Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2009/11.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: FRACÇÃO AUTÓNOMA
INUNDAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO CAUSADO POR COISAS OU ACTIVIDADES
DEVER DE VIGILÂNCIA
Data do Acordão: 10/07/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DIREITOS DA PERSONALIDADE / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Direito das Obrigações em Geral, Vol. I, 7.ª ed., p.885; in RLJ, ano 114, pp. 77-79.
- Brandão Proença, Direito das Obrigações – Relatório Sobre o Programa, o Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina, 2007, págs. 180/181.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, Vol. I, 4.ª ed., p. 474.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, N.º1, 335.º, 483.º, N.º1, 486.º, 493.º, N.ºS1 E 2, 563.º, 1305.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 02/06/2009, PROCESSO N. 560/2001.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
O art. 493.º, n.º 1, do CC, é aplicável no caso de uma inundação de uma fracção autónoma, motivada pela ruptura de um terminal de uma conduta de água de climatização, noutra fracção, uma vez que o respectivo proprietário tem em seu poder o toalheiro e tubagens aí existentes, tendo o dever de vigiar esse conjunto, de forma a tomar as medidas necessárias tendentes a evitar o risco de ocorrência de algum sinistro.
Decisão Texto Integral:
         

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            AA instaurou em 26/09/2011 ação com processo ordinário contra BB — …, Lda., tendo posteriormente sido requerida a intervenção principal provocada, como associada à R., da Companhia de Seguros CC, S.A.

            Alega sucintamente ser o dono da fração “…”, correspondente ao …° andar … do prédio sito na Av…., Lote …, …, que fica imediatamente por baixo da fração “…”, correspondente ao …º andar … do mesmo prédio, a qual pertence à R.

            O A. adquiriu essa fração para sua habitação, num prédio que se encontrava no estado de novo e que se situa na zona do ..., em Lisboa. Sucede que, no dia 20 de Novembro de 2009, se verificou uma inundação na fração da R., porquanto o terminal da conduta de água de climatização do seu andar rompeu-se, ou soltou-se, permitindo que a água saísse livremente vindo depois também a inundar o andar do A.

            Essa situação provocou na casa do A. um conjunto de danos materiais cuja reparação aqui pretende, sendo que os mesmos foram avaliados em €17.309,70, segundo dois peritos, e em €23.739,00, segundo um terceiro perito, conforme decorre da peritagem realizada no âmbito do processo especial de produção de prova antecipada que intentou e cuja apensação requereu.

            Entretanto, cerca de um ano depois, no dia 15 de Novembro de 2010, repetiu-se o mesmo sinistro, agravando assim os danos anteriormente verificados.

             Aos danos materiais causados na fração do A. acrescem ainda danos causados num violino, cuja reparação importou em €1.500,00, e em peças de roupa no valor de €1.000,00, que ficaram completamente inutilizadas, sendo atualmente a reparação devida pelo valor de €31.968,97.

             Por outro lado, o A. vive com a constante preocupação de que o sinistro se volte a repetir e cause novos estragos, pretendendo também por isso ser indemnizado por danos não patrimoniais no valor de €2.500,00.

             Em conformidade, concluiu pedindo a condenação da R. a colocar o andar do A. no estado de novo, isto é, naquele em que se encontrava no momento anterior ao primeiro sinistro de 20 de Novembro de 2009, mandando efetuar junto de construtor civil credenciado, e sob supervisão do A., as obras referidas na petição inicial e nos relatórios juntos pelos peritos no processo especial de produção de prova antecipada e, bem assim, a pagar uma indemnização sempre superior a €5.000,00.

             Em alternativa, deveria a R. pagar ao A. a quantia de €34.198,97 e as custas processuais da presente ação declarativa e da ação de produção antecipada de prova que precedeu esta ação.

              Em qualquer dos casos, pede ainda a condenação da R. no pagamento de juros de mora a contar da citação para o processo especial de produção de prova antecipada.

              Citada, a R. contestou aceitando a alegada titularidade das frações e a ocorrência dos dois sinistros, mas sustentou que a fuga de água verificada na ligação do toalheiro da casa de banho terá sido provocada pela instalação sanitária comum do prédio, sendo que em ambas as situações ninguém se encontrava no interior da fração da R.

              Por outro lado, para além de impugnar os alegados danos, invocou que havia transferido a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros para a Companhia de Seguros CC, S.A., cuja intervenção principal provocada requereu.

             Não tendo sido deduzida qualquer resposta a esta contestação, foi proferido despacho que deferiu ao incidente de intervenção provocada da referida seguradora, como associada à R.

             Citada, a seguradora interveniente confirmou a transferência para si da responsabilidade civil da R., mas excecionou que a sua cobertura estava limitada a 20% do capital seguro para o edifício, até ao limite máximo de €24.939,89 por cada período de vigência do contrato, e €4.987,98 por cada lesado. Relativamente aos sinistros, veio invocar que os mesmos não se deram por motivo imputável ao segurado, mas sim, segundo puderam apurar os seus peritos, pelo facto de ter sido acionada uma torneira que se situa no patamar comum do prédio, quando a casa da R. estaria sem ninguém no seu interior, o que permitiu que as inundações tivessem ocorrido, sem qualquer intervenção da sua segurada.

             Sem prejuízo, impugnou os danos alegados na petição inicial, concluindo pela sua absolvição do pedido.

             O A. replicou reafirmando que a razão de ser do sinistro foi o facto de a torneira do toalheiro da casa de banho da fração da R. se encontrar desacoplada e apresentar vício de construção ou defeito de conservação, não tendo a R. tido o cuidado devido por forma a evitar os danos que se vieram a verificar.

             Para mais, sustentou ainda que, se alguém acionou a torneira de climatização, só o pode ter feito no interesse da R., considerando que a filha do gerente da R. morava na fração em causa.

              Assim, sustentando que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil, concluiu nos mesmos termos da petição inicial.

              Findos os articulados e dispensada a realização de audiência preliminar, veio a ser proferido despacho saneador, que decidiu não haver exceções dilatórias nem nulidades secundárias, ao que se seguiu a enumeração dos factos desde logo considerados assentes e a elaboração da base instrutória, não tendo havido reclamações.

              Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto sujeita a instrução também sem qualquer reclamação.

              A final, foi proferida sentença que decidiu julgar a ação improcedente e absolver as R.R. de todos os pedidos.

              Inconformado, o Autor interpôs recurso, sem êxito, uma vez que a Relação, por unanimidade, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença da 1ª instância.

             Do acórdão que assim decidiu interpôs o autor a presente revista, como excecional, com base em contradição de julgados, a qual foi admitida pela formação de apreciação preliminar, referindo ele que “a questão de direito em debate nos presentes autos no sentido de saber se a ré é a responsável pelos danos causados na esfera patrimonial do autor desdobra-se na análise e aplicação do instituto da responsabilidade civil não contratual, de maior importância no direito, com focalização em dois pontos: i) a aplicação das normas que se extraem dos artigos 492º e 493º do Código Civil e ii) o nexo de causalidade”. E acrescenta: «Com base na análise destes temas, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação por considerar que a causa dos danos ocorridos na esfera patrimonial do autor “foram causados exclusivamente pela atuação pontual e injustificada de um terceiro”… “Se não fosse a conduta pontual e injustificada de um terceiro ao abrir a referida torneira, jamais se teriam verificado os alegados danos na fração do ora Apelante” (citações retiradas do acórdão recorrido).»

             Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:

             1. A ré, com culpa, que no caso concreto se presume mas que igualmente ficou provada, violou ilicitamente os direitos morais e de propriedade do autor e as disposições legais dos artigos 483, 492, 493 e 496 do Código Civil.

             2. O direito português consagra no artigo 563 do Código Civil a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus Nipperdey.

             3. Por isso, o nexo de causalidade não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser direta e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indireta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano.

             4. A causa adequada e jurídica dos danos sofridos pelo autor foi o facto de existir uma torneira avariada na fração da ré e os equipamentos de radiação no interior da fração da ré mostravam-se desacoplados e/ou desapertados das paredes, o que motivou que a água proveniente daquela estrutura passasse a jorrar para o chão aleatoriamente.

             5. Não foi a ação de um terceiro desconhecido, conforme refere o acórdão recorrido.

             6. O comportamento omissivo da ré, ilícito e culposo, traduziu-se em não ter em bom estado de conservação a canalização da sua fração, em violação das normas de direito dos artigos 492 e 493 do Código Civil e permitindo que por duas vezes a mesma fosse causa adequada a duas inundações no andar do autor.

             7. O autor provou o dano e, bem assim, o nexo causal entre a conduta da ré e o mesmo dano, demonstrando que o dano que ficou provado nos autos - seja ele moral ou patrimonial - é consequência jurídica da omissão do referido dever de conduta em não ter em bom estado de conservação a canalização da sua fração.

             8. Subsidiariamente, sempre seria abusiva a conduta da ré que omitiu o dever de adoção de medidas destinadas a evitar o perigo que a sua fração [onde se encontra uma torneira avariada e equipamentos de radiação desacoplados e/ou desapertados das paredes (o que motivou que a água proveniente daquela estrutura passasse a jorrar para o chão aleatoriamente)] fosse objetivamente causa de danos na esfera jurídica do autor. E por ser abusiva e geradora de responsabilidade civil.

             9. Pelo que a ação deveria ter sido julgada inteiramente provada e procedente e a ré e a chamada companhia de seguros, condenadas no pedido.

            10. Ao julgar de outro modo, o Tribunal a quo fez uma má interpretação das normas de direito referidas na presente peça processual e ainda nas normas que se retiram dos artigos 334, 483, 486, 492, 493, 496, 562 e 563, todos do Código Civil.

            Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a procedência da ação, com a condenação da ré e da chamada companhia de seguros no pedido.

            Em contra alegações, a CC pugnou pela negação da revista.

            Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos dados por assentes pelas instâncias são os seguintes:  

            1) Pela inscrição emergente da ap. 26/2008/10/29, mostra-se registada a favor do A. a aquisição por compra da fração autónoma designada pelas letras “…”, correspondente ao …° andar …, lado A, do prédio sito na Avenida …, lote …, …, em Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo …° e descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o n…. da freguesia de ... (cfr. doc. de fls. 252 a 258) - (AI. A) dos factos assentes);

            2) A R. é dona da fração autónoma designada pelas letras “…” do mesmo prédio, correspondente ao …º andar …, lado …, que fica imediatamente por cima do andar do A. - (Al. B) dos factos assentes);

            3) O prédio onde se localizam as frações em causa é novo, tendo sido concluído em Outubro de 2006, data na qual foi emitida a licença de utilização n.º … - (AI. C) dos factos assentes);

            4) O prédio encontra-se na zona do ..., junto à estação do Oriente, junto ao Hotel … - (Al. D) dos factos assentes);

            5) A fração do A., mencionada nos autos, serve de sua morada permanente - (Resposta ao 4° da base instrutória);

            6) Antes de 20 de Novembro de 2009 a fração do A. estava rigorosamente nova, sem qualquer dano - (Resposta ao 1º da base instrutória);

            7) Em 20 de Novembro de 2009, ocorreu um sinistro que consistiu no facto do terminal da conduta de água de climatização do andar da R. se ter rompido, ou soltado, permitindo que a água saísse da mesma livremente, indo inundar o andar do A. que lhe ficava imediatamente por baixo - (Al. E) dos factos assentes);

            8) Os equipamentos de radiação no interior da fração da R. mostravam-se desacoplados e/ou desapertados das paredes, o que motivou que a água proveniente daquela estrutura passasse a jorrar para o chão aleatoriamente - (Al. Q) dos factos assentes);

            9) A conduta de água de climatização que se encontrava solta (sem o aperto devido) no andar da R. dizia concretamente respeito ao toalheiro de aquecimento numa das suas casas de banho - (Resposta ao 2° da base instrutória);

            10) O sinistro ocorreu na instalação do sistema de climatização do edifício feita pela empresa “DD”, que passa por tubagem de água que vem das partes comuns para o interior das frações, onde existem equipamentos de aquecimento, como sejam os toalheiros das casas de banho - (Resposta ao 24° da base instrutória);

            11) Essa empresa, que detinha a gestão e manutenção da referida estrutura de climatização no prédio, procedia à ligação por cada condómino interessado na mesma, colocando um contador no patamar do piso, para cobrança posterior do respetivo consumo - (Resposta ao 25° da base instrutória);

            12) O primeiro sinistro ocorreu precisamente no mesmo dia em que a “DD” efetuou a ligação do sistema de climatização ao 10° andar esquerdo do prédio, sendo que alguém terá aberto a torneira de segurança do …° andar direito, existente no patamar comum às duas frações, sem que a R. haja solicitado essa ligação - (Resposta ao 26°, 32° e 37° da base instrutória);

            13) A abertura da torneira de segurança existente no patamar comum relativa à fração do …° andar direito permitiu o fornecimento de água quente para os equipamentos instalados na fração da R., sendo que a tubagem relativa ao toalheiro da sua casa de banho, por não ter o aperto devido, permitiu a saída de água que inundou a fração da R. e, posteriormente, a fração do A. - (Resposta ao 27° e 35° da base instrutória);

            14) Apurou-se que a climatização do edifício era feita por tubagem de água ligada aos equipamentos no interior de cada fração - (Resposta ao 28° da base instrutória);

            15) A ligação dessa estrutura era feita pontualmente por cada condómino que estivesse interessado na mesma, sendo, para o efeito, colocado um contador no patamar do piso para cobrança posterior do respetivo consumo - (Resposta ao 29° da base instrutória);

            16) Naquela Sexta-Feira, dia 20/11/2009, conforme solicitação de um vizinho da R., proprietário da fração correspondente ao …º Andar … do prédio, a empresa “DD” procedeu à ligação da referida estrutura - (Resposta ao 30° da base instrutória);

            17) Por motivos que a R. desconhecia, a tubagem da referida estrutura, respeitante à fração segura, tinha um by-pass permitindo, indevidamente, que a sua habitação gozasse de climatização sem contagem e, consequentemente, sem pagamento - (Resposta ao 31° da base instrutória);

            18) O sistema de climatização encontra-se nos pátios dos respetivos andares, acessível a qualquer pessoa, que facilmente acionam as torneiras - (Resposta ao 33° da base instrutória);

            19) Não foi a R., através de um seu gerente, funcionário ou agente, a acionar a referida torneira - (Resposta ao 34° da base instrutória);

            20) A água jorrou a partir do interior da casa de banho da R. no local onde existia uma ligação entre o toalheiro de aquecimento e a tubagem do sistema de aquecimento que provinha do exterior do prédio - (Resposta ao 36° da base instrutória);

            21) A filha do gerente da R. era a pessoa que vivia no andar desta, em conjunto com uma colega de faculdade - (Resposta ao 38° da base instrutória);

            22) Um ano passado, em 15 de Novembro de 2010, ocorreu um novo sinistro - (Al. F) dos factos assentes);

            23) O sinistro de 15 de Novembro foi exatamente igual ao primeiro ocorrido em 20 de Novembro de 2009 - (Resposta ao 3° da base instrutória);

            24) O facto de a conduta de água do toalheiro da casa de banho da R. continuar sem o devido aperto, possibilitou a repetição do mesmo evento cerca de um ano após o primeiro acontecimento, na medida em que alguém terá aberto a torneira de segurança existente no exterior da fração, na parte comum do edifício, no mesmo patamar - (Resposta ao 8°, 22° e 23° da base instrutória);

            25) A água não só inundou o andar do A. como chegou a inundar o andar imediatamente inferior - (Al. H) dos factos assentes);

            26) A R. reconhece que se verificaram inundações no seu apartamento nos dias 20 de Novembro de 2009 e 15 de Novembro de 2010 - (Al. G) dos factos assentes);

            27) Porque não estava ninguém na habitação, essa água correu durante horas a fio, inundando a fração da R. e, consequentemente, as frações do lado direito dos dois pisos imediatamente abaixo - (AI. R) dos factos assentes);

            28) Em consequência do segundo sinistro verificou-se pelo menos um agravamento dos danos verificados na vistoria realizada pelos peritos no âmbito do processo de produção antecipada de prova - (Resposta ao 9° e 12° da base instrutória);

            29) Como consequência desses sinistros importará fazer a reconstrução de acabamentos na fração do A. e realização de trabalhos preparatórios, de construção civil e conclusão de obra, dos quais se destacam os seguintes:

            I) Picagem e repor massa de gesso de estuque nas áreas danificadas;

            II) Reparar todas as fissuras das paredes e tetos, nas áreas onde as mesmas se verificam;

            III) Pintura das paredes e tetos com uma primeira demão de isolante, levando uma segunda demão com tinta plástica de igual cor à existente, em todos os compartimentos danificados;

            IV) Reparação ou substituição de portas, aros e guarnições, que se encontrem danificados;

            V) Remoção de pavimento e rodapés, nos compartimentos danificados;

            VI) Aplicação de molduras roda teto simples, nos compartimentos danificados;

            VII) Remoção e aplicação de lambris no hall dos quartos e hall de entrada;

            VIII) Remoção e aplicação de teto falso em gesso cartonado “Pladur”, no hall da suite;

            IX) Execução de compartimento de A/C em gesso cartonado “Pladur”, na sala;

            X) Controle e eventual arranjo de toda a instalação elétrica da fração;

            XI) Limpeza final de obra - (Resposta ao 10º da base instrutória);

            30) Pelo menos será necessário realizar a reparação constante do relatório dos peritos de fls. 225 a 227 e do seu anexo I de fls. 228 a 231, ambos do apenso “A” - (Resposta ao 11° da base instrutória);

            31) No processo especial de produção antecipada de prova (que correu termos pelo 9° Juízo Cível, 1ª Secção, com o n.º 865/10.8YXLSB e que se mostra apenso) os peritos declararam por unanimidade que dos acidentes resultaram não só a destruição dos acabamentos em quase toda a fração do A. como também a destruição de vários móveis e artigos de vestuário - (Al. Z) dos factos assentes);

            32) Na perícia colegial levada a efeito para a concretização e avaliação dos danos resultantes do primeiro sinistro (apenas com o voto de vencido do perito indicado pelo A.), foi estimado que o custo das obras de reparação necessárias da fração se cifraria em €17.309,70, acrescido de IVA à taxa aplicável em vigor, mas o perito do A. estimou esse custo em €23.739,00, acrescido de IVA - (cfr. resposta dos peritos de fis. 225 a 236) - (AI. AA) dos factos assentes);

            33) No andar do A. encontrava-se um violino de concerto, pertença da esposa do A. - EE, que é ... na ... -, o qual, na sequência do primeiro sinistro, ficou danificado pela água, tendo o concerto do mesmo custado o valor de 1.500,00 Euros - (Resposta ao 15° da base instrutória);

            34) Foram inutilizadas várias peças de roupa do A., nomeadamente dois fatos completos e duas calças, peças de roupa cujo valor em conjunto é superior a 1.000,00 Euros - (Resposta ao 16° da base instrutória);

            35) O A. vive com o medo decorrente da preocupação de que as inundações se voltem a repetir - (Resposta ao 17° da base instrutória);

            36) O A. viu-se confrontado, de um dia para o outro, com a destruição parcial do seu andar de habitação permanente, sendo obrigado a viver num imóvel com os materiais e acabamentos destruídos - (Resposta ao 18° da base instrutória);

            38) Desde 20 de Novembro de 2009 que a vida do A. se tem transformado numa preocupação constante com o receio de novos eventos ocorrerem - (Resposta ao 20º da base instrutória);

            39) A R. não promoveu por sua conta a reparação dos danos causados pelos sinistros, apesar de ter sido interpelada para o efeito de forma insistente pelo A. - (Resposta ao 19° da base instrutória);

            40) Pelo menos após o 2° sinistro, o sócio gerente da R. solicitou a intervenção de um técnico ao local para conectar o toalheiro novamente ao sistema, o que fez para evitar ocorrências similares futuras, uma vez que a tubagem de aquecimento se encontrava facilmente acessível a terceiros - (Resposta ao 39º da base instrutória);

            41) O sócio gerente da R., FF, solicitou à Administração do Condomínio a retirada das torneiras ou válvulas de segurança localizadas no hall comum do andar da fração (zona comum) com acesso de terceiros, de modo a que ninguém pudesse aceder novamente à tubagem, prevenindo a ocorrência de futuros sinistros, o que só foi feito após a ocorrência do segundo sinistro, promovendo-se assim a remoção das torneiras das válvulas nos pátios (comuns) dos respetivos andares - (Resposta ao 40° da base instrutória);

            42) A R., através do seu sócio - gerente, pelo menos informou o A. que ia participar o sinistro à companhia de seguros CC, para a qual havia transmitido a sua responsabilidade civil - (Resposta ao 5° da base instrutória);

            43) À data dos sinistros dos autos, a R. BB — …, Lda., havia transferido para a Interveniente - Seguradora, a sua responsabilidade civil, enquanto proprietária da fração segura, através de seguro do ramo de Multi - Riscos Habitação, Modalidade Multi Proteção … (Edifício), que tinha por objeto a fração “…”, correspondente ao 10° andar direito do prédio urbano sito na Avenida …, ..., Lote …, por acordo que ficou titulado pela apólice n.º …, sujeito às demais Condições Particulares e Condições Gerais e Especiais da modalidade 02 “Multi Proteção Lar” “…” da apólice que se mostra junta de fls. 147 a 161, cujo teor aqui se dá por reproduzido - (Al. I) dos factos assentes);

            44) Nos termos das condições gerais e especiais desse acordo estipulou-se expressamente em “O QUE SE GARANTE”, que: ≪A Seguradora garante as reparações pecuniárias exigíveis ao Segurado na qualidade de proprietário do imóvel seguro (...) com fundamento em responsabilidade civil extra-contratual por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros≫ e que ≪A responsabilidade global da Seguradora ao abrigo desta cobertura é de 20% do capital seguro para o edifício, até ao máximo de 24.939,89 € por cada período de vigência da apólice, qualquer que seja o número de acidentes ocorridos ou o número de lesados envolvidos, ficando limitada a 4.987,98€ a indemnização máxima garantida para cada lesado≫ (cfr. Condições Especiais da modalidade 02 - …, n.º 4 “Responsabilidade civil (prop./inq./ocupante)”, págs. 5 e 6 de 12 do cit. doc. de fls. 155 infra a fls. 156 supra) - (Al. J) dos factos assentes);

            45) Mais se salvaguardava, sob a epígrafe “SEGURO DE FRAÇÕES” que «Quando o seguro não seja efetuado pela totalidade do edifício, a garantia abrangerá os danos que a fração segura possa causar a terceiros≫ - (cfr. Condições Especiais da modalidade 02 - …, n.º 4 “Responsabilidade civil (prop./inq./ocupante)”, pág. 6 de 12 do cit. doc. a fls. 156 supra) - (Al. L) dos factos assentes);

            46) Por seu turno, em “O QUE NAO SE GARANTE”, estipulou-se que: ≪Para além das exclusões aplicáveis constantes das Condições Gerais da apólice ficam ainda especificamente excluídos: (...)

               ≪f) Os prejuízos causados a terceiros e resultantes do desrespeito pelas condições de segurança impostas pela legislação vigente;

               ≪h) Os prejuízos consequenciais.≫ - (cfr. Condições Especiais da modalidade 02 - ..., n.º 4 “Responsabilidade civil (prop./inq./ocupante)”, pág. 6 de 12 do cit. doc. a fls. 156 supra) - (Al. M) dos factos assentes);

            47) A companhia de seguros interveniente efetuou várias vistorias aos andares, uma delas no âmbito de um processo especial de produção antecipada da prova - (Al. X) dos factos assentes);

            48) Em 25/11/2009, a Interveniente - Seguradora recebeu nas suas instalações do ... uma Participação de Acidente remetida pela R., dando-lhe conta da ocorrência de um sinistro na sua fração no dia 20/11/2009, pelas 17h00, e referindo no espaço destinado à “Descrição pormenorizada do acidente e das suas presumíveis causas” que: ≪Não se encontrava ninguém na casa quando por volta das 17.00 estava no local a empresa DD instala o ar condicionado no apartamento do 10º Esq.° por volta das 18.30. Chegando a casa já se encontrava a polícia e bombeiros. Mais informo que o apartamento do …° e ... também foram danificados≫ (cfr. doc. de fls. 162 a 163 cujo teor se dá por reproduzido) - (Al. N) dos factos assentes);

            49) Na sequência desta Participação, a seguradora, ora Interveniente, encarregou um Gabinete Técnico de Peritagens “D...” de proceder à averiguação do sinistro para apuramento da sua origem e causas e levantamento dos danos dele decorrentes, cujo “Relatório de Peritagem”, com o n.º …, se mostra junto de fls. 164 a 198, cujo teor aqui se dá por reproduzido - (Al. O) dos factos assentes);

            50) Desse relatório, respeitante ao primeiro sinistro, consta na página 6 que o valor do dano foi calculado nessa altura e pelo perito da companhia de seguros em 22.725,14 Euros (valor ao qual acresce IVA) - (cfr. cit. doc. a fls. 169) - (Al. P) dos factos assentes);

            51) Em 16/11/2010, a R. remeteu à ora Interveniente seguradora uma nova Participação de Acidente, dando conta de um sinistro ocorrido na fração de que era proprietária no prédio e referindo no espaço destinado à “Descrição pormenorizada do acidente e das suas presumíveis causas” que: ≪Tudo isto começou quando os nossos vizinhos da frente instalaram o clima-espaço no seu apartamento. Segundo eles, a empresa ao proceder abriu a torneira errada provocando assim uma inundação no nosso apartamento a 20.11.2009. Mais ou menos um ano depois - 15.11.2010 - sucedeu-se o mesmo. Os vizinhos ao chegarem ao apartamento foram ligar o clima-espaço e ao fazê-lo devem-se ter enganado na torneira e o mesmo voltou a acontecer - inundação tanto no nosso apartamento como nos apartamentos abaixo.≫ (cfr. doc. de fls. 201 a 202 cujo teor se dá por reproduzido) - (Al. S) dos factos assentes);

            52) Uma vez recebida a participação do sinistro, a Interveniente - seguradora mandou averiguar da efetiva ocorrência do mesmo, procurando analisar todas as circunstâncias que estariam na sua origem e lhe deram causa, bem como proceder à quantificação dos danos dele decorrentes com vista a formular um juízo sobre a responsabilidade do evento (AI. T) dos factos assentes);

            53) Encarregou para tal, uma vez mais, a referida sociedade de peritagens “D...”, que, no dia 24/11/2010, fez deslocar ao local do sinistro um perito a fim de proceder a uma averiguação das causas e quantificação dos danos decorrentes da infiltração de águas — (Al. U) dos factos assentes);

            54) Nessa peritagem verificou-se que a origem dos danos na fração do A. resultou novamente do acionamento da torneira de abastecimento de água quente aos radiadores do sistema de aquecimento central do apartamento da R., pelo que, posta a tubagem à carga, a água jorrou pelo encaixe da tubagem do radiador da casa de banho e alagou o apartamento, tendo-se consequentemente infiltrado para os andares inferiores (vide pág. 2 do Relatório de Peritagem junto de fls. 203 a 225, cujo teor se dá por reproduzido) — (Al. V) dos factos assentes);

            55) A seguradora interveniente não indemnizou o A. - (Al. AB) dos factos assentes);

            56) Nem a R., nem a interveniente seguradora, tomaram qualquer iniciativa para repor o andar do A. na situação existente anteriormente ao primeiro sinistro - (Resposta ao 6° da base instrutória).

            ***                                       ***                                         ***

            Pretende o autor ser indemnizado pelos danos que diz terem-lhe resultado de duas inundações causadas na sua fração, - …º andar … - que habita como residência permanente, provenientes do andar da ré, imediatamente superior ao seu no mesmo prédio – 10º andar direito -, em consequência de, tendo-se o terminal da conduta de água de climatização do andar da ré, a qual diz concretamente respeito ao toalheiro de aquecimento de uma das casas de banho, rompido ou soltado, ter, por duas vezes, originado que a água, quente e em grande pressão, saísse da mesma livremente, invadindo o andar dele autor. Acrescenta que para tal ter ocorrido e se poder repetir basta que a pressão da canalização aumente, pois a junção na canalização existente no andar da ré não suporta a mesma por se encontrar mal efetuada, sem a força de aperto necessária e com a utilização de materiais impróprios, sem que a ré proceda à reparação necessária.

            Na contestação da seguradora, exclui esta a responsabilidade da ré, e consequentemente a sua, por, segundo sustenta, os sinistros terem ocorrido na sequência da instalação, pela empresa DD, da climatização do edifício por tubagem de água, ligada aos equipamentos no interior das frações, na fração correspondente ao 10º andar esquerdo, empresa essa que detinha a gestão e manutenção da referida estrutura de climatização no prédio e que procedia à ligação por cada condómino interessado na mesma, - o que não foi o caso da ré -, sendo então colocado um contador no patamar do piso, para posterior cobrança do respetivo consumo; na sequência dessa ligação ao 10º andar esquerdo com a instalação do respetivo contador, foi pela DD acionada a torneira de segurança existente no patamar comum às frações direita e esquerda do 10º andar e que, na referida estrutura, ligava a água à fração, apesar de no 10º andar direito, fração segura na contestante, não ter sido solicitada nem efetuada a aludida ligação, encontrando-se os equipamentos de radiação no interior da fração da ré desacoplados e/ou desapertados da parede e portanto não ligados aos tubos provenientes da dita estrutura de climatização, - sendo que a climatização do edifício era feita por tubagem de água ligada aos equipamentos no interior de cada fração -, e daquele acionamento derivou a saída da água que inundou a fração da ré e, de seguida, a do autor. Não pode, assim, ser responsabilizada a ré, nem ela contestante, visto não ter sido a ré que procedeu ao acionamento da torneira de segurança do qual resultou o fornecimento de água de climatização à fração segura, não pedido pelo ré.       

             A sentença da 1ª instância, confirmada pelo acórdão recorrido, que além do mais recusou alterar a matéria de facto tal como ali fixada rejeitando impugnação sobre essa matéria apresentada pelo autor, considerou não se encontrarem demonstrados os necessários pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, o que o recorrente impugna nesta revista.

             Estamos com efeito perante uma hipótese de eventual responsabilidade civil extracontratual, ancorada na violação de deveres gerais de conduta, sendo requisitos do dever de indemnizar com fundamento nesse tipo de responsabilidade a existência de um facto voluntário, ilicitude deste, culpa do seu autor, dano, e nexo de causalidade entre tal facto e esse dano (art.º 483º, n.º 1, do Cód. Civil). Por outro lado, enquanto na responsabilidade contratual, baseada na violação de direitos de crédito, é aplicável, quanto ao ónus da prova, a presunção de culpa prevista no art.º 799º, n.º 1, do mesmo diploma, na responsabilidade extracontratual, salvo casos excecionais, cabe ao lesado a prova da culpa do lesante (art.º 487º, n.º 1, também do Cód. Civil).

             Ora, ao invés do que se decidiu nas decisões impugnadas, pelo menos alguns dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual se verificam na hipótese dos autos.

             Desde logo, o facto.

             Com efeito, existe facto voluntário do identificado como lesante, pois, consistindo tal facto em todo o comportamento humano voluntário relevante para efeitos de responsabilidade civil, tanto pode ser praticado por via de ação como por via de omissão, pois, como se vê do disposto no art.º 486º do Cód. Civil, as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.       

             E omissão existe, verifiquem-se ou não os restantes requisitos legais necessários para que haja obrigação de reparação dos danos e haja ou não o dever de praticar o acto omitido: consiste no facto de a ré BB não ter providenciado pela ligação do toalheiro de aquecimento da casa de banho da sua fração à tubagem do sistema de aquecimento proveniente do exterior da mesma com o aperto devido.

             Danos existem também, consistentes nos prejuízos dados por provados em resultado das duas inundações.

             Resta, assim, apurar da eventual existência de ilicitude, culpa e nexo de causalidade, requisitos estes que na hipótese dos autos se mostram intimamente ligados.

             Quanto à primeira, à luz do disposto no citado art.º 483º, n.º 1, deve esta resultar, ou da violação de direitos de outrem, ou seja, da infração de direitos subjetivos, ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, não havendo dúvida de que se mostram lesados direitos do autor, quer sobre o património, o que constitui uma lesão do direito de propriedade tutelado erga omnes nos termos dos art.ºs 1305º e ss. do Cód. Civil, quer sobre os seus direitos de personalidade física e moral, dado utilizar a sua fração como residência permanente e, em consequência dos danos nela provocados, sem o conforto a que tinha direito, e com justificados motivos de preocupação e incómodo, direitos esses também tutelados como oponíveis erga omnes pelo art.º 70º, n.º 1, do Cód. Civil. Importa, porém, determinar se tais lesões foram provocadas por acto ou omissão humana contrários ao direito, só então se podendo sustentar a existência de ilicitude. Ou seja, importa saber se a omissão verificada foi contrária ao direito.

              Para assim ser, é necessário que o comportamento omitido fosse devido, por força da lei ou de negócio jurídico (dito art.º 486º).

              Por força de negócio jurídico não é o caso, pois não existia qualquer negócio jurídico, nem sequer invocado pelas partes, celebrado entre autor e ré, no sentido de ser efetuada mais forte e eficaz ligação entre o toalheiro aquecedor da ré e o terminal da tubagem proveniente do exterior.

              Quanto à lei, há que ter em conta que, como é geralmente sabido e mesmo repetidamente sustentado em diversos acórdãos deste Supremo Tribunal, de que é exemplo o acórdão de 02/06/2009, de que foi relator o Exmo. Conselheiro Fonseca Ramos, a relevância jurídica da omissão está ligada ao dever genérico de prevenção do perigo, que significa (Antunes Varela, RLJ – ano 114, pp. 77-79), que “o criador ou o mantenedor da situação especial de perigo tem o dever jurídico de o remover, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão (é o caso do atropelante que não conduz ao hospital o atropelado, vindo este a sofrer novo e mortal atropelamento, do proprietário que descura o dever de conservação das pranchas de madeira utilizadas na ponte da sua quinta ou do empreiteiro que abra um buraco na via pública)”.

            A este respeito acrescenta Brandão Proença, in “Direito das Obrigações – Relatório Sobre o Programa, o Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina” - 2007, págs. 180/181, que, como projeções legais desse dever (não consagrado especialmente na lei, mas enquadrável, de qualquer modo, nos artigos 483º e 486º), aquele jurista cita as normas dos artigos 492º, 493º, 502º, 1347º - 1350º e 1352º, do Cód. Civil. Mais refere que os deveres em causa têm a ver com a prevenção dos perigos em locais privados ou públicos (estradas, edifícios), relacionados com coisas (venenos) ou atividades perigosas.               

             No que à culpa se refere, trate-se de mera culpa ou de dolo, traduz-se ela, como é sabido, num juízo de censura da ordem jurídica sobre uma conduta reprovável do identificado como lesante, a quem é atribuído um nexo de imputação do facto em questão. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pg. 474), “o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo”.                            

              Sustenta o recorrente o seu direito à indemnização que pretende, desde logo, invocando o disposto nos art.ºs 492º e 493º do Cód. Civil, que consagram a presunção de culpa, em ambos os casos elidível por prova em contrário, do proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, causando danos (492º), ou de quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, relativamente aos danos que a coisa ou os animais causarem (493º, n.º 1), assim como de quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados (493º, n.º 2).

             Desde logo, no que àquele art.º 492º se refere, não tem aplicação na hipótese dos autos. Isto porque a fração da ré não ruiu, no todo nem em parte, pois não se desmoronou nem a própria fração nem alguma das suas paredes divisórias, não sendo em consequência essa inexistente ruína que deu origem aos danos sofridos pelo autor, os quais, no que à fração da ré respeita, derivaram da falta da devida e eficaz ligação do toalheiro ao terminal da tubagem proveniente do exterior e não de qualquer desabamento. Igualmente não tem aqui aplicação o disposto no n.º 2 do citado art.º 493º, visto que os aludidos danos do autor não resultaram de qualquer atividade perigosa desenvolvida pela ré, tendo em conta que tal perigosidade se deve aferir pela própria natureza da atividade ou dos meios para ela utilizados, como seria o caso da navegação marítima ou aérea, comércio de substâncias ou materiais inflamáveis, fabrico de explosivos, tratamentos médicos com raios X, ou outras.

             Já se entende, porém, que o n.º 1 desse art.º 493º é aplicável na hipótese dos autos, uma vez que a ré é proprietária da fração, que tem em seu poder, inclusive do aludido toalheiro e respetivas tubagens na mesma fração existentes, tendo o dever de vigiar todo esse conjunto por forma a que, em atenção ao aludido dever genérico de prevenção de perigo para outrem que recai sobre os donos de coisas públicas ou privadas mesmo que imóveis, tome as necessárias medidas tendentes a evitar o maior ou menor risco de ocorrência de algum sinistro.

             Não se consagra nestes dispositivos qualquer responsabilidade pelo risco, mas apenas uma presunção de culpa, ou seja, não tem aqui o autor de provar a culpa da ré, sendo esta, seja a ré inicial seja a sua seguradora, que tem de provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

             Ora, no que à primeira inundação respeita, entende-se que as rés conseguiram demonstrar falta de culpa da ré proprietária da fração do 10º andar direito.

             Isto porque ficou provado que a ré nunca contratou o fornecimento da água da conduta geral do sistema de climatização do prédio à sua fração com a empresa que prestava esse serviço, não tendo solicitado a ligação da sua fração a esse sistema, não manifestando portanto interesse nem vontade em que tal ligação fosse efetuada. Daí que, antes da primeira inundação, não tivesse a ré motivos para recear que da falta do aperto eficaz do toalheiro ao terminal da tubagem pudesse resultar saída de água por esse local nem que, consequentemente, da falta desse aperto pudesse resultar a existência de qualquer perigo de inundação, quer para a sua fração, quer para as frações inferiores. Tal circunstancialismo obsta a que se possa formular um juízo de censura, integrante de culpa, para com a ré, pois não se pode atribuir-lhe, antes daquela primeira inundação, qualquer obrigação de conservação da instalação em condições de bom funcionamento, por não pretender fazer uso dela, e não a ter ligada, segundo cria, à tubagem do sistema de climatização exterior à fração, tendo assim de se concluir que, no que à primeira inundação se refere, a culpa se mostra excluída, o que, sem necessidade de mais considerações nessa parte, afasta a obrigação de indemnização por parte da ré inicial e, consequentemente, da sua seguradora.             

             Já o mesmo não se pode dizer relativamente à segunda inundação e às suas consequências. Com efeito, alertada, face à primeira inundação, para o perigo de nova inundação, quer da sua fração, quer da ou das frações inferiores, apesar de não pretender nem ter contratado a ligação da conduta de água do sistema de climatização à tubagem existente no interior da sua fração, nomeadamente ao toalheiro da sua casa de banho, competia-lhe obstar a esse perigo de nova inundação providenciando por uma eficaz ligação e aperto na junção do aludido toalheiro ao terminal da tubagem por forma a evitar novas fugas de água se ocorresse novo acionamento da torneira ou válvula de segurança exterior.

             Não demonstrando tê-lo feito, não exclui a culpa que sobre ela recai, a qual, como se referiu, se presume, no que à segunda inundação respeita.

             Isto ainda porque a dita omissão da ré tem de ser considerada como ilícita. Na verdade, sendo o autor e a ré proprietários, respetivamente, das suas identificadas frações, gozam de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição das mesmas, mas, como diz expressamente o art.º 1305º do Cód. Civil, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas. Ora, uma dessas restrições é a que resulta do disposto no art.º 335º do mesmo Código, respeitante à colisão de direitos: sendo tais direitos iguais ou da mesma espécie, devem os respetivos titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. Assim, como da manutenção da mencionada ligação em condições deficientes podia resultar de novo a inundação da fração do autor, com danos possivelmente avultados que o poderiam impedir de usar e fruir integralmente da sua fração, tem de se concluir que a dita conduta omissiva da ré enferma de ilegitimidade no que à segunda inundação se refere.                    

             Resta, quanto aos requisitos de responsabilidade, verificar se existe ou não nexo de causalidade adequada entre o facto omissivo da ré e os danos sofridos pelo autor em consequência da segunda inundação.

             Dispõe o art.º 563º do Cód. Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. E, conforme vem sendo de forma praticamente unânime entendido pela jurisprudência, tal dispositivo consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa: segundo Antunes Varela, in “Direito das Obrigações em Geral”, Vol. I, 7ª ed., pág. 885, “há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado, isto é, o agente só responde pelos danos para cuja produção a sua conduta era adequada”.

             Por outro lado, a referida doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição, ou seja, a exclusividade do facto condicionante do dano, não impondo além disso que a causalidade seja direta e imediata, admitindo assim não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, mas também a causalidade indireta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscita o dano (entre outros, Ac. deste Supremo de 07/04/2005).

            Acresce ser de considerar que o nexo de causalidade pode ser analisado sob duas vertentes: a do nexo naturalístico e a do nexo jurídico ou de adequação.

            A primeira é a que se contém dentro dos limites da matéria de facto, consistindo em determinar se um certo facto, sozinho ou conjuntamente com outros, deu origem ao dano; a segunda traduz-se em apurar se, à luz da doutrina da causalidade adequada, esse facto concreto pode ser considerado, em abstrato, causa idónea do dano verificado.

            Quanto à primeira, está provado que a inundação resultou de dois factos essenciais que se complementaram: por um lado, ter alguém, que não a BB, aberto a torneira ou válvula de segurança do 10º andar direito, pertença da mesma ré, existente no patamar comum a essa fração e ao 10º andar esquerdo, o que deu origem a que a água de climatização corresse pela respetiva tubagem existente nas partes comuns para o dito andar dessa ré; por outro lado, encontrar-se um toalheiro de aquecimento de um quarto de banho do andar da mesma ré desacoplado ou desapertado da parede, não tendo ela providenciado pela respetiva ligação, o que levou a que aquela água saísse pelo ponto de junção sem aperto suficiente para tal evitar, daí derivando que a água jorrasse para o chão do andar da ré e, depois, para o andar do autor.    

            Tanto basta para ter de se concluir que a omissão da BB, sendo um dos factos condicionantes do sinistro, tenha sido causa, em sentido naturalístico, das inundações.

            Estas, como também ficou provado, ocorreram exatamente da mesma forma.

            Há, porém, uma diferença importante no que à sua origem respeita.

            É que, quanto à primeira inundação, para além de não ter a BB contratado a prestação dos respetivos serviços com a empresa de climatização, não tinha também motivo para prever a existência de qualquer perigo de a sua fração ser invadida por água decorrente desses serviços nem, consequentemente, de qualquer perigo de inundação, o que a dispensava de obrigação de atuar no sentido de ser executada a omitida ligação no interior da sua fração com aperto eficaz tal que obstasse à saída de água pelo ponto de junção do toalheiro à tubagem, tal circunstancialismo tornando irrelevante para efeito de responsabilização da mesma ré essa omissão. Daí que, no que à primeira inundação respeita, seja de entender que a omissão da ré, proprietária do andar superior, não constituiu causa adequada.

            Já quanto à segunda inundação, a mesma ré tinha forçosamente de ter presente que a falta de contratação com a empresa de climatização não fora suficiente para evitar a anterior inundação e os danos provocados no andar inferior, pelo que, não sendo tomadas novas medidas a tal obstativas, o perigo de nova inundação e novos danos se verificarem se mantinha. Cabia, pois, a essa ré, pelo menos à luz do disposto no citado art.º 335º, evitar esse perigo, ou informando-se com toda a certeza da impossibilidade de condução de água de climatização do exterior da sua fração para a tubagem interior desta perante a entidade que tivesse competência ou obrigação de a garantir, ou providenciando no sentido de a ligação do toalheiro no interior da sua fração ser executada com aperto suficientemente eficaz. E, dada a mencionada presunção de culpa, que a mesma ré, quanto a esta inundação, não logrou afastar por não ter demonstrado ter praticado qualquer desses factos, entende-se que o nexo de causalidade, no que à segunda inundação respeita, é adequado, sendo em consequência relevante para determinar a responsabilidade da dita ré pelos danos dessa segunda inundação resultantes.   

            A ré BB é, portanto, responsável pelos danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, - no que a estes respeita por se considerar que são suficientemente graves para merecerem a tutela do direito -, resultantes, para o autor, da segunda inundação verificada, visto que, nessa parte, se encontra provada a ocorrência de todos os requisitos de responsabilidade civil apontados, responsabilidade aquela que, por força das condições constantes do contrato de seguro celebrado entre ambas, as quais não se mostra que a excluam, recai também sobre a seguradora CC, embora, no que a esta respeita, apenas até ao montante de € 4.987,98.

            Importa, assim, determinar o valor desses danos.

            Sucede, porém, que, por um lado, não se podendo reconhecer direito de indemnização do autor sobre a ré no que respeita aos danos resultantes da primeira inundação, não é possível satisfazer o pedido do autor no sentido de colocar o seu andar no estado em que se encontrava antes dela, não se podendo, por outro lado, com os elementos existentes nos autos, saber o estado anterior à segunda indemnização, por falta de concretização dos danos específicos desta derivados.

            Não é possível, além disso, nesta fase, o apuramento daquele valor, na medida em que, quanto aos patrimoniais, não se apurou concretamente quais foram esses danos, apenas tendo ficado assente que se traduziram no agravamento dos danos resultantes da primeira inundação sem se ter apurado a dimensão desse agravamento, sendo ainda que os próprios peritos que procederam à perícia colegial declararam por unanimidade que dos acidentes (e não só do acidente, que seria o primeiro), resultaram não só a destruição dos acabamentos em quase toda a fração do autor, como também a destruição de vários móveis e artigos de vestuário, e, quanto aos não patrimoniais, ficou provado que, depois da segunda inundação, a ré providenciou pela execução da necessária ligação, mas sem se saber quando, não se justificando depois disso o receio do autor de que as inundações se repetissem, pelo menos com essa causa. Terá, assim, o respetivo apuramento de ser relegado para incidente de liquidação.

            ***                                        ***                                        ***

            Pelo exposto, acorda-se em conceder em parte a revista, alterando-se o acórdão recorrido no sentido de ficarem a BB e a CC condenadas no pagamento ao autor da quantia que vier a ser apurada em incidente de liquidação nos termos acima indicados, embora, quanto à CC, no montante máximo de € 4.978,98, mas sempre com juros à taxa legal a contar da citação para esta ação, confirmando-se o mesmo acórdão na parte restante.

            Custas pelo autor e pelas rés, na proporção de um sexto por estas e de cinco sextos por aquele, sem prejuízo de alteração porventura determinada pelo resultado do incidente de liquidação.

             ***                                       ***                                        ***

                                     Lisboa, 7 de Outubro de 2014

Silva Salazar (Relator)

Nuno Cameira

Sousa Leite