Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
| Relator: | PAULO SÁ | ||
| Descritores: | SEGURO AUTOMÓVEL SEGURO OBRIGATÓRIO SEGURADORA DIREITO DE REGRESSO PRAZO DE PRESCRIÇÃO CRIME | ||
| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 10/27/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | I - O direito de regresso contra o segurado, consagrado no art. 19.º do DL n.º 522/85, de 31-12, justifica-se à luz da instituição da obrigatoriedade da contratação de seguro de responsabilidade civil contra terceiros, como necessidade de contrabalançar a eventual iniquidade da imposição, à seguradora, do pagamento de indemnizações resultantes de uma acção dolosa ou gravemente negligente por parte do segurado ou de outrem. II - O carácter obrigatório do seguro sobre a circulação de veículos automóveis não influi no carácter pessoal (não real) do contrato celebrado: o que transfere para o segurador é a responsabilidade do segurado, enquanto detentor de um dado veículo e não o próprio veículo. III - As razões que justificam o prazo de prescrição previsto no art. 498.º, n.º 1, do CC, subsistem mesmo em face do direito de regresso da seguradora. Apresenta-se destituído de fundamento ou de lógica admitir que uma acção de regresso motivada nos precisos factos em que assenta a responsabilidade civil do segurado pudesse prescrever num outro prazo temporalmente mais dilatado e indexado ao tempo ordinário de prescrição. IV - O carácter imperativo das normas que regulam, em geral – art. 10.º do DL n.º 522/85 – e nesta específica matéria, o contrato de seguro – art. 19.º do mesmo diploma legal – e a figura da prescrição – art. 300.º do CC –, bem como a circunstância de inexistir qualquer menção, quer na legislação do seguro obrigatório, quer ao nível das condições particulares e gerais da apólice, de prazos prescricionais especiais ou concretos, faz-nos cair irremediavelmente na aplicação daquele que se mostra previsto pelo regime geral, a saber, o do art. 498.º, n.º 2, do CC (3 anos). V - Na acção de regresso, a circunstância do facto ilícito constituir crime não justifica o alargamento do prazo prescricional do n.º 2 do art. 498.º do CC, nos moldes previstos no n.º 3 desse preceito legal, pois não está já em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida, mas antes um segundo momento, subsequente, à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo de 3 anos previsto para o direito de regresso. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Em 7 de Fevereiro de 2007, a COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, SA. intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra AA, pedindo a condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de 16.121,64 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e nas custas. Para tanto alega, em síntese: No dia 17.08.00, pelas 18,40 horas, na AE 5, ao km. 2,900, Concelho de Oeiras, ocorreu um acidente de viação entre os veículos ligeiros, de matrículas ..-..-...,..-..-...,..-..-... e ..-..-.... O veículo ..-..-... era conduzido pelo Réu e encontrava-se seguro na A., através do contrato titulado pela apólice n.º 609.096. O Réu foi o exclusivo causador do acidente, tendo infringido, com a sua conduta, designadamente o artigo 29.º,, n.º 1, do Código da Estrada. No momento do acidente, o Réu encontrava-se alcoolizado, apresentando sensíveis limitações na capacidade (atenção e cuidado) necessárias para conduzir o referido veículo e foi o estado etilizado, em que se encontrava o Réu, a causa do acidente. Na verdade, da forma como o acidente ocorreu é possível extrair – com base nas regras da experiência – que o embate ficou a dever-se ao facto do Réu se encontrar incapacitado para conduzir, situação provocada pela excessiva taxa de álcool que apresentava. O contrato de seguro não cobre este tipo de condutas contravencionais e/ou delituosas, tendo a Autora, deste modo, direito a ser reembolsada pelo Réu, por todos os gastos que teve de suportar como consequência do acidente dos autos, ao abrigo das disposições contratuais do seguro sub-judice. Conforme já se aduziu, do acidente resultaram danos, tendo a Autora que indemnizar os prejuízos sofridos pelos lesados, o que fez, tendo ainda suportado outros custos em consequência do acidente, pretendendo ser reembolsada do quantitativo que despendeu. Por mera cautela, a Autora interrompeu a prescrição, com a notificação judicial avulsa que junta. Regularmente citado (através de carta registada com aviso de recepção, tendo tal aviso entrado em tribunal no dia 2.04.2008, após se terem gorado diversas diligências no sentido de o citar, na morada indicada pela Autora na petição inicial, bem como em diversas outras constantes das diversas bases de dados acessíveis), o Réu veio apresentar, em 28.04.2008, a contestação, onde, para além de invocar a excepção da prescrição do direito e acção da A., impugnou parte da matéria alegada na petição inicial. A Autora, notificada da contestação do Réu, veio apresentar a sua réplica, tendo concluído como na petição inicial. Foi proferido saneador/sentença, que julgou a excepção da prescrição, invocada pelo Réu, procedente e absolveu, o mesmo, dos pedidos formulados pela Autora. A Autora interpôs desta sentença recurso de apelação, que foi correctamente admitido, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente o mesmo confirmando integralmente, embora com fundamento diferente, o saneador--sentença recorrido. Desta decisão recorre, de novo, a A, de revista, para este STJ, recurso que foi admitido. A recorrente conclui as suas alegações do seguinte modo, em clara violação do disposto no n.º 1 do artigo 690.º do CPC: 1. A prescrição decretada na douta sentença não colhe, por força da Notificação Judicial Avulsa. 2. O R. aceita a interrupção da prescrição efectuada pela notificação judicial avulsa, cfr. artºs 9º e 57º da contestação, e se o faz o douto acórdão recorrido deve tomá-la em consideração, o que não sucedeu. Deste modo, não poderá ser afastada a aplicação do disposto no Artº 327º, nº 1, do Cód. Civil. 3.Ora, muito embora a notificação judicial avulsa fosse válida, o que é certo é que a morada do R. nela constante resultou numa certidão negativa, o que obrigou a A., aquando da acção judicial, a tentar encontrar o R. noutra morada, e que, depois de sucessivas tentativas, conseguiu a sua citação. 4.Daqui resulta que o R. não foi citado na morada da notificação judicial avulsa, mas numa outra, mais tarde encontrada, circunstâncias que não podem ser imputadas à A., mas tão só ao R. 5.Com efeito, não pode ser atendida a tese do douto acórdão de que a A. tem a obrigação de saber onde efectivamente se encontra o R. e só com a sua notificação é que se interrompe a prescrição. Se assim fosse o Artº 323º, nº 2, do Cód. Civil, não tinha aplicabilidade. 6.Assim, a notificação judicial avulsa que deu entrada em 04.02.04 tem que se considerar legalmente efectuada, tanto mais que foi efectuada após os cinco dias da sua entrada em Tribunal (19.02.04). 7. Em 23.07.04, cfr. doc. nº 17 da p.i., a referida notificação foi enviada ao mandatário da A.. 8. Sucede que o novo prazo prescricional só se inicia após 10 dias após o trânsito em julgado que pôs termo ao processo, cfr. o Artº 327º, nº 1 do Cód. Civil. 9. Deste modo, os cinco anos prescricionais (tese da Recorrente mais à frente defendida) ocorreram em 02.08.09. 10. O douto acórdão recorrido entende que aquela disposição legal não se aplica ao caso em apreço, contudo, além de literalmente abranger a “notificação”, determina o nº 2 que “Do despacho de indeferimento da notificação cabe agravo, mas só até à Relação.” Então tem que haver trânsito em julgado! 11. Tanto mais que podem haver vicissitudes no procedimento e conclusão da notificação judicial que poderão colocá-la legalmente em causa e terão que dar possibilidade ao requerente de recorrer. 12. A prescrição decretada na douta sentença não colhe, por força do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (Dec.Lei 522/85, de 31/12). 13. Quando o Artº 498º do Cód. Civil foi criado, não existia o seguro obrigatório, isto é, as relações emergentes de um acidente automóvel, com as características do caso em apreço eram dirimidas nos termos do Cód. Civil e tão só, porém, deixaram de o ser em exclusivo, a partir da entrada em vigor do referido diploma legal. 14. O Artº 498º do Cód. Civil não teve por escopo os acidentes de viação, aliás aplica-se a uma panóplia de relações sociais e quando se refere a responsáveis, refere-se a responsáveis directos pelo evento criado (v.g., o acidente). 15. É neste sentido que vemos os Artºs 483º, 487º e 497º do Cód. Civil assentarem no pressuposto da culpa. 16. Ainda, e na mesma sequência interpretativa, a responsabilidade solidária indicada no Artº 497º, nº 2, do Cód. Civil, preceitua que “O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas...”. 17. E, por fim, o Artº 498º, nº 2, do Cód. Civil, que vem no seguimento dos anteriores preceitos, diz: “... o direito de regresso entre os responsáveis.”, tem por lógica interpretativa inserir-se no âmbito da mencionada culpa. 18. Este direito de regresso que o Código Civil aborda, não é o mesmo do caso sub-judice. 19. Este direito de regresso assenta em outro pressuposto que é a culpa (consciência da ilicitude) do causador e consequente responsável pelo acidente, enquanto que o direito de regresso em análise assenta no pressuposto do garante da indemnização, que é uma entidade alheia a todo o emergir fáctico e causador directo do evento (o sinistro). 20. E, para isso mesmo, foi criado um diploma legal para que, em determinados casos especiais, garantisse a indemnização: o Dec.Lei 522/85, de 31/12, com as consequentes alterações que, no seu Artº 8º, diz: “O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 2º e dos legítimos detentores e condutores do veículo”. 21. Assim, enquanto os sujeitos que estão enumerados neste último preceito são os responsáveis (directos) pelo acontecimento ou facto (sinistro), os eventuais culposos, a seguradora é o garante, é a responsável pelo pagamento da indemnização. 22. Mas, além disso, o caso concreto, até tem uma responsabilidade muito particular que é garantir o pagamento de uma indemnização emergente de uma conduta ilícita: condução sob o efeito do álcool, que não está prevista no Cód. Civil. 23. Ao garantir este pagamento, não significa que a seguradora seja “ad aeternum” responsável pelo mesmo, uma vez que mais tarde tem direito ao reembolso. 24. Poderia remotamente pensar-se (superficialmente) na questão da responsabilidade solidária da aplicação do Artº 497º do Cód. Civil, mas não se coloca. 25. Sem verificarmos os agentes determinantes do facto danoso nos mencionados art°s do Cód. Civil, eles são todos participantes nos actos causadores desse facto danoso, contrariamente à seguradora. E por isso, eles são solidários entre si, devido à culpa que comportam. 26. Na verdade, é a própria lei (Dec.Lei 522/85, de 31/12) a definir o “papel” da seguradora no evento acidente: garante da responsabilidade. 27. Com efeito, à seguradora nunca pode ser assacada culpa no evento (consciência da ilicitude) e por outro lado, a figura da solidariedade devedora, também não é aplicada, face à lei do seguro obrigatório (Dec.Lei 522/85, de 31/12), ou seja, a sentença nunca condena solidariamente o condutor e a seguradora, mas sim determina a culpa do condutor, a que corresponde uma responsabilidade, cujo ressarcimento é pago pela seguradora. 28. Há que distinguir as naturezas jurídicas diversas: (CULPA/GARANTE) – Do regime do Código Civil e do Dec.Lei 522/85, de 31/12. 29. Enquanto que no Código Civil, a responsabilidade é baseada na CULPA do(s) interveniente(s), tendo um regime prescricional próprio (Artº 498º do Cód. Civil). 30. No Dec.Lei 522/85, de 31/12, a responsabilidade é baseada no GARANTE do pagamento da indemnização e é por via deste diploma legal que a seguradora se constituiu num direito de regresso. 31. Portanto, o Artº 498º do Cód. Civil não se aplica ao caso em que esteja como responsável, uma entidade GARANTE do pagamento dos danos (mas alheia aos factos constitutivos dessa indemnização) – a seguradora. 32. E, deste modo, não havendo norma legal tipificada para este caso de prescrição, ter-se-á que aplicar a norma geral constante do Artº 309º, do Cód. Civil, sendo o prazo prescricional ordinário, de 20 anos. 33. Não é por acaso que o actual Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, vem dizer que “Os restantes direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa.” 34. A prescrição decretada na douta sentença não colhe, por força da relação contratual da apólice. Com efeito, 35. O R. beneficiou de um contrato, por efeito do qual a A. pagou indemnizações, pelo que tem que estar vinculado às suas cláusulas. 36. O R. era à data do sinistro segurado da A., por força do contrato de seguro alegado no artº 2º da p.i. 37. Na cláusula contratual constante no Artº 25º, al. c), das Condições Gerais, junta com o doc. n° 1 da p.i., vem indicado o direito de regresso sub-judice. 38. Os terceiros beneficiários do contrato, nada têm a ver com a relação estabelecida entre o segurado e a seguradora, sendo que para estes os prazos prescricionais são diferentes. 39. Ou seja, entre o segurado (R.) e a seguradora firmou-se a referida cláusula contratual que só a eles diz respeito. 40. Neste sentido, a seguradora e o segurado, ao realizarem o referido contrato têm a liberdade de colocar as cláusulas que lhes aprouver, desde que estejam dentro dos limites da lei, o que é o caso (Artº 405º, nº 1, do C. Civil.). 41. Se o segurado pode reclamar à seguradora uma circunstância contratual no prazo legal de 20 anos, também a seguradora – que por acréscimo até tem inserida uma cláusula no contrato – poderá no mesmo prazo reclamar do seu segurado. 42. E é neste sentido – da relação contratual – que aquela cláusula se afirma, caso contrário, se se entendesse ser uma simples cópia do DL, porque não se colocariam, então, no clausulado contratual, todos os preceitos legais ligados ao contrato de seguro obrigatório? 43. Deste modo, a prescrição a aplicar será a contratual, ou seja, a ordinária – 20 anos. 44. E, tal considerando tem toda a razão, no facto das seguradoras pagarem – ao longo de um processo de regularização – vários danos, onde, muitas das vezes, o primeiro pagamento tem uma diferença do último de mais de 7 anos, o que obrigaria a seguradora a intentar várias acções judiciais, consoante os prazos prescricionais, ou a interromper várias vezes a prescrição com notificações judicias avulsas, as quais, às tantas, poderiam cair no conhecido abuso de direito. 45. Ainda, a causa de pedir no âmbito dos presentes autos alicerça-se na efectivação do direito de regresso, previsto no âmbito de uma relação contratual, em virtude da A. ter assumido a responsabilidade adveniente da prática de facto ilícito. 46. Através da presente acção visa a A. ser reembolsada do montante indemnizatório que satisfez em consequência de um acidente de viação provocado pela outra parte contratual – o segurado. 47. Por força do contrato de seguro celebrado com a A., em que esta assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros, tendo o direito de regresso nascido com o pagamento indemnizatório efectuado, decorrente do cumprimento pela A. de uma obrigação contratual. 48. O douto acórdão defende que “não está já em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual”, então estamos no âmbito da responsabilidade contratual. 49. Por força do PROCESSO-CRIME, determina o Artº 498º, nº 3, do Cód. Civil: “Se o facto ilícito constituir crime para a qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”. 50. O legislador começa por indicar nos nºs 1 e 2 do citado preceito legal, prazos mais curtos e depois no nº 3 alonga o prazo, se o “facto ilícito constituir crime”. 51. Ora, se aos factos enquadráveis no nº 1 o prazo prescricional pode ser alargado, também o poderá ser nos casos previstos no nº 2 do citado preceito legal. 52. O legislador, ao estatuir o nº 3 do Artº 498º do Cód. Civil, não faz qualquer distinção, por este motivo não compete nem o pode o intérprete vir a fazê-la. 53. “O alargamento do prazo de prescrição do procedimento criminal, previsto no nº 3 do Artº 498º do Cód. Civil, também se aplica aos responsáveis civis.” Ac. da R.C., de 14.11.2000, CJ, 2000, 519. 54. Face ao precedente, coloca-se a questão da contagem do prazo. 55. O facto ilícito praticado pelo R. constituiu crime de ofensas corporais (cfr. doc. nº 2 e artºs 29º, 30º e 31º da p.i.). Deste modo, o facto ilícito – ofensas corporais –, integra o tipo legal de crime consignado no Artº 143º, nº 1 do C.Penal, sendo a sua prescrição de cinco anos, cfr. o artº 118º, nº 1, al. c) do C. Penal. 56. Face a esta circunstância, cfr. se disse, verifica-se o alongamento do prazo prescricional, nos termos estatuídos no Artº 498º, nº 3 do Cód. Civil. 57. O que significa que, tendo o acidente ocorrido em 17.08.00, ainda não tinham ocorrido os cinco anos à data da entrada da notificação judicial avulsa e muito menos sobre as datas dos pagamentos das indemnizações, bem como a partir da notificação judicial avulsa, até à data da propositura da acção judicial. 58. Ainda, e cfr. o Ac. R.Coimbra, de 05.11.96, in CJ, V, p. 5, segundo o qual, “1 – É o apuramento do facto e a sua qualificação como criminoso – e não a circunstância de ser ou não possível o exercício da acção penal – que determina o prazo mais longo de prescrição previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil. 59. Ainda, a recente jurisprudência defende, no caso concreto, a aplicação do Artº 498º, nº 3, do C. Civil. Com efeito, os AC. R. LISBOA – Procº 1627/07-7, de 20/12/2007 – 7ª Secção e também, o recente Acórdão do S.T.J. de 26.06.07, Processo 07A1523. 60. E, o R. foi citado, ainda não havia decorrido o prazo de cinco anos, a contar da notificação judicial avulsa e, após esta, até à entrada da acção judicial. 61. Deste modo, foram, assim, violados, por manifesto erro de interpretação e aplicação os Artºs 498º, nº 3, 309º, 323º, nºs 1 e 2, 327º, nº 1 e 428º, nº 1, do Cód. Civil e Art. 9º, nº 3 e 668º, nº 1, als. c) e d), do Cód. Proc. Civil. O R. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. II. Fundamentação De Facto II.A. Embora não tivesse sido fixada pela 1.ª instância, formal e expressamente, qualquer matéria de facto, entendeu a Relação que os factos que, de seguida, se enumeram foram os considerados relevantes e que resultam dos autos: 1) No dia 17.08.00, pelas 18,40 horas, na AE 5, ao km. 2,900, Concelho de Oeiras, ocorreu um acidente de viação entre os veículos ligeiros, de matrículas ..-..-... (OPEL VECTRA), ..-..-... (PEUGEOT 106),..-..-... (SAAB) e ..-..-... (PEUGEOT 406). 2) O veículo ..-..-... era conduzido pelo Réu e encontrava-se seguro nesta seguradora, através do contrato titulado pela apólice n.º 609.096. 3) Logo a seguir ao acidente, a GNR-BT de S. Domingos de Rana mediu a alcoolemia do sangue do Réu, que revelou uma taxa de 0,74 g/l. 4) O veículo FA foi considerado perda total, tendo a Autora pago, em 02.11.00, à sua congénere MUNDIAL-CONFIANÇA, seguradora do veículo, a verba de 3.346,93 €. 5) O orçamento de reparação do veículo QD foi de Esc. 783.960$00 (3.910,42 €), tendo a Autora pago, em 17.10.00, a referida quantia. 6) Com a privação de uso do QD, a Autora pagou, em 06.10.00, a verba de 5.143,02 €. 7) O orçamento de reparação do veículo GR foi de 2.890,98 €, tendo a Autora pago, em 19.02.01, a referida importância. 8) BB– ocupante do veículo FA – sofreu traumatismo da coluna cervical, tendo com a sua cura, a Autora pago, em 17.04.01, a verba de 55,14 €. 9)CC – ocupante do veículo FA – sofreu traumatismo da coluna cervical e tórax, tendo com a sua cura, a Autora pago, em 17.04.01, a verba de 110,05 €. 10) DD – ocupante do veículo FA – sofreu traumatismo da cabeça, coluna cervical e tórax, tendo com a sua cura, a Autora pago, em 16.10.03, a verba de 250,00 €. 11) Com a averiguação do sinistro, a Autora pagou, em 21.09.00, a verba de 214,65 €. 12) Ainda, suportou despesas administrativas com a elaboração, tramitação e conclusão do respectivo processo de sinistro, que computa em 200,00 Euros. 13) A morada do Réu constante da participação do acidente de viação dos autos era a seguinte: Rua A.....,....,...º Esquerdo, Corroios, Montijo; 14) A Autora, em 4/02/2004, requereu a Notificação Judicial Avulsa do Réu na morada constante da participação do acidente de viação dos autos, tendo sido lavrada, com data de 19/02/2004 e pelo Sr. Solicitador de Execução encarregue de tal diligência, certidão negativa nos seguintes termos: “certifico que tendo-me dirigido à morada indicada – Rua A....,...,...,º Esquerdo, Miratejo, freguesia de Corroios, Seixal – a fim de proceder à notificação de AA, a mesma não foi possível efectuar, em virtude de ter constado que naquela morada reside a mãe do notificando, tendo esta informado que o seu filho se ausentou de casa desconhecendo o seu paradeiro, bem como o seu local de trabalho ou outro contacto possível. Mais informou que não o vê há bastante tempo, manifestando total desinteresse em colaborar”; 15) A Autora instaurou a presente acção em tribunal no dia 07/02/2007, tendo indicado como morada do Réu a seguinte: Rua ......,...,..., Vila Nova de Gaia; 16) Goraram-se diversas diligências no sentido de citar o Réu na morada indicada pela Autora na petição inicial bem como em diversas outras constantes das diversas bases de dados acessíveis (cf. fls. 47 a 76, com a primeira diligência de citação, através de carta registada com A/R, datada de 13/02/2007), tendo a Solicitadora de Execução que procedeu à tentativa de citação do Réu no endereço indicado pela Autora na sua petição inicial, lavrado a seguinte certidão, datada de 24/05/2007 (fls. 56): “Pelas 11,45 horas do dia 24.05.2007, após deslocação à Rua .......-....-....º Esquerdo, freguesia de Mafamude, em Vila Nova de Gaia, após breve conversa com a Sr.ªEE, que me disse que o marido tinha nome idêntico ao do réu, mas que não era o réu, que o nome de seu marido era AA Solicitei então verificar o B.I., o qual não se mostrou possível, visto o marido não se encontrar em casa, que iria ao escritório da subscritora entregar fotocópia do mesmo, mas tal não veio a acontecer. Verifica-se que dos documentos juntos com a p.i., a idade do réu ali constante será de 36 anos, enquanto que a pessoa a quem seria entregue esta documentação AA terá cerca de 80 anos de idade. Pelo que o réu indicado não será a mesma pessoa residente na morada indicada na petição inicial. Pelos motivos expostos não se mostrou possível proceder à citação do réu, AA”; 17) O Réu AA foi citado na sua própria pessoa na Rua ....,...,...,, 2810-001 Almada, através de carta registada com Aviso de Recepção (fls. 77 a 79, tendo tal Aviso entrado em tribunal no dia 2/04/2008 e sido remetido para tal endereço). II.B. De Direito Suscita a recorrente as seguintes questões: a) nulidade da decisão e b) prescrição. II.B.1. Sobre as invocadas nulidades de que padeceria o acórdão recorrido, cabe dizer que a única referência constante nas alegações é a citação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, als. c) e d), do Código de Processo Civil, feita na última conclusão. Cabe, de resto, salientar que as alegações deste recurso são praticamente decalcadas das apresentadas com a apelação com pequenas alterações e acrescentos, tendo, mesmo, deixado escapar uma ou outra referência à “sentença” (v. artigos 1.º, 12.º, 34.º). E, se a Relação tinha dúvidas sobre o entendimento da A. sobre as nulidades apontadas à sentença, tais dúvidas não se colocam relativamente ao acórdão. Manifestamente não pode falar-se em omissão de pronúncia, porquanto todas as questões suscitadas foram tratadas, nem em contradição entre os fundamentos e a decisão, dado que, em lado nenhum das alegações, tal contradição foi sequer esboçada. De todo o modo, apenas cautelarmente, remetemo-nos para o que no acórdão é dito sobre as citadas nulidades, reiterando que a decisão recorrida não padece dos referidos vícios. II.B.2. A outra questão é relativa à ocorrência ou não da prescrição. Como já se deixou referido no relatório, a A. vem reclamar a liquidação por parte do Réu, a título de direito de regresso e ao abrigo da apólice de seguro invocada (Condições Gerais) e do disposto no artigo 19.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12, dos montantes que suportou para ressarcimento dos danos causados no acidente rodoviário, por via da conduta negligente do Réu. Começaremos por rebater a posição da recorrente de que o prazo de prescrição a considerar seja o ordinário, de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil. Com efeito, face à existência de um prazo e de uma norma especial, que necessariamente afasta a aplicação do prazo e regime gerais, não é minimamente defensável a invocação desse prazo (nesse preciso sentido, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2003 (Processo n.º 03B2757, relator Araújo de Barros) e de 4.11.2008 (Processo n.º 08A3199, relator João Camilo), afirmando este último o seguinte: “b) Resta apreciar se o direito de regresso da autora tendo natureza contratual tem prazo de prescrição ordinário de vinte anos fixado no art. 309.º do Código Civil. Facilmente e do que já se disse tal pretensão – que nos parece inovadora –, não pode proceder. Independentemente da natureza contratual ou extracontratual do direito de regresso, este tem uma disposição expressa a fixar o prazo de prescrição e que é o acima mencionado – previsto no n.º 2 do art.º 498.º do Código Civil –, pelo que se não lhe aplica o prazo ordinário de prescrição previsto no mencionado art.º 309.º que apenas tem aplicação aos casos em que a lei expressamente não tenha fixado prazo diverso.” Pretende a Autora que o direito de regresso contemplado para a responsabilidade solidária, no artigo 497.º, n.º 2, do Código Civil, e que assenta no pressuposto da culpa, não se equipara ao direito de regresso que cabe ao garante da indemnização. Daí que, atenta a ausência de responsabilidade da seguradora na eclosão do acidente, não seja possível subsumir o direito de que é titular ao prazo de prescrição previsto no 498.º do Código Civil. Não tem a Autora, obviamente, razão, sem embargo de se reconhecer que tal entendimento já logrou aceitação num sector restrito da jurisprudência. Efectivamente, é possível divisar uma orientação que sustenta que, tendo tal direito como fundamento a violação do contrato de seguro celebrado entre a companhia e o segurado, a sua disciplina jurídica não é consentânea com a responsabilidade aquiliana dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil, devendo antes aplicar-se o prazo prescricional ordinário compreendido no artigo 309.º do mesmo diploma. Como lembra VAZ SERRA (“Pluralidade de Devedores ou Credores”, BMJ., n.º 69, p. 256), o dever de regresso, consagrado no artigo 497.º, n.º 2, do Código Civil, funda-se “no enriquecimento injustificado à custa dos outros credores e, por conseguinte, quando do negócio jurídico ou de disposição especial não resulta outra coisa, deve ter o alcance que resultar do facto de, em consequência da satisfação do credor, certo ou certos devedores terem enriquecido injustificadamente à custa de outro ou outro”. E é também este propósito de obviar ao enriquecimento infundado à custa da seguradora que garantiu a indemnização devida aos lesados em acidente de viação que o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, instituiu a possibilidade de exercício de direito de regresso contra o segurado. Esta ideia foi sublinhada no Acórdão da Relação do Porto, de 2 de Maio de 2000 (CJ, 2000, Tomo III, p. 175). Compreende-se que assim seja. Efectivamente, e à luz da instituição da obrigatoriedade da contratação de seguro de responsabilidade civil contra terceiros, sentiu o legislador a necessidade de contrabalançar a eventual iniquidade da imposição, à seguradora, do pagamento de indemnizações resultantes de uma acção dolosa ou gravemente negligente por parte do segurado ou de outrem. Com o que contemplou, no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, um leque de situações susceptíveis de traduzir esse dolo ou negligência grave, cuja verificação legitimará aquele direito de regresso. Sublinhe-se, todavia, que a possibilidade de exercício do direito de regresso existe tão-somente naquelas circunstâncias. É nisso claro o teor literal do preceito, ao referir que, “satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso (…)”. Significa o exposto que, mesmo quando o texto do contrato de seguro seja omisso quanto à possibilidade de exercício do direito de regresso, em face da verificação das circunstâncias descritas no referido artigo 19.º, sempre poderá a seguradora enveredar por tal caminho, apoiando--se directamente na disciplina constante do mesmo diploma e que a habilita, sem mediação de um clausulado negocial, a interpor acção de regresso. E, em contrapartida, resulta incontroverso que os casos de admissibilidade do direito de regresso se restrigem às situações tipificadas no mesmo artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, não se podendo configurar uma liberdade contratual tão ampla que consinta outros casos de direito de regresso. Desta forma, não é a circunstância do contrato de seguro conter cláusulas que reproduzam o disposto no citado artigo 19.º que modela a natureza da responsabilidade a exigir do segurado ou de outrem (como o condutor) e que decorre ex Iege. Diga-se, aliás, que a dever entender-se a responsabilidade da seguradora como contratual, não poderia esta exercer o direito de regresso contra o condutor de veículo, responsável pelo eclodir do acidente e que não é o segurado e é, portanto, um extraneus em face do seguro celebrado. Por outro lado, o carácter obrigatório do seguro sobre a circulação de veículos automóveis não influi no carácter pessoal (não real) do contrato celebrado. O que se transfere para o segurador é a responsabilidade do segurado, enquanto detentor de um dado veículo e não o próprio veículo. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 1999 (proc. 99B356, www.dgsi.pt), “[s]egurado é quem contrata o seguro; a medida da responsabilidade da seguradora é a responsabilidade do seu segurado; o segurador só é obrigado na medida em que o seria o segurado se respondesse pessoalmente. Por assim ser a seguradora terá direito de regresso ao satisfazer as indemnizações que o seu segurado não responde pessoalmente: em todos os casos em que os danos sejam causados a terceiros ou por utentes ocasionais do veículo – os autores de furto, roubo ou furto do uso do veículo — ou se o acidente for dolosamente praticado”. Ou seja, a seguradora responde pela indemnização que caberia ao seu segurado e queda titular de um direito de regresso contra ele cuja extensão será definida pela sua responsabilidade na eclosão do acidente e dos subsequentes danos, sempre que este tenha agido em violação do supra referido artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85. Desta forma, a matriz genérica da configuração do direito da seguradora é um mero reflexo do processamento do acidente e da própria actuação do segurado. Na verdade, e antevendo a possibilidade de uma concorrência de responsabilidades no sobrevir do facto danoso, a seguradora só será obrigada a responder nos precisos termos –, em sede de culpa e das respectivas consequências em que o seu segurado o é. Com o que o direito de regresso, a desencadear, existirá em moldes similares à responsabilidade extracontratual do seu segurado que a obrigou a indemnizar os demais intervenientes. Existe, assim, um óbvio paralelismo entre o formato da responsabilidade do segurado e o direito de regresso de que a seguradora é titular. Paralelismo que se constata não apenas no plano factual, mas igualmente no plano jurídico e na consequente disciplina a que aquele direito se acha sujeito. Significa isto que não é pela simples circunstância de a Autora ser o garante de uma indemnização para cujo sobrevir não contribuiu com qualquer actuação culposa que se pode concluir da sua submissão a um prazo prescricional distinto. É, inversamente, o próprio facto de a seguradora ser um mero garante do segurado que nos leva a inferir que o seu direito de regresso existe em termos semelhantes à originária responsabilidade deste e não com uma qualquer aporia paradoxal de disciplina jurídica distinta. Isto porque, não obstante o direito de regresso não ser uma forma de transmissão de um crédito primitivo mas antes um direito nascido ex novo na titularidade da seguradora, a verdade é que brota da relação creditória anterior. Diga-se, por último, que a ratio do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, mantém plena pertinência em face do direito de regresso exercido pela seguradora. Efectivamente, e como ensina ANTUNES VARELA (Direito das Obrigações, Volume I, Almedina, 10.ª Edição, 2000, p. 625), “o direito à indemnização está sujeito a um prazo curto de prescrição (três anos). A prova dos factos que interessam à definição da responsabilidade (an debeatur e quantum debeatur) em regra feita através de testemunhas, torna-se extremamente difícil e bastante precária a partir de certo período de tempo sobre a data dos acontecimentos e, por isso, convém apressar o julgamento das situações geradoras de dano ressarcível”. Se assim é, apresentar-se-ia destituído de fundamento ou de lógica admitir que uma acção de regresso motivada nos precisos factos em que assenta aquela responsabilidade civil pudesse prescrever num outro prazo e temporalmente mais dilatado e indexado ao tempo ordinário de prescrição. Na verdade, as razões que justificam o aludido prazo curto de prescrição subsistem, quanto à precariedade e fragilidade da prova, nos seus fundamentos mesmo em face do direito de regresso da seguradora. Pelo que, também por esta via, concluímos que o direito de regresso em questão se rege pelo disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil. E esta mesma posição é alcançada, de forma quase unânime, pela jurisprudência que sobre o tema se pronuncia, como, aliás, o demonstram os acórdãos deste Supremo Tribunal de 25 de Fevereiro de 1993 (proc.082922), 6 de Maio de 1999 (proc.99B356), de 5 de Dezembro de 2000 (proc. 3336/00-6.ª), de 24 de Outubro de 2002 (proc. 2174/02-6.ª), de 27 de Março de 2003 (proc. 03B644) e de 18.12.2003 (proc. 03B2757). Também não impressiona a argumentação desenvolvida pela recorrente no sobre o eventual desfasamento, no que concerne ao direito de regresso e ao seu prazo prescricional entre o regime geral de responsabilidade civil extracontratual, contido nos artigos 498.º e seguintes e 562.º e seguintes do Código Civil, assente sobre a ideia da culpa do lesante e a institucionalização do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12, que substituiu o Decreto-Lei n.º 408/79, de 25 de Setembro e foi substituído pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08 e Lei n.º 72/2008, de 16/04), que, radicado no conceito de garante da seguradora, consagraria soluções jurídicas específicas e não coincidentes com as daquele primeiro diploma (prescrição de 20 anos). Diga-se, finalmente, que o carácter imperativo das normas que regulam, em geral (artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12) e nesta específica matéria, o contrato de seguro (artigo 19.º do mesmo diploma legal) e a figura da prescrição (artigo 300.º do Código Civil), bem como a circunstância de inexistir qualquer menção, quer na legislação do seguro obrigatório, quer ao nível das condições particulares e gerais da apólice, de prazos prescricionais especiais ou concretos, faz-nos cair irremediavelmente na aplicação daquele que se mostra previsto pelo regime geral, a saber, o do artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil (3 anos). Ou seja, está previsto na lei um prazo geral de prescrição e vários casos especiais, entre os quais se conta o relativo ao direito de regresso. Não estando previsto no diploma regulador do seguro obrigatório qualquer outro prazo de natureza excepcional para o direito de regresso nele previsto não há fundamento para afastar a aplicação da norma do artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil. Aqui chegados, teremos que definir se o prazo prescricional é o de três ou se poderá ser o de 5 anos, ex vi do disposto no artigo 498.º, n.º 3, dado o prazo prescricional correspondente ao ilícito penal a que se subsumem as ofensas corporais causadas. A nossa jurisprudência divide-se quanto a tal problemática, havendo naturalmente quem defenda tal aplicação (cf., entre todos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13.04.2000, processo n.º 00B200 e de 26.06.2007, processo n.º 03B644), ao passo que outros (cf., entre outras, as decisões deste Tribunal de 4.11.2008 e de 18.12.2003, já citados) pugnam pela tese oposta, considerando que o prazo de prescrição do direito de regresso é, somente, de 3 anos, não havendo fundamento legal para o seu alargamento, ao contrário do que acontece com o prazo de prescrição do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil. Tomando posição, desde já, nesta polémica, entendemos que não se justifica o alargamento do prazo prescricional do número 2 do artigo 498.º do Código Civil, pois, na acção de regresso, através da qual se pretende reaver as quantias indemnizatórias pagas aos lesados, não está já em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida mas antes um segundo momento, subsequente à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo de 3 anos previsto para o direito de regresso. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/11/2008, acima identificado, diz, em sumário, o seguinte: O direito de regresso da seguradora que satisfez uma indemnização decorrente de contrato de seguro, direito esse fundado na alínea c) do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85 de 31/12, tem o prazo de prescrição de três anos, previsto no n.º 2 do art. 498.º do Código Civil, não se aplicando a estes prazo a extensão do seu n.º 3. Na fundamentação respectiva pode ler-se: “a) Está aqui em causa determinar o prazo de prescrição de um direito de regresso, previsto no art. 524.º do Código Civil e na alínea c) do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85 de 31/12, baseado no facto de o mesmo direito haver nascido por a sua titular haver pago uma indemnização a um lesado em acidente de viação causado por um individuo, pagamento esse motivado pela existência de um contrato de seguro obrigatório em matéria estradal em que aquela titular era seguradora e incidente sobre o veículo causador daquelas lesões e que, efectuado esse pagamento baseado nesse contrato de seguro, a autora seguradora vem pedir o que pagou, alegando que o condutor do veículo segurado deu causa ao acidente por conduzir influenciado pela ingestão de álcool. A citada alínea c) estipula que satisfeita a indemnização pela seguradora ao abrigo do contrato de seguro obrigatório, a seguradora tem direito de regresso contra o condutor do veículo segurado que na causa do acidente tenha agido sob a influência do álcool. Por seu lado, o art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil, integrado na secção da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevê que o direito de indemnização do lesado prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. Além disso, o seu n.º 2 prevê que prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. Finalmente o seu n.º 3 ainda estipula que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. Segundo a sentença de primeira instância, para o caso do direito de regresso, como o dos autos, aplica-se a extensão do prazo fixado naquele n.º 2 prevista no seu n.º 3, ou seja, o prazo de prescrição do direito de regresso também pode ser alongado nos termos do n.º 3 mencionado. Já o douto acórdão recorrido faz uma interpretação diversa no sentido de que a extensão do prazo prevista no n.º 3 apenas se aplica ao prazo de prescrição fixado no n.º 1 e, por isso, apenas no caso de direito de indemnização do lesado e não também no caso do direito de regresso do garante que pagou aquela indemnização ao lesado. Há aqui que fazer a interpretação destas disposições legais utilizando os critérios do art. 9.º do Código Civil. À primeira vista e utilizando o elemento literal de interpretação, podia-se dizer que a extensão do prazo prevista no citado n.º 3 tanto se aplica ao prazo do n.º 1 – de prescrição do direito do lesado – como ao prazo previsto no n.º 2 – do direito de regresso, embora a interpretação contrária também seja admissível com aquela redacção da lei. Porém, pensamos que pela utilização do elemento lógico de interpretação teremos de chegar a entendimento contrário, nomeadamente pela utilização do elemento racional. A razão de ser da introdução do preceito do n.º 3 em causa visou alargar o prazo de prescrição do lesado quando o facto lesante constituía crime de gravidade acentuada que leve a que o prazo de prescrição do crime seja superior aos três anos fixados no n.º 1. É que se não pode esquecer a existência do princípio da adesão da dedução da indemnização civil no processo criminal e se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, se não compreenderia que se extinguisse o direito à indemnização civil – conexa com o crime – e ainda estivesse a decorrer o prazo para a prescrição penal operar, onde o legislador entendeu dever ser deduzido o pedido de indemnização civil – dentro de certas limitações constantes das normas penais. Daqui parece apontar para que a extensão do prazo de prescrição do n.º 3 referido apenas se justifica no prazo de prescrição do direito do lesado e não do direito de regresso. Por outro lado, o direito de regresso em causa tem natureza diversa, é um direito autónomo ao relação ao direito do lesado, nascido «ex novo”, com o pagamento do direito à indemnização ao ofendido, que assim se extinguiu fazendo nascer aquele direito de regresso. Além disso, o momento a partir do qualquer começa a correr o prazo de prescrição direitos é diverso, sendo no caso do direito do lesado o momento em que este teve conhecimento do direito que lhe compete, enquanto no direito de regresso começa a correr na data do cumprimento da obrigação para com o lesado. Finalmente diremos que a prescrição é um instituto jurídico pelo qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este exercício não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos – art. 304.º do Código Civil – e este instituto tem como fundamento a reacção da lei contra a inércia ou o desinteresse do titular do direito que o torna indigno de protecção jurídica – cfr. Prof. Almeida Costa, in “Direitos das Obrigações”, 10.ª Edição, página 1123. Ora no caso do direito de regresso, este nada tem a ver com a fonte da obrigação extinta pela seguradora, cuja satisfação pela seguradora o fez nascer, direito de regresso este que a mesma veio exercer, sendo este direito de regresso independentemente da fonte do daquela obrigação extinta que pode ter origem em mera responsabilidade civil – nomeadamente pelo risco – ou pode resultar da prática de um crime grave com prazo alongado de prescrição penal. Esta autonomia justifica que o interesse da lei em sancionar o credor pouco diligente – no interesse da clarificação, estabilização e segurança das relações jurídicas que está subjacente à adopção daquele instituto – leva a que a extensão do prazo de prescrição do n.º 3 mencionado se não justifique aplicar-se ao caso do direito de regresso em face da sua natureza diversa do direito do lesado em relação ao direito de regresso e da autonomia deste em relação à causa ou fonte daquele direito do lesado. Desta forma se nos afigura que a melhor interpretação dos números 1, 2 e 3 do art.º 498.º citado aponta para que o prazo de prescrição do direito do lesado é o previsto no nº 1 e pode ser alongado nos termos do seu n.º 3, mas que o prazo de prescrição do direito de regresso é sempre o previsto no seu n.º 2, mas não se lhe aplica a extensão prevista no n.º 3.” Logo, pelas razões expostas, o prazo prescricional a considerar é, uniformemente, o geral de 3 anos, inaplicando-se-lhe o alargamento constante do número 3 do artigo 498.º do Código Civil. Cabe agora indagar se ocorreu interrupção da prescrição e em que termos. A seguradora pretende que se atribua relevância interruptiva à Notificação Judicial Avulsa do Réu, requerida em 4.2.2004, com vista a provocar a interrupção do prazo de prescrição (melhor dizendo, dos diversos prazos de prescrição que se achavam a correr em simultâneo, com referência a cada um dos lesados), diligência essa que se gorou na morada indicada pela Autora. Importa ter em atenção que está em causa nos autos o exercício de um direito de regresso, o que impõe a consideração do estatuído no n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, quando refere que o prazo em apreço só começa a correr a partir do pagamento, ou seja, só com a liquidação ao lesado ou lesados dos montantes indemnizatórios devido na área da responsabilidade civil extracontratual (cf., a este respeito, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Volume I, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 652), o que sempre aconteceria, independentemente de tal expressão legal, em função da natureza, razão de ser e conteúdo do próprio direito de regresso e do disposto no artigo 306.º, n.º 1, 1.ª parte do Código Civil (“O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; (...)“. Não faria qualquer sentido impor à companhia de seguros que o prazo, prescricional, ainda que alargado penalmente, referente ao seu direito de regresso se contasse desde a data do acidente e não a partir do momento em que a mesma, havendo liquidado pelo menos uma parte da indemnização relativa aos danos sofridos pelo lesado, já estivesse em condições de reclamar do outro ou outros responsáveis tais quantias. Neste preciso sentido, vão os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal: – De 27.03.2003, processo n.º 03B644, já citado; – De 19.01.2003 Processo n.º 03A4148; – De 11.03.2004, Processo n.º 04B3385; – De 26.06.2007, Processo n.º 07A523, já citado. Logo, tendo os montantes reclamados na presente acção sido pagos pela Autora entre 21.09.2000 e 16.10.2003, é a partir dessas respectivas e concretas datas que se conta o respectivo prazo prescricional, sendo que o mesmo, no que concerne à totalidade dos danos é, como se disse já, de 3 anos. A sentença de 1.ª instância defendeu que, não sendo a não realização dessa Notificação Judicial Avulsa dentro do prazo de 5 dias imputável à aqui recorrente, tal implica que o prazo prescricional de 3 anos se interrompeu no dia 9.02.2004, tendo-se iniciado nova contagem desse mesmo prazo no dia 10.02.2004 (cf. artigo 326.º do Código Civil). A recorrente, por seu turno, socorre-se do disposto no artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, quando refere que “se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”. Entendeu o acórdão recorrido que tal dispositivo legal não se aplica a actos como as notificações judiciais avulsas, onde não existe uma decisão que ponha termo à mesma (não estamos face a um processo judicial, dizendo o artigo 262.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “As notificações avulsas não admitem oposição alguma. Os direitos respectivos só podem fazer-se valer nas acções competentes.”), ideia que ressalta com nitidez dos seus n.os 2 e 3, quando alude à desistência, absolvição ou deserção da instância ou à ineficácia do compromisso arbitral, figuras que pressupõem um processo de partes ou, pelo menos, essa possibilidade futura (cf., a este respeito, artigos 267.º, 268.º, 288.º a 291.º, 293.º, 295.º, n.º 2, 296.º, n.º 1, 480.º a 482.º do Código de Processo Civil). Contra isto não se diga, como faz a recorrente que, uma vez que há recurso do indeferimento, há caso julgado. No caso em apreço houve deferimento, só podendo discutir-se, nos termos da lei, o cumprimento da requerida notificação, na acção competente. De qualquer forma, o certo é que não ocorreu, no quadro da Notificação Judicial Avulsa, um verdadeiro acto interruptivo da prescrição, pois o Réu nunca chegou a ser notificado, o que, desde logo, afasta a aplicação do disposto no artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, aqui em análise. A Autora pretende que tal interrupção ocorreu efectivamente, no dia 19.02.2004, data em que a diligência se gorou e foi elaborada uma certidão negativa pelo Solicitador de Execução, por o Réu não ter sido encontrado na morada indicada, mas, apesar da concordância deste último com tal posição (cf. parte da contestação acima reproduzida) não encontramos base legal que a suporte. Em primeiro lugar, por, nos termos do artigo 261.º do Código de Processo Civil, a notificação avulsa dever ser efectivada na própria pessoa do notificando. Em segundo lugar, por, mesmo que se entenda que ao caso se aplicam as regras da citação, não terem sido cumpridos os trâmites que permitiriam que se considerasse interrompida a prescrição, ou seja, o disposto nos artigos 236.º, n.º 2, 240.º, n.º 2 e 241.º do Código de Processo Civil. Também é claro que o artigo 237.º-A do Código de Processo Civil não é aplicável à situação vertente. Pensamos mesmo que a circunstância de tal comunicação nunca ter chegado ao efectivo conhecimento do aqui demandado obsta à aplicação do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil. Em apoio deste entendimento, dizem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, I Volume, 3.ª Edição, 1982, Coimbra Editora, pp. 289 e 290), em anotação ao artigo 323.º: “Decorre claramente deste preceito que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição: é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão (...) O facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que teve o obrigado, através duma citação ou notificação judicial de que o titular pretende exercer o direito. (...) Se a citação ou notificação é feita dentro dos cinco dias seguintes ao requerimento, não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição. Atende-se, neste caso, ao momento da citação ou notificação. Se é feita posteriormente, por causa não imputável ao requerente, considera-se interrompida passados os cinco dias. (...) Se a culpa da demora é do requerente, atende-se ao momento da citação ou notificação. (…) Importa distinguir entre falta e nulidade da citação ou notificação. Como se exige que seja levado ao conhecimento do obrigado a intenção de exercer o direito, se falta a citação ou a notificação, a prescrição não se interrompe, a não ser nos termos excepcionais acima referidos; se, porém, há nulidade, não deixa de haver interrupção, se, não obstante a nulidade, se exprimiu aquela intenção”. Ao contrário do acórdão recorrido, onde se revelam dúvidas nesta matéria, afigura-se-nos incontroverso este entendimento. Logo, não tendo a notificação pretendida sido concretizada, não ocorreu qualquer interrupção do prazo prescricional de 3 anos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil. Ora, tendo a presente acção dado entrada em juízo no dia 7.02.2007 e não tendo sido requerida a citação prévia e urgente do Réu, que só veio a ter conhecimento dos autos em 1.4.2008, verifica-se que aquele prazo prescricional se verificou antes de poder funcionar o mecanismo de salvaguarda do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, ou seja, quando se alcançou o 6.º dia após a propositura dos autos (12.2.2007), já o último dia do prazo de 3 anos se tinha esgotado, mesmo relativamente ao pagamento efectuado em Outubro de 2003. Cabe ainda fazer duas notas. A primeira é que o prazo prescricional deve entender-se parcelarmente relativamente a cada um dos concretos danos. Embora tal não pareça ser a interpretação a extrair da letra, quer do artigo 306.º, quer do artigo 398.º, n.º 2, do Código Civil, é essa a melhor interpretação, adoptada, entre outros, nos acórdãos deste Tribunal de 10.10.2002, proc. 03B644 e de 28.10.2004, proc. 04B3385. De qualquer modo, isso no presente caso é irrelevante, uma vez que, como se disse, mesmo relativamente ao último pagamento, de 16 de Outubro de 2003, a prescrição ocorreu. A segunda é que é irrelevante a aceitação pelo R. da eficácia interruptiva da notificação judicial avulsa. O Réu alegou a prescrição e só por isso as instâncias conheceram da excepção. A eficácia interruptiva de determinado facto decorre da lei e não se lhe aplicam as regras da prova (artigos 513.º e 515.º) mas antes e plenamente o disposto na 1.ª parte do artigo 664.º do Código de Processo Civil. Temos, pois, por isenta de censura a decisão recorrida, sem embargo de não acompanharmos integralmente a sua fundamentação. III. Pelo exposto, acordam em negar a revista, confirmando-se o acórdão da Relação. Custas pela recorrente. Lisboa, 27 de Outubro de 2009 Paulo Sá (Relator) Mário Cruz Garcia Calejo |