Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL CULPA IN CONTRAHENDO NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO DEVER DE INFORMAÇÃO INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS EQUIDADE INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO | ||
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Data do Acordão: | 12/18/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDMENIZAÇÃO | ||
Doutrina: | - Ana Prata, in Notas sobre a responsabilidade pré-contratual, in “Revista da Banca”, 16, Outubro/Dezembro, 1990, p. 75 e segs.; Notas sobre responsabilidade pré-contratual, Coimbra, 2005 (reimpressão), p. 40 e ss.. - Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 3ª edição, pp. 185 e 186, 190 a 193, 196, 198, 200, 201, 202, 205. - Dário Moura Vicente, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Volume III, pp. 273, doutrina e jurisprudência aí citadas, 274. - Diez-Picazo, Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, I, 1996, Madrid, p. 278. - Heinrich Ewald Höster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, pp. 473, 474. - Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, reimpressão, pp. 69 e 70, 71, 73, 76, 77. - João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I, pp. 526 a 529. - João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, pp. 268 a 271. - José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, pp. 441 a 446, 449; Direito Comercial, Volume IV, Sociedades Comerciais, 1993, p. 138. - José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, p. 440. - Mariana Fontes da Costa, Ruptura de Negociações Pré-Contratuais e Cartas de Intenção, 2011, p. 56. - Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, pp. 299 a 302, 306 a 310. - Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª edição, pp. 490 a 495. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 232.º, 566.º, N.º3. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 7.º, N.º1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 10/5/01, IN CJ/STJ,2001, TOMO II, P. 71 E SS.; -DE 29/1/04 (PROCESSO 03B4187), ACESSÍVEL ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I - O iter negotii caracteriza-se por envolver duas fases distintas, a negociatória, constituída pelos actos tendentes à celebração do contrato, e a decisória, constituída pela conclusão do acordo, devendo as partes, durante todo o percurso do caminho contratual, proceder segundo as regras da boa fé, conforme prescreve o art. 227.º do CC. II - A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa fé, na medida em que se considera que o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato. III - A relação pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade, probidade, correcção e boa fé, implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que negoceiam será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a aludida ruptura, que é livre, mas não pode ser arbitrária. IV - Em concreto, se houve negociações avançadas entre os autores e os réus, por forma a criar nestes legítimas expectativas de consumação do negócio societário, com vista à exploração de uma loja, ao ponto de os levar a um grande investimento de tempo, de entusiasmo, de trabalho e de custos, envolvendo, inclusivamente, a família, a desistência dos réus, sem justa causa, de formalizar o contrato implica responsabilidade pré-contratual e a inerente obrigação de indemnizar os autores. V - Esses danos correspondem, no caso, ao chamado interesse contratual negativo ou da confiança, ou seja, os danos que os autores não teriam sofrido se porventura não tivessem confiado na conclusão do contrato de sociedade. Nessa medida, devem os réus proceder à reconstituição da situação que existira anteriormente à criação da confiança, designadamente reembolsando os autores das despesas que efectuaram e dos trabalhos que realizaram, directamente ou através de familiar, na perspectiva da conclusão do contrato (e que não teriam efectuado e realizado se não tivessem confiado), englobando tanto os danos patrimoniais como os não patrimoniais. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Relatório I – AA e sua mulher, BB, intentaram acção declarativa com processo ordinário contra CC e mulher, DD, alegando, em síntese, que: Em Maio de 2006, a autora, que tinha em mente a futura criação de um espaço para venda de flores secas e outros artigos de decoração manual, iniciou aulas de aprendizagem de artes decorativas ministradas pela ré, no seu Atelier A..., que funcionava numa garagem sita em A.... Com o tempo, entre a autora e a ré foi-se desenvolvendo uma amizade assente no gosto e interesse pelas artes decorativas, passando a pedido da ré a auxiliá-la na execução das montras e na ajuda da escolha de materiais junto dos fornecedores, começando, nesse contexto, a planear a criação de uma sociedade, atendendo aos anseios da autora e à necessidade de um novo espaço da ré. Em Junho de 2006, realizou-se uma reunião entre autores e réus que decidiram criar uma sociedade, procurar um novo espaço para a abertura da loja e manter a denominação (A...), mas gerida pela sociedade. No início do mês de Julho é celebrado o contrato de arrendamento da loja sita no C..., em nome do réu, pagando este o mês de caução e os autores a renda desse mês contra a entrega da chave, acordando que as novas instalações abririam ao público a 16 de Agosto, após remodelação e decoração da loja, bem como projecção da imagem, criação e alteração da mesma, tarefas de que se encarregaram os autores, enquanto aos réus caberia a tarefa de manter a antiga loja e mudarem o material para a nova quando as obras estivessem concluídas. Na sequência disso fizeram diversos estudos para a decoração do interior da loja, tomaram providências para o desenvolvimento da imagem corporativa da A..., encomendaram materiais para as obras e executaram-nas, realizaram trabalhos de estudo e tratamento de imagem da loja, criaram cartazes e folhetos publicitários, que distribuíram, criaram cartões de visita, etiquetas de identificação dos produtos e página na internet, criaram o logótipo para a loja, tudo feito com o conhecimento e aprovação dos réus que, ao longo do desenrolar das obras, se deslocaram frequentemente à loja, mostrando grande satisfação com aquelas. Apesar de sucessivas insistências, os réus foram protelando a constituição da sociedade, mas fizeram a mudança para a nova loja e, após a abertura desta, a ré passou a comportar-se como única dona, tratando a autora como empregada. Os autores nunca chegaram a receber qualquer montante referente às despesas realizadas e trabalho prestado, que avaliam em € 12.603,60. Além disso, a autora, que à data se encontrava grávida, ficou psicologicamente afectada, sentindo-se triste, deprimida e ansiosa em resultado desse comportamento dos réus. Com tais fundamentos, concluíram por pedir a condenação dos réus a pagarem-lhes as quantias de € 12.603,60, relativa a despesas e trabalho prestado, e de € 1.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros moratórios à taxa legal desde a data da interpelação e até efectivo e integral pagamento. Os réus apresentaram contestação a contrapor diferente versão factual em que refutaram quaisquer negociações tendentes à constituição da sociedade, desse modo, pugnando pela improcedência da acção e, em reconvenção, pediram a condenação dos autores a pagarem-lhes a quantia de € 3.942,80, relativa a material adquirido e não pago, bem como a prejuízos decorrentes da impossibilidade de angariação de alunas, através do site criado pelo autor, mas nunca disponibilizado, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento. Os autores responderam a pugnar pela improcedência da reconvenção e a manter a sua posição inicial. Saneado o processo e condensada a matéria de facto, realizou-se audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos aí prestados, e, dirimida a matéria de facto, foi proferida sentença que, na total improcedência da acção e da reconvenção, absolveu réus e autores dos respectivos pedidos. O autores apelaram, com parcial êxito, tendo a Relação de Lisboa revogado a sentença, na parte em que absolvera os réus dos pedidos, e, na parcial procedência da acção, condenou estes a pagarem aos autores as quantias de € 7.704,34, a título de danos patrimoniais, e € 500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. Agora inconformados, interpuseram os réus recurso de revista, rematando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1. Atenta a factualidade provada nos autos, não existe responsabilidade pré-contratual dos Recorrentes. 2. O Tribunal a quo ao condenar os Recorrentes por considerar existir responsabilidade pré-contratual, violou o art. 227º, n.º 1, e o art. 405º, n.º 1, do Código Civil. 3. As negociações e a fase preliminar de formação de um contrato merecem a tutela do direito, exigindo-se que as partes ajam de acordo com os princípios gerais de boa fé, nomeadamente, com os deveres de protecção, deveres de informação e deveres de lealdade. 4. Vigorando na ordem jurídica portuguesa o princípio da liberdade contratual, são as partes livres de celebrar ou não os contratos que bem entenderem, devendo, no entanto, agir de acordo com os deveres de protecção, informação e lealdade. 5. O que o legislador pretendeu punir no art. 227º, n.º 1, do Código Civil foi a frustração injustificada da expectativa fundada e legítima da contra-parte e não simplesmente a ruptura pura e simples das negociações, sob pena de se limitar fortemente a autonomia das partes na negociação e celebração de contratos. 6. Não basta a mera ruptura das negociações, para que exista automaticamente responsabilidade de quem as rompeu. 7. As partes podem livremente decidir pela celebração ou não de negócios, sem que com isso se tornem responsáveis perante a outra parte. 8. As negociações têm como objectivo permitir que as duas partes envolvidas apurem se estão reunidas as condições desejadas para celebração do contrato, e não estando pode qualquer uma das partes desistir do negócio, sem que com isso incorram em responsabilidade, desde que, não tenha sido criada na outra parte a expectativa legítima de efectiva concretização do negócio. 9. Nos presentes autos, ficou apenas provado que os Recorrentes e Recorridos discutiram a possibilidade de constituírem uma sociedade. 10. Não se provou em que termos, quais as propostas e contra-propostas efectuadas, quais as cláusulas acordadas entre as partes. 11. Os factos existentes nos autos não nos permitem concluir que existiu um verdadeiro processo negocial entre Recorrentes e Recorridos. 12. Não ficou provado que tenham existido quaisquer declarações negociais por parte quer dos Recorrentes quer dos Recorridos, ou que tenham sido assumidos quaisquer compromissos com vista à celebração do contrato. 13. Não ficou provado que tenham existido quaisquer negociações entre Recorrentes e Recorridos com vista a celebrar um contrato. 14. As partes discutiram a possibilidade de constituir uma sociedade, mas não negociaram nada em concreto, nomeadamente, qual o capital social, proporção de quotas e quem assumia a gerência. 15. Pretender que simples conversações sobre um eventual negócio, impliquem a responsabilidade pré-contratual de uma das partes por esta não querer concretizar o negócio, é extravasar largamente o âmbito da norma prevista no art. 227º, nº 1 do Código Civil e uma grave restrição à autonomia privada e à liberdade negocial. 16. Para existir responsabilidade pré-contratual é necessário, cumulativamente, que uma das partes tenha criado na outra uma expectativa legítima e fundada na concretização do negócio, e que exista a ruptura injustificada das negociações. 17. Os Recorrentes não adoptaram qualquer atitude que fosse susceptível de criar uma legítima expectativa dos Recorridos na efectiva celebração do contrato. 18. O dever de lealdade consubstancia-se na proibição de interrupção de negociações em curso se tiver sido criada na contra-parte uma real e fundada expectativa na concretização do negócio. 19. As partes durante as negociações, têm sempre que contar com a hipótese do contrato não ser celebrado, pois numa fase negocial do contrato, o acordo pode ou não ser alcançado conforme as partes fiquem ou não satisfeitas com o decurso das negociações. 20. Nos termos do art. 342º, n.º 1 do Código Civil, a prova de que os Recorrentes criaram, com a sua conduta, uma legítima expectativa nos Recorridos, de que o contrato seria efectivamente celebrado, cabia a estes. 21. Tal prova não foi efectuada. 22. Os Recorrentes não violaram qualquer dever de boa fé, nomeadamente, o dever de lealdade perante os Recorridos, porque não tiveram qualquer atitude ou comportamento que fosse susceptível, de acordo com a avaliação do homem médio colocado em idênticas circunstâncias, de criar uma expectativa legítima na concretização do negócio. 23. Os Recorridos não comunicaram aos Recorrentes, nem obtiveram a autorização destes, para proceder à decoração e obras na loja, à criação do site, logótipo e à publicidade da loja. 24. Se os Recorridos tinham a legítima expectativa de que a sociedade se constituiria e portanto efectuaram as diligências descritas nos autos, então, por maioria de razão, tal expectativa deveria tê-los conduzido a comunicar aos Recorrentes quais as obras que estavam a pensar efectuar e que outras diligências pretendiam tomar, em especial, deveriam ter comunicado aos Recorrentes quais os valores previstos nos orçamentos e custos inerentes a todas a modificações que pensavam efectuar. 25. Os Recorridos violaram o dever de informação junto dos Recorrentes. 26. Tais decisões unilaterais dos Recorridos não permitiram que os Recorrentes tivessem um controlo efectivo dos gastos e custos efectuados com a modificação da loja e publicidade da mesma. 27. Acresce que não se descortina dos factos provados que tais diligências tenham sido realizadas pelos Recorridos com vista à constituição da sociedade. 28. Não tem aplicação ao caso concreto, o regime legal de benfeitorias [art. 1273º e ss Código Civil], pois os Recorridos não eram possuidores, mas sim meros detentores. 29. Também não tem aplicação aos presentes autos, o regime legal do enriquecimento sem causa, pois a realização de obras e de publicidade não foram autorizadas pelos Recorrentes, nem se provou que tal tenha provocado um acréscimo patrimonial na esfera jurídica daqueles, ou que tenham retirado algum proveito das diligências efectuadas pelos Recorridos. 30. O trabalho realizado pelo pai da Recorrida foi oferecido aos Recorridos, o que significa que estes não têm qualquer crédito perante os Recorrentes a esse respeito. 31. Este pertence ao pai da Recorrida e não aos Recorridos, não sendo tal montante devido a estes, já que não pagaram o serviço. 32. O douto Tribunal a quo fixou equitativamente a quantia de € 1.500,00 pelo trabalho realizado no projecto de decoração e organização do espaço do Atelier, com fundamento nos factos provados. 33. Da leitura desses factos resulta que os Recorridos apenas elaboraram um projecto e efectuaram meros pedidos de orçamentos. 34. Atenta a factualidade provada [factos provados U) a Z)], não pode deixar de se considerar excessivo o montante de € 1.500,00 fixado pelo douto Tribunal a quo. 35. O critério da equidade exigido pelo art. 566º, n.º 3 do Código Civil na fixação de uma indemnização, exige que seja fixado um valor consideravelmente inferior ao que foi determinado no douto Acórdão recorrido. 36. Os Exmos. Juízes Desembargadores do Tribunal a quo fixaram ainda o valor de € 1.500,00, com recurso à equidade, a título de criação e divulgação da imagem do Atelier, com base nos factos provados XX) a MMM). 37. Atentas as tarefas realizadas [criação de cartazes, folhetos publicitários, um logótipo, cartões-de-visita e etiquetas, diligências publicitárias], o montante fixado afigura-se igualmente excessivo considerando o critério da equidade. 38. Deve este douto Tribunal fixar, com recurso à equidade, valores que substituam os anteriores e que tenham em consideração as tarefas realizadas e os preços médios praticados no mercado. 39. O douto Acórdão ora recorrido viola o disposto nos artigos 227º, nº 1; 405º, nº 1 e 566º, nº 3 do Código Civil. Os autores ofereceram contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista e, uma vez colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II - Fundamentação de facto A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte: 1. No dia 15 de Maio de 2006, a autora iniciou aulas de aprendizagem de artes decorativas, como sejam aulas de pintura, de criação de bijutaria e de modelagem, no Atelier A.... 2. As aulas eram ministradas pela ré, a qual geria o negócio, sendo também a proprietária do Atelier mencionado em 1. 3. A loja onde estava instalado o referido Atelier funcionava numa garagem, sita na Avenida...,..., A.... 4. No local aludido em 3., eram ministradas as aulas referidas em 1. 5. No mesmo local, encontrava-se disponível, para venda, o material necessário à prossecução da actividade de aprendizagem referida. 6. Com o decorrer do tempo, autora e ré estabeleceram um relacionamento baseado no gosto e interesse pelas artes decorativas. 7. O local onde estava instalado o atelier não reunia, na perspectiva dos réus, as condições adequadas à expansão do respectivo negócio, tendo sentido necessidade de procurar um novo espaço para instalar a A.... 8. No início de mês de Julho de 2006, o réu tomou de arrendamento uma loja sita na Rua ..., ..., A... C.... 9. O pagamento da respectiva caução foi efectuado pelo réu. 10. A facturação relativa ao fornecimento de energia eléctrica, no período entre 13/07/2006 e 28/08/2006, referente ao local mencionado em 8., foi emitida em nome do réu. 11. A mudança de instalações do Atelier A... foi efectuada pelos réus no último fim-de-semana do mês de Julho de 2006 (ocorrido nos dias 29 e 30). 12. Foi criada uma página na internet com o endereço " www.A....com". 13. A ré frequentou, entre 1999 e 2001, a " Escola ...", constando do respectivo certificado tê-lo feito com "excelente aproveitamento". 14. No âmbito das aulas referidas em 1, a autora adquiriu à A... diverso material, designadamente, pincéis, verniz, tintas e molduras. 15. A autora sempre nutriu gozo pela decoração. 16. Frequentou o 3o ano do curso de Arquitectura na Universidade Moderna. 17. Nessa sequência, a autora adquiriu conhecimentos na área da decoração. 18. A autora pretendia criar um espaço seu, para vender arranjos de flores secas e outros artigos de decoração. 19. Autora e ré discutiram a possibilidade de constituírem uma sociedade. 20. Autores e réus discutiram a constituição da sociedade. 21. Os autores elaboraram um projecto para execução do balcão da loja e um projecto de decoração geral da loja. 22. Os autores efectuaram um pedido de orçamento para cartões de visita, etiquetas e sacos. 23. Os autores pediram um orçamento para material de decoração de montras e interiores da loja em vinil. 24. Os autores pediram um orçamento para instalação de toldos. 25. Os autores diligenciaram pela criação do sítio da internet aludido em 12. 26. Os autores adquiriram madeira para forrar o chão e paredes. 27. E adquiriram tinta. 28. E adquiriram materiais para instalação eléctrica. 29. E também adquiriram material para a construção do balcão. 30. A loja referida em 8. tinha um pé direito superior a 3 metros. 31. Os autores tiveram que pedir emprestado um andaime para proceder à respectiva pintura. 32. No dia 10 de Julho o pai da autora iniciou os trabalhos de colocação de barrotes para aplicação de lambrim. 33. O autor efectuou a pintura da loja. 34. O pai da autora procedeu à colocação de soalho flutuante na loja. 35. E procedeu à colocação de lambrim. 36. E construiu o balcão projectado pelos autores. 37. E construiu expositores e estantes. 38. E procedeu ao corte do tampo de uma mesa de trabalho. 39. Essa mesa destinava-se a ser usada pelas alunas do Atelier na realização dos seus trabalhos. 40. Estes trabalhos foram efectuados entre 10 de Julho e 16 de Agosto de 2006. 41. O pai da autora trabalhou oito horas por dia. 42. O trabalho foi realizado pelo pai da autora na perspectiva de esta e o seu marido constituírem a sociedade com os réus. 43. O pai da autora ofereceu o valor desse seu trabalho aos autores, sua filha e genro, respectivamente. 44. Empresas prestadoras de serviços de natureza idêntica à dos prestados pelo pai da autora, aludidos em 32. a 38., cobram pela respectiva mão-de-obra valor superior a € 5,44/hora. 45. Enquanto decorriam os trabalhos de remodelação, mencionados em 32. a 38, o autor deslocou-se diariamente, pelas 9h00, à loja, para auxiliar o seu sogro nas obras. 46. Durante a primeira semana do período dos trabalhos, quando a sua presença não era necessária, o autor criou cartazes e folhetos publicitários da A.... 47. Tais folhetos e cartazes davam a conhecer a actividade e a localização da nova loja. 48. E anunciavam a respectiva data de abertura. 49. Nesse mesmo período, o autor criou um logótipo para a loja. 50. O que comportou a realização de diversos estudos. 51. O autor criou, ainda, no indicado período, cartões de visita com o logótipo do Atelier e etiquetas de identificação dos produtos. 52. O autor elaborou, também, estudos e aperfeiçoamentos da imagem corporativa da A.... 53. O logótipo aludido em 49. foi colocado no ecrã luminoso da loja. 54. E colocado e divulgado nos cartazes e folhetos aludidos em 46. a 48.. 55. E nos cartões de visita e etiquetas mencionados em 51.. 56. E no sítio da internet referido em 12. 57. Após a realização dos trabalhos de criação dos cartazes e folhetos, da criação do logótipo, de elaboração dos cartões de visita e das etiquetas de identificação de produtos e dos estudos da imagem corporativa da A..., referidos, o autor passou a deslocar-se às gráficas para verificar e concluir o trabalho de impressão. 58. Por fim, o autor distribuiu, pelos estabelecimentos comerciais do C..., os folhetos e cartazes. 59. O autor é profissional de artes gráficas, fazendo trabalhos, designadamente, de criação e tratamento da imagem corporativa de empresas e estabelecimentos. 60. Na última semana de Julho de 2006 existiam já diversas facturas pagas pelo autor relativas aos trabalhos efectuados. 61. O autor apresentou ao réu o contabilista do seu pai, Sr. EE, no sentido de o mesmo os auxiliar nas questões jurídicas. 62. Autores e réus deslocaram-se ao escritório do contabilista aludido em 61., com vista a esclarecerem dúvidas relativas aos trâmites de constituição da sociedade. 63. O réu esclareceu com o contabilista o procedimento legal para o encerramento da sua actividade e a venda de material em stock a uma nova sociedade a constituir. 64. O réu não compareceu no local e hora combinados para discussão e preparação da constituição da sociedade. 65. Os autores pagaram € 500 a título de renda relativa ao mês de Agosto. 66. Os autores pagaram € 847 pela criação do domínio "www. A...com", da página da internet e respectiva programação. 67. Os autores pagaram € 10,73 para aquisição de silicone. 68. E pagaram, pela aquisição de barrotes para o balcão, à "...", o montante de € 35,57. 69. E despenderam, a quantia de € 150,48 na aquisição à " ..., Lda", de um tampo de mesa e estantes. 70. E pagaram à " ... Lda.", € 206,04, pela aquisição de um vidro para o balcão. 71. E pagaram, ao estabelecimento comercial " ...", o montante de € 53,77, pela aquisição de luzes para a montra. 72. E a quantia de € 214,08 pela aquisição de caixas e de vidros de decoração. 73. E o quantitativo de € 448,47 pela aquisição de estantes, vitrinas e bancos. 74. E o montante de € 47,84 pela aquisição dos cavaletes. 75. E pagaram ao estabelecimento comercial "...", a quantia de € 102,00 pela aquisição de tintas. 76. E € 137,10 pela aquisição de blocos de vidro. 77. E € 59,55 pela aquisição de tampas de sanita e varetas. 78. E € 27,10 pela aquisição de terminais de chão e cortinados. 79. E € 53,98 pela aquisição dos materiais descritos nos documentos de fls. 79 e 80, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, inerentes a instalação eléctrica. 80. E € 511,31 pela aquisição dos materiais descritos nos documentos de fls. 82 a 84, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destinado a chão e paredes. 81. E € 198,69, pela aquisição dos materiais descritos nos documentos de fls. 85 a 87, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 82. E € 21,48, pela aquisição dos materiais descritos nos documentos de fls. 88 e 89, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destinados à terminação do balcão. 83. E € 21,25, pela aquisição dos materiais descritos nos documentos de fls. 90 e 91, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 84. E ainda € 13,44, pela aquisição dos materiais descritos nos documentos de fls. 92 e 93, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 85. Os autores nunca foram reebolsados dos referidos montantes que despenderam. 86. O referido trabalho efectuado pelos autores nunca lhes foi pago. 87. E nunca lhes foi entregue qualquer quantia a título de participação nos lucros gerados pela A... durante os meses de Julho e Agosto de 2006. 88. A autora teve conhecimento em Junho ou Julho de 2006 de que estava grávida. 89. A autora sentiu-se deprimida, ansiosa, nervosa e triste por não ter constituído sociedade com os réus. 90. A ré necessitava de uma colaboradora que assegurasse o atendimento ao público e ministração de algumas aulas. 91. Nessa sequência, a autora demonstrou interesse em colaborar com a Ré. 92. Os réus marcaram férias em Julho ou Agosto de 2006. 93. Nesse período os autores ficaram, pelo menos, a tratar da arrumação da loja, com vista à sua abertura. 94. Quando regressaram das férias, os réus verificaram que a loja se encontrava forrada a madeira. 95. Na loja existem e são utilizados produtos inflamáveis. 96. O que desaconselha a utilização de madeira no revestimento da mesma. 97. Os autores não compareceram numa reunião marcada com os réus. 98. O valor da mensalidade das aulas do atelier ascendia a valor não inferior a € 25. 99. O valor médio mensal do consumo de materiais era variável, não inferior a €10 mensais. III – Fundamentação de direito O objecto do presente recurso de revista, delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil[1]), consiste em determinar se, como decidiu o acórdão recorrido, os réus terão de indemnizar os autores nos montantes fixados, por culpa in contrahendo, ou seja, apurar se aqueles incorreram em responsabilidade pré-contratual. O fundamento normativo de tal tipo de responsabilidade reside na culpa na formação dos contratos prevista no art.º 227º do Cód. Civil que preceitua, no seu nº 1, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à contraparte”. Como se sabe, muitos contratos formam-se rapidamente «pelo mero encontro de uma oferta e de uma aceitação[2]», ou seja, quase instantaneamente pelas «coincidentes manifestações de vontade das partes que as emitem sem intervalo apreciável e, até, sem diálogo ou com diálogo reduzido ao mínimo[3]». Contudo, decorre da experiência quotidiana que nem sempre a realização dos contratos obedece a este modelo ou esquema tão simples e imediato, sendo até frequente que a sua formação se processe de forma lenta e progressiva em que a sua génese começa pelos primeiros contactos das partes, tendo como objectivo a realização de um negócio, e se prolonga, por vezes com negociações complexas e duradouras, até ao momento da sua efectiva celebração[4]. Nesse processo de formação lenta e progressiva cabem «vários e sucessivos trâmites, tais como entrevistas e outras formas de diálogo, estudos individuais ou em conjunto, experiências, consultas de técnicos….incitamentos recíprocos a propostas contratuais e, por último, a oferta e a aceitação definitivas[5]». A tal respeito, diz-nos Inocêncio Galvão Telles[6] que «as partes aproximam-se, sondam-se, realizam conversações múltiplas, fazem ou encomendam estudos, chegam a entendimentos sobre aspectos determinados……celebrando por fim o contrato em vista», que, saliente-se, em caso algum fica concluído sem que as partes tenham acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo (art.º 232º do Cód. Civil). Sucede que, enquanto as partes se mantêm em negociações com vista à concretização do contrato, estabelecem entre si um relacionamento muito particular em que avulta a revelação das suas necessidades e conveniências, das suas apetências negociais e dos objectivos que as movem. A esse propósito, assinala Pedro Pais de Vasconcelos[7] que as partes em negociações «incorrem em despesas, assumem riscos, colocam-se muitas vezes em posições de fragilidade e expõem-se a perigos», estabelecendo entre si «relações de confiança» que podem ser mais ou menos intensas. Nesse iter negotii caracterizado por envolver duas fases distintas, a negociatória «constituída pelos actos tendentes à celebração do contrato, desde os primeiros contactos estabelecidos entre as partes até à conclusão do acordo por fusão da proposta e da aceitação, se as negociações não tiverem sido abandonadas, e a decisória, constituída pela conclusão do acordo, resultante da emissão de duas declarações vinculativas, simultâneas ou sucessivas, a proposta e a aceitação»[8]. Em ambas as fases, ou seja, durante todo o percurso do caminho contratual devem, pois, as partes proceder segundo as regras da boa fé, conforme prescreve o art.º 227º do Cód. Civil, de tal modo que, se alguma delas assim não agir, responderá pelos danos que culposamente causar à outra[9]. A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé (fides servare), na medida em que se considera que o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato. Escreve, a este propósito, João Baptista Machado[10] que «quem participa numa interacção negocial em que os parceiros se expõem a riscos ao porem em jogo interesses económicos e planos de vida, adopta uma conduta (ou assume um papel) particularmente responsabilizante, acompanhada da consciência da responsabilidade pela expectativa formada no plano da comunicação interpessoal e pelo risco de dano a que essa expectativa pode induzir. Por isso mesmo, para viabilizar o tráfico negocial, exige-se esse tipo de responsabilização por essa conduta comunicativa e pelas expectativas por esta geradas». Essa ordem normativa de protecção da confiança, concebida e assente «basicamente em critérios de razoabilidade e de boa fé, faz moldura funcional à actividade e à relação negocial», envolvendo «desde logo em tecido normativo a conduta comunicativa das partes na fase de formação do negócio». Aliás, sobre este ponto, José de Oliveira Ascensão[11] ensina, bem assertivamente, que «a fase que precede a formação de um contrato não é um vazio jurídico. Mesmo fora do que representa propriamente o processo formativo do contrato – que desemboca no acordo – há já disciplina jurídica. E isto ainda quando as partes não tenham celebrado nenhum contrato preliminar nem estejam doutro modo sujeitas a um dever de contratar». Na verdade, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista a determinado negócio, as partes assumem certos deveres, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa fé objectiva e ética, traduzida «no dever de actuação honesta, leal e transparente, como pessoas de bem – honestae agere – e procurar evitar causar danos ao seu parceiro negocial – alterum non laedere»[12]. É que a liberdade de negociação de que gozam as partes não implica, de forma alguma, que a fase negociatória ou do pré-contrato seja abandonada ou entregue «à malícia dos negociadores»[13], muito embora não seja possível, como refere Mariana Fontes da Costa[14], «fixar em abstracto o momento temporal» em que nascem esses deveres pré-contratuais, «essa aferição tem necessariamente de ser casuística, tendo por base um método indiciário, que no caso da responsabilidade por ruptura injustificada de negociações assenta, nomeadamente, na duração do período negocial, no grau de desenvolvimento das negociações, na existência de relações contratuais anteriores entre as partes, na natureza profissional de um ou ambos os contraentes, no tipo de contrato em causa». Esse dever geral de boa fé na formação dos contratos desdobra-se, por seu turno, em vários deveres de actuação, tais como o dever de informação, o dever de segredo, os deveres de protecção e conservação, entre eles se destacando o dever de clareza, o dever de lealdade e probidade, que impõem a qualquer das partes que não ocultem uma à outra as suas respectivas intenções negociais nem os elementos no seu entender susceptíveis de conduzirem à decisão de contratar ou não, esclarecendo a contraparte do que efectivamente pretendem no tocante à celebração do contrato e não faltando aos compromissos que no decurso das negociações vão assumindo, de forma tácita ou expressa[15]. A ilicitude nessa fase resultará, assim, da violação das regras da boa fé subjacentes aos deveres de protecção (que impõem às partes a obrigação de se absterem de actuações susceptíveis de causar danos à outra parte) aos deveres de informação verdadeira (sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão da outra parte) e aos deveres de lealdade (prevenindo comportamentos desleais para a outra parte, de que é exemplo a ruptura unilateral e injustificada de negociações quando a outra parte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio)[16]. Com efeito, a relação (jurídica[17]) pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade, probidade, correcção e boa fé implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que negoceiam será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a aludida ruptura, que é livre, mas não pode ser arbitrária[18]. Pressupostos dessa obrigação de reparação são: - a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato; - o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações; - a produção de um dano no património de uma das partes; e - a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada[19]. Feitas estas considerações e focando-nos, no caso em apreço, constata-se que, em Maio de 2005, a autora iniciou aulas de aprendizagem de artes decorativas no Atelier A... de que a ré era proprietária e que funcionava numa garagem, onde, também era vendido material, tendo-se estabelecido entre elas, com o correr do tempo, um relacionamento baseado no gosto e interesse por aquelas artes, tanto mais que a autora nutria gozo pela decoração e pretendia criar um espaço seu para venda de arranjos de flores secas e outros artigos de decoração, tendo inclusive demonstrado à ré interesse em colaborar com ela, na sequência da necessidade desta de uma colaboradora que assegurasse o atendimento ao público e ministrasse algumas aulas. Sucedeu que entretanto a ré sentiu necessidade de procurar um novo espaço para instalar o atelier e discutiu com a autora a possibilidade de constituírem uma sociedade, cuja constituição foi depois discutida entre os autores e os réus, ainda que sem se conhecer em que termos. De afastar, pois, o argumento de que discutiram apenas a possibilidade de constituírem uma sociedade, na medida em que comprovado ficou ainda que discutiram mesmo a constituição da sociedade, tendo até ido a um contabilista, com o objectivo de esclarecerem dúvidas relativas aos trâmites de constituição da sociedade e para o mesmo os auxiliar nas questões jurídicas. Os factos provados atestam que houve negociações com o claro propósito de desenvolverem um projecto societário, mas acabaram por não o formalizar com a necessária escritura pública (art.º 7º, n.º 1, do CSC). É consabido que o iter constitutivo de uma sociedade «resulta de um processo ou acto complexo de formação sucessiva, por vezes moroso», e, em regra, ocorre «todo um período preparatório, em que se produzem já actos referentes à sociedade, mas em que esta ainda não atingiu o momento jurídico da sua perfeição»[20]. Tais negociações chegaram ao ponto de criar nos autores uma situação de confiança efectiva e expectativa razoável de concretização do contrato de sociedade, o que os levou a efectuar os trabalhos apurados e a despender as quantias dadas por provadas. Na verdade, também resultou provado que os autores, a partir de 10 de Julho de 2006, efectuaram obras de remodelação da loja, com auxílio do pai da autora - aplicando lambrim, colocando soalho, construindo o balcão e expositores, pintando as paredes, etc. -, comprando material para o efeito, e que o autor criou um logótipo para a loja, aplicando-o em cartões de visita, etiquetas, no ecrã luminoso, cartazes e folhetos e no sítio da internet que criou, tendo, também, distribuído cartazes e folhetos (sendo que, na última semana de Julho já existiam diversas facturas pagas pelo autor relativas aos trabalhos efectuados) e arrumaram a loja, a qual ficou pronta no dia 16 de Agosto, tendo igualmente pago a renda da loja relativa a esse mês. E, muito embora não tenha resultado provado que os réus consentiram e anuíram em todas estas obras e trabalhos, o que é certo é que foram eles quem efectuou a mudança de instalações do atelier, da garagem para a loja, no último fim-de-semana de Julho, pelo que tendo as obras começado a 10 de Julho, não podiam obviamente ignorar que as mesmas estavam a decorrer, para além de que não se compreende a razão de terem dado aos autores a chave da loja com tanta antecedência, se apenas pretendiam que aqueles a arrumassem, o que, em todo o caso, só poderia ser realizado após a mudança. Em face disso, afigura-se-nos que, como bem equacionou e decidiu o acórdão recorrido, houve negociações avançadas entre autores e réus, por forma a criar nestes legítimas expectativas de consumação do negócio societário, com vista à exploração da loja em causa, ao ponto de os levar a tão grande investimento de tempo, de entusiasmo, de trabalho e de custos, envolvendo, inclusivamente, a família. Daí que a desistência dos réus, sem justa causa, de formalizar o contrato implique a sua óbvia responsabilidade pré-contratual e a inerente obrigação de indemnizar os autores nos montantes fixados, que, saliente-se, mostram-se conformes com os valores comprovados e, por outro lado, considera-se igualmente acertado o cômputo de parte deles ali feito, com recurso à equidade (art.º 566º, n.º 3, do Cód. Civil).
Com efeito, contrariamente ao que sustentam os réus, verificam-se todos os requisitos determinantes da sua responsabilidade pré-contratual para com os autores: o facto voluntário, consistente na criação, nestes, da expectativa ou confiança na conclusão do contrato de sociedade, e na recusa injustificada da conclusão do mesmo; o dano, consistente no prejuízo que os autores sofreram em consequência dessa recusa; a ilicitude, traduzida na própria arbitrariedade do rompimento e violação do dever de lealdade nos termos acima indicados em infracção do disposto no citado art.º 227º do Cód. Civil; a culpa, consistente no juízo de censura e de reprovação ético-jurídica que a conduta dos réus merece e o nexo de causalidade entre essa conduta e os danos sofridos pelos autores. Esses danos correspondem, no caso, ao chamado interesse contratual negativo ou da confiança, ou seja, os danos que os autores não teriam sofrido se porventura não tivessem confiado na conclusão do contrato de sociedade[21]. Nessa medida, devem, pois, os réus proceder à reconstituição da situação que existiria anteriormente à criação da confiança, designadamente reembolsando os autores das despesas que efectuaram e dos trabalhos que realizaram, directamente ou através de familiar, na perspectiva da conclusão do contrato (e que não teriam efectuado e realizado se não tivessem confiado), o que engloba tanto os danos patrimoniais e não patrimoniais[22] fixados no acórdão recorrido. Uma nota mais, apenas para reafirmar que sendo a responsabilidade dos réus pré-contratual nada tem a ver com o regime de benfeitorias ou sequer com o enriquecimento sem causa e, por outro lado, esclarecer também que a circunstância de parte dos trabalhos terem sido realizados pelo pai da autora não obsta a que o seu custo deva ser suportado pelos réus. Em suma, improcede toda a retórica argumentativa arquitectada pelos recorrentes em ordem a refutar a sua responsabilidade pré-contratual e obrigação de indemnizar os autores, o que implica o insucesso total do recurso e a confirmação do decidido pela Relação, que não merece os reparos que aqueles lhe apontam, nem viola as disposições legais que indicam. IV – Decisão Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar consequentemente o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. * Lisboa, 18 de Dezembro de 2012
António Piçarra (relator) Sebastião Póvoas Moreira Alves
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