Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S4107
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA LAURA LEONARDO
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
LACUNA
TREINADOR
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
CONTRATO DE CEDÊNCIA DE IMAGEM
COLIGAÇÃO DE CONTRATOS
RETRIBUIÇÃO
PRÉMIO
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: SJ200709120041074
Data do Acordão: 09/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADAS AMBAS AS REVISTAS.
Sumário : I - A lei ao fixar a força probatória das declarações exaradas em documento particular, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 376.º do CC, apenas pretende dar como assente que as declarações constantes de tal documento são de atribuir ao seu autor na medida em que elas sejam contrárias aos interesses do declarante (materialidade da declaração), mas não quanto à exactidão dos factos a que ela se reporta.

II - Por isso, num contrato de trabalho a termo, tendo o autor posto em causa a remuneração que ficou a constar do documento que titula aquele, é admissível a prova testemunhal para apurar a remuneração efectivamente acordada entre as partes.

III - Embora a norma constante do art. 59.º da LCCT permita que os critérios e valores definidores de indemnizações sejam estabelecidos em IRCT, esses critérios e valores não podem conduzir a limites inferiores aos decorrentes da lei geral (ou de lei especial).

IV - Assim, estabelecendo-se num CCT, em matéria de indemnização por despedimento sem justa causa, tratamento menos favorável para o trabalhador do que o resultante do Contrato de trabalho do praticante desportivo (CTPD), por força do estipulado nos art.s 12.º e 13.º da LCT deverá prevalecer este regime.

V - O CTPD constitui uma espécie do contrato de trabalho, com um regime legal consagrador das respectivas especificidades.

VI - A inexistência de regulação legal própria para os contratos de trabalho de outros agentes desportivos (v.g. os treinadores de futebol) não determina, sem mais, a aplicação da “lei geral do trabalho”, antes possibilitando, face a uma eventual lacuna de previsão, o recurso aos instrumentos de integração previstos no art. 10.º do CC, e, por essa via, ao regime especial do CTPD.

VII - Donde, tendo um treinador de futebol sido despedido sem justa causa, as consequências da ilicitude do despedimento são as previstas no art. 27.º do CTPD.

VIII - Verifica-se uma união ou coligação de contratos quando as partes celebram dois contratos diferenciados – v.g. um de trabalho e outro de cedência de imagem -, mas pretenderam que essa pluralidade funcionasse como um todo, como um conjunto económico (valor global acordado) e, por isso, estabeleceram um nexo funcional entre eles.

IX - Na situação descrita na proposição anterior, os valores decorrentes do contrato de cedência de imagem, porque integrantes da remuneração do autor, enquanto treinador de futebol, fazem parte da prestação indemnizatória que lhe é devida, em consequência do seu despedimento.

X - E, tendo as partes clausulado a atribuição ao autor (treinador) de determinados prémios, caso os objectivos desportivos previstos fossem alcançados, a prestação indemnizatória decorrente do despedimento deve incluir essa parte variável da retribuição, a qual deverá ser calculada tendo em conta a média dos prémios obtidos pelo autor nos doze meses anteriores.

XI - O facto de o autor, na acção declarativa condenatória, não ter logrado provar o montante líquido pedido, não obsta a que a parte contrária seja condenada na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:



I. "AA", residente em Braga, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Empresa-A, com sede no Estádio 1º de Maio, na mesma cidade, pedindo a condenação da ré/sociedade desportiva a pagar-lhe a quantia de € 934.469,00 (correspondente a retribuições vencidas e vincendas e a uma indemnização por danos morais), acrescida dos prémios de jogo da época 2003/2004, a liquidar em execução de sentença, bem como dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que, como treinador de futebol, foi admitido ao serviço da ré para as épocas desportivas de 2002/2003 e 2003/2004, mediante contrato de trabalho outorgado em 05 de Junho de 2002; todavia, em 04 de Junho de 2003, sem que existisse justa causa, foi despedido pela ré, facto que o afectou nos termos que descreve.

Na contestação, a ré nega que o despedimento tenha sido sem justa causa. Sustenta que o contrato junto pelo autor como documento nº 2 é nulo, por força do disposto no artº 280º do CC; de qualquer modo, tal contrato, assim como o que consta do documento nº 3, também junto com a petição inicial, sempre seriam ineficazes relativamente à ré. Defende que o montante pedido é excessivo e que os factos alegados pelo autor são insuficientes para fundamentar qualquer tipo de indemnização.

Na resposta, o autor pede a condenação da ré, como litigante de má fé, em multa e indemnização.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou a ilicitude do despedimento do autor e condenou a ré a pagar-lhe a quantia de € 834.469,00, acrescida dos prémios dos jogos da época 2003/2004, a liquidar em execução de sentença, bem como de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
O tribunal de 1ª instância concluiu ainda não haver elementos que permitissem a condenação da ré como litigante de má fé.

Por seu turno a Relação, concedendo parcial provimento ao recurso interposto pela ré, alterou o montante condenatório (líquido) para a quantia global de € 560.771,00, acrescida da quantia, a liquidar posteriormente, relativa ao prémio por objectivos e por jogos da época de 2003-2004, com dedução das eventuais importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo recorrido.
No mais, manteve a sentença recorrida.

Inconformadas com a decisão, ambas as partes vieram recorrer de revista.
Eis as conclusões da alegação do autor:
1ª) - O entendimento de, no tocante às prestações relativas a resultados desportivos, ou seja, aos prémios por objectivos e de jogos da época de 2003-2004, previstos na cláusula 2ª do contrato de fls. 76-77, a ré ser condenada apenas no que vier a ser liquidado, tal como preceitua o artº 661°-2 do CPC, está em contradição com as premissas da decisão tomada e, designadamente, com os fundamentos constantes da mesma e do parecer do Professor Doutor Leal Amado, juntos aos autos a fls. 1032;
2ª) - A declaração judicial de i1icitude do despedimento implica que o empregador seja condenado a pagar uma “importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato” (artº 52º/2-a) da LCCT, aprovada pelo DL nº 64-A/89, de 27-02);
3ª) - A condenação da entidade patronal no pagamento das retribuições vincendas deverá desde logo incluir a parte variável destas, relativa aos prémios contratualmente ajustados;
4ª) – “Ao despedir ilicitamente o treinador - acto que ( ... ) se traduz numa agressão a um direito fundamental do mesmo (artº 53º da Constituição da República Portuguesa) - a entidade empregadora impediu-o de lutar pelos resultados previamente estabelecidos, … privou-o da possibilidade de atingir as metas predefinidas!”
5ª) - É devido à actuação contra legem da entidade empregadora - ao afastar ilegalmente o autor do comando técnico, táctico, físico e psicológico da equipa - que não sabemos se este conseguiria, ou não, atingir os objectivos desportivos constantes do seu contrato de trabalho;
6ª) - O facto de os objectivos desportivos constantes do contrato de trabalho do autor terem ou não sido atingidos com terceiros é, de todo, irrelevante para os autos e, designadamente, para o apuramento do valor da indemnização que lhe é devida;
7ª) - A ré/recorrida, enquanto entidade empregadora, autora do despedimento sem justa causa e única responsável pelo mesmo, não poderá deixar de ser condenada a pagar todas as retribuições vincendas, incluindo aquelas, como as respeitantes a "prémios por objectivos", que integravam o programa contratual retributivo a título de parte variável do salário e, independentemente, das mesmas se terem verificado ou não por intermédio de terceiros;
8ª) - Nos valores peticionados, o autor/recorrente expressamente excluiu as prestações relativas a resultados desportivos que, à data do despedimento (4 de Junho de 2003), já se tinham revelado impossíveis de alcançar ao longo do período contratual ajustado;
9ª) - A decisão ora impugnada violou as normas legais supra citadas.
Termina no sentido de ser revogada, na parte impugnada, o acórdão recorrido, mantendo-se o mesmo na parte restante.

Por seu turno, a ré apresenta as seguintes conclusões:
1ª) - Considerou o acórdão recorrido que o CCT aplicável aos treinadores de futebol, "prevendo um tratamento menos favorável do trabalhador, em sede de indemnização por despedimento”, não pode prevalecer sobre o conteúdo imperativo do citado artº 52°-2-a), tal como estabelece o artº 13°-1 da LCT;
2ª) - Porém, por um lado, é a própria LCCT que admite expressamente no seu art° 59°-1 a possibilidade da prevalência do regime estatuído por via da contratação colectiva, ao estipular que "os valores e critérios de indemnizações consagrados neste regime (...) podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de natureza convencional”, no que constitui excepção à regra geral prevista no art° 2° do mesmo diploma;
3ª) - Por outro lado, a aplicação dos critérios previstos no art° 40° do CCT também se justifica em função da natureza especial do tipo de relação contratual em causa nos presentes autos (contrato individual de trabalho de treinador de futebol), aliás reconhecida no artº 5°, parte final, daquele CCT;
4ª) - O reconhecimento do carácter especial dos contratos individuais de trabalho dos treinadores de futebol vem sendo aceite quer pela doutrina, quer pela jurisprudência nacionais, conforme foi o caso do ac. STJ de 12/07/85, in BMJ nº 349/325, em que se considerou o seguinte:
«I - Há que ter na devida conta a particularidade do contrato individual de trabalho dos treinadores de futebol: são geralmente de curto prazo e referidos a épocas de futebol (Verão-a-Verão). II - Face ao apontado particularismo desses contratos, é frequente que deles conste uma cláusula como a que estipule uma indemnização mais vantajosa para o trabalhador do que a estabelecida para o comum dos contratos a prazo. III - Visto que tal cláusula é consciente e deliberadamente assumida por ambas as partes, e não se vê princípio algum de interesse público que a contrarie, natural é que o Tribunal venha a julgar no sentido da obrigatoriedade do seu cumprimento - até em homenagem e em defesa do princípio da boa fé contratual.»
5ª) - É esse particularismo, a ausência de qualquer interesse público relevante e a defesa do princípio da boa fé contratual que, de igual modo, no caso em apreço e não obstante a indemnização menos vantajosa, justificam a plena aplicação do critério indemnizatório fixado no CCT;
6ª) - Salienta-se em defesa da tese sustentada, que as partes aqui em litígio expressamente acordaram em sujeitar-se às normas constantes do citado CCT nos termos que constam do clausulado do contrato individual de trabalho por ambos outorgado (cfr. preâmbulo e cláusulas 4ª e 13ª do contrato junto a fls. 71 a 73);
7ª) - Refere-se ainda, a este propósito, no acórdão recorrido: “… nem ser tal IRCT aplicável no "âmbito pessoal" ao recorrido, por não resultar da matéria de facto que o mesmo esteja filiado na organização sindical subscritora de tal CCT, sendo que nem sequer existe PE nesse sentido” (cfr. pág. 54 do acórdão);
8ª) - Porém, tais proposições deverão ser considerados irrelevantes na situação em apreço uma vez que, conforme se disse, a vontade de sujeição à aplicação das normas constantes do citado CCT, foi expressamente acordada entre recorrente e recorrido no texto do contrato de trabalho junto a fls. 71 a 73, designadamente nos termos que constam do respectivo preâmbulo e cláusulas 4ª e 13ª.
9ª) - Este entendimento é o que está de acordo com a recente jurisprudência do Supremo Tribunal constante do ac. de 25/05/2005. processo 05S259, nº convencional JST J000, em que foi relator Sousa Peixoto, in www.dgsi.pt, no seguinte sentido:
«Não havendo portaria de extensão, os CCT's só são aplicáveis às entidades subscritoras e aos seus representados, salvo se a sua aplicação a determinada relação laboral tiver sido expressamente acordada inter partes. … Para que se conclua nesse sentido, não basta que, nos articulados, as partes digam aceitar tal aplicação, sendo necessário ainda que aleguem e provem que assim foi convencionado em sede do contrato individual de trabalho entre si celebrado».
10ª) - Ora, o pressuposto de que tal acórdão faz depender a aplicação do CCT encontra-se preenchido nos presentes autos conforme resulta do contrato de trabalho junto a fls. 71 a 73 (cfr. alínea c) dos factos provados), pelo que, ao concluir, no caso em apreço, pela não aplicação dos critérios estabelecidos no CCT, o acórdão recorrido contrariou a supra citada jurisprudência do Supremo Tribunal firmada no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, violando as disposições do art° 59°-1 da LCCT e art°s 40°-2 e 44° do CCT aplicável aos treinadores de futebol, publicado no BTE, 1ª série, nº 27, de 22/07/97;
11ª) - Relativamente ao contrato de cedência de imagem o acórdão recorrido não acolheu a tese da recorrente segundo a qual a celebração de contratos de cedência de direitos de imagem constitui uma realidade jurídica perfeitamente distinta do que é próprio de um qualquer contrato de trabalho, desde logo pela ausência visível do cunho da subordinação jurídica, por isso entendendo que as remunerações previstas no contrato de imagem em causa nos presentes autos não integram o conceito de retribuição, afirmando que a natureza do contrato de cedência de imagem não é laboral, mas sim civil, aliás, de acordo com o Parecer da autoria do Professor Doutor Júlio Gomes e do Mestre André Dinis de Carvalho;
12ª) - Conforme consta daquele parecer, “não é contrato de trabalho aquele pelo qual o trabalhador dispõe, mediante remuneração, a favor de outrem, do seu direito à imagem, para fins mercantis; tal importância, não constituindo … retribuição de um contrato de trabalho, só poderia ser exigida por aplicação das regras gerais c/a responsabilidade civil contratual”;
13ª) - Como argumento adicional em favor da tese sustentada, importa ressalvar o facto de nos termos do referido contrato de cedência de direitos de imagem (cfr. fls. 74 e 75) se prever o pagamento da respectiva contrapartida financeira a um terceiro, que não o recorrido, para mais uma pessoa meramente jurídica, a sociedade “Empresa-B” (cfr. cláusula 5ª do contrato de fls. 74 e 75 e alíneas n), p) e q) dos “factos provados”).
14ª) - Este facto, por si só, deveria ter afastado a qualificação das contrapartidas económicas previstas no contrato de cedência de direitos de imagem, como retribuição, pois, conforme resulta dos termos do art° 271º do Código do Trabalho, não é admissível a cedência a terceiros de créditos salariais;
15ª) - Neste sentido volta a apontar o novo Parecer que se junta às presentes alegações, da autoria dos citados Professor Doutor Júlio Gomes e Mestre André Dinis de Carvalho, aqui dado por reproduzido, em que se refere que “A prestação de um treinador de futebol - que não é um praticante desportivo - não se destina, no essencial, a realizar-se perante um público (…) A imagem do trabalhador não é, pois, uma parte inerente ou intrínseca da prestação, ainda que esta o ponha em contacto frequente com o público (…) Mas - e mais uma vez o dizemos - uma coisa é a prestação destinar-se a ser exibida e consumida pelo público, outra coisa a prestação permitir, pelo contacto com o público e com os mass media potenciar a utilização comercial do direito à imagem” (cfr. pág. 4 do novo Parecer);
16ª) - E no sufragado sentido da desconsideração salarial da contrapartida prevista no contrato de imagem, face à ausência de doutrina ou jurisprudência nacionais sobre o tema, tenha-se em consideração o exemplo da vizinha Espanha, referido na nota 1, pág. 1, do citado Parecer, em que se cita o entendimento de Angel Arias Dominguez no sentido de que "perdem a consideração de salário as contrapartidas económicas relacionadas com o direito de imagem se a exploração destes foi cedida a terceiros";
17ª) - Acresce ainda que a solução jurídica do acórdão recorrido conflitua com anterior jurisprudência do Supremo Tribunal, tirada no processo que opôs o conhecido jogador de futebol "..." ao Sport Lisboa e Benfica (ac. STJ de 27/05/2003, in CJ, ACST J, Ano XI, Tomo 11, 2003, pág. 82 e segs.), em que se decidiu que o "O Tribunal Cível é o materialmente competente para uma execução por quantia certa, em que exequente é um antigo jogador de futebol de um clube e o título executivo é o reconhecimento por este último de uma dívida emergente de «um contrato de imagem», celebrado com aquele, quando ainda era jogador seu";
18ª) - O acórdão recorrido incorreu em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, susceptíveis de integrarem os fundamentos do presente recurso, nos termos do previsto no art° 722°- 2 do CPC;
19ª) - De facto, relativamente aos contratos juntos pelo autor com a sua p.i (fls. 71 a 77), a ré aceitou, na sua contestação (art° 217°), o contrato individual de trabalho junto como doc. nº 1, não impugnando, quer a letra, quer o conteúdo do mesmo; daí ter sido levado à Especificação sob o ponto C);
20ª) - Assim sendo, nos termos das disposições conjugadas dos art°s 374°-1 e 376°-1-2 do Código Civil, aquele documento particular - que titula uma relação contratual estabelecida entre as partes - faz prova plena quanto aos factos nele contidos que forem contrários aos interesses do declarante;
21ª) - E nos termos dos art°s 393°-1-2 e 394°-1 do Código Civil, não é admissível prova testemunhal relativamente a convenções constantes de documento particular que beneficie da força probatória plena;
22ª) - Considerando o exposto, entende-se que a factualidade que veio a ser tida como assente deveria ser interpretada em conformidade com o que resulta das declarações negociais e, portanto, sem pôr em crise os factos documentados que se encontrem cobertos pela força probatória plena (neste sentido, por exemplo, o ac do STJ de 18/06/2003, Processo: 02S3385 in www.dgsi.pt e o ac. STJ de 24/06/2003, Processo: 02S3605, in www.dgsi.pt, ambos tirados em questões do foro laboral);
23ª) - Ora, de acordo com o teor do contrato de trabalho outorgado pelas partes (fls. 71 a 73), junto pelo recorrido na sua p.i. e não impugnado pela recorrente na sua contestação - beneficiando, por isso, de força probatória plena - a remuneração global atribuída ao autor pelas épocas desportivas 2002/2003 e 2003/2004 era de 100.000 € (cfr. cláusula 5ª desse contrato), e não qualquer outra;
24ª) - Assim sendo, tal facto que se encontra compreendido na declaração, não podia ser contrariado com base no depoimento das testemunhas II e JJ (cfr. fundamentação da resposta à matéria de facto de fls. 780 e 781), como foi no acórdão recorrido (e no Tribunal de 1ª Instância), ao aceitar a resposta que veio a ser dada sob as alíneas m), n), p) dos “factos provados”;
25ª) - Daí que, o acórdão recorrido, ao aceitar a fixação da matéria de facto nos termos que constam das referidas alíneas, tenha incorrido em violação de disposição legal expressa que fixa a força de determinado meio de prova, no caso as disposições dos citados art°s 374°-1, 376°-1-2, 393°-1-2 e 394º-1, todos do Código Civil, o que legitima a invocação deste fundamento à luz do previsto no art° 722°-2 do CPC e, por outro lado, justifica, face à jurisprudência do Supremo Tribunal supra referida, a intervenção do plenário das secções no julgamento do presente recurso;
26ª) - Por outro lado e ainda quanto à resposta dada sob as alíneas m), n) e p), diga-se que o autor ao outorgar três contratos simultâneos e distintos, aceitou voluntária e conscientemente que a sua retribuição ascenderia a apenas 100.000 €, conforme consta da cláusula 5ª-1 do doc. de fls. 71 a 73; assim também se terá que entender que o autor, de forma voluntária e consciente, aceitou titular, através de um outro tipo contratual, uma remuneração pela cedência dos seus direitos de imagem (cfr. doc. de fls. 74 e 75);
27ª) - Acresce que, nos termos do disposto no artº 6° do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol, publicado no BTE de 22/07/1997, o contrato de trabalho celebrado entre os treinadores profissionais de futebol e os clubes ou sociedades desportivas, "é obrigatoriamente reduzido a escrito ... ".
28ª) - Por outro lado, estipula-se no art° 9°-5-6 do mesmo CCT que "as cláusulas contratuais que não constem de contrato registado são ininvocáveis junto da Comissão Arbitral Paritária, prevista no art° 51° do CCT, exceptuando-se "as cláusulas relativas à retribuição, que porém, só serão atendíveis se provadas documentalmente";
29ª) - Com interesse para esta questão note-se que o douto acórdão recorrido aditou um novo facto à matéria de facto assente (cfr pág. 52) do seguinte teor:
«n") O único contrato registado na Liga Portuguesa de Futebol Profissional é o contrato junto a fls. 71 a 73, não se encontrando registado na Associação Nacional de Treinadores de Futebol e Federação Portuguesa de Futebol qualquer contrato outorgado entre Autor e Ré»;
30ª) - Por isso, os factos que deram lugar às respostas das alíneas m), n) e p), nem sequer deviam ter sido quesitadas, pois que a alteração da retribuição corresponde a uma alteração do contrato, estando sujeita, por isso, à forma exigida para o contrato sob pena de nulidade (art° 220º do Código Civil);
31ª) - Em qualquer caso, conforme se referiu, esse facto não podia ser provado por testemunhas, por ser contrário ao conteúdo de documento contratual;
32ª) - Considerou ainda o acórdão recorrido que "nenhuma prova consta dos autos que permita concluir que a Ré, na época 2003/2004, venceu a meia-final e a final da Taça de Portugal ou mesmo tenha atingido a qualificação para a UEFA" (cfr. pág. 60 do acórdão);
33ª) - Acrescentando que "tais factos, não sendo notórios, nos termos do artº 514°-1, do CPC, carecem de prova" (cfr. pág. 60, parágrafo seguinte do acórdão).
34ª) - No entanto, apesar destas proposições, entendeu impor a "condenação da recorrente no que vier a ser liquidado, tal como preceitua o artº 661°, n.º 2 do CPC" e, consequentemente, a pagar ao recorrido determinada quantia "acrescida da quantia, que vier a ser liquidada, correspondente aos prémios por objectivos e por jogos da época de 2003/2004 (...)";
35ª) - Entende-se que o acórdão procedeu a incorrecta aplicação e interpretação do disposto no citado art° 661°-2 do CPC, contrariando, aliás, jurisprudência pacífica relativa à questão de direito suscitada, que, aliás, pode ser encontrada tanto em acórdãos mais recentes (cfr. v.g. o ac. STJ de 07/12/2005, Proc. n° 05A3397, in www.dgsi.pt), como noutros arestos mais antigos (v.g. o ac. STJ de 23/09/1998, in BMJ n.º 479/498 e segs);
36ª) - De facto, a liquidação em execução de sentença só é possível se a própria existência do dano estiver já provada na fase declarativa;
37ª) - Neste sentido aponta também o citado Parecer junto às presentes alegações, onde se refere que, como sintetiza particularmente bem o sumário do ac. do STJ, de 3 de Dezembro de 1998 (in BMJ nº 482/179 e segs.), "só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais - embora se prove, em acção declarativa, a sua existência (como pressuposto da obrigação de indemnizar) - não existam elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade" (cfr. também no mesmo sentido o recente Ac. ST J de 09/02/2006, Prc.º na 0584187, in www.dgsi.pt);
38ª) – Segundo o mesmo acórdão, "a existência do dano, como pressuposto da obrigação de indemnizar, tem de ser provada, … em acção declarativa, só se podendo deixar para a execução de sentença a determinação meramente quantitativa do seu valor. Daí que se torne imiscível a liquidação futura de um dano indemonstrado: tal constitui um impossível lógico";
39ª) - "… só é possível quantificar, na liquidação em execução de sentença, o que, na acção declarativa, se tiver apurado que existe" (neste sentido e para maiores desenvolvimentos cfr. ainda o Parecer junto e supra referido);
40ª) - Por isso, não podia o acórdão recorrido relegar para execução de sentença a liquidação da quantia correspondente aos prémios por objectivos e por jogos da referida época 2003/2004;
41ª) - Ademais, tal significaria conceder ao autor uma inadmissível segunda oportunidade para provar aquilo que na acção declarativa não logrou demonstrar e constituiria uma ofensa do princípio do caso julgado;
42ª) - Nos termos do acórdão recorrido foi decidido também proceder a aditamento do seguinte facto (cfr. pág. 52 do Acórdão):
«o”) No dia 10 de Junho de 2003, o Autor celebrou novo contrato de trabalho com o Clube Córdoba FC da Liga Espanhola de Futebol, relativamente à restante época de 2002/2003, e, no dia 1 de Julho de 2003, celebrou com o mesmo Clube novo contrato para a época desportiva de 2003/2004»;
43ª) - Em consequência de tal aditamento, o acórdão decidiu: "por apurado que o recorrido celebrou os contratos de trabalho referidos na alínea o”), ainda que não determinados os rendimentos auferidos com os mesmos, a sua dedução, nos termos do artº 52°, nº 3, da LCCT será também objecto da liquidação supra referida";
44ª) - Sucede que, pelo menos, parte dos rendimentos auferidos pelo recorrido ao serviço do Córdoba FC encontram-se perfeitamente determinados e liquidados nos termos que constam quer do contrato celebrado no dia 10 de Junho de 2003 (cfr. fls. 409), quer do contrato celebrado no dia 1 de Julho de 2003 (cfr. fls. 410), quer ainda do documento celebrado no dia 28 de Outubro de 2003 (cfr. fls. 472 e 473);
45ª) - Tais documentos foram juntos aos autos após requisição do Tribunal de Trabalho de Braga ao referido Clube espanhol e não foram objecto de qualquer impugnação por parte do recorrido;
46ª) - Assim sendo, verifica-se que o acórdão recorrido entendeu relegar para execução de sentença a determinação de rendimentos, já parcialmente determinados nos termos dos documentos referidos na alínea o") dos factos provados, contrariando jurisprudência firme do Supremo Tribunal que entende que "Só é de relegar para a execução da sentença o que não pode ser indicado ou calculado na fase declaratória" (cfr. ac. STJ de 28/11/1996. Prc.º 96B456, in www.dgsi.pt), pelo que também esta questão justifica a intervenção do plenário das secções;
47ª) - Sendo que a consideração da totalidade daqueles rendimentos deveria ter implicado, desde logo, a respectiva dedução ao montante da condenação, o que sempre determinaria, nos termos do acórdão, a sua fixação (provisória) na quantia global de € 249.878,00, correspondente a € 560.771,00 - € 310.893,00 (30.051 + 126.000 + 103.300 + 12.879 + 38.663) [para melhor esclarecimento ver liquidação constante da pág. 35 das alegações de recurso da recorrente perante o Tribunal da Relação do Porto];
48ª) - Isto sem prejuízo da manutenção da posterior relegação para execução de sentença para o efeito de determinação dos restantes rendimentos auferidos pelo recorrido ao serviço do Córdoba FC em consequência da celebração dos contratos referidos na alínea o") da matéria de facto;
49ª) - Tal entendimento encontra-se de acordo com a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça:
- Ac. ST J de 28/11/1996, Prc.º 96B456, in www.dgsi.pt.
"Só é de relegar para a execução da sentença o que não pode ser indicado ou calculado na fase declaratória".
- Ac. STJ de 20/11/2003, Prc.º 03S2178, in www.dgsi.pt.
"A dedução, no cálculo do montante das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, do valor dos rendimentos do trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento, abarca os rendimentos de toda e qualquer actividade profissional, desde que iniciada após o despedimento, independentemente da relação laboral ao abrigo da qual tal actividade foi desenvolvida ser ou não de carácter subordinado".
- Ac. STJ de 06/07/2004, Proc.º 03S2178, in www.dgsi.pt.
"A dedução, no cálculo do montante das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, do valor dos rendimentos do trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento, abarca os rendimentos ilíquidos, e não os rendimentos liquidados após a subtracção dos descontos legais".
A ré termina a sua alegação no sentido de o acórdão recorrido ser revogado de acordo com os termos expostos.

Autor e ré contra-alegaram, pugnando cada um pela improcedência do recurso contrário.

No seu douto parecer, a Ex.mª Magistrada do Ministério Público pronuncia-se no sentido de:
(i) O recurso do autor, numa parte, não ser conhecido e, na outra, improceder;
(ii) O recurso da ré apenas proceder em parte (a parte relativa aos “prémios”).
Quanto ao requerimento baseado no artº 732º-A, nº 2, do CPC (julgamento ampliado da revista quanto a certa questões expostas), entende que o mesmo devia ser desatendido.

Oportunamente, a relatora emitiu parecer no sentido de não se verificarem os pressupostos para ser determinada a ampliação da revista exigidos pelo citado artº 732º-A, nº 2, requerida pela ré (em conformidade com as conclusões 25ª) e 46ª) da sua alegação).
O Exmº Presidente do STJ proferiu a seguinte decisão:
«Indefiro o requerido julgamento ampliado da revista pelos motivos constantes quer da douta informação do Ex.mº Magistrado do Mº Pº, quer do (…) parecer do Exmº Conselheiro-relator.»

II - Questões
A – Colocadas no recurso do autor:
Fundamentalmente, saber se os prémios, por objectivos e de jogos da época de 2003/2004, previstos na cláusula 2ª do contrato de fls 76-77, são devidos independentemente de os objectivos deles constantes terem ou não sido atingidos por terceiros. Ou seja, se apesar de não se encontrar provado que a ré na referida época haja vencido a meia final e a final da Taça de Portugal e tenha atingido a qualificação para a competição da UEFA, o autor, ainda assim, tem direito aos respectivos prémios como se tivesse atingido tais resultados desportivos. Isto porque a condenação do empregador no pagamento das retribuições vincendas deve incluir a parte variável destas relativa aos prémios contratualmente ajustados.
Adianta-se que a questão dos “prémios” é também suscitada no recurso da ré, ainda que perspectivada de outro modo.
A sua apreciação terá, assim, uma dupla projecção.

B – Questões suscitadas no recurso da ré:
(i) – Se a matéria de facto deve ser alterada;
(ii) – Qual o regime aplicável: se o disposto em convenção colectiva, maxime no artº 40º-2, ex vi do artº 44º do CCT entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (publicada no BTE, 1ª Série, nº 27, de 22.07.1997) deve prevalecer sobre as normas legais, mais concretamente sobre o disposto no artº 52º-2-a) da LCCT ou - acrescentamos nós - sobre o disposto no artº 27º da Lei nº 28/98, de 26 de Junho, diploma que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva (doravante designado por CTPD);
(iii) – Se o objecto da prestação indemnizatória derivada do despedimento deve ou não integrar as remunerações previstas no contrato de cedência de imagem.
(iv) – Se o tribunal recorrido podia, no que se refere aos prémios por objectivos e de jogos (que não resultaram provados), relegar a sua liquidação para execução de sentença;
(v) – Se sim, que prémios;
(vi) – Se estão provados rendimentos auferidos pelo recorrido depois do despedimento; neste caso, se devem ser deduzidos no montante condenatório.

III - Factos
3.1 - Factos provados (na 1ª instância):
a) A ré é uma sociedade anónima desportiva, com sede em Braga, que tem por objecto a prática de futebol de alta competição, participando, para o efeito, desde a época desportiva de 1998/1999, no Campeonato Nacional de Futebol da "I Liga", actualmente denominado "SuperLiga", organizado pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (L.P.F.P) - alínea A) da matéria de facto assente.
b) O autor é treinador profissional de futebol e dedica-se, com carácter de regularidade e mediante remuneração, à preparação, orientação técnica e treino de equipas de futebol, fazendo disso profissão - alínea B) da matéria de facto assente.
c) O autor foi admitido ao serviço da ré, através de contrato de trabalho de treinador profissional de futebol, celebrado no dia 5 de Junho de 2002, com início no dia 1 de Julho de 2002 e termo em 31 de Junho de 2004 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização e com a categoria profissional de treinador principal, exercer a sua actividade de treinador de futebol, competindo-lhe, nessa qualidade, assegurar e proceder à preparação, orientação técnica, treino e desempenho competitivo, elaborar e tomar decisões em assuntos de natureza técnica, táctica, física e psicológica da equipa de futebol da ré que participa no Campeonato Nacional da I Liga - alínea C) da matéria de facto assente.
d) O valor remuneratório acordado deveria ser pago em dez prestações mensais e iguais, vencendo-se a primeira no dia 20 de Setembro da época a que dissesse respeito e as restantes em igual dia dos meses subsequentes - alínea D) da matéria de facto assente.
e) Desde a data em que foi admitido ao serviço da ré, o autor trabalhou sempre sob as suas ordens, direcção e fiscalização, até ao dia 04 de Junho de 2003, data em que foi despedido pela ré, a final de um processo disciplinar que lhe havia sido instaurado por esta - alínea E) da matéria de facto assente.
f) O autor não possui qualquer antecedente disciplinar ao serviço da ré - alínea F) da matéria de facto assente.
g) No dia 09 de Abril de 2003, foi lido um comunicado à imprensa (presente) com o seguinte teor:
«O "Empresa-A" vem pelo presente comunicar que o treinador da equipa profissional de futebol, AA, se encontra desde a presente data suspenso preventivamente do exercício das suas funções. Esta medida cautelar justifica-se em face de um conjunto de factos liminarmente apurados pela actual administração e que extravasam do âmbito meramente desportivo, que pela sua gravidade e consequências, constituem grave inconveniente ao desempenho normal das suas funções. Neste sentido, porque tais factos não se enquadram no modelo de gestão que pretende ser implantado pela nova administração, e que aliás decorre imperativamente do quadro legal em que actualmente se movem as sociedades anónimas desportivas, foi deliberado nos termos legais a instauração de um processo disciplinar ao senhor AA, com suspensão preventiva das suas funções, bem como a abertura de um inquérito interno para apuramento de eventuais responsabilidades. Braga, 9 de Abril de 2003. A administração» - alínea G) da matéria de facto assente.
h) O autor remeteu à ré, no dia 10 de Abril de 2003, o fax junto a fls. 125 - alínea H) da matéria de facto assente.
i) Em 11 de Abril de 2003, a ré entregou ao autor a nota de culpa e da qual constava a manifestação da intenção de proceder ao seu despedimento - alínea i) da matéria de facto assente.
j) A defesa do autor foi apresentada no dia 21 de Abril de 2003. Em 4 de Junho de 1993, a ré proferiu a decisão final no âmbito desse processo disciplinar - alínea J) da matéria de facto assente.
l) No dia 6 de Abril de 2003, pelas 18:30 horas, nas instalações/sede da ré, no estádio 1º de Maio em Braga, no final do encontro de futebol que opôs o Sporting Clube de Braga ao Sport Club Marítimo, teve lugar uma reunião em que foram intervenientes, para além do autor, os recém-empossados administradores desta sociedade: Sr. BB, Presidente do Conselho de Administração; Sr. CC, administrador; Sr. DD, administrador; Sr. EE, administrador; para além do Dr. FF, Presidente do Sporting Clube de Braga e Dr. GG, Director-Geral do mesmo clube - alínea L) da matéria de facto assente.
m) Na época desportiva de 2002/2003, a ré obrigou-se a pagar ao autor, como contrapartida da actividade exercida por este, a remuneração global de € 335.430,00 e, na época desportiva de 2003/2004, a remuneração global de € 385.300,00 - resposta ao número 1 da base instrutória.
n) Por vontade da ré e no interesse desta, parte do valor remuneratório global acordado foi titulado por um contrato de cedência de imagem, através do qual, com o mesmo período de duração, o autor cedeu igualmente à ré, em regime de exclusividade, como parte do valor remuneratório acordado, os direitos de exploração comercial, em conjunto ou individualmente, da sua imagem de treinador profissional de futebol, podendo esta expor, reproduzir, lançar no comércio ou ceder a terceiros o retrato daquele - respostas aos números 2 e 3 da base instrutória.
(Salta-se a letra o)
p) Como "parte do valor remuneratório" acordado pelo contrato de trabalho celebrado e como complemento ao mesmo, foi facultada à ré a exploração comercial da imagem do autor, em regime de exclusividade durante a vigência do contrato de trabalho celebrado - resposta ao número 4 da base instrutória.
q) O valor convencionado para ser titulado por este contrato de imagem foi, para a época desportiva 2002/2003, a quantia de € 235.430,00 e, para a época desportiva de 2003/2004, a quantia de € 285.300,00 euros, quantias que deveriam ser pagas em dez prestações mensais e iguais, vencendo-se, a primeira, no dia 20 de Setembro da época a que dissesse respeito, e, as restantes, em igual dia dos meses subsequentes - respostas aos números 5 e 6 da base instrutória.
r) Para além da referida remuneração global, ambas as partes acordaram que o autor teria ainda direito, durante o período de vigência do contrato, a vários prémios: em caso de vitória do clube nas meias-finais da Taça de Portugal, obtendo o acesso à respectiva final, a quantia de € 24.940,00 euros; em caso de vitória do clube na final da Taça de Portugal, a quantia de € 49.880,00 euros; por cada eliminatória que o clube ultrapass[asse] nas competições da Taça UEFA, obtendo o acesso à eliminatória subsequente, a quantia de € 49.880,00; em caso de classificação do clube para a final da Taça UEFA, a quantia de € 99.760,00; em caso de qualificação da ré, no final do campeonato nacional de futebol da I Liga, para uma das competições europeias organizadas pela UEFA, a quantia de € 149.640,00, se ocorrer na época 2002/2003 e de € 199.519,00, se ocorrer na época de 2003/2004 - respostas aos números 7, 8, 9 e 10 da base instrutória.
s) Foi igualmente convencionado por ambas as partes que, no caso de pagamento de prémios de jogo em função de resultados, o valor destes seria equivalente ao dobro do que viesse a ser convencionado pela ré clube para os jogadores da equipa profissional de futebol, quer em jogos do Campeonato Nacional de Futebol, quer da Taça de Portugal e que os prémios acordados deveriam ser pagos livres de impostos e quaisquer encargos - resposta ao número 11 da base instrutória.
t) A ré definiu como prémios de jogo para a época desportiva 2002/2003, os valores de € 600 por cada vitória e de € 400 por cada empate em jogos realizados no campo do adversário - resposta ao número 12 da base instrutória
u) Nos termos do contrato, o autor tinha direito a receber o dobro dos montantes referidos no número anterior, ou seja, 1200 euros por cada vitória e 800 euros por cada empate em jogos realizados no campo do adversário - resposta ao número 13 da base instrutória.
v) Ao serviço da ré, o autor foi sempre um funcionário zeloso e cumpridor, pautando toda a sua actuação pelo rigoroso respeito das ordens e instruções recebidas - resposta ao número 14 da base instrutória.
x) O processo disciplinar apenas existiu porque a ré pretendeu obrigar o autor a uma rescisão por mútuo acordo do vínculo laboral existente entre as partes - resposta ao número 15 da base instrutória.
z) Desde o início da época desportiva 2002/2003, o autor sempre proferiu correcta e isenta análise do panorama desportivo que se afigurava à equipe que dirigia; sempre teve uma postura de apelar à confiança da equipa e ao apoio incondicional da massa associativa - respostas aos números 16 e 17 da base instrutória.
a') A ré nunca informou o autor que lhe estava vedada a possibilidade de conceder entrevista aos órgãos de comunicação social, nem lhe foi feito qualquer reparo ou observação por parte dos dirigentes da ré - actuais ou anteriores - no sentido de mudar o teor ou o conteúdo das declarações por si proferidas - respostas aos números 18 e 19 da base instrutória.
b') O autor sempre foi pessoa da mais absoluta correcção e urbanidade para com todos que o rodeiam, nunca tendo proferido as expressões que lhe imputam, visto que ele sabia da legalidade do que havia celebrado com a ré - resposta ao número 23 da base instrutória.
c') Na reunião de 8 de Abril de 2003, o autor foi sujeito a pressões com vista a aceitar a rescisão por mútuo acordo no termos pretendidos pela ré - resposta ao número 24 da base instrutória.
d') O autor nunca faltou ao respeito ao S. C. Braga-Futebol, SAD, seus dirigentes ou a qualquer outro clube ou SAD terceiros - resposta ao número 25 da base instrutória.
e') Na referida reunião, face à falta de consenso quanto à pretendida (pela ré) rescisão por mútuo acordo do vínculo laboral, foi o autor suspenso verbalmente pela entidade patronal, suspensão que ocorreu cerca das 5:00 horas da madrugada do dia 9 de Abril, não tendo para o efeito sido entregue qualquer documento em que tal fosse mencionado - respostas aos números 26 e 27 da base instrutória.
f’) O autor é pessoa de grande estima e consideração por parte de todos com que privou enquanto ao serviço da ré; sempre foi um trabalhador exemplar, cumpridor e zeloso das suas obrigações enquanto treinador; sempre cumpriu com zelo, brio e dedicação, os seus deveres de treinador profissional de futebol inerentes ao exercício das suas funções, procurando exercer as suas funções de modo a prestigiar a sua profissão e a respectiva entidade para a qual labora; [sempre] assumi[u], respectivamente, na sua vida profissional e particular um comportamento de idoneidade cívica, dignificador e prestigiador do Sporting Clube de Braga Futebol, SAD - respostas aos números 28, 29, 30 e 31 da base instrutória.
g') É de conhecimento público e de reconhecimento geral, que o autor é detentor de bons conhecimentos teórico-práticos relacionados com a exigência das funções que desempenha, facto este que, inclusive, levou a ré a contratar, pela segunda vez, os seus serviços profissionais. A ré e os seus dirigentes consideravam o autor um bom técnico, com experiência e provas dadas, sendo esse o sentimento do Conselho de Administração quando celebrou com o segundo o contrato dos autos - respostas aos números 32 e 33 da base instrutória.
h') Aquando do assumir de funções dos actuais administradores da ré, em Março de 2003, estes reiteraram a confiança no trabalho do autor, quer em reunião tida com este, quer publicamente em declarações à comunicação social, o que voltaram a fazer por diversas vezes e várias formas nas semanas subsequentes. Na semana anterior à instauração do processo disciplinar ao autor, a ré, através do seu Presidente, BB, reiterou publicamente em declarações à comunicação social, a confiança no trabalho daquele - respostas aos números 34 e 35 da base instrutória.
i') Ao autor foi comunicada a instauração de um processo disciplinar e que estava suspenso das funções que exercia na ré, por comunicação verbal, ocorrida às 5 horas da madrugada do dia 9 de Abril de 2003. E, desde logo, a ré publicitou e deu a conhecer a todos os órgãos de comunicação social a suspensão do autor e a subsequente instauração de um processo disciplinar, factos estes que os diversos órgãos de comunicação social existentes em Portugal, designadamente, imprensa escrita, televisão e rádio, imediatamente noticiaram com grande destaque - respostas aos números 36, 37 e 38 da base instrutória.
j') No dia 23 de Abril de 2003, o autor verificou que do processo disciplinar não constava o depoimento escrito das testemunhas que sustentavam os factos constantes da nota de culpa. Designado o dia 23 de Abril de 2003, pelas 18 horas, para início da inquirição das testemunhas arroladas, o autor, na pessoa da sua mandatária, apresentou-se na sede da ré. Sucede, contudo, que, por decisão do Advogado, Dr. HH, mandatário da ré, que iria proceder à inquirição dessas testemunhas, e em cumprimento de decisão já transmitida telefonicamente, não foi permitida e por isso foi vedada a presença da mandatária constituída do autor no decurso da inquirição das testemunhas de defesa - respostas aos números 39, 40 e 41 da base instrutória.
l') Do valor remuneratório acordado, a ré não pagou ao autor, relativamente à época 2002/2003, várias verbas, ou seja, as prestações vencidas em 20 de Maio, 20 de Junho de 2003 e correspondentes aos valores previstos no contrato de trabalho, no montante de € 20.000 (10.000 x 2 = 20.000) - resposta ao número 42 da base instrutória.
m’) Das prestações vencidas em 20 de Setembro, 20 de Outubro, 20 de Novembro, 20 de Dezembro de 2002 e 20 de Janeiro, 20 de Fevereiro, 20 de Março de 2003 e referentes aos montantes previstos no contrato de imagem, [ a ré não pagou o] valor de € 76.601 - resposta ao número 43 da base instrutória.
n') Das prestações vencidas em 20 de Abril, 20 de Maio e 20 de Junho de 2003 e correspondentes aos valores previstos no contrato de imagem, [a ré não pagou] o montante de € 70.629 (23.543 x 3 = 70.629). Igualmente não foram pagos pela ré ao autor os prémios de jogos referentes à vitória no jogo com o Paços de Ferreira – 1.200 euros; à vitória no jogo com o Varzim F.C – 1.200 euros; ao empate no jogo com o Moreirense – 800 euros; ao empate no jogo com o Vitória Sport Clube – 800 euros; ao empate no jogo com o Beira Mar – 800 euros; ao empate no jogo com o União de Leiria – 800 euros; à vitória no jogo com o Nacional da Madeira – 1.200 euros e ao empate no jogo com o Vitória de Setúbal – 800 euros (respostas aos números 44 e 45 da base instrutória).
(Salta-se a letra o’)
p’) Dos valores remuneratórios previstos para a época desportiva 2003/2004 a ré nada pagou ao autor - resposta ao número 46 da base instrutória.
q') A rescisão do contrato de trabalho sem justa causa efectuada pela ré do contrato que mantinha com o autor impediu [este] de terminar a época desportiva ao serviço da ré e, assim, receber os prémios em função de objectivos previstos, quer na época desportiva de 2002, quer na época de 2003/2004 - resposta ao número 47 da base instrutória.
r') A ré publicitou e deu a conhecer a vários órgãos de comunicação social a suspensão do autor e a subsequente instauração de processo disciplinar. Os diversos órgãos de comunicação social existentes em Portugal, designadamente, imprensa escrita, televisão e rádio, noticiaram com grande destaque a suspensão do autor e a subsequente instauração do processo disciplinar - respostas aos números 56 e 57 da base instrutória.
s’) Na reunião referida na alínea l) foi abordada a questão da actual situação da equipa profissional de futebol, designadamente no plano desportivo e financeiro - resposta ao número 63 da base instrutória.
t’) No dia 14.03.2003, o autor fez declarações ao Jornal Record: "Neste momento também estou na expectativa como toda a gente, incluindo os jornalistas. Até agora ouvi muitas palavras, mas quero é feitos” - resposta ao número 68 da base instrutória.
u’) No dia 14.03.2003, o autor fez declarações ao Jornal Diário do Minho: "que todas estas mudanças que se falam a nível directivo, cheguem ao nosso campo. Queremos fazer as coisas com mais tempo. Também estamos expectantes. Neste momento estou escutando palavras, quero ver obras" - resposta ao número 69 da base instrutória.
v') No dia 14.03.2003, o autor fez declarações ao Jornal A Bola: "Estamos expectantes. Escutámos as palavras bonitas, mas agora queremos ver as acções. Estamos à espera que as boas palavras se transformem em feitos reais" - resposta ao número 70 da base instrutória.
x’) No dia 14.03.2003, o autor fez declarações ao Jornal Correio do Minho: "Reconheço que não temos a melhor equipa do mundo, mas o Braga é certamente um grande clube. Estamos expectantes para ver o que vai acontecer no futuro. Mas esperamos que estas palavras se transformem em actos reais - resposta ao número 71 da base instrutória.
z’) No dia 15 de Março, o autor fez declarações ao jornal A Bola: "O jogo do Braga com o Gil Vicente é o jogo mais importante da época"; "Se ganharmos aliviámos um pouco, mas se perdermos virá o perigo, as dúvidas, as incertezas"; "É importante para todos, atletas, adeptos, dirigentes. A tranquilidade do Braga nesta temporada passa muito por este desafio. Os três pontos tranquilizam-nos mas se fugirem virá o perigo e a incerteza" - resposta ao número 72 da base instrutória.
a") No dia 15 de Março de 2003, o autor fez declarações ao jornal Record: "Este é o jogo mais importante da época porque os três pontos podem colocar-nos numa posição tranquila e a derrota deixa-nos perto do perigo. Já disse isso aos jogadores e quero que também os sócios entendam que este jogo é um dos mais importantes desta temporada"; "o Sporting de Braga tem de entrar em campo tenso e agressivo, mas com vontade de jogar futebol" - resposta ao número 73 da base instrutória.
b") No dia 15 de Março de 2003, o autor fez declarações ao jornal Correio do Minho: "Todos os jogos valem os mesmo pontos, mas este é o mais importante da temporada. Pode ser um passo rumo à tranquilidade ou então sinónimo de perigo"; "é o jogo mais importante da época. Esse é o tratamento que o grupo de trabalho dá a este encontro. Parte do futuro está em jogo frente ao Gil Vicente" - resposta ao número 74 da base instrutória.
c") No dia 15 de Março de 2003, o autor fez declarações ao jornal Diário do Minho: "É o jogo mais importante da época"; "já foi transmitida aos jogadores, que sabem da importância do jogo, e deve ser também assimilada pelo público que nos apoia"; "os três pontos levam-nos para a tranquilidade enquanto que a derrota significará estar de novo em perigo com alguma intranquilidade à mistura" - resposta ao número 75 da base instrutória.
d") No dia 4 de Abril de 2003, o autor fez declarações ao jornal A Bola [e] é referido o seguinte em entrevista ao arguido: "O treinador, acrescente-se, recebeu convites para voltar ao futebol espanhol, mas a elevada cláusula de rescisão que os interessados teriam de pagar ao Sporting de Braga e a vontade de Castro Santos em continuar em Portugal inviabilizaram a transferência".
e") No dia 7 de Abril de 2003, o autor fez declarações ao jornal Correio do Minho: "Foi o pior jogo da época"; chegou ao ponto de acusar a equipa de "falta de agressividade, falta de atitude". Porém, esclareceu que, "este não é o Braga que costuma jogar"; "em termos de entrega este foi o pior jogo da época em nossa casa"; "esta equipa já esteve mais viva e competitiva noutros jogos" - resposta ao número 77 da base instrutória.
f’’) No dia 8 de Abril de 2003, teve lugar uma reunião na sede da ré - resposta ao número 96 da base instrutória.
g") A celebração dos contratos referidos nos números anteriores foi autorizada pela Assembleia Geral da sociedade ré - resposta ao número 117 da base instrutória.
h") Após a reunião do dia 6 de Abril, o autor dirigiu, normalmente, no dia seguinte (7 de Abril) o treino da equipa de futebol - resposta ao número 119 da base instrutória.
i’’) No dia 7 de Abril, o autor exerceu, normalmente, a sua actividade de treinador de futebol e, nessa qualidade, assegurou e procedeu à preparação, orientação técnica, treino e desempenho competitivo, elaborou e tomou decisões em assuntos de natureza técnica, táctica, física e psicológica da equipa de futebol da ré que participa no Campeonato Nacional da I Liga - resposta ao número 120 da base instrutória.
j") Quer na vigência da anterior administração, quer da actual, a ré efectuou e o autor recebeu, diversos pagamentos por força desses contratos - resposta ao número 121 da base instrutória.
l") Das prestações vencidas em 20 de Setembro, 20 de Outubro, 20 de Novembro, 20 de Dezembro de 2002 e 20 de Janeiro, 20 de Fevereiro, 20 de Março de 2003 e referentes aos montantes previstos no contrato de imagem, a ré apenas não pagou ao autor o valor global de € 76.601,00, tendo pago e contabilizado os respectivos diferenciais. Destas prestações, as que se venceram em 20 de Dezembro de 2002 e 20 de Janeiro, 20 de Fevereiro, 20 de Março de 2003 foram já pagas pela nova administração da ré - respostas aos números 122 e 123 da base instrutória [ver também alínea m’)].
m") A ré pagou ao autor das prestações que se venceram em 20 de Dezembro de 2002, 20 de Janeiro, 20 de Fevereiro e 20 Março de 2003, os seguintes valores: da prestação vencida em 20.12.2002 – 13.080 euros; da prestação vencida em 20.01.2003 – 12.000 euros; da prestação vencida em 20.02.2003 – 13.250 euros; da prestação vencida em 20.03.2003 – 14.950 euros (resposta ao número 124 da base instrutória).

3.2 – Factos aditados pelo Tribunal da Relação:
n”) – O único contrato registado na Liga Portuguesa de Futebol Profissional é o contrato junto a fls 71 a 73, não se encontrando registado na Associação Nacional de Treinadores de Futebol e Federação Portuguesa de Futebol qualquer contrato outorgado entre autor e ré.
o”) – No dia 10 de Junho de 2003, o autor celebrou novo contrato de trabalho com o Clube Córdoba FC da Liga Espanhola de Futebol, relativamente à restante época 2002/2003, e, no dia 1 de Julho de 2003, celebrou com o mesmo Clube novo contrato, para a época desportiva de 2003/2004.

IV - Apreciando
Ambas as instâncias entenderam que o despedimento do autor foi sem justa causa. Este ponto não é impugnado. O que as partes questionam são as consequências decorrentes desse despedimento.
Uma vez que a ré impugna a matéria de facto, impugnação que, a proceder, provocará uma alteração da factualidade apurada e a questão suscitada pelo autor também se prende com o objecto da revista da ré, iremos, por razões de ordem lógica e de economia processual, começar pela apreciação daquela questão, conhecendo, a seguir, das restantes, pela ordem estabelecida, em II, quanto ao recurso da ré, com intercalação do conhecimento da questão suscitada na revista do autor, quando nos debruçarmos sobre se a ré deve ou não ser condenada a pagar “prémios” – por objectivos e por jogos – ao autor.

(a) Impugnação da matéria de facto
Sustenta a ré que o acórdão recorrido incorreu em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais.
Argumenta:
- uma vez que o documento particular que consubstancia o contrato de trabalho não foi impugnado quer quanto à letra quer quanto ao conteúdo, o mesmo faz prova plena quanto aos factos nele contidos que forem contrários aos interesses do declarante;
- de acordo com o referido documento a retribuição global atribuída ao autor pelas épocas desportivas de 2002/2003 e 2003/2004 era de € 100.000,00, pelo que não podia o tribunal com base em prova testemunhal dar como provados outros valores retributivos.

Enquanto tribunal de revista, incumbe ao STJ fiscalizar a aplicação do direito aos factos e não controlar a matéria de facto fixada pelas instâncias.
É o que decorre do artº 721º-2, 1ª parte (onde se estabelece que “o fundamento específico da revista é a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável….”), do artº 722º-2 (onde se declara que o “erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista”, salvo o caso excepcional aí previsto) e do artº 729º-2 (que proclama que a decisão recorrida sobre a matéria de facto não pode ser alterada no recurso de revista, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do artº 722º), ambos do CPC.
O caso excepcional previsto na 2ª parte do nº 2 do citado artº 722º traduz-se em ter havido “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, ofensa que se reconduz a uma violação das regras do direito probatório material, abarcadas na fundamentação específica do recurso de revista prevista no citado artº 721º-2.
Segundo a impugnação da ré, o tribunal recorrido incorreu em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais que se integra naquele quadro excepcional. Logo, esse eventual erro é sindicável neste recurso.

As regras de direito probatório material que, segundo a ré, foram violadas estão consagradas nos artºs 374º, 376º, 393º e 394º do CPC.
Preceitua o artº 374º:
«1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
…….»
E o artº 376º do CC:
«1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
……»
Por seu turno, em sede de prova testemunhal, estabelece o artº 393º:
«1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito não é admitida prova testemunhal.
2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.»
E o artº 394º:
«1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
……»

Não há dúvida que o documento que titula o contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré é um documento particular, cuja autoria (artº 374º do CC) não foi impugnada, gozando, por isso, de força probatória plena, nos termos constantes do citado artº 376º.
Essa força probatória plena incide sobre as declarações negociais nele contidas (uma vez que não foi arguida a sua falsidade). Quanto aos factos compreendidos na declaração só se consideram provados, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, sendo, todavia, a declaração indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
A recorrente/ré sustenta que, devendo os factos em causa considerar-se provados por força da regra contida no nº 2 do citado artº 376º, era inadmissível às partes contrariar o texto do contrato documentado por recurso à prova testemunhal.
É certo que há casos em que a lei expressamente afasta a prova testemunhal e outros em que a lei exige que a prova se faça por outros meios, designadamente por documentos. É o que resulta do disposto no artº 392º do CC onde se prevê, a contrario, que a prova testemunhal possa ser directa ou indirectamente afastada. A razão deste afastamento radica-se “na particular falibilidade deste meio de prova”.
Em suma, se a lei impõe que a declaração negocial revista a forma escrita e essa forma não foi observada (artº 220º do CC), é irrelevante a prova testemunhal, porque o acto é nulo. Quando a lei exige que a declaração se prove por documento (parte final do nº 1 do artº 393º e artº 364º-2 do CC), o recurso à prova testemunhal fica arredada (para prova daquela declaração). Esta prova é igualmente inadmissível, ainda que a lei não exija documento para prova da declaração, se ele foi lavrado e tem força probatória plena.
Todavia, como se refere em anotação ao citado artº 393º (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª ed.), embora o documento prove, em dados termos, que o seu autor fez a declaração dele constante e se considerem provados os factos compreendidos na declaração, se desfavoráveis ao seu autor, “o documento não prova nem garante, nem podia garantir, que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo ou coacção ou simuladas”. Assim, “nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou os vícios da vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada”.
A propósito da inadmissibilidade da prova por testemunhas estabelecida no artº 394º, adverte-se na mesma obra, que este artigo “se refere apenas às convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, não excluindo, por conseguinte, a possibilidade de se provar por testemunhas qualquer elemento, como o fim ou o motivo por que a dívida documentada foi contraída, que nem é contrário ao conteúdo do documento, nem constitui uma cláusula adicional à declaração”.
Vaz Serra, a propósito da interpretação do artº 394º, defende a admissibilidade da prova testemunhal em determinadas situações (excepcionais): quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção duma prova escrita e, ainda, em caso de perda culposa do documento que fornecia a prova (vide RLJ, ano 107, pg 311 e sgs).
Por seu turno, Mota Pinto (CJ, X, nº 3, a pg 12 e 13) – a propósito da inadmissibilidade da prova testemunhal quando a simulação é invocada pelos simuladores - defende alguma maleabilidade na interpretação do artº 394º do CC, para evitar que a rigidez na sua interpretação conduza a graves iniquidades.
Segundo ele, existindo prova documental susceptível de formar a convicção de verificação do facto alegado, é de admitir a prova por testemunhas, a fim de:
1º - Interpretar o contexto dos documentos como expressamente prescreve o nº 3 do artº 393º do Código Civil (….);
2º - Completar a prova documental, desde que esta, a existir (….), constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação (….)
Assim, ainda que se defendesse que o valor da retribuição que constava do contrato de trabalho era simulado, mesmo neste caso, não estava vedado aos simuladores o recurso à prova testemunhal para demonstrar, em complemento de prova documental, o valor da retribuição realmente acordada.
Assinala, ainda, Heinrich E. Horster (citado por Albino Mendes Baptista, em anotação ao acórdão deste Tribunal de 02.10.01, Recurso n.º 2814, publicado na Jurisprudência do Trabalho Anotada, 3.ª edição, pág. 56), a propósito da “designação do negócio”, que:
«Para a qualificação jurídica de um negócio é decisiva não a designação escolhida pelas partes ou o efeito jurídico desejado por elas, mas sim o conteúdo do negócio. Em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectiva» (….).
Tendo em conta a frequência com que nas relações de trabalho o acordado e o realmente executado entram em contradição, só pela execução efectiva é possível determinar, com alguma frequência, a vontade das partes, tanto mais que a relação emergente do contrato, pode sofrer uma crise de identidade relativamente ao momento inicial da celebração».
A jurisprudência, em geral, tem ido nesta linha: os preceitos sobre a inadmissibilidade de prova testemunhal não podem ser interpretados em termos rígidos, nem as regras aí consagradas podem ter um alcance absoluto.

Em causa, está o elemento remuneratório.
Sucede que nos contratos de trabalho a termo – como é o caso - entende-se que a indicação do montante da retribuição não constitui uma formalidade ad substantiam (cfr. artº 42º da LCCT).
Esta posição reconduz-nos ao disposto no artº 221º do CC (sobre o âmbito da forma legal) e à conclusão de que, não sendo a razão determinante da forma aplicável à estipulação que fixa o montante remuneratório, esta, ainda que verbal, é válida e poderá ser provada por testemunhas.
Só que, na situação em apreço, tal estipulação consta de documento escrito - o contrato em causa -, o que nos coloca, de novo, no âmbito das citadas disposições, designadamente dos artº 393º-2 e 394º-1 do CC.

No caso – repetimos - é incontroverso que o autor assinou o contrato de trabalho, junto a fls 71-73, não se questionando, pois, a autoria do mesmo. Logo, tal documento faz prova plena nos termos do citado artº 376º-1-2 do CC.
Defende a ré que encontrando-se a declaração negocial constante desse documento (documento com o nº 1, junto com a petição inicial, a fls 71-73) integrada pelo elemento remuneratório - ser de € 100.000,00 a remuneração global atribuída ao autor pelas épocas desportivas 2002/2003 e 2003/2004 – não podia tal facto ser contrariado, como foi, com base no depoimento das testemunhas II e JJ, conforme decorre dos factos constantes das alíneas m), n) e p) (em III, 3.1), resultantes das respostas aos respectivos pontos da base instrutória (vide fls 780 e 781).
Eis o teor do documento, denominado de “contrato de trabalho”, na parte que interessa:
Cláusula quinta:
«A primeira outorgante [a ré] pagará ao segundo [o autor] a seguinte remuneração global ilíquida como contrapartida da actividade por este exercida:
A) Na época desportiva de 2002/2003 a remuneração global de € 100.000,00 (…).
B) Na época desportiva 2003/2004 a remuneração global de € 100.000,00 (…).
2. O valor remuneratório acordado será pago em dez prestações mensais iguais, vencendo-se a primeira no dia vinte de Setembro (….)
3. Estão incluídos nos valores remuneratórios anuais acordados, as verbas referentes às férias e subsídios de férias e de Natal, bem como a compensação prevista no nº 3 do artº 43º do DL nº 69-A/87, de 9 de Fevereiro.»

Transcrevem-se também as alíneas m), n) e p) dos factos:
m) Na época desportiva de 2002/2003, a ré obrigou-se a pagar ao autor, como contrapartida da actividade exercida por este, a remuneração global de € 335.430,00 e, na época desportiva de 2003/2004, a remuneração global de € 385.300,00 - resposta ao número 1 da base instrutória.
n) Por vontade da ré e no interesse desta, parte do valor remuneratório global acordado foi titulado por um contrato de cedência de imagem, através do qual, com o mesmo período de duração, o autor cedeu igualmente à ré, em regime de exclusividade, como parte do valor remuneratório acordado, os direitos de exploração comercial, em conjunto ou individualmente, da sua imagem de treinador profissional de futebol, podendo esta expor, reproduzir, lançar no comércio ou ceder a terceiros o retrato daquele - respostas aos números 2 e 3 da base instrutória.
p) Como "parte do valor remuneratório" acordado pelo contrato de trabalho celebrado e como complemento ao mesmo, foi facultada à ré a exploração comercial da imagem do autor, em regime de exclusividade durante a vigência do contrato de trabalho celebrado - resposta ao número 4 da base instrutória.

Interessa ainda ter presente que o autor, ao alegar, sob o ponto nº 8 da petição inicial, que a ré se obrigou, por força do contrato de trabalho em causa (de fls 71-73), a pagar ao autor, na época desportiva de 2002/2003, a remuneração global de € 335.430,00 e na época desportiva de 2003/2004 a de € 385.300,00, invoca não só a referida cláusula quinta daquele contrato, mas também as cláusulas 2ª e 3ª do contrato, designado de “cedência de imagem” (a fls 74-75), com a mesma data (2.06.02), figurando como outorgantes a ré e o autor.
Ora, neste contrato, refere-se expressamente que é “complementar ao contrato de trabalho a termo certo outorgado entre as partes [o contrato de fls 71-73]….” e que “tem o mesmo período de duração”, acordando as partes que a ora ré pagará ao ora autor, na época desportiva de 2002/2003 e 2003/2004, pela cedência de imagem, respectivamente, a quantia de € 235.430,00 e € 285.300,00, “a pagar em dez prestações mensais e iguais, vencendo-se a primeira no dia vinte de Setembro …” (clª 3ª), “como parte do valor remuneratório acordado” (clª 2ª).
Analisando a contestação da ré, verifica-se que admite o contrato junto a fls 71-73 e que, relativamente ao junto a fls 74-75 (e a outro, junto como doc. nº 3, a fls 76-77), se limita a alegar (no nº 218 desse articulado) que, “na parte correspondente à assinatura da ré [embora escreva 2ª ré], apenas se encontra aposta por simples rubrica”, acrescentando (no nº 219) “que não se sabe se são de membros do anterior Conselho de Administração da ré”.
Na resposta, o autor, alega, a este propósito, ser “despudorada a forma como a ré nega a outorga dos contratos juntos à p.i. como documentos nºs 2 e 3 e, designadamente, a assinatura dos seus administradores”, justificando: “É que as assinaturas dos representantes da ré nos referidos documentos são exactamente iguais às do doc. nº 1, não se tratando de meras rubricas mas sim de assinaturas de dois dos seus administradores, a saber, o então Presidente II e o administrador financeiro – e então director geral do Clube – JJ” (nºs 63-66 da resposta).
Refira-se, finalmente, que a elaboração do despacho saneador e a selecção dos factos assentes e controvertidos ocorreu na audiência preliminar, na presença das partes e seus mandatários, sem reclamação, correspondendo o teor do nºs 1 a 4 da base instrutória ao teor das respostas que figuram como alíneas m), n) e p) dos factos.
Na fundamentação das respostas (aos quesitos/pontos da base instrutória), o julgador, depois de indicar os depoimentos em que se basearam as respostas de conteúdo positivo, entre eles os prestados pelas testemunhas II e JJ escreve o seguinte:
«….II foi Presidente do Sporting de Braga e Empresa-A, no período compreendido entre princípios de 2002 e finais de Fevereiro de 2003, tendo assinado os contratos de fls 71 a 73, 74 e 75, 76 e 77, bem como explicou todo o seu conteúdo. Referiu que foram feitos alguns pagamentos ao Autor e que os mesmos constavam da contabilidade.»
«… JJ foi Director-Geral do Sporting Clube de Braga, no período compreendido entre 1998 e 31 de Março de 2003, e administrador financeiro da SAD, entre 2001 e 25 de Fevereiro de 2003. Reconheceu os contratos de fls 71 a 77, tendo explicado pormenorizadamente estes mesmos contratos, bem como os vencimentos e suportes contabilísticos e, ainda, os orçamentos da Liga e da SAD. Referiu não haver qualquer outro contrato paralelo.»

Aqui chegados, fica clara a resposta à 1ª questão: não é caso de alteração da decisão sobre a matéria de facto [quanto às alíneas m), n), p)], porque não se verifica qualquer violação das regras de direito probatório material.
Com efeito:
O contrato de trabalho a termo (celebrado entre as partes) está sujeito à forma escrita (artº 42º da LCCT) e essa forma foi respeitada.
Nesse contrato está estipulada uma retribuição.
Porém, a retribuição que foi dada como provada - na resposta aos nºs 1 a 4 da base instrutória - é superior, resultando da soma daquela retribuição com outra remuneração prevista no contrato de cedência de imagem, também reduzido a escrito e cuja assinatura da ré se tem que considerar verdadeira, face ao teor da sua impugnação (artº 374º-1, 2ª parte, do CC). De qualquer forma, sempre a sua veracidade teria ficado provada em julgamento (face ao teor das respostas e à sua fundamentação – artº 545º do CPC).
Ora, constando a estipulação adicional relativa à remuneração dum documento escrito, nunca a situação cairia no âmbito dos artºs 393º e 394º do CC. Tão pouco se podia falar de violação do artº 221º do CC.
A prova testemunhal na situação dos autos visou apenas interpretar o contexto dos referidos documentos, o que a lei expressamente permite - nº 3 do artº 393º do CC.
Além disso, ainda que se entendesse que o montante remuneratório fixado nas respostas constantes das alíneas m), n) e p) não decorria directamente da articulação daqueles dois contratos, ou seja da prova documental, sempre seria de defender que a prova testemunhal era admissível naquele caso, em virtude de haver um começo ou princípio de prova por escrito.
De todo o exposto resulta, nesta parte, a falta de razão à ré.

Outro argumento/fundamento invocado pela recorrente para alterar a matéria de facto dada como provada era a circunstância de, nos termos previstos no CCT, o contrato de trabalho ser obrigatoriamente reduzido a escrito e não serem invocáveis junto da Comissão Arbitral Paritária cláusulas não constantes do contrato.
Também não procede tal argumento: embora o contrato em causa, porque contrato de trabalho a termo, esteja sujeito à forma escrita, a verdade é que a não indicação da remuneração não constitui fundamento de nulidade do mesmo; por outro lado, não está em causa a invocação de qualquer cláusula perante a Comissão Arbitral Paritária, mas sim saber o valor que a ré se obrigou a pagar autor, como contrapartida da sua prestação, como treinador de futebol.
Acresce que, como aliás a própria ré salienta na conclusão 28ª), se é verdade que, no art° 9°, nºs 5 e 6, do mesmo CCT, se estabelece a ininvocabilidade, junto da referida comissão, das “cláusulas contratuais que não constem de contrato registado”, não é menos certo que, a seguir, se abre uma excepção para “as cláusulas relativas à retribuição”, embora se acrescente que “só serão atendíveis se provadas documentalmente”. Acontece que no caso dos autos, essa prova está feita.
Improcedem, pois, nesta parte as conclusões da recorrente.

(b) Regime jurídico aplicável em sede de indemnização por despedimento
Importa saber se o disposto no artº 40º-2 do citado CCT deve prevalecer sobre o estabelecido no artº 52º-2-a) da LCCT ou sobre o disposto no artº 27º-1 da Lei nº 28/98, de 26.06 (CTPD).

Vejamos os respectivos regimes.
Estipula o artº 44º do referido CCT:
«A entidade patronal que haja promovido indevidamente o despedimento do treinador, por ausência de processo disciplinar ou falta de justa causa, fica obrigada a indemnizá-lo nos termos do anterior artigo 40º».
Artº 40º:
«1 – A rescisão do contrato com fundamento nos factos previstos no nº 1 do artigo anterior confere ao treinador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma actividade durante o período em causa.
2 – As retribuições vincendas referidas no número anterior abrangem, para além da remuneração base, apenas os prémios devidos em função dos resultados obtidos até ao final da época em que foi promovida a rescisão do contrato com justa causa pelo treinador».

Por sua vez, o artº 52º-2- a) da LCCT estabelece:
«2. Sendo a cessação declarada ilícita, a entidade empregadora será condenada:
a) Ao pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até à data da sentença, se aquele termo ocorrer posteriormente.
…….»
Finalmente, o artº 27º-1 da Lei nº 28/98, de 26-06 (CTPD), estatui que em caso de despedimento sem justa causa promovido pela entidade empregadora, esta “incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”.

Tenha-se ainda presente o disposto no artº 59º-1 da LCCT, que permite que “os valores e critérios de definição de indemnizações” nele consagrados possam “ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de natureza convencional”.

Está em causa saber, quanto aos prémios devidos em função dos resultados, se, por virtude do seu despedimento, o trabalhador tem direito apenas àqueles obtidos até ao final da época em que ocorreu o despedimento (no caso 2003) – como decorre do CCT – ou os que seriam devidos até ao termo do contrato (30 de Junho de 2004), como decorre da LCCT e do CTPD.

A 1ª instância, embora sem o afirmar expressamente, tomou posição por esta última solução, ao condenar a ré no pagamento das retribuições que seriam devidas se o contrato tivesse cessado no seu termo e ainda no pagamento dos prémios de jogo da época 2003/2004.

No mesmo sentido se pronunciou, agora explicitamente, o acórdão recorrido, ao afirmar que o referido CCT «(…) prevendo um tratamento menos favorável do trabalhador, em sede de indemnização por despedimento, não pode prevalecer sobre o conteúdo imperativo do citado art. 52.º, n.º 2, alínea a), tal como estabelece o art. 13.º, n.º 1, da LCT, ao que acresce nem ser tal IRCT aplicável no “âmbito pessoal” ao recorrido, por não resultar da matéria de facto que o mesmo esteja filiado na organização sindical subscritora de tal CCT, sendo que nem sequer existe PE nesse sentido”.

É sabido que, no nosso ordenamento jurídico, as convenções colectivas só têm (em princípio) eficácia entre as partes outorgantes, pois como estabelece o artº 7º-1 do DL n.º 519-C1/79, de 29.12 (LRCT), apenas “…obrigam as entidades patronais que as subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes”.
Assim, em obediência ao princípio da dupla filiação, para a aplicação de uma convenção colectiva, terá que se verificar, simultaneamente, a filiação do empregador e do trabalhador na respectiva entidade outorgante.
Contudo, o âmbito da convenção colectiva pode alargar-se total ou parcialmente, por força de portarias de extensão, a entidades patronais do mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua actividade na área e no âmbito daquelas fixadas e não estejam filiadas nas mesmas associações.
Isso mesmo resulta do disposto no artº 29º-1 da LRCT, que estipula que “…pode, por portaria do Ministério do Emprego e da Segurança Social, ser determinada a extensão, total ou parcial, das convenções colectivas ou decisões arbitrais a entidades patronais do mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua actividade na área e no âmbito naquelas fixados e não estejam filiados nas mesmas associações”.

No caso em apreço, não se extrai da matéria de facto que o autor se encontre inscrito na Associação Nacional de Treinadores de Futebol, nem existe Portaria de Extensão. Daqui resulta não se poder concluir, por apelo à dupla filiação dos contratantes ou por via extensiva do CCT, que este é directamente aplicável às relações laborais estabelecidas entre as partes.
Resta, assim, apurar:
- por um lado, se a situação laboral se subsume no âmbito da convenção;
- e, por outro, se as partes, aquando da celebração do contrato de trabalho, estavam de acordo no sentido da aplicabilidade daquela (neste sentido, entre outros os acs. do STJ de 25.05.2005 - mencionado nos autos - e de 06.12.2006, ambos da 4.ª Secção - proc. nºs 259/05 e 1825/06, respectivamente).

É inquestionável que a situação laboral se insere no âmbito do CCT, o qual se encontra definido no seu artº 1º: “…. estabelece e regula as normas por que se regem as relações jurídicas laborais emergentes dos contratos de trabalho desportivos entre os treinadores profissionais e os clubes ou sociedades desportivas filiados na Liga Portuguesa de Futebol Profissional”.
Também é fora de dúvida que as partes estipularam no contrato (cláusula 13ª - fls. 73) que, em tudo o que o mesmo se revelar omisso, regulará o que consta da lei ou de IRCT, designadamente o celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol.
Ou seja, as partes, aquando da celebração do contrato de trabalho, estavam de acordo no sentido da aplicabilidade do CCT.

A questão, porém, que agora se coloca consiste em saber se, estabelecendo o CCT, quanto às consequências do despedimento, um regime menos favorável para o trabalhador que o resultante da lei geral do trabalho, ou até de lei especial, deve aquele ser aplicado, ou se, ao invés, deverá prevalecer o regime constante da LCCT ou do CTPD.
Como resulta do disposto nos artºs 12º e 13º da LCT, as normas legais de regulamentação do trabalho prevalecem sobre as convenções colectivas de trabalho, excepto na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabeleçam tratamento mais favorável para o trabalhador.
De tais normativos legais decorre, no caso, que estabelecendo as normas do CCT - e o próprio complemento ao contrato de trabalho (cláusula terceira) -, em matéria de indemnização por despedimento sem justa causa, tratamento menos favorável para o autor do que o resultante da lei geral, por força dos normativos legais mencionados deverá prevalecer este regime.
Como, a propósito, se afirmou no acórdão do STJ de 09.10.1996 (Proc. n.º 4405 - 4ª Secção), a imperatividade das fontes superiores visam proteger os trabalhadores, admitindo-se que possam ser estabelecidos em relação a eles cláusulas mais benéficas pelas fontes inferiores.
Concretamente em relação ao disposto no artº 52º- 4 da LCCT, decidiu-se naquele acórdão que se trata de uma norma imperativa, que apenas permite que se clausule em sentido mais favorável ao trabalhador, seja em IRCT ou em contrato individual de trabalho.
Idêntico entendimento deve ser aplicado ao caso em apreço: embora a norma constante do artº 59º da LCCT permita que os critérios e valores definidores de indemnizações sejam estabelecidos em IRCT, esses critérios e valores não podem conduzir a limites inferiores aos decorrentes da lei geral (ou de lei especial); por outras palavras, só poderão ser estabelecidos em sentido mais favorável ao trabalhador.
Nesta sequência, conclui-se que deverá ser aplicável ao caso, quanto às consequências do despedimento do autor, o estabelecido no artº 52º da LCCT ou no artº 27º do CTPD.

A este propósito, cita-se o acórdão deste tribunal de 24.01.2007 (processo nº 1821/06 – 4ª Secção, relatado pelo Juiz Conselheiro Mário Pereira e subscrito por quatro adjuntos – artº 728º-1-2 do CPC), que, depois de considerar que um treinador de modalidades desportivas não era de qualificar como praticante desportivo, nos termos e para os efeitos previstos no regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo (Lei nº 28/98, de 26-06), constituindo este contrato uma espécie do contrato de trabalho, com um regime legal consagrador das respectivas especificidades, acaba por afirmar que a falta de regulação legal própria para os contratos de trabalho de outros agentes desportivos, designadamente dos treinadores, não determinava, sem mais, a aplicação da lei geral do trabalho, antes implicava, face à lacuna de previsão, o recurso aos instrumentos de integração previstos no artº 10º do CC e, por essa via, ao regime especial do CTPD.
Isto em virtude de se estar perante uma realidade socialmente diferenciada que tem vindo a ser regulada, na prática contratual generalizada no respectivo meio social, em termos que se afastam, nos aspectos fundamentais, das leis gerais do trabalho (seja quanto à temporalidade do vínculo, seja quanto à inexistência de direito à reintegração em caso de despedimento sem justa causa, seja até quanto ao cálculo da indemnização em caso de despedimento).
Transcreve-se esta passagem do referido acórdão:
«… a existência de uma verdadeira lacuna de previsão resulta do facto do próprio legislador reconhecer (…) as especialidades que a actividade desportiva comporta neste preciso domínio e a manifesta dificuldade do regime geral do contrato de trabalho para dar cabal resposta a essas especificidades, o que convoca, por força dos princípios gerais, o recurso aos instrumentos de integração previstos no artº 10º do Cód. Civil, e, por esta via, ao regime especial do CTPD, por valerem na situação em causa as razões justificativas da concreta regulamentação normativa da Lei n.º 28/98”.
Na sequência deste entendimento, considerou-se ser de aplicar, analogicamente, quanto aos efeitos do despedimento ilícito - estava em causa a cessação do contrato de trabalho de um treinador de voleibol -, o regime especial previsto no artº 27º, nº 1, da Lei nº 28/98 (embora o mesmo não seja substancialmente diferente do previsto no artº 52º-2-a) da LCCT), devendo o empregador colocar o trabalhador na situação que se encontraria se o contrato fosse cumprido, maxime indemnizando-o pelos benefícios que o praticante deixou de obter em consequência do despedimento ilícito, com o limite das retribuições que ao trabalhador seriam devidas se o contrato tivesse cessado no seu termo.
Uma vez que o tribunal não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº 664º do CPC), nada obsta a que se perfilhe tal entendimento, no caso presente.
Assim sendo, conclui-se que as consequências da ilicitude do despedimento do autor são as previstas no artº 27º do CTPD e não no CCT, como alega a ré, ou na LCCT, como sustenta o autor.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso da ré.

(c) Remunerações previstas no contrato de cedência de imagem: se devem integrar, ou não, a prestação indemnizatória derivada do despedimento.
A resposta a esta questão mostra-se facilitada - e em sentido afirmativo - face às respostas aos pontos nºs 1 a 4 da base instrutória e constantes das alíneas m), n) e p) dos factos, cuja redacção não foi alterada, e ainda das respostas aos nºs 5 e 6 da mesma base instrutória que consta da alínea q) (em III).
Relembremos o teor destas alíneas:
- na época desportiva de 2002/2003, a ré obrigou-se a pagar ao autor, como contrapartida da actividade exercida por este, a remuneração global de € 335.430,00 e na época desportiva de 2003/2004, a remuneração global de € 385.300,00 [alínea m)];
- por vontade da ré e no interesse desta, parte do valor remuneratório global acordado foi titulado por um contrato de cedência de imagem, através do qual, com o mesmo período de duração, o autor cedeu igualmente à ré, em regime de exclusividade, como parte do valor acordado, os direitos de exploração comercial, em conjunto ou individualmente, da sua imagem de treinador profissional de futebol [alínea n)];
- como parte do valor remuneratório acordado pelo contrato de trabalho celebrado e como complemento ao mesmo, foi facultado à ré a exploração comercial da imagem do autor, em regime de exclusividade e durante a vigência do contrato de trabalho [alínea p)];
- o valor convencionado para ser titulado por este contrato de imagem foi, para a época desportiva 2002/2003, de € 235.430,00, e para a época desportiva de 2003/2004, de € 285.300,00 [alínea q)].
Relembremos, ainda, que o contrato de trabalho (de treinador) e o contrato de cedência de imagem foram celebrados na mesma data, nos termos que constam dos documentos juntos de fls 71 a 75.

Relativamente a esta questão, o tribunal da 1ª instância considerou que o contrato de cedência de imagem era um contrato complementar ao contrato de trabalho celebrado e que as remunerações previstas naquele faziam parte, complementavam este (contrato de trabalho).

O acórdão recorrido, sufragando o entendimento expresso no parecer do Professor Leal Amado, no sentido de que as partes expressamente estabeleceram uma relação de dependência unilateral do contrato de cedência de imagem em relação ao contrato de trabalho simultaneamente celebrado e que à dualidade contratual correspondia uma clara unidade económica, conclui, tal como a sentença da 1ª instância, no sentido de que “a recorrente deve ser condenada a pagar, além das retribuições vincendas inscritas no documento que titula o contrato de trabalho, também as remunerações certas inscritas no documento que titula o contrato de cedência de imagem.

Face ao teor literal dos dois contratos e das alíneas m), n), p) e q), de cariz interpretativo (artº 236º e sgs do CC), resulta claro o sentido das declarações negociais que integram os respectivos contratos. As partes celebraram dois contratos diferenciados – um de trabalho e outro de cedência de imagem –, mas dependentes um do outro. Ou seja, quiseram que a pluralidade funcionasse como um todo, como um conjunto económico (valor global acordado) e, por isso, estabeleceram um nexo funcional entre eles.
Isto conduz-nos à figura da união ou coligação de contratos, que existe quando (…) dois ou mais contratos (…), sem perda da sua individualidade, se acham ligados entre si por certo nexo” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª edição, Almedina, pg. 283).
Este nexo pode ser funcional. Neste caso, não se tratando dum nexo exterior ou acidental, mas de um vínculo substancial, o mesmopode alterar o regime normal de um dos contratos ou de ambos…, por virtude da relação de interdependência que eventualmente se crie entre eles”.
Continua o mesmo Professor:
“A relação de dependência (bilateral ou unilateral) assim criada entre os dois ou mais contratos pode revestir as mais variadas formas. Pode um dos contratos funcionar como condição, contraprestação ou motivo do outro; pode a opção por um ou outro estar dependente da verificação ou não verificação da mesma condição; muitas vezes constituirá um deles a base negocial do outro (…)”.
Também Galvão Telles (Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 475-476) faz notar que, na união ou coligação de contratos com dependência, “[a]s partes querem a pluralidade de contratos como um todo, como um conjunto económico, estabelecendo entre eles uma dependência que pode ser bilateral ou unilateral: bilateral se os contratos dependem, reciprocamente, uns dos outros; unilateral se só algum ou alguns dependem dos demais (…) As partes podem estabelecer claramente a dependência, como quando clausulam expressamente que, deixando de vigorar um contrato, também o outro ou outros deixam de vigorar (…) O vínculo de dependência significa que a validade e vigência de um contrato depende da validade e vigência do outro. Um contrato só será válido e eficaz se o outro o for também. Desaparecido o primeiro, o segundo desaparece igualmente”.
Como já referimos, a situação dos autos ajusta-se claramente à figura da união ou coligação de contratos com dependência. Embora as partes tenham celebrado dois contratos distintos - contrato de trabalho e contrato de cedência de imagem - constata-se uma relação de dependência deste em relação àquele (dependência unilateral).
Com efeito, no contrato de cedência de imagem (a fls 74-75), as partes declaram que este é “…complementar ao contrato de trabalho a termo…”; tem “o mesmo período de duração”; “os valores previstos no contrato de cedência de imagem são parte do valor remuneratório acordado [no contrato de trabalho e seriam pagos, à semelhança do que foi estipulado neste contrato] “em dez prestações mensais e iguais, vencendo-se a primeira no dia vinte de Setembro …” [e que as respectivas prestações só seriam devidas] “enquanto se mantivesse em vigor o contrato de trabalho” (clªs 2ª, 3º e 4ª).
Impõe-se, pois, concluir que os contratos – de trabalho e de cedência de imagem – se apresentam em termos económicos como um todo e que um deles (o contrato de cedência de imagem) está não só numa relação de dependência perante o outro (v.g. quanto à sua celebração, vigência, validade, não podendo a utilização da imagem do autor desligar-se da vigência do contrato de trabalho), mas também numa relação de complementaridade (relativamente à quantificação da remuneração global acordada quanto à prestação do autor, enquanto treinador).
Logo, os valores decorrentes do contrato de cedência de imagem, porque integrantes da remuneração do autor, enquanto treinador de futebol, fazem parte do objecto da prestação indemnizatória que lhe é devida, em consequência do seu despedimento.
Face ao teor das conclusões da ré, não podemos deixar de referir que, verificando-se uma conexão objectiva entre os contratos – apresentando-se o contrato de cedência de imagem dependente, e até complementar, do contrato de trabalho -, o tribunal do trabalho tem competência para conhecer da questão das retribuições vincendas inerentes a ambos os contratos (cfr. artº 85º, al. o), da Lei nº 3/99, de 13-01).
Mais: não sendo caso de alteração da decisão sobre a matéria de facto (relativamente à citadas alíneas) e configurada juridicamente a situação nos termos expostos, perdem sentido as conclusões 11ª) a 17ª) da alegação da ré.

Ainda uma nota final.
Não deixa de suscitar alguma perplexidade o recurso a duas figuras contratuais para fixar o valor remuneratório realmente acordado, como contrapartida da prestação do autor, enquanto treinador de futebol.
Embora esteja provado que a ré se obrigou a pagar ao autor, como contrapartida da actividade de treinador, a remuneração global de € 335.430,00 na época desportiva de 2002/2003 e a de € 385.300,00, na época desportiva de 2003/2004, e que foi por sua vontade e no seu interesse (da ré) que parte do valor remuneratório acordado foi titulado por um contrato de cedência de imagem, a verdade é que nem as partes alegaram, nem as instâncias deram como provado (por recurso a presunções judiciais) que esse acordo tivesse o intuito de enganar terceiros (Estado, Segurança Social …). E sem este elemento, não é possível equacionar qualquer hipótese de simulação (artº 240º do CC).
Sempre se dirá, todavia, que, ainda que se estivesse perante um caso de simulação – fingirem as partes celebrar dois contratos (contrato de trabalho/contrato de cedência de imagem) quando, efectivamente, apenas pretendiam celebrar um contrato de trabalho em que o valor da remuneração acordada, como contrapartida da prestação da actividade de treinador, era a que consta da alínea m) dos factos – sempre a solução seria a mesma. É que, tratando-se dum caso de simulação relativa, sempre ficaria (nas apontadas circunstâncias) salvaguardada a validade do negócio dissimulado (contrato de trabalho idêntico ao de fls 71-73, mas com a estipulação de que a remuneração do outorgante treinador era de € 335.430,00 na época desportiva de 2002/2003 e de € 385.300,00 na época de 2003/2004) - artº 241º do CC.

Improcede, pois, o recurso da ré na parte em que sustenta que esta não deve ser condenada nas prestações que decorrem do contrato de cedência de imagem, mas tão-só nas que se mostram estabelecidas no contrato de trabalho.

(d) Inadmissibilidade da decisão condenatória quanto aos prémios por objectivos e de jogos (artº 661º-2 do CPC)
A este propósito recorde-se que o acórdão recorrido, na parte que agora interessa, alterou a decisão da 1ª instância e condenou a ré na quantia “que vier a ser liquidada, correspondente aos prémios por objectivos e por jogos da época 2003/2004, ….”
A ré impugna o acórdão nesta parte, alegando que a liquidação em execução de sentença só é possível se a própria existência do dano estiver já provada na fase declarativa, o que não acontece no caso presente.

Dispõe o artº 661º-2 do CPC
«2. Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
……..»
O alcance desta disposição não tem sido entendido de modo uniforme pela jurisprudência do STJ.
Segundo uma orientação, aquele preceito só permite remeter a liquidação para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade do pedido, mas entendida esta falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova na acção declarativa (sobre o objecto ou a quantidade), mas sim por não serem ainda conhecidos com exactidão todas as consequências do facto jurídico no momento da propositura da acção (e manter-se essa situação aquando da decisão sobre a matéria de facto).
Neste sentido podem ver-se, entre outros, os acórdãos do STJ 17.01.95 (BMJ 443/404), de 13.01.2000 (proc. nº 44/99, da 2.ª Secção), de 24.02.2000 (proc. n.º 27/00, 2.ª Secção) e de 06.07.2005 (proc. n.º 1169/05 – 4.ª secção).
Segundo outra orientação – seguida de modo uniforme pela jurisprudência mais recente da 4ª Secção do STJ - o facto de o autor, na acção declarativa condenatória, não ter logrado provar o montante líquido pedido, não obsta a que a parte contrária seja condenada na quantia que se vier a liquidar em execução de sentença [entre outros, podem ver-se os acórdãos de 17.12.2005 (proc. nº 2850/05), de 02.02.2006 (proc. nº 3225/05), de 15.02.2006 (proc. nº 576/05), de 08.03.2006 (proc. nº 3486/05), de 14.03.2006 (proc. nº 3140/05) de 03.05.2006 (proc. nº 572/06) e de 10.05.2006 (proc. nº 4147/05)].
Embora esta interpretação aberta do citado preceito acabe por se traduzir na concessão de uma nova oportunidade de prova ao demandante, esta incide apenas sobre o “quantum” da condenação a proferir e não sobre a existência da situação violadora do direito que constitui fundamento do pedido.
Como se refere no acórdão de 03.05.2006:
«…. só a completa inconcludência probatória é que conduziria à improcedência da acção; ao contrário, constatando-se que a ré incumpriu uma certa obrigação contratual, a mera ausência de elementos suficientes para determinar o montante em dívida apenas justifica que se profira uma condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para execução de sentença
Justificando esta interpretação lata do citado preceito, escreve-se no acórdão de 08.03.2006:
«O artº 471º regula a petição inicial e, situando-se no dealbar da acção – em que imperam proeminentes razões de certeza – percebe-se que estipule, como regra, a dedução dum pedido específico.
O artº 661º-2, por sua vez, já disciplina uma parte adjectiva final, subsequente à instrução e discussão da causa, e previne a situação em que se provou a existência do direito, sucedendo apenas que o tribunal se encontra impossibilitado de proferir decisão específica por não ter logrado alcançar o objecto e a quantidade que corporizam esse já reconhecido direito.
Neste caso, é de aceitar por evidentes razões de justiça e de equidade, que o tribunal se abstenha de absolver o réu – porque demonstrada a existência da obrigação – muito embora se perceba também a inconveniência – porque arbitrária – de uma condenação quantificada.
Ora, existindo uma regra como a do artº 661º-2, faz sentido que ela deva funcionar (também) na assinalada situação».

Não vemos razão para alterar este entendimento.
Resta ver se estando provada a existência do direito, o tribunal apenas se encontra impossibilitado de proferir decisão específica por não ter logrado alcançar o objecto e a quantidade que corporizam esse direito.
No caso dos autos, verifica-se que:
- na petição inicial (entrada em 06.11.03), o autor alega (sob o nº 220) que a ré não lhe pagou determinados prémios de jogos (que identifica) da época de 2002/2003;
- nos números seguintes, no pressuposto de que o despedimento sem justa causa o impediu de receber os prémios por objectivos na época desportiva de 2003/2004, peticiona os prémios correspondentes à vitória nas meias finais da Taça de Portugal (€ 24.940,00), na final da Taça de Portugal (€ 49.880,00) e pela qualificação da ré, no final do campeonato nacional de futebol da I Liga, para uma das competições europeias organizadas pela UEFA (€ 199.519,00);
- mais peticionou (sob o nº 225) os prémios de jogo da época 2003/2004, a liquidar em execução de sentença.
Analisando a sentença e o acórdão recorrido, verifica-se que ambas as instâncias reconhecem que, em consequência do despedimento, o autor tem direito ao pagamento de “prémios”.
De acordo com a 1ª instância – que acolheu a tese do autor - a condenação da ré no pagamento das retribuições vincendas deverá incluir a parte variável destas, relativa aos prémios contratualmente ajustados. Ou seja, ainda que não se saiba se o autor iria atingir os objectivos desportivos constantes do contrato de trabalho, face ao despedimento ilícito do autor, a ré deveria ser condenada a pagar ao autor relativamente à época de 2003/2004 todos o prémios contratualmente ajustados.
Já o acórdão recorrido, sem o afirmar explicitamente, parece aderir ao entendimento de que o autor apenas terá direito aos prémios de jogos e por objectivos efectivamente alcançados, ainda que pelo treinador que veio substituir o autor (daí a condenação da ré no que se viesse a liquidar posteriormente).

Em suma, não se questiona o direito do autor aos prémios de jogos e por objectivos, decorrentes do contrato de trabalho e da sua violação, mas tão-só o montante dos mesmos, ou seja, a sua quantificação.
Neste contexto não merece censura o acórdão recorrido, quando, nas apontadas circunstâncias, relega para posterior liquidação o apuramento do respectivo quantitativo.

(e) E chegamos à questão dos prémios: qual o critério de cálculo (questão que interessa a ambas as revistas).
Antes de entrarmos na análise concreta do caso, importa fazer uma primeira aproximação ao conceito de retribuição.
Isto, porquanto decorre da lei (artº 52º-2-a) da LCCT) que, em caso de despedimento ilícito promovido pela entidade empregadora, o trabalhador tem direito ao valor das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo do contrato; em idêntico sentido dispõe o artº 27º-1 do DL nº 28/98, de 26-06, nos termos do qual em caso de despedimento ilícito promovido pela entidade empregadora esta incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo, contudo, a indemnização exceder o valor das retribuições que ao trabalhador seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.

Estipula o artº 82º da LCT:
«1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.»
Estabelecendo a lei como critério de determinação da retribuição, a obrigatoriedade de prestação pelo empregador, daqui resulta que daquele conceito se excluem as meras liberalidades e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho.
Importa também ter presente o que dispõe o artº 88º da LCT:
«1. Não se consideram retribuição as gratificações extraordinárias concedidas pela entidade patronal como recompensa ou prémio pelos bons serviços do trabalhador.
2. O disposto no número anterior não se aplica às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da remuneração daquele».
Sobre este preceito, assinala Bernardo Xavier (Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2ª ed. pg 390) que há certas atribuições da entidade empregadora que, tendo embora causa no contrato de trabalho e nos serviços prestados, pelo seu carácter unilateral e não devido, não são de qualificar como retribuição (como é exemplo as gratificações extraordinárias a que alude o nº 1, do preceito citado); outras porém, que são devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua percepção esteja condicionada aos bons serviços – como é o caso do prémio de produção – devem considerar-se como elemento da retribuição (cf. o referido nº 2 do artº 88º da LCT).
Impõe-se ainda considerar que a retribuição pode ser mista, isto é, constituída por uma parte certa e outra variável (artº 83º da LCT) e que, para determinar o valor da retribuição variável, a lei manda atender à “média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos 12 meses ou no tempo de execução do contrato, se este tiver durado menos tempo” (nº 2 do artº 84º da LCT).

No caso presente, as partes clausularam a atribuição ao autor de determinados prémios caso os objectivos previstos fossem alcançados (obtenção de determinados resultados desportivos quer em jogos individuais, quer no final de competições, como o Campeonato Nacional de Futebol da I Liga, Taça de Portugal, Taça UEFA).
Da aplicação de qualquer dos normativos supra indicados (artº 52º-2-a) da LCCT e artº 27º da LCTD), resulta claro que a prestação indemnizatória decorrente do despedimento deve incluir essa parte variável da retribuição.
A controvérsia centra-se em como determinar o seu montante, uma vez que o autor foi despedido em Junho de 2002.
E a questão pode equacionar-se de três modos:
- as retribuições (vincendas) na parte variável devem corresponder ao valor dos prémios contratualmente ajustados, independentemente de se saber se, mantendo-se o autor como treinador do clube, esses resultados viriam ou não a ser alcançados;
- ou ao valor dos prémios por objectivos e de jogos tendo em conta os resultados alcançados por um terceiro (treinador) nessa época;
- ou – acrescentamos nós - ao valor dos prémios por objectivos e de jogos tendo em conta a média da última época em que o autor desenvolveu a actividade (de treinador) no clube.
Vem a propósito referir que o acórdão recorrido, na parte em que, alterando a decisão da 1ª instância, condenou a ré em quantia a liquidar (em execução) relativamente aos prémios por objectivos e de jogos da época 2003/2004, foi impugnado por ambas as partes: o autor pretende que a ré seja condenada no pagamento do valor dos prémios contratualmente ajustados; a ré, por seu turno, sustenta a inadmissibilidade da condenação proferida e pugna pela improcedência de qualquer condenação a esse título.
Ou seja, ambas as partes, neste recurso, deixaram em aberto a questão de saber se a ré deve ou não ser condenada nos prémios por objectivos e por jogos da época de 2003/2004. Havendo que apreciar tal questão, este tribunal não está impedido de, sendo a resposta afirmativa, proferir condenação mandando atender a critérios jurídicos diversos dos alegados pelas partes (artº 664º, 1ª parte, do CPC).
Será este o caso.
Já atrás se referiu - e resulta da matéria de facto - que os prémios a pagar ao autor foram previstos no próprio contrato. Por outro lado, face ao disposto no artº 88º-2 da LCT, não podem deixar de integrar a retribuição. Também é seguro que constituem uma parte – a parte variável – da remuneração do autor.
Por esta razão, entende-se ser de aplicar, aqui, o disposto no citado artº 84º-2 da LCT, preceito que, conforme já referimos, manda atender, na determinação do valor da retribuição variável, à “média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos 12 meses ou no tempo de execução do contrato, se este tiver durado menos tempo”.
Como se afirmou no acórdão deste tribunal de 02.12.98 (proc. nº 119/98 – 4ª secção), “não pode esquecer-se que a remuneração variável tem, por natureza e por definição, uma componente aleatória, precisamente no campo da regularidade e periodicidade, a reflectir-se também, naturalmente, na estabilidade remuneratória”.
Assim, verificando-se um despedimento ilícito – o caso dos autos -, não se mostra consentâneo com os princípios que regem tal matéria que a entidade empregadora, uma sociedade desportiva, deva indemnizar o trabalhador, um treinador de futebol, como se todas as metas e objectivos previstos no contrato tivessem sido atingidos. Tal significaria converter, após o despedimento, algo que era aleatório em algo certo, ou seja, em termos práticos, converter uma parte variável da retribuição em parte certa.
Também não se pode aceitar que, estando em causa a atribuição de determinados prémios, com natureza aleatória, dependentes (entre o mais) da actividade do trabalhador/treinador, o valor daqueles venha a ser fixado em função da actividade de um terceiro (trabalhador/treinador). E isto independentemente de serem bons ou maus os resultados obtidos por esse terceiro, pois em tal caso a alia que impendia sobre o treinador despedido acabava por ser transposta para um terceiro e aquele (treinador inicial) limitava-se a beneficiar ou não (consoante os resultados desportivos obtidos) da actividade do treinador substituto.
Assim, à semelhança do que acontece em outros sectores de actividade em que a remuneração é variável, dependendo dos objectivos atingidos pelo trabalhador (v.g. um trabalhador/vendedor em que a sua retribuição variável é em função do número e/ou do valor das vendas e cujo valor se calcula tendo em conta a média dos últimos 12 meses (…), também aqui teremos que partir dos resultados alcançados pelo treinador para, em função deles, ficcionar o valor devido para o futuro, no período em que o contrato se manteria em vigor, caso não ocorresse o despedimento ilícito.
Concretizando: tendo o autor prestado a sua actividade à ré na época desportiva de 2002/2003 e alcançado determinados objectivos pelos quais se previa a atribuição de prémios (sem esquecer que o autor afirma nas alegações de recurso – a fls 1186 e 1187, conclª 8ª) – que excluiu do seu pedido as prestações relativas a resultados desportivos que, à data do despedimento, em 4 de Junho de 2003, já se tinham revelado impossíveis de alcançar), deverá o valor dos prémios relativos à época desportiva de 2003/2004 ser calculado em montante igual aos obtidos na época anterior.
Improcedem, pois, nesta parte as conclusões do autor e da ré.

(e) Resta a última questão: se devem ser deduzidos no montante condenatório os rendimentos (já líquidos) auferidos pelo recorrido.
Sustenta a recorrente que, pelo menos, parte dos rendimentos auferidos pelo recorrido ao serviço do Córdoba FC encontram-se perfeitamente determinados e liquidados nos termos que constam quer do contrato celebrado no dia 10 de Junho de 2003 (cfr. fls. 409), quer do contrato celebrado no dia 1 de Julho de 2003 (cfr. fls. 410), quer ainda do documento junto a fls. 472-473.
Isto porque tais documentos foram juntos aos autos após requisição do Tribunal de Trabalho de Braga ao referido Clube espanhol e não foram objecto de qualquer impugnação por parte do autor.
Assim sendo, não podia o acórdão recorrido relegar para execução de sentença a determinação de rendimentos, já parcialmente determinados nos termos dos documentos referidos na alínea o") dos factos provados.
Isto sem prejuízo da manutenção da posterior relegação para execução de sentença para o efeito de determinação dos restantes rendimentos auferidos pelo recorrido ao serviço do Córdoba FC em consequência da celebração dos contratos referidos na alínea o") da matéria de facto.
Desde já se adianta que não tem razão.
Eis o teor desta alínea:
«o”) No dia 10 de Junho de 2003, o Autor celebrou novo contrato de trabalho com o Clube Córdoba FC da Liga Espanhola de Futebol, relativamente à restante época de 2002/2003, e, no dia 1 de Julho de 2003, celebrou com o mesmo Clube novo contrato para a época desportiva de 2003/2004»;
Em consequência de tal aditamento, o acórdão decidiu: "por apurado que o recorrido celebrou os contratos de trabalho referidos na alínea o”), ainda que não determinados os rendimentos auferidos com os mesmos, a sua dedução, nos termos do artº 52°, nº 3, da LCCT será também objecto da liquidação supra referida";
Os documentos referidos pela ré são:
- um, designado por “Contrato de Entrenador” em que figuram como outorgantes o autor e o presidente do Córdoba Clube de Futebol SAD, celebrado em 10.07.2003 (a fls 409);
- outro, igualmente designado de “Contrato de Entrenador” em que figuram como outorgantes o autor e o presidente do Córdoba Clube de Futebol SAD, celebrado em 10.07.2003 (a fls 410);
- um terceiro, datado de 28 de Outubro de 2003, donde consta ter o Conselho de Administração do Córdoba Clube de Futebol SAD declarado prescindir a partir de 28 de Outubro de 2003 dos serviços do treinador AA e em que as partes acordam os termos da liquidação do contrato federativo firmado entre ambas, com indicação do número de prestações (9), valor de cada uma e a respectiva data do vencimento (a primeira em 5.11.2003). Embora, no final do documento se refira, a realização de uma entrega em pagamento, nesse acto – correspondente a um saldo - não se indica concretamente o seu montante (fls 472 e 473).

A questão suscitada pela ré é de fácil resolução.
Limitar-nos-emos a dizer o seguinte:
É fora de dúvida que os documentos em causa são particulares e a sua autoria não foi impugnada pelo autor.
Tanto o artº 52º-3 da LCCT, como o artº 27º-3 da Lei nº 28/98, estabelecem que à importância indemnizatória devida pela entidade empregadora, no caso de cessação ilícita do contrato, serão deduzidos os montantes das importâncias relativas a rendimentos auferidos pelo trabalhador, “em actividades iniciadas posteriormente à cessação do contrato” (como diz aquele preceito), ou “pela prestação da mesma actividade a outra entidade empregadora desportiva” (como diz este).
Ambos os preceitos referem deduções de rendimentos auferidos.
O que está provado – na citada alínea o) – é que o autor celebrou, nos termos referidos, dois contratos de trabalho com o Clube Córdoba FC da Liga Espanhola de Futebol: um relativamente à restante época de 2002/2003; outro, para a época desportiva de 2003/2004». Ou seja, que foram emitidas as declarações negociais que deles constam.
Os documentos a fls 409 e 410 apenas demonstram isso mesmo (artºs 374º e 376º do CC).
Por seu turno, o documento a fls 472-473, apenas prova que as partes subscritoras fizeram o acordo dele constante.
Em suma, os documentos citados pela ré titulam obrigações decorrentes de contratos, não são recibos de quantias recebidas (o de fls 472 e 473, na parte em que podia valer como tal, não quantifica o saldo a que é dada quitação).
Por essa razão, o tribunal recorrido, em sede de decisão sobre a matéria de facto, apenas aditou – só podia aditar - os factos que constam da alínea o”).
Assim sendo, não merece censura o acórdão da Relação quando determina que o apuramento dos rendimentos auferidos pelo autor - a deduzir no montante indemnizatório devido pela ré - seja objecto de posterior liquidação.

V - Decidindo
Nestes termos, acordam em negar ambas as revistas.
Todavia pelas razões expostas, acordam em alterar o acórdão recorrido na parte em que condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 560.771,00 acrescida da quantia, que vier a ser liquidada, correspondente aos prémios por objectivos e de jogos da época de 2003/2004, com dedução das eventuais importâncias relativas a recebimentos do trabalho, auferidos pelo autor, que se substitui pela condenação da ré a pagar ao autor a quantia global de € 560.771,00, acrescida da quantia que vier a ser liquidada referente aos prémios por objectivos e de jogos da época de 2003/2004, de montante igual aos alcançados na época de 2002/2003, com dedução das eventuais importâncias relativas a rendimentos do trabalho auferidos pelo autor ao serviço de outra entidade empregadora desportiva, após o despedimento e até ao termo previsto para o contrato.
Custas por autor e ré, em conformidade com o decaimento.

Lisboa, 12 de Setembro de 2007
Maria Laura Leonardo (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
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(1) Nº 169; relª: Mª Laura C. S. Maia (Leonardo); Adjºs: Sousa Peixoto e Sousa Grandão.