jovens adultos que o tribunal recorrido lhe concedeu, mesmo sem uma justificação muito convincente das reclamadas «vantagens para a reinserção do jovem condenado», a pena suspensa que, em vez dos 21 meses de prisão em que foi condenado, indo mais longe ainda, ora reclama, não tem fundamento para ser concedida.
II - Por um lado, porque, como resulta do texto legal, a pena suspensa - art.º 50, n.º 1, do Código Penal - só pode ser concedida após a formulação de um juízo de prognose favorável ao arguido, o que não é o caso. O tribunal recorrido, com base nos factos provados afastou fundadamente esse juízo prognóstico favorável, tendo em conta, nomeadamente a ausência de atenuantes de tomo, nomeadamente a não assunção/interiorização dos factos praticados na sua integralidade pelo arguido.
III - Por outro, a gravidade objectiva do ilícito cometido e a ostensiva necessidade de defesa do ordenamento jurídico sempre constituiriam obstáculo de peso a tal objectivo, tendo em conta, nomeadamente, o aproveitamento feito pelo arguido da situação de acentuadas fragilidades da sua vítima, incluída alguma debilidade mental.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. O Ministério Público acusou em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, LMNF, arguido devidamente identificado, imputando-lhe a prática em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art. 172º, nº2 do Código Penal, com referência ao art.30º, nº2 do mesmo Código.
Efectuado o julgamento veio a ser proferida sentença, em que, além do mais, foi decidido condenar o arguido, pela prática, como autor material de um crime de abuso sexual de crianças, continuado, previsto e punido pelas disposições dos art.ºs 172, n.º2 e 30º do C.Penal, na pena de vinte e um meses de prisão.
Inconformado, recorre o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça a quem confronta com o seguinte objecto:

- À data do cometimento dos factos o arguido tinha a idade de 18 anos,
- E a idade de 19 anos, aquando da prolação do douto acórdão, de que se recorre, e que o condenou na pena de 21 meses de prisão efectiva;
- O Douto Tribunal "a quo" baseia a não suspensão da execução da pena detentiva da liberdade no facto da impossibilidade da feitura de um juízo de prognose favorável ao recorrente por não existir a vontade de assumir um comportamento que lhe permite integrar-se e ressocializar-se, de forma a que não se convença e assuma um sentimento de impunidade;
- Atenta a jovem idade do recorrente;
- Atentas as degradantes condições dos estabelecimentos prisionais, de todos, sobejamente, conhecidas,
- Atento o princípio de que o objectivo de uma pena de prisão não deve causar um mal maior que não se encontra ínsito na legislação,
- Atenta a garantia constitucional consubstanciada no artigo 30.º., n°5, que determina que o condenado a pena privativa de liberdade não retira a plenitude da titularidade dos direitos fundamentais, inerentes a qualquer cidadão,
- Atenta a possibilidade legal de conjuntamente, com a suspensão da execução da pena poderem ser impostas, ao condenado, algumas ou todas as regras de conduta de que fala o artigo 52°., n°1 do C.Penal,
- Nomeadamente, as regras contidas nas alíneas b) e g),
- Atenta, ainda, a filosofia contida na jurisprudência do Venerando Tribunal "ad quem", que é, preferentemente, no sentido da suspensão da execução da pena de prisão,
- Salvo se o cumprimento efectivo da pena se mostrar indispensável para prevenir o cometimento de futuros crimes,
- O que "in casu" não resultou provado, como do douto aresto se alcança,
- Dado que a personalidade, as condições de vida, a conduta anterior e posterior ao cometimento do crime resultaram, favoravelmente, provadas ao recorrente, da audiência de discussão e julgamento,
- E tendo em atenção de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão são bastantes para realizar, adequada e suficientemente, as finalidades da punição,
- Deve a pena imposta ao arguido-recorrente ser mitigada através da suspensão na sua execução.
- Porque assim e doutamente, se não decidiu, violou o douto acórdão o disposto no artigo 50.º., n. 1 2, 3 e 5 do C.Penal e o artigo 30, n. 5 da C.R.Portuguesa.
Nos termos expostos e nos mais de Direito aplicáveis, deve:
- Dar-se provimento ao presente recurso e, consequentemente,
- Decretar-se, doutamente, a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena em que o recorrente foi condenado,
- Com todas as consequências legais.


Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo em defesa do julgado.
Subidos os autos, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta nada requereu.

A única questão a decidir, é, como resulta das conclusões supra transcritas, a de saber se ao recorrente devia ou não ser aplicada pena de substituição, no caso, pena suspensa.
Questão que, face às circunstâncias de facto, o relator considerou ser manifestamente improcedente, pelo que os autos vieram à conferência.

2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Factos provados:

O arguido residia na localidade de Curvaceiras, onde também residia e reside o ofendido BALAB.
O ofendido B nasceu no dia 5 de Agosto de 1991 e padece de atraso global do desenvolvimento, mais acentuado ao nível da linguagem.
Para além do aludido atraso na linguagem, o menor B apresenta, ainda, défice cognitivo, surdez ligeira, défice de atenção, hiperactividade e défice visual, frequentando, apesar de ter nascido em 1991, o 1º ano de escolaridade do ensino básico.
No período de tempo compreendido entre o mês de Junho de 2004 e o dia 22 de Setembro do mesmo ano, coincidente com o período de férias escolares de Verão, o arguido trabalhou numa padaria sita na localidade de ..., área da comarca de Tomar, pertencente a JRMVP.
No exercício das suas funções, cabia-lhe, além do mais, a confecção de pão, iniciando o serviço pelas 23 horas e terminando às 4 horas, ou, em alguns dias, às 7 horas.
A referida padaria fica situada a cerca de 15 metros da residência do arguido e a cerca de 30 metros da residência do ofendido BAB.
Também no período de férias escolares de Verão, ou seja, nos meses de Junho a Setembro de 2004, o menor BA exerceu pequenas tarefas na referida padaria de ..., designadamente, colaborando na distribuição do pão, juntamente com uma outra funcionária daquele estabelecimento, de nome C.
Para tanto, o ofendido deslocava-se, diariamente, cerca das 6 horas, para a padaria, embora a sua tarefa [distribuição do pão] só se iniciasse às 7 horas, passando ali todo o período da manhã.
Por essa razão, e no lapso de tempo mencionado no artigo 4º, o ofendido e o arguido, a quem o menor B tratava pela alcunha de "....", encontravam-se, frequentemente nas instalações da padaria, logo pela manhã.
Nesse contexto, aproveitando as relações de confiança estabelecidas com o menor B, o arguido decidiu manter relações sexuais com aquele.
Em dia não concretamente apurado, mas seguramente no período compreendido entre Junho e Setembro de 2004,
O arguido convidou o menor B para ir até à sua casa, onde sabia que não se encontrava ninguém.
Ao que o ofendido acedeu.
Ali chegados, dirigiram-se ambos para a cozinha.
Aproveitando o facto de se encontrarem sozinhos, bem como da inexperiência do menor, o arguido disse ao ofendido que despisse as calças e as cuecas que envergava naquela ocasião.
Simultaneamente, o arguido baixou as calças que vestia, bem como as suas cuecas.
Acto contínuo, estando ambos sem as calças, e sem as cuecas vestidas, o arguido mexeu, com as suas duas mãos, nas nádegas do menor, acariciando-as.
Em seguida, o arguido ordenou ao menor B que segurasse o seu pénis com a mão e o friccionasse, oscilando-o, em movimentos para a frente e para trás.
O que o menor fez, embora contra a sua vontade.
Passados alguns minutos, o arguido ejaculou.
Em seguida, o arguido ordenou ao menor B que "lhe fizesse um broche".
Foi então que, permanecendo em pé, o arguido disse ao menor para se sentar num sofá existente na cozinha.
Em seguida, estando frente a frente com o menor, que estava já sentado, o arguido agarrou, com ambas as mãos, o B pela cabeça e, já com o pénis erecto, introduziu-o na boca deste, obrigando-o a efectuar movimentos de oscilação para trás e para a frente, friccionando-o.
Em seguida, o arguido ejaculou.
Após praticar tais factos, o arguido disse ao menor B que não contasse o sucedido a ninguém, pois se o fizesse, lhe batia e pedia aos seus amigos para lhe baterem também.

Assustado, o menor B não contou o sucedido a ninguém.
De igual modo, em dia não concretamente apurado, mas seguramente situado entre os dias 15 e 22 de Setembro de 2004, pelas 6 horas e 45 minutos, o menor B dirigiu-se à garagem da padaria de ...
Foi, então, que o arguido, aproveitando o facto de ali não se encontrar mais ninguém, baixou as calças que envergava naquele momento e, mantendo-se em pé, disse ao menor Bruno para se baixar, ordenando-lhe que "lhe fizesse um broche".
O que o menor B, com medo do arguido, fez, embora contra a sua vontade.
Foi, então, que o menor B se baixou, enquanto o arguido permaneceu em pé.
Em seguida, o arguido introduziu o seu pénis erecto na boca do menor, ordenando-lhe que o friccionasse, efectuando movimentos para a frente e para trás.
O que o menor, atemorizado, fez.
Em seguida, o arguido ejaculou sobre o ofendido.
Após a prática de tais factos, o arguido dizia ao menor B que se contasse a alguém o sucedido, lhe batia e pedia aos seus amigos que também batessem no menor, o que gerou um sentimento de medo e inquietude no menor, nomeadamente, que o arguido e os seus amigos lhe batessem.
Por esse motivo o menor acedia aos pedidos do arguido e não relatava a ninguém o sucedido.
Em consequência dos factos supra descritos, o menor B ganhou medo de andar sózinho na rua, inclusivamente, de se deslocar para a escola.
Nas ocasiões em que introduziu o seu pénis na boca do ofendido, o arguido ejaculou sobre o menor.
Em consequência dos factos supra descritos, o menor B adquiriu o hábito de expelir saliva de modo compulsivo.
Ao agir da forma supra descrita, o arguido sabia que tais contactos físicos eram dotados de elevada intensidade sexual e que eram idóneos a prejudicar o livre e harmónico desenvolvimento da personalidade do menor, em função da sua pouca idade, na sua esfera sexual.
Bem sabia o arguido que, ao actuar da forma descrita, ofendia a autodeterminação sexual do menor B, que lesava o despertar sexual do mesmo e que lhe coarctava a respectiva liberdade de autodeterminação sexual, o que efectivamente fez e conseguiu.
Mais sabia o arguido que actuava contra a vontade do ofendido e em prejuízo do seu desenvolvimento futuro.
O arguido agiu, sempre, com o intuito de satisfazer os seus impulsos sexuais, instintos libidinosos e aproveitar-se da inexperiência sexual do menor B.

Ao praticar os factos supra descritos, o arguido bem sabia que o menor tinha apenas 13 anos.
Mais sabia o arguido que o menor padecia de atraso de desenvolvimento.
O arguido agiu, em todos os momentos, com vontade livre e consciente,
Bem sabendo que os seus comportamentos eram e são proibidos e punidos pela lei penal.
Nada consta do seu C. R. Criminal
Em sede de relatório social, concluiu-se que o sistema familiar do arguido é conflituoso e não securizante.
O arguido manifestou um crescimento marcado por dificuldades a nível cognitivo e emocional que desencadearam a necessidade de um acompanhamento psicológico regular.
Teve um percurso escolar com algum insucesso e uma curta experiência de trabalho...está habilitado com a escolaridade mínima obrigatória e possuiu certificação na área de restauração/hotelaria.
Tem apoio familiar por parte da mãe existindo uma forte vinculação afectiva entre o arguido e esta.
Não lhe são conhecidos comportamentos desajustados na comunidade.
É tido pelas suas testemunhas de defesa como pessoa educada, calma e não conflituosa.
Após audição do menor, confirmou os factos descritos no seu auto de interrogatório não judicial, que lhe foi lido a pedido, descrevendo no entanto a situação ocorrida em sua casa (única que aceita) como uma brincadeira.

Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente:
Que:
A 1ª situação descrita tenha ocorrido depois de o ofendido ter ajudado na distribuição do pão e regressado à padaria ou à padaria, onde encontrou o arguido, que, muito embora já tivesse terminado o seu horário de trabalho, ali permaneceu, à sua espera.
Que:
Na 2ª situação apurada o menor se deslocou à padaria a fim de procurar uma funcionária daquele estabelecimento comercial, C e que o arguido ali se encontrava já à sua espera.
Que:
No dia 2 de Outubro de 2004, durante a manhã, quando o menor B se encontrava a brincar junto da sua casa, o arguido chamou-o, convidando-o para irem à sua casa.
Ao que o menor, com receio que o arguido lhe batesse, caso não fosse, acedeu.
Já no interior da residência do arguido, na cozinha, aproveitando o facto de ali não se encontrar mais ninguém, o arguido despiu-se, ficando nu.
Já despido, o arguido despiu, também, o menor B e, em seguida, mexeu, com as duas mãos, no ânus do menor, afagando-o.
Foi, então, que introduziu um dedo esticado no ânus do menor, causando-lhe dores.
Em seguida, o arguido passou, também, o seu pénis erecto sobre o ânus do menor, acariciando-o, e pediu ao menor que o deixasse introduzir o seu pénis erecto no ânus.
O que o menor recusou.
Em seguida, o arguido mexeu, com ambas as mãos, nos testículos do menor B, acariciando-os e também no pénis do menor, friccionando-o com movimentos de oscilação, para trás e para a frente.
Quando terminou de praticar tais factos, o arguido disse ao ofendido que se contasse a alguém o sucedido, lhe batia, juntamente com "a canalha", querendo, com tal expressão dizer, o seu grupo de amigos.
Devido ao medo que sentiu, o menor não contou estes factos a ninguém.
Que:
Em todas as ocasiões supra apuradas, o arguido magoou o menor na garganta, causando-lhe dores.
Que:
O arguido tenha ejaculado dentro da boca do menor.

À matéria de facto não foram assacados vícios nem nela os mesmos ora se vislumbram.
A qualificação jurídica dos factos não vem posta em causa, e, sendo certo que pode levantar algumas dúvidas o preenchimento in casu da figura do crime continuado, o certo é que, por um lado, há que convir que o recurso é movido apenas pelo arguido não podendo, consequentemente operar-se qualquer reformatio in pejus que implique uma agravação na espécie e medida da pena, tal como emerge da proibição ínsita no artigo 409.
E, por outro, que, a discussão da questão jurídica posta no recurso pelo arguido - opção pela pena de substituição - não é afectada pela eventual imprecisão da incriminação no ponto em causa, tendo em conta também que ao arguido já foi concedido o amplo benefício de atenuação especial ao abrigo da lei especial para jovens.
Com efeito, ponderou o tribunal recorrido a dado passo:
«(...)
Assim a pena aplicável ao crime cometido pelo arguido e previsto e punido nos artigos 172, n.º2 e 30, n.º2 do C.Penal é a de prisão de 3 anos a dez anos.
Na determinação da medida concreta da pena deve o tribunal atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido (salvo nos casos em que a sua intensidade concreta supere aquela que foi considerada pelo legislador para efeitos da determinação da moldura em concreto).
A pena justifica-se sempre pela finalidade prosseguida, estando superadas na actualidade as concepções que faziam dela um fim em si mesmo.
As finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, n.º 1, do Código Penal).
Não obstante estas finalidades de toda a punição criminal, tal como já supra referimos, nenhuma pena pode exceder a medida da culpa do agente.
Nos autos ter-se-á ainda que considerar a idade do arguido já que, atento o disposto no art.º 1º, n.º1, do Dec-Lei 401/82 de 23.09 o mesmo é jovem para efeitos penais.
Sendo certo que a gravidade dos factos praticados, quer pelo tipo de crime em causa quer leva a ponderar seriamente a aplicação de tal regime, há que ponderar que, efectivamente o arguido jovem sendo o seu desenvolvimento intelectual também marcado por algum atraso - à data tinha 20 anos de idade e, desde já, uma elevada pena de prisão poderá ter um efeito pernicioso.
Por isso, ainda assim entendemos dever aplicar o disposto no art.º 4º do citado diploma sendo então a pena de prisão atenuada especialmente.
Neste contexto, a moldura penal abstracta passará a ser a de sete meses e seis dias a seis anos e oito meses de prisão. (73º, n.º1 a) e b) do C.Penal

Ponderando:
As necessidades de prevenção geral e especial que nos autos se impõem, bem como, as exigências de reprovação dos crimes, não olvidando, como referido, que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e ressocializador.
Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Paire Geral, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs.: «As exigências de prevenção geral,.. constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio político-criminal da necessidade da pena (art.º 18 n.º 2 da CRP) e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no n.º 1 do mesmo comando). Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena»

A elevada ilicitude do facto derivada da reiteração da conduta, o modo de execução, mormente incutindo medo ao menor para obviar à divulgação dos factos, o conhecimento por parte do arguido do atraso intelectual do menor.
O dolo que foi directo
As consequências da conduta, causando, no mínimo trauma psicológico ao ofendido.
As exigências de prevenção geral que são particularmente instantes no que tange a este tipo de crime pela facilidade com que acaba por ser praticado e não denunciado, já que por vergonha, medo, receio de reviver situações dolorosas acaba por ficar nos mais profundos segredos das vítimas.
Em favor do arguido apenas se divisa a inexistência de antecedentes criminais.
Considera-se adequada a pena de vinte e um meses de prisão.

Suspensão:
É sabido que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador, põe-se a questão de saber se tal desiderato passa inevitavelmente pela execução das penas de prisão ou se para tanto ainda é suficiente a aplicação de uma medida não detentiva, maxime, a suspensão da pena. (art.º 50º do C.Penal.)
Na verdade há que ponderar se a preferência pela manutenção de uma prisão de relativamente curta duração, servirá melhor a garantia da estabilidade de ordenamento social e jurídico ou, antes, melhor se ajudará a essa estabilidade não mantendo tal prisão mas, ao invés e em contrapartida, fazendo incidir sobre o prevaricador, por certo lapso temporal mais ou menos longo, um controle que, porventura mais o tolherá nos seus eventuais propósitos criminógenos.
Neste contexto e atenta a factualidade apurada, há que fazer apelo ao juízo de prognose social sobre a conduta futura do arguido de molde a que se possa concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena ainda são suficientes para realizar as finalidades da punição.
Ora, pese embora a gravidade dos factos, o arguido que já tem 21 anos de idade, ainda não assumiu essa gravidade contando-os como uma brincadeira.
Não é de todo possível fazer um juízo de prognose favorável em face da inexistência de vontade de assumir um comportamento que lhe permita uma integração e ressocialização, havendo assim necessidade de ser submetido ao cumprimento da pena, de molde a que não se convença e assuma um sentimento de impunidade que, muitas vezes, são o efeito pernicioso da suspensão da pena.
Assim, decide-se não suspender a execução da pena de prisão aplicada.»

O arguido, como se viu, já foi altamente beneficiado com o usufruto do regime especial para jovens adultos que o tribunal recorrido lhe concedeu, mesmo sem uma justificação muito convincente das reclamadas «vantagens para a reinserção do jovem condenado».
A pena suspensa que, indo mais longe ainda, ora reclama, não tem fundamento para ser concedida.
Por um lado, porque, como resulta do texto legal, a pena suspensa - art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal - só pode ser concedida após a formulação de um juízo de prognose favorável ao arguido, o que, como fica exposto, não é o caso. O tribunal recorrido, com base nos factos provados afastou fundadamente esse juízo prognóstico favorável, tendo em conta, nomeadamente a ausência de atenuantes de tomo, nomeadamente a não assunção/interiorização dos factos praticados na sua integralidade pelo arguido.
Por outro, a gravidade objectiva do ilícito cometido e a ostensiva necessidade de defesa do ordenamento jurídico sempre constituiriam obstáculo de peso a tal objectivo, tendo em conta, nomeadamente, o aproveitamento feito pelo arguido da situação de acentuadas fragilidades da sua vítima, incluída alguma debilidade mental.
Como escreve o Prof. Figueiredo Dias(1), «Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável, - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime», acrescentando adiante: "Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise".
Nem se argumente como o faz o recorrente com os sabidos malefícios da prisão, pois o argumento é indefensável e conduziria à inaceitável conclusão de que a pena de prisão seria sempre inaplicável. De resto, estando o recorrente preso à ordem do processo já desde 7/10/2004, ninguém o poderia subtrair aos efeitos da prisão já sofridos.
Em suma, o recurso naufraga manifestamente, sendo por isso de rejeitar.

3. Termos em que, por manifesta improcedência, rejeitam o recurso.
O recorrente pagará pelo decaimento taxa de justiça que se fixa em 5 unidades de conta a que se somam outras tantas a título de sanção processual - art.º 420.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 29 de Junho de 2005
Pereira Madeira,
Simas Santos,
Santos Carvalho.
__________________
(1) Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 344