Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
56/21.2JAFAR-H.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: HABEAS CORPUS
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
RECUSA DE JUÍZ
ATOS URGENTES
ESPECIAL COMPLEXIDADE
DECISÃO CONDENATÓRIA
PRINCÍPIO DA ATUALIDADE
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
I - No conceito de prisão ilegal não cabem aquelas situações que correspondam à aplicação dessa medida de coacção pelo juiz competente, sem violação grosseira do processo devido, com imputação de factos típicos para que a lei permite a prisão preventiva, mas em que se discuta a suficiência dos indícios ou os juízos cautelares e de necessidade, proporcionalidade e adequação a que a lei manda proceder.
II - A lei expressamente prevê que, na pendência do incidente de recusa, não é só possível, mas também obrigatório, os juízes praticarem os actos inerentes à natureza urgente do processo para garantir a continuidade da audiência, tais como a prolacção da sentença, conforme art. 45.º, n.º 2, do CPP.
III - O Requerente estava em prisão preventiva, por crime para que a lei abstractamente prevê tal medida de coacção, decretada pelo juiz de instrução, mediante o devido processo legal e cuja duração não excedeu o prazo máximo legalmente permitido, em função da fase processual correspondente.
IV - Não se mostrando, que tivesse sido ultrapassado o prazo máximo legalmente permitido torna-se evidente que não há excesso de prazo de prisão preventiva, porquanto a condenação do arguido ocorreu no prazo do decurso da prisão preventiva, sendo inegável que o arguido e o seu defensor assistiram e foram notificados da decisão proferida, logo no acto de leitura do acórdão.
V - Efectivamente, no momento da comunicação do acórdão condenatório, ainda se verificava a actualidade da situação de prisão do arguido, pelo que não se mostra a ilegalidade da prisão proveniente de se manter para além dos prazos fixados pela lei – conforme se exige no art. 222.º, n.º 2, al. c), do CPP e assim se verificar fundamento para o decretamento da providência de habeas corpus.
VI - A falta de assinatura não gera a inexistência da sentença E é sempre sanável com a sua correcção. E, no caso, nem sequer se verifica que no momento em que o arguido requereu a providência se verificava que a prisão do arguido era ilegal, sendo certo que a partir do momento da prolação da sentença, se alteram as circunstâncias da prisão preventiva, conforme art. 215.º, n.º 1, al. d) e 3, do CPP, ou seja, no caso, o prazo máximo passa a ser de três anos e quatro meses.
VII - O mesmo se diga, quanto ao depósito da sentença na secretaria. Nos termos do art. 372.º, n.º 4, do CPP, “A leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência.”. E, finda a leitura, que pode ser por súmula quando se trate de decisões extensas e matéria complexa – n.º 3, do citado art. 372.º – procede-se ao seu depósito na secretaria – n.º 5, do mesmo normativo –. Porém, se não se verificar este acto, o mesmo não gera qualquer nulidade ou inexistência da sentença, sendo sanável logo que, detectada a falta, a mesma seja depositada na secretaria.
VIII - A providência de habeas corpus, constitui um meio processual de natureza garantística, destinado a assegurar a liberdade individual e a impedir as prisões arbitrárias, sendo uma medida para atender, com a urgência possível, situações de ilegalidade patente e evidente da prisão de alguém, e não situações fundadas em alegações insustentáveis e contra lei expressa. É o caso da presente petição, em que se reportou como excessiva a prisão preventiva, contra o que expressamente se encontra dito na norma prevista no art. 215.º n.º 2, al. d), do CPP. Por isso impõe-se condenar o peticionante nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP.
Decisão Texto Integral:

Providência de Habeas Corpus


Processo: n.º 56/21.JAFAR-H.S1


5ª Secção Criminal



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de ... - Juiz ., AA, ao abrigo do disposto no art.º 222.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal (CPP), formulou pedido de providência de habeas corpus, alegando os seguintes factos:


1.º Por decisão tomada em primeiro interrogatório judicial de Arguido detido, em 7 de Agosto de 2D2I, foi D Arguido aqui Requerente sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, que se mantém ininterruptamente desde essa data até hoje.


2º No dia 22 de Janeiro de 2D24, foi apresentado incidente de recusa de juiz para a Veneranda Relação de Évora em relação ao Colendo Colectivo que julgou o processo aqui em causa,


3º O dito incidente de recusa de juiz foi admitido pelo Colectivo recusado sem ter sido concedida contraditório a nenhum interveniente processual, nem ao MP - e os presentes autos têm vários Assistentes e demandantes. Logo no Tribunal onde entrou o pedido de recusa, arguimos logo a nulidade da omissão de contraditório.


4.º Chegados OS autos de recusa aa TRE. mais uma vez sem qualquer contraditório, nem vista da MP. foi decida a requerida recusa - indeferida. Decisão essa que nas foi notificada no dia 5 de Fevereiro da corrente.


5.º No dia 7 de Fevereiro da corrente, arguimos a nulidade da decisão que não concedeu a recusa. designadamente por causa da violação do contraditório e audição do MP. vício que já vinha do Tribunal objecto de recusa e assim se manteve no TRE. E assim se mantém pendente ainda no dia de hoje em que se leu o Acórdão que conheceu do mérito da Acusação pública.


6º Quanto ao nosso humilde entendimento, enquanto pender o incidente de recusa de juiz. o Tribunal recusado apenas pode praticar actos urgentes. Acontece que. quanto a nós o único acto urgente que se pode conceber no nosso processo penal, à luz da CRP (artigo 32.º n.º 1). é a libertação de arguidos, a restituição de cidadãos à liberdade. Não.


7° A leitura de uma sentença ou Acórdão, não pode enquadrar o conceito de acto urgente ou decisão inadiável ou de mera continuidade da audiência para efeitos do incidente de recusa, tal como previsto no artigo 45.º n.º 2 do CPP. Assim COITID o que fez o Colectivo recusado quando decidiu sobre contraditório e respectivo requerimento probatório apresentado em I de Fevereiro de 2D24 na sequência de comunicação nos termos do artigo 358.º nº 1 do CPP.


8.º Ou seja. o que nos insurgimos é contra D facto do Tribunal recusado, sem que estivesse decidida definitivamente a Recusa (que ainda hoje não está... pelo menos que nos tenha sido notificada), tenha decidido da resposta e requerimento probatório na sequência da comunicação nos termos e para o efeito do artigo 358.º n.g 1 o CPP. bem como à própria leitura do douto Acórdão condenatório - hoje, quando expirou D prazo máximo de prisão preventiva.”.


Termina, pedindo que seja “(…) seja declarada a ilegalidade da prisão preventiva, ordenando-se a libertação imediata do requerente, ora arguido. isto porque o tribunal recusado, enquanto pender incidente de recusa de juiz, nem pode tomar decisões na sequência do contraditório e requerimento exercidos nos termos do artigo 358.° do CPP, muito menos proferir decisão final sobre o mérito da acusação. não se considerando válida a leitura de acórdão final enquanto pender recusa, esgotou-se o prazo máximo de prisão preventiva e por isso mesmo importa determinar imediata libertação do requerente”.

2. Nos termos do art.º 223.º, do CPP, foi prestada a seguinte informação:


O arguido AA veio requerer ao Exmº. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça Petição de Habeas Corpus por prisão ilegal.


Nos termos do disposto no art. 223º, nº 1 do C. P. P., informa-se o Exmº. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do seguinte:


- O arguido AA foi submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no âmbito do qual, em 07/8/2021, lhe foi aplicada a medida de coação prisão preventiva.


- O arguido manteve-se ininterruptamente até ao dia de hoje sujeito a uma tal medida de coação.


- Nos autos foi proferido despacho que lhes atribuiu a especial complexidade, em 10/01/2022.


- O arguido foi submetido a julgamento, iniciado em Junho de 2023 e concluído em 28/11/2023, dia em que foi indeferido requerimento probatório apresentado pelo arguido, produzidas alegações e designado para leitura do Acórdão o dia 22/01/2024.


- Nesse dia foi apresentado requerimento de recusa dos três juízes que compõem o coletivo, fundado no despacho de indeferimento do referido requerimento probatório, bem como apresentado novo requerimento probatório.


- Na sequência deste último requerimento, foi determinada a reabertura da audiência e tomados esclarecimentos a perito, indeferindo-se o mais requerido pelo arguido.


- Em 24/01/2024 foi efetuada comunicação de factos novos ao arguido, nos termos do disposto nos arts. 358º e 359º do CPP, sendo que a estes últimos o arguido não deu a concordância ao seu conhecimento e quanto aos primeiros requereu o prazo de 10 dias para preparação da defesa, tendo-lhe sido concedido prazo até 29/01/2024 e designado o dia 05/02/2024 para leitura do Acórdão.


- No exercício do direito de defesa, o arguido apresentou requerimento probatório no terceiro dia útil após o terminus do prazo, sem efetuar o pagamento da respetiva multa.


- Foi proferido despacho pelo Tribunal Coletivo, que dispensou o arguido do pagamento da multa e apreciou, indeferindo, o requerimento probatório apresentado pelo arguido e de tal lhe deu conhecimento no dia 05/02/2024, designando para leitura do Acórdão o dia 07/02/2024.


- Entretanto, no dia 02/01/2024 foi proferida decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, que indeferiu o incidente de recusa.


- No dia 07/02/2024, o arguido veio invocar nulidade cometida com o indeferimento do requerimento de prova por si apresentado e, bem assim, requerer que não fosse lido o Acórdão, sustentando ter invocado junto do Tribunal da Relação de Évora nulidade cometida no âmbito do incidente de recusa e o mesmo ainda não ter transitado em julgado, não se inserindo a leitura de Acórdão no conceito de continuidade da audiência.


- O requerimento foi indeferido por despacho proferido em ata, mormente por se discordar da posição do arguido e se tratar de ato urgente, face ao limite da prisão preventiva, tendo ainda sido indeferida a arguição de nulidade, seguindo-se a leitura do Acórdão.


- Pelo Acórdão, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 1 e 2, al.s a) e b) do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 255º e 256º, nº 1, al. a), um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelço art. 368º-A, nºs 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, um crime de prática ilícita de capitais, p. e p. pelo art. 356º, nºs 1 e 2 do DL 147/2015, de 09/09, na pena de 2 anos de prisão e em cúmulo jurídico das penas referidas em A), B), C) e D), o arguido condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão.”.

3. Pelo requerimento de 12/02/2024, Ref.ª Cítius n.º ....49, o requerente veio juntar “Gravação da sessão de julgamento em que se procedeu à pseudo-“leitura de Acórdão” – da tal que nem o dispositivo consta.”, alegando existir um “(…) manifesto conjunto de omissões que nada têm que ver com meros erros ou lapsos materiais…”, que o próprio reconhece que “(…) oportunamente e na instância própria, dependendo da decisão sobre o habeas corpus aqui em causa, logo decidiremos suscitar uma verdadeira leitura de acórdão ainda que por súmula, ou um novo Acórdão sem as apontadas omissões e “lapsos”.”.

4. No presente pedido de providência de habeas corpus o arguido peticionante invoca a ultrapassagem do prazo de prisão preventiva, pelo que a única questão a resolver é a de saber se o mesmo se encontra preso ilegalmente, por excesso do prazo de prisão preventiva.


II - FUNDAMENTO

1. Não é de mais dizer que a providência de habeas corpus não é um recurso de uma decisão judicial que determina a prisão de alguém, seja a prisão preventiva ou para cumprimento de pena ou medida, aplicadas ao sujeito peticionante. Antes, constitui uma garantia fundamental do direito à liberdade, inscrita no art.º 31.º da Constituição da República (CRP) como meio “(…) contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal…”, sendo um procedimento expedito e excepcional, a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, conforme o art.º 31.º, n.º 3, CRP. Nas palavras de Eduardo Maia Costa, em anotação ao art.º 222.º do CPP, in Código Processo Penal Comentado, 3.ª Edição Revista, pág. 852, trata-se de uma “(…) providência extraordinária e expedita que se destina exclusivamente a salvaguardar o direito à liberdade, não visando, pois, a reapreciação da decisão que decretou a prisão. É um mecanismo situado à margem das garantias do processo penal, tendo por fim único a proteção dos cidadãos contra a prisão ilegal.”.


A ilegalidade da prisão afere-se a partir dos factos documentados no processo, tendo por pressuposto legal o disposto no art.º 222.º, do CPP, cujos fundamentos são taxativos, dependendo a sua concessão da verificação de uma situação de ilegalidade actual da prisão proveniente de:


Artigo 222.º


Habeas corpus em virtude de prisão ilegal


(…)


2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:


a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;


b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou


c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.


No conceito de prisão ilegal não cabem aquelas situações que correspondam à aplicação dessa medida de coacção pelo juiz competente, sem violação grosseira do processo devido, com imputação de factos típicos para que a lei permite a prisão preventiva, mas em que se discuta a suficiência dos indícios ou os juízos cautelares e de necessidade, proporcionalidade e adequação a que a lei manda proceder.


Neste tipo de casos, o que está em apreciação é a justeza da medida face aos pressupostos fácticos de que depende a sua aplicação e a sustentação dos juízos de prognose e de proporcionalidade, questionáveis em impugnação pela via de recurso ordinário.


O que não significa, sobretudo após a actual redacção do art.º 219.º, do CPP, conceber a providência numa relação de subsidiariedade aos meios de impugnação ordinários, mas reconduzi-la à sua natureza de providência vocacionada para a tutela da liberdade, perante situações de gravidade extrema e evidente de ilegalidade da prisão, sendo certo que, o prazo de 30 dias ali estipulado para a decisão do Tribunal da Relação não se confunde com os prazos da prisão preventiva que se encontram previstos nos termos do art.º 215.º, do CPP.

2. Previamente, tal como o próprio requerente reconhece, há que sumariamente referir que o requerimento entrado no dia 12/02/2024, Ref.ª Cítius n.º ....49, respeita a matéria que não contende com a alegada questão do excesso da prisão preventiva que motivou a presente providência de Habeas Corpus, antes respeitando a eventual impugnação por via do recurso ordinário do acórdão condenatório. Por isso que, sem necessidade de maior desenvolvimento, consigna-se que a junção da referida gravação fica registada nos presentes autos.

3. Importa, portanto, que se comece por relembrar o essencial da situação factual e das ocorrências processuais que caracterizam o caso do ora requerente, para confrontá-lo com a previsão da al. c), do n.º 2, do art.º 222.º, do CPP, única base de alegação do arguido para a presente providência.


No caso, conforme resulta da remessa pelo Tribunal Judicial de Faro dos elementos constantes dos autos, todos referenciados no Sistema Cítius, verifica-se que:

i. Por despacho do JIC, datado de 07/08/2021, proferido na sequência de 1.º interrogatório judicial, foi decretada a medida de coacção de prisão preventiva do requerente – Ref.ª Cítius n.º ......07;

ii. A medida de prisão preventiva foi decretada por contra ele se indiciarem factos que integravam os crimes de burla qualificada, punido com pena de prisão de dois a oito anos; crimes de falsificação de documento, punidos com pena de prisão até três anos ou com pena de multa; crime de branqueamento, punido com pena de prisão até 12 anos; e crimes de Prática ilícita de atos ou operações de seguros, de capitalização ou de resseguros, punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa – auto de interrogatório de arguido e despacho de aplicação de prisão preventiva, Ref.ª Cítius n.º ......07.

iii. Por despacho judicial de 10/01/2022, foi declarada a especial complexidade do processo de investigação – Ref.ª Cítius n.º ......14.

iv. Por isso, tendo sido o processo declarado de especial complexidade, alargou-se o prazo da prisão preventiva, extinguindo-se esta quando, desde o seu início, tiverem decorrido dois anos e seis meses, sem que tenha havido condenação em 1.ª instância – art.º 215.º, n.º 1, als. c), n.º 2, als. d) e e) e n.ºs 3 e 4 do CPP;

v. O arguido foi submetido a julgamento no Tribunal de Faro e que se iniciou em 20/06/2023 e decorreu ao longo de 32 sessões, até 07/02/2024 – matéria de facto constante do Ac. do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 02/02/2024, Ref.ª Cítius ......13;

vi. Por despacho judicial de 28/11/2023, proferido pelo Tribunal Colectivo, na sessão de julgamento n.º 31, foi indeferido o pedido do arguido para a realização de prova e designado o dia 22/01/2024 para leitura do acórdão, despacho esse que obteve a anuência de todos os presentes, incluindo o arguido ora requerente – Ref.ª Cítius n.º ......14;

vii. Por requerimento datado de 22/01/2024, o arguido ora recorrente deduziu incidente de recusa de juiz, extensível a todo o Tribunal Colectivo a quem foram distribuídos os autos para julgamento em primeira instância – Ref.ª Cítius n.º ......15;

viii. Por despacho judicial de 24/01/2024, proferido pelo Tribunal Colectivo, na sessão de julgamento, foi comunicada a todas as partes presentes, incluindo o arguido ora requerente, a alteração substancial dos factos descritos na acusação, nos termos do disposto no art.º 359.º, n.ºs 1 e 3, do CPP e designada nova data para leitura do acórdão, acordada para 05/02/2024 – Ref.ª Cítius n.º ......14;

ix. Por acórdão de 02/02/2024, a Relação de Évora decidiu “(…) indeferir o pedido de recusa dos Exmos. Srs. Juízes de Direito BB, CC e DD, apresentado pelo requerente AA, por manifestamente infundado” – Ref.ª Cítius ......13;

x. Por despacho judicial de 05/02/2024, proferido pelo Tribunal Colectivo, na sessão de julgamento, foi comunicado o adiamento da leitura do acórdão para o dia 07/02/2024, nos seguintes termos: “Não se tendo revelado possível a elaboração do Acórdão, para a sua leitura designa-se o dia 07 de fevereiro de 2024, pelas 10:30 horas.” – Ref.ª Cítius n.º ......16;

xi. Por requerimento datado de 07/02/2024, ou seja, na data designada para a leitura do acórdão, o arguido ora recorrente arguiu a nulidade do despacho que indeferira a produção de prova bem como a inexistência do acórdão proferido pelo TRE e que indeferiu o pedido de recusa dos juízes que compunham o Tribunal Colectivo, por não se ter verificado o seu trânsito – Ref.ª Cítius n.º ......17;

xii. Por despacho judicial de 07/02/2024, proferido pelo Tribunal Colectivo, na sessão de leitura do acórdão, foi decidido indeferir o requerimento em causa e ordenada o prosseguimento da sessão, seguindo-se com a leitura do acórdão proferido – Ref.ª Cítius n.º ......77;

xiii. Por acórdão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo Central Criminal de Faro - Juiz ., proferido em 07/02/2024, Ref.ªs n.º ......77 e ......13, o arguido veio a ser condenado pela prática dos crimes que lhe eram imputados, nos seguintes termos:


A) (…) pela prática, como autor material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 1 e 2, al.s a) e b) do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão;


B) (…) pela prática, como autor material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 255º e 256º, nº 1, al. a), na pena de 2 (dois) anos;


C) (…) pela prática, como autor material, de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelço art. 368º-A, nºs 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;


D) (…) pela prática, como autor material, de um crime de prática ilícita de capitais, p. e p. pelo art. 356º, nºs 1 e 2 do DL 147/2015, de 09/09, na pena de 2 anos de prisão;


E) Efetuado o cúmulo jurídico das penas referidas em A), B), C) e D), condenar o arguido na pena única de 9 (nove) anos de prisão;” – negrito nosso.

xiv. O acórdão proferido pelo Tribunal de Faro foi assinado electronicamente pelos Juízes que integraram o Tribunal Colectivo, Presidente, 1.º Adjunto e 2.º Adjunto, respectivamente às 23.53.01 horas, do dia 07/02/2024, 23.55.15 horas e 00.00.32 horas, e depositado, também electronicamente, no dia 08/02/2024 – Ref.ª Cítius n.º ...;

xv. Por despacho judicial de 09/02/2024, o Tribunal Judicial de Faro informou que “(…) ocorreu tentativa de aposição da última assinatura no Acórdão, em ato seguido à aposição da segunda, antes das 00h00, portanto, e que apenas por dificuldades técnicas que obrigaram ao reinício do sistema citius uma tal aposição viria apenas a ocorrer 32 segundos após as 00h00.” – Ref.ª Cítius n.º ....23

1. Alega o requerente que sua actual prisão é ilegal, por se mostrar excedido o prazo máximo de prisão preventiva legalmente consentido, porquanto tendo “(…)apresentado incidente de recusa de juiz para a Veneranda Relação de Évora em relação ao Colendo Colectivo que julgou o processo (…) o … incidente de recusa de juiz foi admitido pelo Colectivo recusado sem ter sido concedida contraditório a nenhum interveniente processual, nem ao MP…” entendendo que “(…), enquanto pender o incidente de recusa de juiz. o Tribunal recusado apenas pode praticar actos urgentes.”, não se enquadrando a leitura da sentença ou do Acórdão no “(…) conceito de acto urgente ou decisão inadiável ou de mera continuidade da audiência para efeitos do incidente de recusa, tal como previsto no artigo 45.º n.º 2 do CPP” – conforme pontos 2 a 7, do seu requerimento inicial.


E, por requerimento de 12/02/2024, Ref.ª 201849, o arguido acrescentou ao seu pedido de providência duas outras razões para o seu deferimento e que se prendem com o facto de, em seu entendimento, o acórdão não ter sido depositado no dia 07/02/2024 e, ainda, pela questão das horas e data das assinaturas do acórdão. Acresce dizer que o próprio arguido assume nesse seu requerimento que não houve oposição de ninguém (incluindo ele próprio) à leitura por súmula – pontos 1, 3 e 6 do requerimento em causa.

2. Sobre os prazos de duração máxima da prisão preventiva, dispõe o art.º 215.º, do CPP:


1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

a. Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;

b. Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;

c. Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;

d. Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.


2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada,(…)


3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.


4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.” – sublinhado nosso.

1. O requerente começa por alegar que “enquanto pender o incidente de recusa de juiz, o Tribunal recusado apenas pode praticar actos urgentes”, não se enquadrando a leitura da sentença ou do Acórdão no “(…) conceito de acto urgente ou decisão inadiável ou de mera continuidade da audiência para efeitos do incidente de recusa, tal como previsto no artigo 45.º n.º 2 do CPP”.


Porém, sem razão.


Com efeito, como o próprio bem invoca, o juiz visado pratica apenas os actos processuais urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência, tal como se determina no art.º 45.º, n.º 2, do CPP. E, é precisamente essa a situação que se vivia naqueles autos: o arguido ora requerente, encontrando-se preso, em 24/01/2024, suscitou um incidente de recusa dos juízes que integravam o Tribunal Colectivo, depois de terem sido realizadas mais de 30 sessões de julgamento, visando assim paralisar o andamento do processo. Ora, dada a complexidade do processo em causa, o número de ofendidos, os valores em causa e a existência de arguido preso, não restam dúvidas que é um dos casos que justifica a prática pelos juízes recusados de actos processuais urgentes para assegurar a continuidade da audiência e a salvaguarda da prova já produzida.


Tanto basta, para que se julgue tal argumento, manifestamente, destituído de fundamento, pois que a lei expressamente prevê que na pendência do incidente de recusa, não é só possível, mas também obrigatório, os juízes praticarem os actos inerentes à natureza urgente do processo para garantir a continuidade da audiência, tais como a prolacção da sentença na pendência do incidente de recusa era obrigatória para os juízes, conforme art.º 45.º, n.º 2, do CPP.

2. Não desconhece o arguido que os crimes por que foi indiciado, no momento do decretamento da medida de coacção privativa da liberdade, tal como se indicou no ponto ii. das ocorrências processuais, foram os crimes de burla qualificada, punido com pena de prisão de dois a oito anos; crimes de falsificação de documento, punidos com pena de prisão até três anos ou com pena de multa; crime de branqueamento, punido com pena de prisão até 12 anos; e crimes de Prática ilícita de atos ou operações de seguros, de capitalização ou de resseguros, punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa, tudo conforme previsto nos art.ºs 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, als. a) e b), 255.º e 256.º, n.º 1, al. a) e 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código Penal, e, ainda, no art.º 356.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 147/2015, de 09/09.


Assim sendo, os prazos máximos de prisão preventiva, consoante a fase do processo, são elevados nos termos do art.º 215.º, n.º 1, als. c), n.º 2, als. d) e e) e n.ºs 3 e 4 do CPP. Centrando-nos no que ao caso interessa, para um ano sem que tenha sido deduzida acusação, para um ano e quatro meses sem que tenha sido proferida decisão instrutória e para dois anos e seis meses sem que tenha havido condenação em primeira instância. Com efeito, como se deixou consignado no ponto iii., das ocorrências processuais, por despacho judicial de 10/01/2022, havia sido declarada a especial complexidade do processo de investigação – Ref.ª Cítius n.º ......14


O Requerente estava em prisão preventiva, por crime para que a lei abstractamente prevê tal medida de coacção, decretada pelo juiz de instrução, mediante o devido processo legal e cuja duração não excedeu o prazo máximo legalmente permitido, em função da fase processual correspondente. Com efeito, tendo o mesmo sido preso em 07/08/2021, tal prazo só findaria às 23.59h, do dia 07/02/2024, não se mostrando, que tivesse sido ultrapassado.


Assim sendo, torna-se evidente que não há excesso de prazo de prisão preventiva, porquanto a condenação do arguido ocorreu no prazo do decurso da prisão preventiva, sendo inegável que o arguido e o seu defensor assistiram e foram notificados da decisão proferida, logo no acto de leitura do acórdão – conforme resulta da acta de leitura exarada em 07/02/2024, Ref.ª ......77.


Com efeito, tal como resulta da mesma “Durante a leitura do Acórdão, pedida a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito que não obstante o arguido compreenda a decisão que lhe está a ser explicada e comunicada, não prescinde da sua leitura integral e requer que seja notificado do Acórdão com tradução, a fim de tomar conhecimento integral do mesmo.


Seguidamente, a Mmª Juiz Presidente proferiu DESPACHO, no sentido de oportunamente a Srª Intérprete efetuar a tradução do Acórdão. (…) todos os presentes foram devidamente notificados e, na falta de qualquer recurso, foi declarada encerrada a audiência quando eram 12 horas e 27 minutos.” – sublinhado nosso.


Por isso a sua prisão nada tem de ilegal, no sentido que corresponde examinar no âmbito da presente providência, tendo havido condenação em 1.ª instância, no prazo legal definido nos termos do art.º 215.º, n.º 1, als. c), n.º 2, als. d) e e) e n.ºs 3 e 4 do CPP.


Efectivamente, no momento da comunicação do acórdão condenatório – dia 07/02/2024, pelas 12.27 horas –, ainda se verificava a actualidade da situação de prisão do arguido, pelo que não se mostra a ilegalidade da prisão proveniente de se manter para além dos prazos fixados pela lei – conforme se exige no art.º 222.º, n.º 2, al. c), do CPP e assim se verificar fundamento para o decretamento da providência de habeas corpus.


E, no momento da apresentação do pedido do habeas corpus o arguido e o seu defensor já haviam tomado conhecimento do teor da decisão condenatória. Com efeito, recorde-se que a petição inicial deu entrada no sistema Cítius às 23:44:50 horas, tal como resulta do documento de remessa do pedido, com a Ref.ª AA.

2. Sendo a assinatura e a data um requisito da sentença, conforme art.º 374.º, n.º 3, do CPP, a sua falta não torna a sentença inexistente, sendo certo que tal circunstância não integra o elenco das nulidades da sentença, previsto no art.º 379.º do CPP, constituindo uma mera irregularidade. Assim é conforme o disposto no art.º 118.º, n.º 1 e 2, do CPP, que impõe “1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. 2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.”.


A falta de assinatura não gera a inexistência da sentença é sempre sanável com a sua correcção. E, no caso, nem sequer se verifica que no momento em que o arguido requereu a providência se verificava que a prisão do arguido era ilegal, sendo certo que a partir do momento da prolação da sentença, se alteram as circunstâncias da prisão preventiva, conforme art.º 215.º, n.º 1, al. d) e 3, do CPP, ou seja, o prazo máximo passa a ser de três anos e quatro meses.

1. O mesmo se diga, quanto ao depósito da sentença na secretaria. Nos termos do art.º 372.º, n.º 4, do CPP, “A leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência.”. E, finda a leitura, que pode ser por súmula quando se trate de decisões extensas e matéria complexa – n.º 3, do citado art.º 372.º – procede-se ao seu depósito na secretaria – n.º 5, do mesmo normativo –. Porém, se não se verificar este acto, o mesmo não gera qualquer nulidade ou inexistência da sentença, sendo sanável logo que, detectada a falta, a mesma seja depositada na secretaria.


No caso, resulta evidente que o arguido ora requerente e o seu defensor bem que percebem e compreendem que, tratando-se de uma peça processual com a dimensão e complexidade do acórdão proferido, a sua revisão e assinatura formais podem retardar a sua entrega na secretaria, sem que isso constitua um obstáculo à defesa, posto que o mesmo já fora notificado às partes.

3. Nestes termos, não se verifica que a situação actual de prisão do arguido e requerente se tenha por ilegal, não se verificando qualquer fundamento para o deferimento do presente pedido de habeas corpus.


Não procedendo o fundamento invocado de excesso de duração de prisão preventiva, nem, aliás, se indiciando qualquer dos outros fundamentos referidos no n.º 2, do art.º 222.º, do CPP, o pedido tem de ser indeferido por falta de fundamento bastante – conforme art.º 223.º, n.º 4, al. a), do CPP.


A providência de Habeas Corpus, constitui um meio processual de natureza garantística, destinado a assegurar a liberdade individual e a impedir as prisões arbitrárias, sendo uma medida para atender, com a urgência possível, situações de ilegalidade patente e evidente da prisão de alguém, e não situações fundadas em alegações insustentáveis e contra lei expressa. É o caso da presente petição, em que se reportou como excessiva a prisão preventiva, contra o que expressamente se encontra dito na norma prevista no art.º 215.º n.º 2, al. d), do CPP. Por isso impõe-se condenar o peticionante nos termos do art.º 223.º, n.º 6, do CPP.


Com efeito, a lei é expressa em enunciar os prazos de duração máxima da prisão preventiva e que o acto processual que tem de ocorrer dentro desse prazo é que “tenha havido condenação” e não qualquer outro, o que, havendo o intérprete de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não consente dúvidas sobre o evento processual em função do qual o direito positivo manda aferir a duração máxima da prisão preventiva. Estrutura enunciativa, aliás, replicada nas restantes alíneas do mesmo preceito “dedução da acusação, proferida decisão instrutória, …”. Esta tem sido a jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal.


Considerando o princípio da actualidade é evidente a relevância do acto processual idóneo e delimitativo de pressuposto de habeas corpus com reflexos no prazo de duração máxima da privação da liberdade, no caso, a referência à data da prática do acto processual, ou seja, a prolacção do acórdão condenatório. Por isso, tendo sido declarada a especial complexidade do processo, tendo sido a medida de coação de prisão preventiva aplicada no dia 07/08/2021, estando a decorrer a fase de julgamento e o arguido acusado e a ser julgado pela prática de crimes punidos com pena de prisão entre dois e doze anos de prisão, verifica-se que à data de 07/02/2024, o prazo máximo de prisão preventiva não se mostrava esgotado.

1. Nestes termos, não se verifica que a situação actual de prisão do arguido e requerente se tenha por ilegal, não se verificando qualquer fundamento para o deferimento do presente pedido de habeas corpus.


Não procedendo o fundamento invocado de excesso de duração de prisão preventiva, nem, aliás, se indiciando qualquer dos outros fundamentos referidos no n.º 2, do art.º 222.º, do CPP, o pedido tem de ser indeferido por falta de fundamento bastante – conforme art.º 223.º, n.º 4, al. a), do CPP.


III - DECISÃO


Termos em que, acordando, se decide:

a. Indeferir o pedido da providência de habeas corpus apresentado pelo requerente AA, por falta de fundamento bastante, conforme art.º 223.º, n.º 4, al. a), do CPP.

b. Fixar em 8 UCs a taxa de justiça, nos termos do art.º 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa.


Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024 (processado e revisto pelo relator)


Leonor Furtado (Relator)


Albertina Pereira (Adjunta)


Heitor Vasques Osório (Adjunto)


Helena Moniz (Presidente)