Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
102/20.7JELSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: TERESA DE ALMEIDA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
IN DUBIO PRO REO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Não se verifica a nulidade da sentença cominada na al. a), do n.º 1, do art. 379.º do CPP, por falta de fundamentação, exibindo o texto da decisão a indicação de todas as provas produzidas que, em conjugação com as, aí invocadas, regras de experiência comum, permitiram ao Tribunal alcançar a sua convicção quanto aos factos que respeitam à arguida e a respetiva responsabilidade criminal. Bem como descreve o acórdão a valoração que realizou quanto a cada uma das provas, a relação que entre elas estabeleceu e o processo de formação da convicção a que chegou.

II. Como se constata da leitura do acórdão, as declarações do co-arguido, admissíveis e valoradas pelo Tribunal, não resultaram em prejuízo da arguida.

III. E, determinante na verificação das condições de valoração, tais declarações foram sujeitas a contraditório, não se recusando o declarante a responder aos pedidos de esclarecimento efetuados pela defesa da co-arguida e pelo Tribunal.

IV. Não se verifica, no caso, qualquer vício (que nunca constituiria, aliás, proibição de prova – art. 126.º do CPP) que justificasse sanação, tendo a prova em causa sido bem admitida e valorada.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. A arguida, AA, de 34 anos, identificada nos autos, não se conformando com o Acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de ... - Juiz 4, em 28 de junho de 2023, veio interpor recurso, tendo “por objecto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos”, para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Por Decisão Sumária de 29,11.2023, da Ex.ma Desembargadora daquele Tribunal, foi declarada a incompetência para o conhecimento do recurso e ordenada a remessa do mesmo a este Supremo Tribunal, nos termos do artigo 417.°, n.º 6, alínea a), do Código de Processo Penal, pois que “pese embora a recorrente afirme que o respetivo recurso tem por objeto matéria de facto e de direito, certo é que tal não resulta nem das respetivas conclusões nem do texto da motivação correspondente”.

A arguida foi condenada pela prática, como co-autora, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 24.º, com referência ao n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de cinco anos e seis meses de prisão;

2. Formulou as seguintes conclusões (transcrição):

“1.º A arguida desconhece totalmente em que base e quais os depoimentos de quais testemunhas, e outras provas documentais ou outras nas quais a convicção do Tribunal a quo terá assentado, até porque o próprio tribunal reconhece que não foi produzida prova nenhuma na audiência de discussão e julgamento do crime que a arguida vinha acusada.

2.º Uma vez que, no acórdão o Tribunal “a quo” não especifica como é sua obrigação, não faz nenhuma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e para condenar o arguido, conforme exige o artigo 374.º n.º2 do CPP.

3.º Consequentemente, a ausência de fundamentação do acórdão impossibilita a defesa do arguido em sede de recurso, uma vez que o arguido desconhece totalmente quais as provas documentais ou testemunhal que serviram para condenar o arguido.

4.º Pelo exposto, o presente acórdão é nulo por falta de fundamentação, nos termos do artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP.

5.º A valoração probatória das declarações de co-arguido tem uma limitação, a de não poderem valer como meio de prova as declarações de um arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio, do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações subtraídas ao contraditório.

5.º Na origem do artigo 345.º, n.º4, aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto – “Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2” – esteve a jurisprudência do Tribunal Constitucional, expressa no Acórdão n.º 524/97, de 14.07.1997.

6.º Consequentemente, tendo em conta que não pode ser feita desvalorização das declarações do arguido que não foram consideradas credíveis, não pode por si só servir como prova contra a arguida uma vez que a mesma se remeteu ao silêncio.

7.º Ora, sucede que face a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conforme o próprio Tribunal “a quo” concluiu e bem é que não houve prova nenhuma contra a arguida. Senão vejamos:

8.º O co-arguido BB prestou declarações no qual admitiu que o mesmo tinha aquela quantidade de droga mas para consumo e disse que a arguida AA não sabia de nada e não tinha nada haver com o assunto.

9.º Inclusivamente, os guardas prisionais também foram claros e peremptórios a dizer que não viram a arguida AA a passar nada e apenas viram a droga em posse do arguido que foi revistado que tinha 2 boxers.

10.º Ora, não existindo mais nenhuma prova testemunhal ou documental que permita condenar a arguida, em caso de dúvidas a arguida terá de ser absolvido por força do princípio “in dubio pro reo”.

11.º Pelo exposto, ao abrigo do princípio de in dubio pro reo, existindo dúvidas se a arguido praticou ou não o ilícito criminal em causa, o arguido teria que ser absolvido e jamais condenado.

12.º Consequentemente, sendo o arguido condenado por violação do princípio in dubio pro reo, a referida decisão é inconstitucional por força da violação do artigo 32.º n.º 2 da CRP e violação do artigo 127.º do CPP, referente à prova produzida.

13.º A arguida está acusada da prática de ilícitos criminais pelo crime de tráfico de estupefacientes mas nesse dia e hora apenas a arguida foi visitar o arguido BB, passou pela revista rigorosa das visitas e nada foi encontrado em si, a visita não foi interrompida e posteriormente após a sua saída saiu normalmente e nem sequer foi detida no Estabelecimento Prisional ou impedida de sair.

14.º Aliás, da experiência comum e geral neste tipo de casos, é do conhecimento público que o controlo e revista nos estabelecimento prisionais às visitas dos reclusos que detectam de imediato produto estupefaciente são extremamente rigorosas e a forma como o produto estupefacientes, telemóveis entre outros objectos não permitidos entram no Estabelecimento Prisional é através de guardas prisionais, outros reclusos que contactem o exterior, pelo que é claramente impossível vem descrito na acusação e praticar o crime que vem acusado.

15.º Pelo exposto, não se pode considerar de alguma forma que a arguido tivesse praticado qualquer tipo de crime pelo facto de no dia que foi apreendida a droga ao arguido, foi visitado pela arguida mas ninguém a viu que passou seja o que for ao arguido, consequentemente a arguida não praticou nenhum crime sobre o qual foi condenado.

16.º Consequentemente, se requerer que face a total ausência de prova, documental e testemunhal, seja revogada a decisão de condenar a arguida e seja proferida outra que absolva a arguida.

17.º O recorrente foi condenado em autoria material e na forma consumada, foi condenado pela prática, como co-autora, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 24.º, com referência ao n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

18.º A recorrente foi condenado pela prática do crime referido no artigo anterior, mas atenta a matéria de facto apurada na sua globalidade, esta aponta eventualmente para uma situação de alguma diminuição da ilicitude, atento o circunstancialismo da prática dos factos, a idade da arguida, o facto de estar social, familiarmente inserida, tem emprego estável e fixo recentemente, companheiro e 2 filhos que dependem da arguida, sendo que a arguida se socorre do recurso para a instância superior na busca que a pena de prisão seja reduzida até pelo menos 5 anos e a mesma seja suspensa na execução, tendo em conta o percurso fantástico que a arguido estava a fazer na sua vida, recentemente está a trabalhar nas limpezas, tem filhos menores a seu cargo, companheiro. tem a vida estável.

19.º Consequentemente, importa não esquecer, a idade da arguida, o facto de estar socialmente, economicamente e familiarmente inserido, estar a trabalhar, se tivesse de entrar no estabelecimento prisional para cumprir pena, tal situação seria contra procedente contra a arguida, o relatório da DGRSP, que salienta as competências profissionais do arguido e os seus hábitos de trabalho, a sua inserção social e familiar com estabilidade que a apoiam, a sua presença familiar, neste momento se tivesse que entrar para cumprir a pena seria um retrocesso a arguida na evolução da mesma.

20.º Ora, daí que a pena de prisão sofrida para o comportamento global da arguida apareça em alguma medida desproporcionada e desconforme com a jurisprudência, tendo em consideração que a recorrente não tem antecedentes criminais pela natureza pelos quais foi condenado e os mesmos prevêem a condenação em substituição de pena de prisão por pena de multa, dada a baixa ilicitude do alegado crime praticado pela arguida.

21.º Consequentemente, ao contrário do alegado pelo tribunal “ a quo”, não existe qualquer tipo de reincidência, uma vez que a recorrente nunca foi condenado por nenhum crime, não percebe o facto de não ter sido dado uma oportunidade a si, quando a mesmo está a fazer um percurso pessoal e profissional no nosso país, estando o mesmo integrado socialmente, familiarmente e no mercado de trabalho.

22.º Porém, a fixar-se um juízo de censura jurídico – legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspectiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo dentro dos cânones da sociedade.

23.º No entanto, ao invés o cumprimento de uma pena de prisão, longe de ajudar a reinserção do agente estará a atirá-lo irremediavelmente para a marginalidade – com o que a sociedade só virá a perder, e bem como os seus filhos correm o risco de por arrasto irem para a marginalidade, a arguida não conseguirá trabalhar e contribuir para ter direito a uma reforma pelo trabalho e fruto dos descontos para a segurança social.

24.º O recorrente considera ainda que o tribunal a quo andou mal na escolha e determinação da pena que efectuou.

25.º Atento os factos supra expostos, a recorrente considera que lhe devia ter sido aplicado uma pena de prisão entre 1 a 5 anos devido artigo 25.º do Dec- Lei, próxima do limite mínimo legalmente considerado, mas suspensa na sua execução, tendo em conta todos os seus indicadores positivos a nível de relatório social, que demonstram a boa inserção social, familiar e laboral.

26.º Pelo exposto, se requerer a alteração de medida da pena aplicada para a pena de prisão ser suspensa na sua execução, e diminuição substancial do número de anos que a recorrente foi condenada, estando desta forma alcançadas as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigidos.

27.º Ora, com a prolação da sentença foram violados foram violados o 374.º n.º1 alínea d) e do artigo 374.º n.º2 ambos do CPP, artigo 379.º n.º1 alínea c) do CPP; entre outros o n.º 6 do Art. 328° do C.P.P; alínea d) do no2 do art.120° do C.P.P.; Art.122°, n.º1 do CPP.; o artigo 379.º n.º1 alínea a) do CPP; artigos 40.º número 2 e 71.º número 2 do Código Penal, artigo 412.º número 2 alíneas a) e b) do Código Processo Penal;. 184º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; p. e p. pelo art. 183º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho pelo art. 186º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho; artigo 21 Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e artigo 25.º Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, entre outros artigos do Código de Processo Penal ou Código Penal e outra legislação., entre outros artigos do Código de Processo Penal ou Código Penal, CRP e outra legislação.

Termos em que, invocando-se o douto suprimento do Venerando Tribunal, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência; serem julgadas procedentes as nulidades invocadas, o arguido ser absolvido da prática do crime sobre o que foi acusada, por não existirem provas nem meios de prova contra a arguida, sendo revogada a pena aplicada a arguido e o mesmo seja absolvido do crime que foi condenado ou caso assim não se entenda pelo facto a pena aplicada ter sido exagerada, desequilibrada e ajustada e ser substituída por uma pena de prisão suspensa na sua execução porque só desta forma se garante as finalidades de uma pena que são a reinserção social da arguida.”

3. Respondeu o D.mo magistrado do Ministério Público na 1.ª instância, concluindo: (transcrição parcial)

“Analisado acórdão recorrido, não nos merece qualquer censura, pois bem ajuizou a prova produzida em audiência, fazendo a correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a pena, não se verificando qualquer nulidade, nomeadamente as dos artigos 122.º, n.º 1, 379º, n.º 1, al. c), com referência ao artigo 374º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, nem a violação do princípio in dubio pro reo. Nestes termos, não deverá ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se o douto acórdão recorrido.”

4. Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, igualmente, pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), visando, no caso, o reexame de direito.

Este Tribunal é, assim, chamado a apreciar e decidir sobre:

⎯ Eventual nulidade do acórdão por falta de fundamentação, nos termos do artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP;

- Valoração das declarações de co-arguido, em violação do disposto no art. 345.º, n.º 4, do Código Processo Penal;

- Violação do princípio in dubio pro reo – inconstitucionalidade;

⎯ Medida da pena de prisão aplicada e a modalidade de cumprimento, no pressuposto de ser outra a qualificação jurídica dos factos, pena que entende dever ser suspensa na sua execução.

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

1. Os factos:

“1. No dia 28 de fevereiro de 2020, pelas 09:00 horas, a arguida AA dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional de ... com o intuito de visitar o arguido BB, levando consigo 1 (uma) embalagem de formato oval, vulgarmente designada por bolota, contendo no seu interior canábis (resina) e 2 (dois) embrulhos de plástico, contendo no seu interior MDMA, que o mesmo lhe tinha solicitado para o próprio e para outros reclusos.

2. No decurso da aludida visita, a arguida AA entregou ao arguido BB as supra descritas embalagens, que o mesmo colocou no interior dos boxers que trazia vestidos.

3. Após o termo da visita, cerca das 10:00 horas, o arguido BB foi sujeito a revista pelos guardas prisionais CC e DD.

4. Nessas circunstâncias de tempo e de lugar o arguido BB detinha na sua posse, oculto no interior dos boxers, junto ao órgão genital:

- 1 (uma) embalagem de formato oval, vulgarmente designada por bolota, contendo no seu interior produto vegetal prensado, correspondente a canábis em resina, com o peso líquido de pelo menos 9,373 gramas, com grau de pureza de 34,1%, suficiente para 63 (sessenta e três) doses e;

- 2 (dois) embrulhos de plástico, contendo no seu interior uma substância de cor acinzentada, correspondente a MDMA, com o peso líquido de pelo menos 57,935 gramas, com grau de pureza de 77,8%, suficiente para 450 (quatrocentos e cinquenta) doses.

5. O arguido BB destinava o produto estupefaciente apreendido ao seu consumo e à cedência a terceiros reclusos, bem conhecendo das características das substâncias em causa, designadamente a sua natureza estupefaciente.

6. De igual forma, a arguida AA conhecia as características das substâncias apreendidas, designadamente a sua natureza estupefaciente, bem sabendo que não lhe era permitido transportar para o interior daquele Estabelecimento Prisional, as mesmas, de molde a cedê-las ao arguido BB que aí se encontrava recluso e em cumprimento de pena, o que logrou.

7. Sabiam ambos os arguidos que não lhes era permitido deter, ceder, vender ou comprar tal produto, ainda que para consumo próprio, mais sabendo que ao agirem da forma descrita, transportando e detendo no interior do Estabelecimento Prisional de ... os 10,5 gramas de cannabis (resina) e os 59,8 gramas de MDMA, para posterior venda ou cedência a reclusos, estavam a colocar em crise a reabilitação e ressocialização daqueles, frustrando assim as finalidades subjacentes à aplicação e cumprimento de uma pena de prisão.

8. Agiram sempre os arguidos, em comunhão de esforços e intentos, de forma livre e voluntária e com inteira consciência da censurabilidade e proibição das suas condutas.

[…]

26. A arguida AA tem antecedentes criminais:

a) Por decisão transitada em julgado em 25/2/2021, foi a arguida condenada pela prática, em 18/5/2018, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período.

27. A arguida cresceu num agregado composto pelos pais e por dois irmãos mais novos.

28. O pai desenvolveu atividade laboral como pintor da construção civil e a mãe trabalhava como empregada de limpezas, o que permitiu à família alcançar alguma estabilidade socioeconómica.

29. AA iniciou a escolaridade em idade adequada, cujo percurso viria a ser assinalado por várias retenções.

30. Concluído o 6.º ano de escolaridade e atraída pela possibilidade de adquirir autonomia económica, começou a trabalhar com 16 anos como ajudante de ..., atividade que terá mantido cerca de três anos, seguindo-se trabalhos sem carácter regular.

31. Aos 22 anos de idade registou ainda uma experiência de trabalho na ... durante cerca de 18 meses como empregada de balcão.

32. Regressada a Portugal integrou-se numa empresa de limpezas pelo período de três anos. 33. Encontra-se desempregada desde 20/05/2019.

34. Após lhe ter sido concedido subsídio de desemprego no valor de 370,00€ mensais e o mesmo ter chegado a termo, desde 01/11/2019 foi-lhe deferido o Rendimento Social de Inserção no valor mensal de 224,49€.

35. A arguida tem uma filha, nascida em .../.../2012, com quem reside.

2. O direito

a. Sobre a falta de fundamentação do acórdão recorrido

Alega a arguida que o acórdão “não especifica como é sua obrigação, não faz nenhuma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e para condenar o arguido, conforme exige o artigo 374.º n.º2 do CPP.”

Vejamos. Em sede de motivação de facto, afirma-se no acórdão:

“A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos ou analisados em audiência de julgamento.

O arguido prestou declarações, confessando os pontos 4) e 5) da matéria dada como provada, mas negando que tivesse sido a arguida AA a entregar-lhe os produtos apreendidos. O arguido referiu que cerca de dez minutos antes de a visita da arguida AA acabar, verificou a presença de algo no chão. Nessa medida, no final da visita, deslocou-se ao local onde viu o objecto caído, na sala de visitas, tendo-se dobrado a apanhar o invólucro em que o produto estupefaciente foi apreendido, que colocou nos boxers.

A justificação apresentada pelo arguido não se mostrou coerente nem compatível com as regras de experiência comum, não sendo crível, por um lado, que exista produto estupefaciente “perdido” na sala de visitas durante cerca de dez minutos, sem que ninguém disso se aperceba imediatamente.

Por outro lado, não é igualmente credível que o arguido conseguisse, no final da visita e quando os guardas se preparam para efectuar revistas, colocar o produto estupefaciente dentro das suas boxers sem que disso ninguém se apercebesse.

Por seu turno, as testemunhas CC e DD depuseram de forma credível e objectiva, tendo a testemunha CC referido ter efectuado uma revista aleatória, no âmbito da qual se verificou que o arguido transportava o produto estupefaciente apreendido dentro das boxers.

A aludida testemunha referiu que o arguido tinha dois boxers vestidos no momento em que foi revistado, sendo certo que o próprio arguido mencionou envergar uns boxers, uns calções e umas calças no momento em que foi revistado. Tal elemento serviu para reforçar a convicção do Tribunal de que entre o arguido e a arguida existiu um acordo prévio no sentido do transporte do produto para o Estabelecimento Prisional, o que determinou que o arguido tivesse vestido tal tipo de indumentária, previamente, para facilitar o encobrimento do produto perante os guardas prisionais.

O argumento do arguido – de que ia jogar futebol no final da manhã, o que o levou a vestir os boxers – não colheu, atendendo a toda a prova que foi produzida, concatenada com as regras de experiência comum e com a ausência de prova concludente do propalado pelo arguido.

O próprio arguido referiu que ele e a arguida deram as mãos, beijos na boca e trocaram abraços e toques, havendo, por isso, espaço e tempo para a passagem do produto.

O Tribunal concluiu pela prova dos factos constantes dos pontos 1) e 2) na medida em que o arguido declarou que apenas recebeu a visita da arguida, com quem manteve o comportamento físico supra enunciado e tendo ainda presente a análise do documento constante de fls. 43, onde constam as visitas recebidas pelo arguido.

Tal facto foi ainda confirmado pela testemunha DD, sendo certo que da análise do referido documento resulta que apenas a arguida visitou o arguido no período dos factos.

O facto de o arguido destinar o produto ao seu consumo – como referido pelo arguido, era consumidor de haxixe – foi dado como provado pelas declarações do arguido, resultando das regras de experiência comum que o arguido não poderia destinar a totalidade dos produtos por si detidos ao seu consumo. Na verdade, o elevado número de doses apreendidas – no total de 513 – não permite concluir que o arguido destinasse todo o produto ao seu consumo exclusivo, não sendo crível que o arguido pretendesse deitar fora o MDMA que lhe foi apreendido, conforme por si descrito ao Tribunal.

Nessa medida, o Tribunal entende que, por um lado, o arguido não teria forma de proceder à aquisição de tanta quantidade de produto se não o destinasse à cedência a terceiros, não sendo possível – e não tendo, de resto, tal sido defendido pelo arguido – que o arguido viesse a consumir a totalidade das doses apreendidas.

O Tribunal considerou ainda o auto de apreensão de fls. 24, estando a quantidade e qualidade de estupefacientes apreendido descrita no relatório pericial de fls. 75 e 80.

Quanto às condições sócio-económicas dos arguidos, o Tribunal atentou nas declarações prestadas pelo arguido a esse propósito [dado que a arguida não compareceu em audiência], bem como nos relatórios sociais constantes dos autos.

A matéria relativa aos antecedentes criminais está certificada nos autos.

Os elementos subjectivos do tipo foram dados como provados com base na análise da matéria objectiva apurada, aliada às regras de experiência comum.

No que respeita à demais factualidade não provada, o Tribunal considerou que a prova produzida não foi suficiente para suportar os factos imputados aos arguidos na acusação, dado que não foi possível apurar se a arguida adquiriu o produto estupefaciente entregue ao arguido ou se este chegou à sua posse por qualquer outra via.”

A fundamentação da matéria de facto “consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (n,º 2, do art. 374.º do CPP).

No caso, entende a arguida que não se encontra, no acórdão recorrido, motivação de facto, com indicação e exame crítico da prova que suportou a convicção do Tribunal.

A ocorrer, tal vício importaria a nulidade da sentença, cominada na al. a), do n.º 1, do art. 379.º.

Como se vê, da transcrição supra, a aludida falta de fundamentação, manifestamente, não se verifica, exibindo o texto da decisão a indicação de todas as provas produzidas que, em conjugação com as, aí invocadas, regras de experiência comum, permitiram ao Tribunal alcançar a sua convicção quanto aos factos que respeitam à arguida e a respetiva responsabilidade criminal. Bem como descreve o acórdão a valoração que realizou quanto a cada uma das provas, a relação que entre elas estabeleceu e o processo de formação da convicção a que chegou.

No ensinamento, expresso lapidarmente, no Ac. deste Tribunal, de 13.10.19921, a fundamentação relativa à matéria de facto “deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência”.

Como vimos, revela-se, no texto da decisão em causa, o raciocínio do julgador na apreciação crítica das provas indicadas, de modo a permitir o escrutínio pelas partes da motivação do tribunal, por via da sua impugnação.

Não se verifica, pois, a nulidade arguida.

b. Da valoração das declarações do co-arguido

Invoca, ainda, a recorrente ter ocorrido violação do n.º4, do art. 345.º, do CPP, por, segundo o seu entendimento, terem sido valoradas as declarações do co-arguido em prejuízo da arguida que optara pelo direito ao silêncio.

Dispõe o n.º 4 do art. 345.º CPP:

“Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.os 1 e 2.”

Ou seja, é vedada a valoração das declarações

- De um co-arguido;

- Em prejuízo de outro co-arguido;

- Se o primeiro (o declarante) se recusar a responder ao contraditório, inviabilizando-o.

Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque2: “Se as declarações de co-arguido, em determinadas circunstâncias, não podem ser valoradas contra outro co-arguido, então isso só pode significar que, em geral, são meio de prova admissível, dado que a valoração corresponde a um patamar do procedimento probatório sucessivo ao da admissibilidade. Segue-se a decisão sobre o valor probatório a atribuir a esses depoimentos.”

No Acórdão deste Tribunal, de 04.11.20093, a natureza e a desnecessidade legal de corroboração dessa prova são tratadas nos seguintes termos, a que aderimos e que constituem jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça:

“Entre nós não se englobam as declarações do co-arguido nas proibições de prova nos art.ºs 125.º e 126.º, do CPP, por isso que, posto que o tribunal dever estar atento às naturais limitações resultantes da posição do co-arguido, atenta a sua posição de interessado, na valoração da informação que lhe é prestada, à luz das regras da experiência e da livre convicção probatória, não resultando da lei e nem do seu espírito que essa prova carece de ser corroborada por outra, como que se padecesse, “ab initio e ad semper“ do estigma de uma natural fraqueza, necessariamente de ancorar-se noutra .

A lei não introduz qualquer nota de desconfiança, de prova menor, à valoração de tal meio de prova.

Igualmente do art.º 133.º, do CPP, apenas resulta a proibição de os arguidos serem ouvidos como testemunhas uns dos outros, querendo o legislador, apenas, subtraí-los à probabilidade de incorrem em perjúrio, à margem da regra da imposição da regra da corroboração.

Esta nos parece ser a linha evolutiva deste STJ, como se depreende dos Acs . deste STJ, de 13.6.93, P.º n.º 44347, de 4.5.94, P.º n.º 44383 e 30.5.96, P.º n.º 498/06, embora se não desconheça entendimento diverso .

Todavia as declarações de um co-arguido contra outro hão-de reger-se pelos mesmos critérios emergentes do art.º 127 .º, do CPP, de investigação, rumo à descoberta da verdade material, de livre apreciação, contradição e com plena extensão do princípio “ in dubio pro reo “ –cfr. Ac. deste S TJ, de 3.9.2008, P.º n.º 2044/08, da 3 .ª Sec. -, naturalmente que requerendo a sua apreciação e valoração atenção redobrada, mas daí até exigir-se um esteio probatório exterior àquela declaração para não cair por terra, sem qualquer valia, vai uma exigência sem apoio legal.

(…) Donde ser infundada a crítica de que se está perante uma prova viciada, que inquina a que demais nela se apoiou e, muito especialmente, a responsabilidade criminal do arguido, a quem é oponível.”

No Ac. do Tribunal Constitucional n.º 133/2010, de 14.04.2010, a questão foi, assim, apreciada:

“A proibição de valoração atinge, apenas, as declarações não sujeitas a contraditório prestadas por um co-arguido. “em prejuízo de outro co-arguido”, não se dirigindo às que comportem um sentido favorável ao arguido a quem se refere.

No acórdão n.º 524/97, disponível, como os demais citados em www.tribunalconstitucional.pt, o Tribunal julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República, a norma extraída com referência aos artigos 133.º, 343.º e 345.º do Código de Processo Penal, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido, em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias destoutro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio.

Não se negou valor probatório às declarações do co-arguido. O que motivou o julgamento de inconstitucionalidade foi a violação do contraditório, não a falta ou deficiência de aptidão probatória de tais declarações. Apenas se afastaram em função do seu modo de produção, considerando-se contrário às garantias do arguido em processo penal que o arguido não possa contraditar toda a prova contra si produzida, como sucede quando o co-arguido se recusa a responder, no exercício do seu direito ao silêncio, às perguntas que a defesa do arguido prejudicado pelas suas declarações anteriores entende colocar-lhe. Note-se que a redacção do n.º 4 do artigo 345.º do Código, introduzido pela Lei n.º 48/2007, reflecte já este julgamento e foi este que foi aplicado ao caso. (…)

De modo algum, a circunstância de as declarações de um dos arguidos poderem ser valoradas contra os demais afecta a livre decisão destes de optarem pelo silêncio. (…)

Seguramente que, submetidas a estas exigências de exame crítico e fundamentação acrescidas, as declarações do co-arguido são meio probatório idóneo de um processo penal de uma sociedade democrática. O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à realidade.

Decisivo é que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas valer não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório, como resulta do acórdão n.º 194/97(…).”

Como se constata da leitura do acórdão, as declarações do co-arguido, admissíveis e valoradas pelo Tribunal, não resultaram em prejuízo da arguida.

Com efeito, com relevância para o apuramento da conduta da recorrente, foram valorados os seguintes segmentos das aludidas declarações:

- “negando que tivesse sido a arguida AA a entregar-lhe os produtos apreendidos. O arguido referiu que cerca de dez minutos antes de a visita da arguida AA acabar, verificou a presença de algo no chão. Nessa medida, no final da visita, deslocou-se ao local onde viu o objecto caído, na sala de visitas, tendo-se dobrado a apanhar o invólucro em que o produto estupefaciente foi apreendido, que colocou nos boxers”;

- “O próprio arguido referiu que ele e a arguida deram as mãos, beijos na boca e trocaram abraços e toques, havendo, por isso, espaço e tempo para a passagem do produto”;

- “O Tribunal concluiu pela prova dos factos constantes dos pontos 1) e 2) na medida em que o arguido declarou que apenas recebeu a visita da arguida, com quem manteve o comportamento físico supra enunciado e tendo ainda presente a análise do documento constante de fls. 43, onde constam as visitas recebidas pelo arguido.”

O 1.º excerto da motivação da matéria de facto dada como provada revela a expressa negação, pelo co-arguido, da participação da arguida na prática do ato ilícito.

O 2.º trecho exprime uma circunstância própria do co-arguido, seguramente visível por todos, que, podendo proporcionar a prática do facto punível, não é prova direta do mesmo;

Por fim, o último segmento das declarações levado à motivação é corroborado pelo documento oficial das visitas diárias de cada recluso, sendo, por isso, redundante.

E, determinante na verificação das condições de valoração, tais declarações foram sujeitas a contraditório, não se recusando o declarante a responder aos pedidos de esclarecimento efetuados pela defesa da co-arguida e pelo Tribunal.

Não se verifica, no caso, qualquer vício (que nunca constituiria, aliás, proibição de prova – art. 126.º do CPP) que justificasse sanação, tendo a prova em causa sido bem admitida e valorada.

c. Da violação do princípio in dubio pro reo

Alega a recorrente que, perante a falta ou insuficiência de prova que diz existir, o tribunal devia ter respeitado o princípio in dúbio pro reo.

Nos poderes de cognição deste Tribunal quanto à prova e ao respetivo exame crítico, cabe, tão só, a apreciação da verificação de algum dos vícios do n.º 2, do art. 410.º do CPP, que resulte do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

O vício de insuficiência da matéria de facto verifica-se quando os factos dados como provados se revelam insuficientes para justificar a decisão de direito, ou seja, para a subsunção na norma incriminadora. Ao invés do que parece ser pretendido pela arguida, o vício não compreende a insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto4.

Ora, os factos dados como provados permitem a aplicação do direito penal aos factos, no que à responsabilidade da arguida respeita, ajustando-se à condenação pela prática de 1 crime de crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 24.º, com referência ao n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

É, apenas, dessa análise que se há-de concluir pela violação destes princípios relativos à prova, sem reapreciação da matéria de facto, mostrando-se vedado o conhecimento da pertinência da ausência de dúvida face à prova produzida (no caso do in dúbio pro reo) ou se a apreciação da prova, livre, mas necessariamente vinculada a critérios objetivos, se revela ancorada em razões subjetivas, emocionais e não motiváveis (quanto ao princípio da livre apreciação da prova)5.

A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido. 6

“Na verdade, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, mas é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio.”

Daqui se retira que a sua preterição exige que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, na dúvida, tenha decidido desfavoravelmente ao arguido.

Podendo as instâncias tirar conclusões ou ilações da matéria de facto diretamente provada que constituem, em si mesmas, matéria de facto que escapa à censura deste tribunal, não é possível alcançar, face ao texto da decisão, qualquer estado de dúvida do julgador.

No que tange à violação do princípio da livre apreciação da prova, relembramos o ensinamento de Figueiredo Dias 7: “Em princípio não pode de modo algum querer apontar para essa apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária tem evidentemente esta discricionariedade os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma verdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada “verdade material” de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo (…)”.

Ora, como se alcança do Acórdão recorrido, a apreciação da prova não assenta em juízos subjetivos, mas na sua conjugação com as regras de experiência comum.

Procedeu-se ao exame das provas de modo transparente e objetivo, desvelando o próprio processo de decisão.

O recurso, nesta parte, visa uma verdadeira reapreciação da prova, por legítima, mas extemporânea divergência.

Em conclusão, do teor do Acórdão recorrido, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, não resulta qualquer vício, ou inconstitucionalidade, cuja sanação ou declaração se revele necessária à boa aplicação do direito.

Razão pela qual deverá improceder, nesta parte, o recurso.

d. Da medida da pena

Nos termos do artigo 40.º, do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Por aplicação das normas constitucionais convocáveis (artigo 27.º, n.º 2 e 18.º, n.ºs 2 e 3), a determinação e escolha da pena privativa da liberdade regem-se pelo princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso e pelos respetivos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva8.

A aplicação da pena tem como pressuposto que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito, sendo o grau da culpa o limite da pena (artigo 40.º, n.º 2).

O artigo 71.º, no n.º 2, do Código Penal, enumera, de modo não taxativo, fatores que conformam a determinação da medida da pena que se referem à execução do facto (“o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência”, “os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram”), à personalidade do agente (“As condições pessoais do agente e a sua situação económica”, “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”) e outros relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (“A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime”)9.

Sendo a finalidade da pena a proteção de um bem jurídico e, sempre que possível, a reintegração social do agente e não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, a medida da pena corresponderá à medida necessária de tutela do bem jurídico sem ultrapassar a medida da culpa10.

Do acórdão recorrido, retira-se, no que respeita à determinação da pena em que a arguida foi condenada:

“Está provado que no dia 28/2/2020, a arguida AA entregou ao arguido BB, durante uma visita que fez ao Estabelecimento Prisional onde aquele se encontrava recluso, 1 bolota de haxixe e dois embrulhos com MDMA, correspondentes a 63 doses de haxixe e a 450 doses de MDMA, destinando-se tais produtos ao consumo e à cedência a terceiros.

Tais factos foram praticados num estabelecimento prisional, com o intuito de o arguido BB vir a consumir e a ceder a terceiros 513 doses de produto estupefaciente.

Quer a quantidade de estupefaciente, susceptível de ser disseminada por uma pluralidade significativa de reclusos, quer o modo expedito como o arguido dissimulou no seu corpo tal quantidade levam a crer, sem qualquer dúvida, que a conduta dos arguidos é enquadrável na alínea h) do artigo 24.º, razão pela qual importa concluir que ambos praticaram o crime pelo qual vinham acusados. (…)

Aplicando esta teoria ao caso concreto, entende o Tribunal ter ficado demonstrado que a actuação dos arguidos foi concertada e que todos tinham a possibilidade de evitar o resultado danoso, dado que foi a arguida quem trouxe o produto estupefaciente para entrega ao arguido recluso que o disseminaria pelos demais reclusos, razão pela qual resta concluir que ambos praticaram o crime de que vinham acusados, em co-autoria material.

IV. Da medida concreta da pena:

Feito pela forma supra descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora determinar a natureza e medida das sanções a aplicar. (…)

Assim, importa proceder à ponderação dos factores relevantes para a determinação da medida concreta da pena, à luz do n.º 2 do artigo 71.º, devendo ser atendidas as seguintes circunstâncias concretas quanto a todos os arguidos:

- A intensidade do dolo – directo;

- As necessidades de prevenção geral, que são elevadíssimas – como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 2004, «nos tráficos de droga, quer pelo perigo que produzem para eminentes bens jurídico-pessoais, quer pela danosidade social que lhes está associada, e que provoca uma forte atitude comunitária de rejeição, as exigências de prevenção geral são intensamente determinantes, para protecção dos valores que são afectados e para apaziguamento dos sentimentos dos cidadãos e reposição e reforço da confiança na integridade das normas e dos valores que protegem, pelo que tais valores fundamentais são fortemente abalados por atitudes como as supra descritas sendo necessário restaurar a confiança societária na validade da norma. (…)

No que respeita à arguida AA, há que considerar:

- A ilicitude dos factos é média, atendendo ao tipo legal, tendo em conta a qualidade de estupefacientes [haxixe], mas sendo de relevar a quantidade em causa [que permitia obter 513 doses];

- As condições pessoais da arguida e a sua situação social – encontra-se familiarmente integrada na comunidade;

- O comportamento da arguida – à data não tinha antecedentes criminais, tendo, contudo, sido condenada posteriormente pela prática, em 2018, de um crime de idêntica natureza.

Uma vez feita esta balizagem, adiante-se que a moldura penal prevista para o crime cometido é de pena de cinco a quinze anos de prisão.

Atenta tal moldura penal, entende este Tribunal que ponderando conjuntamente as circunstâncias atrás referidas, as políticas de reinserção social e as exigências de prevenção quanto à prática de futuros crimes, tem-se por adequado aplicar à arguida a pena de cinco anos e seis meses de prisão.”

De modo sucinto, a decisão recorrida pondera, com correção, todos os elementos legalmente relevantes para a escolha e determinação da pena.

Considerando a moldura penal, de 5 a 15 anos de prisão, a pena aplicada situa-se no seu limiar mínimo.

Regista-se que a arguida foi condenada, antes de ser proferido o acórdão em apreço, por factos de idêntica natureza, praticados em 2018 (cerca de 2 anos antes dos factos dos autos).

Não se descortina, pois, razão que justifique intervenção corretiva na pena e, menos ainda, que tal alteração fosse acompanhada de aplicação de pena de substituição (dada a manifesta impossibilidade de realizar um juízo de prognose favorável a que esta pudesse afastar a arguida da prática do crime).

A medida da pena corresponde ao grau de culpa, não merecendo divergência.

Não se verificando, pelo exposto, motivo que permita identificar violação do disposto nos artigos 40º., 70º. e 71º, todos do Código Penal.

Improcede, assim, a petição de redução da pena

III. DECISÃO:

Nestes termos, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, decide:

a) indeferir as nulidades, inconstitucionalidades e outros vícios arguidos pela recorrente;

b) negar provimento ao recurso quanto à medida da pena que se mantêm, confirmando-se, a decisão recorrida.

Custas pela recorrente – art. 513º n.º 1 do CPP - fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs – art. 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 21.02.2024

Teresa de Almeida (Relatora)

Maria do Carmo Siva Dias (1.ª Adjunta)

Teresa Féria (2.ª Adjunta)

______


1. CJ, XVII, pág. I36.

2. Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5.ª edição atualizada, 2023, Universidade Católica Editora, Vol. II, págs. 362-363.

3. No Proc. n.º 97/06.0JRLSB.S1, Rel. Armindo Monteiro.

4. Cfr., entre outros, Acs. deste Tribunal de 12.09.2018, no Proc. n.º 28/16.9PTCTB.C1, de 07.04.2010, Proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, de 06.04.2000, in BMJ n.º 496, pág. 169 e de 13.01.1999, in BMJ n.º 483, pág. 49.

5. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 521/2018, de 17.10, Processo n.º 321/2018

6. Acórdão deste tribunal, de 5.7.2007, no proc. 07P2279.

7. Direito Processual Penal, I Volume, Coimbra Editora, 1974, pág. 203 e segs,

8. Cfr. acórdão deste Tribunal, 3.ª Secção, de 3.11.21, no proc. n.º 875/19.0PKLSB.L1.S1, e Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º.

9. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª Edição, 2022, pag.57.

10. Maria João Antunes, Ob. Cit., pag.55, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp. Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357.