Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1959/16.1T8MAI-A.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
LIVRANÇA EM BRANCO
AVALISTA
COMUNICAÇÃO
VENCIMENTO
CITAÇÃO
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / ACTOS JURÍDICOS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESOLUÇÃO DO CONTRATO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO / PRAZO DA PRESTAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, p. 175.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 295.º, 436.º, N.º 1, 777.º, N.º 1 E 805.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 610.º N.º 2, ALÍNEA B).
Sumário :

I - A resolução do contrato tem que ser oposta à contraparte no contrato, e não também ao avalista nas livranças entregues em branco nos termos do contrato.

II - O que não significa que o facto da resolução do contrato, causa legitimadora do preenchimento das livranças e da responsabilização cambiária do avalista, não deva ser objeto de comunicação ao avalista.

III - De igual forma, impõe-se a comunicação ao avalista sobre o montante em dívida a inscrever nas livranças e sobre a data do respetivo vencimento.

IV - A falta dessas comunicações não implica, porém, que as livranças não podiam ter sido preenchidas, nem significa que o seu preenchimento foi abusivo e que as livranças são inexequíveis quanto ao avalista, nem implica a extinção da execução que foi instaurada contra o avalista.

V - Tal tem simplesmente como consequência que a obrigação que o avalista assumiu se vence e se torna exigível apenas com a citação para a execução fundada nas livranças, que foram preenchidas de acordo com os respetivos pactos de preenchimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA deduziu embargos à execução comum para pagamento de quantia certa que lhe foi instaurada por BANCO BB, S.A.

Como fundamento, alegou, e entre o mais que aqui já não está em causa, que houve preenchimento abusivo das duas livranças exequendas - que foram entregues em branco quanto à importância a pagar e data de vencimento - pois que:

- O Exequente preencheu as livranças sem que previamente tivesse procedido á resolução do contrato na pessoa do Embargante, avalista, nos termos e pela forma prevista no art. 436.º, n.º 1 do CCivil e no disposto na cláusula 10ª, n.º 1 dos contratos de financiamento ao abrigo dos quais as livranças foram entregues como garantia;

- Nem interpelou o Embargante para a necessidade de regularização dos contratos, sob pena de executar as garantias;

- Decorre da lei e da aludida cláusula contratual que a resolução do contrato opera por comunicação escrita a ser remetida em papel ou noutro suporte duradouro, o que, por identidade de razão, é aliável à execução da garantia;

- Não tendo sido comunicado ao Embargante a resolução dos contratos ou a decisão de executar as garantias, encontrava-se vedado ao Exequente proceder ao preenchimento das livranças;

- Ou, pelo menos, o preenchimento não lhe é oponível, bem como as declarações e/ou obrigações nele insertas;

- Deste modo, impõe-se concluir que o Exequente violou o pacto de preenchimento, pelo que as livranças são nulas ou, pelo menos, são inexigíveis ao Embargante.

                                                           +

Contestou o Exequente, concluindo pela improcedência dos embargos.

Alegou, entre o mais que para aqui também já não importa, que o preenchimento teve lugar após a resolução do contrato, resolução esta que fez comunicar ao devedor principal e avalistas.

                                                           +

Seguindo o processo seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que julgou improcedentes os embargos, exceto quanto aos juros liquidados no requerimento executivo, decidindo-se que os juros eram devidos apenas desde a data da citação do Embargante.

                                                           +

Inconformado com o assim decidido, apelou o Embargante.

Fê-lo sem êxito, pois que a Relação do Porto, sem voto de vencido e sem fundamentação minimamente diferente, confirmou a sentença.

                                                           +

Mantendo-se inconformado, interpôs o Embargante a presente revista.

Fê-lo sob o figurino da revista excecional.

A competente formação de juízes admitiu a revista assim interposta.

                                                           +

Cumpre pois conhecer do recurso.

                                                           +

Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões (suprimem-se as seis primeiras, que dizem respeito apenas à admissibilidade da revista excecional, assunto já ultrapassado):

7 - O Acórdão recorrido, perfilhando a posição defendida na sentença de lª instância e socorrendo-se do Acórdão do TRP de 3/04/2014 (relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Leonel Serôdio), decidiu que a consequência da “falta de comunicação ao avalista tem apenas como consequência que a obrigação se torna exigível somente com a citação para a acção judicial”.

8 - O Acórdão recorrido fez uma errada aplicação da lei.

9 - Antes de mais, importa dizer que a jurisprudência é unânime em admitir que sempre que o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento do título em branco, devem ser qualificadas de imediatas as relações entre ele e o tomador ou beneficiário da livrança - pois que não há, nesse caso, entre o avalista e o beneficiário do título interposição de outras pessoas -, o que confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a excepção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento - cfr., entre muitos outros, o acórdão do STJ, de 22110/2013, relator Alves Velho (proc. n.º 4720/l0.3T2AGD-A.C1), in www.dgsi.pt.

10 - Resultando provado, como resulta (ex vi al. m) e t) dos factos provados), que o aqui recorrente, sem culpa sua, não foi notificado ou informado da resolução dos dois contratos de financiamento para aquisição a crédito, o que era obrigação contratual do exequente/recorrido (ex vi al. g) dos factos provados),

11 - Com a nota de que quanto ao contrato do veículo automóvel -0H- nem sequer lhe foi enviada qualquer carta de comunicação de resolução.

12 - Encontrava-se vedado ao exequente/recorrido proceder ao preenchimento das livranças, o que igualmente se impunha de acordo com as regras da boa-fé.

13 - Tendo-o feito, impõe-se concluir pela verificação da excepção do preenchimento abusivo, pelo que os títulos são inexequíveis quanto ao executado/recorrente.

14 - Foi desse modo que decidiu o Acórdão-fundamento, o qual cita outras decisões no mesmo sentido, de que destacamos o Acórdão do STJ de 13/0412011, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos (proc. n." 2093/04.2TBSTB-A.L 1.S 1).

15 - Assim, o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 10.° da LULL, aplicável às livranças por força do artigo 77.° daquele diploma legal.

16 - Nestes termos, deverá reconhecer-se por verificada a excepção do preenchimento abusivo e, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido e julgar-se procedentes os embargos de executado, extinguindo-se a instância executiva.

Termina dizendo que deve ser revogado o acórdão recorrido, julgando-se procedentes os embargos e extinguindo-se a instância executiva.

                                                           +

Não se mostra apresentada qualquer contra-alegação.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

É questão a conhecer:

- Preenchimento abusivo das livranças.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes:

a) A exequente é portadora de duas livranças emitidas em nome de CC, com datas de 15.01.14, a que foi aposta a data de vencimento de 22.03.16, no valor de € 17.836,99 cada, subscritas por DD, Ld.ª, de cujos versos constam, sob a expressão “Bom por aval ao subscritor” quatro assinaturas, entre as quais a de AA, aqui embargante. (doc. de fls. 26 dos autos principais)  

b) Com data de 31.07.15, foi celebrada escritura de transmissão de estabelecimento em que intervieram, como primeiro outorgante, CC, SA e, como segundo outorgante, Banco BB, S.A., na qual declarou a primeira outorgante ter celebrado um contrato de transmissão de estabelecimento mediante o qual a segunda outorgante adquire e a primeira vende o estabelecimento comercial de que a primeira é titular em Portugal que consiste na unidade de negócio que compreende o activo e passivo da “CC S.A., Sucursal em Portugal”. (doc. de fls. 8 a 13 dos autos principais)

c) A subscritora das livranças aludidas em a) remeteu ao CC, Sucursal em Portugal, os termos de autorização e preenchimento de livrança, com o teor constante de fls. 14 e 15 dos autos principais, assinados por todos os avalistas, incluindo o ora embargante, confirmando que na referida data lhes foi entregue um exemplar das condições particulares e gerais de contratos de financiamento para aquisição a crédito com os n.º… e …, tendo perfeito conhecimento de todas as condições contratuais aí previstas, designadamente que os referidos contratos foram objecto da subscrição pelo adquirente de livranças em branco “não à ordem” avalizadas pelos subscritores dos documentos e entregues ao CC, Sucursal em Portugal; mais consta dos aludidos documentos que autorizam esta última, de forma irrevogável, a preencher as livranças nos locais que nela figuram em branco, pelo valor que corresponderá ao montante em dívida por força de eventual incumprimento do referido contrato, calculado nos termos das suas cláusulas. (doc. de fls. 14 e 15 dos autos principais)

d) Em 15.01.14, o CC celebrou com a executada DD dois contratos de financiamento para a aquisição a crédito dos veículos automóveis de marca ..., com as matrículas -OH- e -OH-. (21º do req. inicial e docs. de fls. 18 a 21)

e) Pela assinatura dos contratos aludidos em d), celebrados pelo prazo de 72 meses, com início em 15.01.14, a DD obrigou-se a reembolsar a quantia financiada, acrescida de juros à taxa nominal de 5,75%, comissões e encargos, em 72 prestações mensais, ao dia 19 de cada mês, sendo a primeira de € 703,81, a vencer-se ao dia 19.02.14, e as restantes de € 314,75, a vencerem-se ao dia 19 dos meses subsequentes. (22º e 23º do req. inicial e doc. cit. em d) supra)

f) Pela cláusula 3ª, nº 1 dos contratos referidos em d) estipulou-se que a CC registou a seu favor a reserva de propriedade dos referidos veículos automóveis, como garantia do bom e integral cumprimento das obrigações de pagamento assumidas pela executada DD. (24º do req. inicial)

g) Pela cláusula 10ª, nº 1 dos aludidos contratos estipulou-se que a falta de pagamento pontual de qualquer das prestações ou juros bem como o incumprimento das obrigações assumidas nos contratos pelo adquirente (DD) seria fundamento para a sua resolução, devendo o financiador (CC) fazê-lo através de comunicação escrita a ser remetida em papel ou noutro suporte duradouro. (25º do req. inicial)

h) O nº 5 da cláusula 10ª dispunha que o financiador (CC) poderia em alternativa, resolver o contrato, exercendo o direito que lhe é conferido pela reserva de propriedade e debitando ou creditando o adquirente (DD), logo que o bem cuja aquisição foi financiada for efectivamente recuperado pelo financiador, pelo montante que adicionado ao valor venal dos bens apurados à data de resolução e ao das prestações já pagas, perfaça o montante das prestações convencionadas acrescida dos respectivos juros de mora, executar o contrato, ou qualquer garantia que tenha sido constituída pelo adquirente (DD), operar a compensação de saldos, independentemente da verificação dos pressupostos da compensação legal com quaisquer valores a crédito do adquirente (DD). (26º do req. inicial e doc. cit.)

i) Por seu turno, o nº 9 da cláusula 10ª estabelecia que em caso de resolução dos contratos fundada no incumprimento do adquirente (DD), este se obrigava a entregar-lhe o bem cuja aquisição foi financiada, bem como a documentação que permita a sua venda a terceiros, autorizando desde logo o financiador (CC) a efetuá-la e a imputar o preço obtido ao seu débito. (27º do req. inicial e doc. cit. supra)

j) No caso de se verificar a entrega do bem para os fins assinalados na parte final da al. i), o adquirente (DD) deveria receber ou pagar ao financiador (CC), logo após aquela venda, o saldo entre o valor de revenda e o montante em dívida – cláusula 10ª, nº 10. (28º do req. inicial)

k) Para garantia do cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo adquirente (DD) nos contratos, consagrava a cláusula 12ª que o financiador (CC) poderia solicitar àquele a entrega de uma livrança com o valor e a data de vencimento em branco, com o aval aos subscritores dos garantes nela identificados, na qual seria aposta a menção “não à ordem” ou outra equivalente, ficando o financiador autorizado a preencher pelo saldo em dívida do capital, juros e demais comissões e despesas, com o vencimento na data que melhor lhe convenha, mesmo à vista, no caso de incumprimento parcial ou total pelo adquirente. (29º do req. inicial e contratos citados em d) supra)

l) A exequente procedeu ao preenchimento dos elementos em branco das livranças, apondo os dizeres aludidos em a). (31º do req. inicial)

m) A exequente procedeu ao preenchimento das livranças sem que previamente tivesse interpelado o embargante para a necessidade de regularização dos contratos, sob pena de executar as garantias e sem ter comunicado a resolução do contrato na pessoa do embargante. (parte dos artºs 32º e 33º do req. inicial)

n) Por sentença de 12.12.14, proferida nos autos que com o nº 834/14.9TYVNG correu termos pela Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Inst. Central, 2ª Secção do Comércio, J3, a executada DD foi declarada insolvente. (39º do req. inicial e doc. de 22 a 25 dos presentes autos)

o) Foi nomeado administrador de insolvência (AI) o Sr. Dr. EE, que, em 08.05.15, solicitou ao CC informação sobre o valor em dívida dos veículos com as matrículas -OH- e –OH-. (39º e 40º/41º do req. inicial e docs. de fls. 22 a 25 e 81 a 86 dos presentes autos)

p) O AI informou o CC do valor das ofertas para aquisição daqueles veículos, € 8.000,00 e € 7.500,00, respectivamente, as quais não foram aceites pelo CC. (doc. de fls. 82 e 42º do req. inicial)

q) Em 02.06.15, o AI remeteu comunicação ao CC para que, em face da não aceitação das propostas apresentadas, fosse agendado dia e hora para levantamento dos bens. (parte do artº 43º do req. inicial e doc. de fls. 81).

r) À data de realização da audiência de julgamento, os veículos permaneciam sob detenção do AI, não tendo sido levantados. (45º do req. inicial, com actualização)

s) A exequente continua a deter reserva de propriedade dos veículos automóveis. (49º do req. inicial e confissão no artº 37º da contestação)

t) De cartas identificadas como registadas com aviso de recepção, datadas de 07.03.16, indicando como remetente a exequente e identificando como destinatário o executado embargante e a executada DD, remetidas para “Rua …, …, … ..”, consta como identificado assunto a resolução de contrato de financiamento por incumprimento definitivo e aviso de preenchimento de livrança referente ao veículo de matrícula -OH-, consta como teor a resolução unilateral por incumprimento e o valor de preenchimento da livrança; a carta dirigida ao embargante foi devolvida com a menção “mudou-se”. (doc. de fls. 102, 103 e 105)

Foram tidos como não provados os factos seguintes:

1) Não obstante o referido em q) dos factos provados, a exequente ou o CC, por vontade sua, não procederam ao levantamento dos veículos. (44º/45º do req. inicial com esclarecimento)

2) Por falta de diligência da exequente e do CC, ao não procederem ao levantamento dos veículos, estes não viram a sua venda ser promovida por valores superiores aos das propostas obtidas em sede de processo de insolvência. (46º do req. inicial)

3) Se tivesse actuado com diligência, os valores em dívida seriam hoje inexistentes ou pelo menos bem menores do que aqueles que são reclamados nos presentes autos. (47º do req. inicial)

4) A exequente, não obstante a reserva de propriedade que detém, recusa-se há quase um ano a proceder ao levantamento dos veículos automóveis e a promover a venda dos mesmos. (50º e 51º do req. inicial)

De direito

Não está em discussão no presente recurso a existência da dívida que o Exequente veio executar, nem a existência do aval prestado pelo Embargante, nem tão-pouco o direito que assistia ao Exequente de resolver, em decorrência do respetivo incumprimento, os contratos de financiamento que estabeleceu com a sociedade subscritora das livranças.

Também não está em discussão que, operada a resolução, a Exequente gozava do direito de preencher as livranças exequendas (quantia e data de vencimento), que lhe foram entregues em branco, tudo conforme os pactos de preenchimento estabelecidos.

Ainda, não está em discussão que o Exequente não tenha procedido validamente à resolução dos contratos junto da contraparte contratante.

É entendimento do Embargante, todavia, que “o Exequente preencheu as livranças sem que previamente tivesse procedido á resolução do contrato na pessoa do Embargante nos termos e pela forma prevista no art. 436.º, n.º 1 do CCivil e no disposto na cláusula 10ª, n.º 1 dos contratos”. Se com isto pretendeu significar que a resolução lhe devia ter sido dirigida como condição do preenchimento das livranças, diremos que não tem razão. O Embargante foi demandado na ação executiva embargada na qualidade de avalista nas livranças exequendas. E não na qualidade de parte contratante nos contratos de financiamento, pois que quem nestes interveio como contraparte do antecessor do Exequente foi DD, Lda., ainda que o Embargante se tenha vinculado nesses contratos como fiador. Deste modo, a resolução do contrato (a resolução do contrato é um negócio jurídico unilateral - ou, segundo alguns, um ato jurídico, mas a que se podem aplicar as regras do negócio jurídico, conforme o disposto no art. 295º do CCivil - potestativo, receptício e irrevogável, destinado a fazer extinguir o contrato) havia de ser oposta à dita contraparte, e apenas a esta, e não também ao Embargante.

O que não significa, bem entendido, que o facto da resolução dos contratos, causa legitimadora do preenchimento das livranças e da responsabilização cambiária do Embargante enquanto avalista, não devesse ser objeto de comunicação ao mesmo Embargante. E não foi, mas devia ter sido.

Também não se duvida que se impunha a comunicação ao Embargante, como avalista, sobre o montante em dívida a inscrever nas livranças e sobre a data do respetivo vencimento. Embora estas exigências não decorram dos contratos de financiamento nem sejam só por si impostas pela prestação do aval, podemos admitir que assim o impõe o princípio da boa-fé.

Isto posto:

Sendo certo que, segundo o que vem dado como provado, o ato resolutivo e o ato interpelativo não foram comunicados ao avalista (na realidade, foi-lhe endereçada uma carta de resolução relativa a um dos contratos, com indicação do montante em dívida a preencher e data do vencimento, mas a carta não foi por ele rececionada), o que está em questão é tão-somente saber quais as consequências daí advenientes.

Sustenta o Recorrente que, em face dessa não comunicação, as livranças não podiam ter sido preenchidas; e dado que o foram, mais sustenta que estamos perante um preenchimento abusivo, que os títulos são inexequíveis quanto ao avalista e que a execução deve ser extinta.

Mas carece de razão.

Justificando.

Era direito do Exequente, nos termos dos pactos estabelecidos (cláusula décima segunda), preencher as livranças em caso de incumprimento das obrigações assumidas, e esse incumprimento verificava-se e levou à resolução dos contratos junto da contraparte contratante, Factos estes que não foram postos em causa pelo Embargante.

Daqui que não vemos que venha muito ao caso a figura do preenchimento abusivo. É que há preenchimento abusivo quando, e apenas quando, o título subscrito e entregue em estado incompleto vem a ser preenchido de forma não correspondente à vontade manifestada pelo obrigado nos termos do pacto de preenchimento subjacente. Como nos diz Carolina Cunha (Manual de Letras e Livranças, p. 175) – e se dúvidas houvesse sobre o assunto, que não há – “se o preenchimento se deu em conformidade não existe conflito; só quando a formação sucessiva do título dá origem a uma divergência entre a vontade e a declaração o ordenamento jurídico é chamado a reagir”.

Ora, não estamos perante qualquer situação de preenchimento das livranças exequendas em desacordo com o que foi convencionado (pacto de preenchimento), mas, pelo contrário, perante situação em que o preenchimento foi feito de acordo com o estabelecido entre as partes contratantes.

A questão não é, pois, de preenchimento abusivo, mas simplesmente de interpelação e de exigibilidade.

A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de interpelação do devedor e esta é feita operar.

E tanto vale, como comunicação do ato resolutivo e como comunicação da existência da dívida (o que tudo representa um ato de interpelação), a comunicação extrajudicial como a citação para a ação onde, invocando-se a resolução, se visa fazer valer as respetivas consequências.

No caso vertente, o Embargante foi conhecedor, através da citação operada na execução, da resolução, do mesmo passo que foi conhecedor do que estava em dívida, do que foi inscrito nas livranças e da data dos respetivos vencimentos. Logo, a prestação a que se vinculou através do aval tornou-se exigível (v. n.º 1 do art. 805.º do CCivil), embora não indiscutível. Porém, repete-se que o Embargante não veio discutir a efetiva existência de incumprimento por parte da contratante financiada nos contratos de financiamento (a subscritora das livranças), nem veio discutir a resolução feita operar junto desta, nem veio discutir o montante em dívida, nem veio discutir as datas de vencimento.

Assim, e exatamente como se aponta no acórdão recorrido, dado que não tinha sido fixado um prazo nos pactos de preenchimento (nem podia ter sido, pois que estava dependente de um acontecimento incerto ou eventual, que era o incumprimento da parte contratante financiada), a falta de comunicação do Exequente ao ora Embargante, implica tão só que a obrigação apenas se considera vencida com a sua citação. Isto decorre da conjugação das normas dos art.s 777.º, n.º 1 do CCivil e do 610º n.º 2 al. b) do CPCivil, estipulando esta última que, quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação.

Deste modo, a falta de comunicação ao ora Embargante tem apenas como consequência que a obrigação que assumiu como avalista se torna exigível com a citação para a execução. O que, por sua vez, implica, não a extinção da execução (como o Embargante pretende), mas simplesmente que os juros são devidos a partir da citação.

Estão assim totalmente equivocadas do ponto de vista jurídico as afirmações do Embargante no sentido de que:

- Não lhe tendo sido comunicada a resolução dos contratos ou a decisão de executar as garantias, encontrava-se vedado ao Exequente proceder ao preenchimento das livranças;

- Ou, pelo menos, o preenchimento não lhe é oponível, bem como as declarações e/ou obrigações nele insertas;

- O Exequente violou o pacto de preenchimento, pelo que as livranças são nulas ou, pelo menos, são inexigíveis ao Embargante.

Deste modo, sendo embora exato o que se afirma nas conclusões 9ª, 10ª e 11ª, não é de subscrever o que afirma nas conclusões 8ª, 12ª, 13ª, 15º e 16ª. E o que se decidiu no acórdão deste Supremo referido na conclusão 14ª é inteiramente exato, mas dele nada resulta que contenda com o que vem de ser dito na presente decisão.

Improcede pois o recurso.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

O Recorrente é condenado nas custas do recurso.

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Sumário:

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Lisboa, 30 de abril de 2019

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo