Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ARAÚJO BARROS | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA MORA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO PERDA DE INTERESSE DO CREDOR ÓNUS DA PROVA PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES INCUMPRIMENTO PARCIAL RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | SJ200312180036977 | ||
Data do Acordão: | 12/18/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 355/03 | ||
Data: | 04/03/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | 1. A interpelação/notificação admonitória, para que possa produzir o efeito previsto no art. 808º, nº 1, do C.Civil (conversão da mora em incumprimento definitivo) tem que se traduzir numa intimação para o cumprimento, dentro de um prazo razoável em vista dessa finalidade, e em termos de directamente deixar transparecer a intenção do credor de ter a obrigação como definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. 2. Uma carta do promitente vendedor dirigida a uma pluralidade de promitentes compradores, entre os quais o demandado, a avisá-los das obrigações decorrentes dos contratos-promessa outorgados e a solicitar a regularização dos débitos em falta, não pode ser considerada como interpelação admonitória. 3. Para que se tenha por demonstrada a falta de interesse do credor na prestação (art. 808º do C.Civil) não basta o juízo valorativo arbitrário do próprio credor, antes aquela há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz). 4. Além disso, a perda do interesse que o credor tinha na prestação, que há-de resultar da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância, tem que ser efectiva, não relevando uma simples diminuição de tal interesse. 5. Em todo o caso, revestindo a perda do interesse do credor na prestação a natureza de facto constitutivo do direito que se arroga de proceder, com tal fundamento, à resolução do contrato, é àquele que, nos termos do art. 342º, nº 1, do C.Civil), incumbe alegar e provar os factos com base nos quais há-de ser objectivamente apreciada a situação concreta de falta daquele interesse. 6. Não é pelo simples decurso de um período mais ou menos dilatado de tempo sem que o contrato definitivo haja sido celebrado (in casu, cerca de 14 anos) que pode concluir-se pela existência objectiva de perda do interesse do promitente vendedor na sua celebração. 7. Embora clausuladas no contrato-promessa, as prestações do preço da venda a pagar antes da celebração do contrato prometido, não deixam de ser prestações próprias e típicas deste último que se não inserem no sinalagma típico daquele contrato-promessa, assumindo a natureza de obrigações secundárias ou acessórias, pelo que, quando deixem de ser cumpridas, não se segue, necessariamente, o direito à resolução do contrato-promessa, apesar de o incumprimento ter sido precedido de interpelação cominatória do credor. 8. Não estando em causa a obrigação principal, há que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato (no todo contratado), em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a sua conclusão. 9. Se, no contrato-promessa foi fixado para o negócio prometido o preço de 220.000$00, e a promitente vendedora deixou de pagar prestações do valor global de 29.000$00, representativas de pouco mais de 10% do preço convencionado para o contrato prometido, esse incumprimento parcial traduz um escasso incumprimento, insusceptível, em face do art. 802º, nº 2, do C.Civil e tendo presentes um critério objectivo e o princípio da boa fé no cumprimento dos contratos (art. 762º, nº 2, do C.Civil), de fundamentar o direito de resolução do contrato-promessa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou, no Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, acção declarativa sob a forma ordinária contra B, pedindo a condenação do réu a outorgar escritura relativa a contrato promessa, celebrado entre ambos, tendo por objecto a compra pela autora de quatro parcelas de terreno àquele pertencentes. Contestou o réu alegando o incumprimento, por parte da autora, da aludida promessa, concluindo pela improcedência da acção. Em reconvenção peticionou se declare válida a resolução daquele contrato-promessa por si operada com a consequente restituição das parcelas em causa, fazendo o réu suas as importâncias entregues a título de sinal. Seguindo o processo seus trâmites legais, após julgamento, foi proferida sentença, na qual, considerando-se improcedente a acção e procedente a reconvenção, se absolveu o réu do pedido, declarando-se, com as respectivas consequências, válida e eficaz a resolução do contrato sub judice, com todas as consequências legais, designadamente a obrigação de restituição das parcelas de terreno, livres e devolutas, e o direito de o reconvinte fazer suas as importâncias já entregues a título de sinal e antecipação de pagamento. Inconformada apelou a autora, com parcial êxito, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 3 de Abril de 2003, concedeu, em parte, provimento ao recurso, alterando a decisão recorrida, e julgou improcedente a reconvenção absolvendo a autora do pedido reconvencional deduzido. Interpôs, desta feita, o réu recurso de revista pretendendo a revogação do acórdão impugnado, com a manutenção do decidido na 1ª instância. Em contra-alegações bateu-se a recorrida pela confirmação do julgado. Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos legais, cumpre decidir. O recorrente findou as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 2. Decidiu, ainda, não existir, objectivamente, perda do interesse do recorrente na prestação da recorrida. 3. Quanto à questão da interpelação admonitória a decisão ora recorrida não teve em consideração os factos provados em 1ª instância, pois dos artigos 13º e 14º da matéria de facto dada como provada, resultou que o ora recorrente, por carta enviada à recorrida em 1979, solicitou à mesma o pagamento das quantias em dívida, sendo certo que esta nunca os efectuou. 4. A referida carta constitui a interpelação admonitória que o art. 808º, nº 1, do C.Civil prevê e exige para que se considere existir incumprimento definitivo. 5. O acórdão recorrido não apreciou devidamente a matéria de facto dada como provada em 1ª instância, tendo decidido em contradição com a mesma, violando consequentemente os arts. 432º, 436º e 808º, nº 1, do C.Civil. 6. Quanto à perda do interesse na prestação por parte do recorrente, entendeu o acórdão recorrido que não ficou demonstrado que o recorrente tenha perdido objectivamente o interesse na prestação e entendeu que tal prestação era ainda possível. 7. No que respeita à perda do interesse na prestação por parte do credor, neste caso o recorrente, a mesma tem que ser analisada e avaliada objectivamente, não bastando a simples diminuição do interesse do credor, exigindo-se uma perda efectiva desse interesse, isto é, impõe-se uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva. 8. Atentos os factos que resultaram provados nos autos, pensamos que está plenamente comprovada a perda objectiva do interesse do credor na prestação. 9. A recorrida, interpelada em 1979 para efectuar o pagamento do restante valor em dívida, não efectuou tal pagamento, sendo que o recorrente esperou vários anos por esse cumprimento e só cerca de 14 anos depois enviou à recorrida a carta a comunicar-lhe a resolução do contrato, nos termos do art. 436º do C.Civil. 10. Por mais lentidão que se admita, o atraso verificado no pagamento do preço, depois de ter havido interpelação para o efeito, é susceptível de retirar ao credor todo o interesse objectivo na realização do negócio. 11. Tendo em conta o previsto no art. 808º, nº 1, do C.Civil e pelos factos acima apontados e que resultaram provados nos autos, qualquer cidadão há muito que teria perdido todo o interesse na prestação da recorrida. 12. Pensamos que, face às circunstâncias concretas em análise, é impossível subsistir qualquer interesse numa prestação, a qual poderia ter sido cumprida há muito tempo pela recorrida, que não a realizou num prazo razoável, tendo sido para o efeito interpelada, tal como a lei prevê, e tendo o recorrente esperado 14 anos pelo cumprimento da mesma. 13. Também neste ponto o recorrente é forçado a discordar da interpretação que o acórdão recorrido fez da lei, designadamente do art. 808º, nº 2, do C.Civil. 14. O acórdão violou, assim, o preceituado nos arts. 432º, 436º, 801º e 808º do C.Civil. Encontra-se, em definitivo, fixada a seguinte matéria fáctica: i) - por documento particular datado de 05/05/73, autora e réu celebraram um contrato, mediante o qual este prometeu vender à autora e aquela prometeu comprar-lhe quatro parcelas de terreno pertencentes ao prédio denominado Quinta da Ponte e anexos Plano III, em S. João dos Montes, designados pelos n°s ..., ..., ... e ..., pelo preço de 220.000$00; ii) - nesse acto, a autora entregou ao réu a quantia de 20.000$00, como sinal e princípio de pagamento; iii) - obrigando-se a efectuar o pagamento da restante quantia sob a forma de letras, sendo duas no montante de 45.000$00 cada, com vencimento em 15/06/73 e 15/07/73, vinte e três letras, no montante de 4.500$00 cada, com vencimentos mensais e sucessivos de 15/08/73 até 15/06/75; e uma letra, no montante de 6.500$00, com vencimento em 15/07/75; iv) - nos termos do contrato celebrado, a escritura definitiva de compra e venda seria celebrada quando o preço estivesse completamente satisfeito e estivesse em ordem a respectiva documentação; v) - no dia 02/03/93, o réu enviou à autora uma carta registada com aviso de recepção, na qual lhe comunicou que considerava resolvido o contrato-promessa celebrado, com fundamento no incumprimento daquela, por falta de pagamento do preço devido; vi) - até ao montante presente, é o réu quem tem suportado todas as despesas que as parcelas de terreno implicam, nomeadamente com o pagamento de impostos; vii) - até Abril de 1974, a autora procedeu a todos os pagamentos devidos, após receber um postal do réu avisando-a da data do próximo vencimento, conforme havia ficado acordado entre ambos; viii) - tendo a autora recebido o último desses postais em Abril de 1974; ix) - perante o silêncio do réu, a autora enviou-lhe uma carta, questionando-o acerca da data em que seria realizada a escritura definitiva, e pedindo-lhe que tomasse as medidas necessárias para o efeito; x) - em 30/11/84, o réu respondeu à carta da autora, dizendo-lhe não ser possível proceder à outorga das escrituras devido à legislação em vigor e que, logo que tivesse elementos concretos, daria novas informações; xi) - em 16/02/96, a autora enviou ao réu uma carta, conforme fls. 77, cujo teor aqui se reproduz na íntegra; xii) - em 28/02/96, o réu respondeu à autora, informando-a de que não é viável a celebração da alegada escritura, por esta não ter pago pontualmente o preço estabelecido no contrato; xiii) - em 1979, o réu enviou uma carta a todos aqueles a quem havia prometido vender lotes de terreno, incluindo a autora, solicitando-lhes o pagamento das quantias em divida; xiv) a autora, porém, não procedeu ao pagamento dessa quantia, no montante total de 29.000$00, referente às prestações vencidas em Dezembro de 1974 e Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 1975. A única questão de que importa conhecer no âmbito do recurso consiste em determinar se o comportamento da autora/reconvinda face ao contrato-promessa celebrado com o réu/reconvinte justifica legalmente e torna eficaz a sua resolução por este, declarada pela carta de 2 de Março de 1993 (fls. 47). Pela negativa optou o acórdão recorrido, por considerar que, não tendo existido incumprimento definitivo do contrato, não seria o mesmo rescindível nos termos dos arts. 801º, nº 2 e 432º, nº 1, do C.Civil. Afirmativamente havia decidido a sentença da 1ª instância - que o recorrente sustenta dever manter-se - fundamentalmente por ter entendido que a autora incumpriu definitivamente tal contrato. Não vamos debruçar-nos (apenas esta breve referência para situar o caminho a percorrer) sobre o problema de saber se a simples mora do promitente justifica a resolução contratual ou, como largamente se vem defendendo na doutrina e na jurisprudência, tal resolução apenas é compatível com o incumprimento definitivo. Tanto quanto é certo que as decisões proferidas nos autos assentaram no pressuposto de que, em ordem a justificar a resolução do contrato-promessa, é necessário o seu definitivo incumprimento, sendo que esse entendimento não foi posto em causa pelo recorrente. Cumpre, por isso, e em suma, saber se a recorrida deixou de cumprir, em termos de incumprimento definitivo, o contrato-promessa que celebrou com o recorrente. Ora, pode dizer-se que há mora do devedor quando, por motivo que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (art. 804º, nº 2). Analisaremos, em primeiro lugar, a questão atinente à interpelação ou notificação admonitória, poder que a lei confere ao credor de fixar ao devedor, que haja ocorrido em mora, um prazo para além do qual declara já não lhe interessar a prestação. "Este prazo, destinado a conceder ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato (e de não ter, além do mais, que restituir a contraprestação que eventualmente tenha já recebido), tem de ser uma dilação razoável em vista dessa finalidade. E terá de ser fixado, pela mesma razão, em termos de directamente deixar transparecer a intenção do credor". (1) Na verdade, para que possa produzir o efeito previsto no art. 808º, nº 1, do C.Civil (conversão da mora em incumprimento definitivo) "a interpelação/notificação admonitória deve conter três elementos: a) intimação para o cumprimento; b) fixação de um termo peremptório com dilação razoável para o cumprimento; c) cominação de que a obrigação se terá como definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo". (2) De imediato salta à vista - como, aliás, o recorrente refere na conclusão 3ª das sua alegações - que "em 1979, o réu enviou uma carta a todos aqueles a quem havia prometido vender lotes de terreno, incluindo a autora, solicitando-lhes o pagamento das quantias em divida; a autora, porém, não procedeu ao pagamento dessa quantia, no montante total de 29.000$00, referente às prestações vencidas em Dezembro de 1974 e Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 1975" (resposta aos quesitos 11ºe 12º). Celebrado entre autora e réu, em 05/05/73, um contrato-promessa de compra e venda relativo a quatro parcelas de terreno .... pelo preço de 220.000$00, pagando nesse acto, a autora a quantia de 20.000$00, como sinal e princípio de pagamento e obrigando-se a efectuar o pagamento da restante quantia sob a forma de letras, com vencimentos mensais e sucessivos, com início em 15/06/73, convencionou-se que a escritura definitiva de compra e venda seria celebrada quando o preço estivesse completamente satisfeito e estivesse em ordem a respectiva documentação. Sucede que, até Abril de 1974, a autora procedeu a todos os pagamentos devidos, após receber um postal do réu avisando-a da data do próximo vencimento, conforme havia ficado acordado entre ambos, sendo que recebeu o último desses postais em Abril de 1974. Depois de Abril de 1974, a empresa do réu passou por diversas convulsões, tendo a administração sido tomada pelos trabalhadores, foi intervencionada pelo Estado, para, finalmente, em 2 de Maio de 1978, vir a ser desintervencionada (o que terá sido do conhecimento dos vários promitentes que com ele haviam contratado). E foi na sequência desta desintervenção que o réu, em 1979, naturalmente para regularizar os negócios pendentes, enviou uma carta a todos aqueles a quem havia prometido vender lotes de terreno, incluindo a autora, solicitando-lhes o pagamento das quantias em divida. Verdade que a autora não procedeu ao pagamento dessa quantia, no montante total de 29.000$00, referente às prestações vencidas em Dezembro de 1974 e Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 1975. No entanto, não lhe foi fixado qualquer prazo para pagamento de tais quantias, nem mesmo lhe foi patenteada qualquer intenção, da banda do réu, de fazer equivaler o incumprimento das prestações em dívida (a partir de quando ?) à impossibilidade de cumprimento. A natureza da carta mencionada é mais a de uma mera circular (ou comunicado) não individual mas dirigida a uma pluralidade de promitentes, sobretudo a avisá-los das obrigações decorrentes - e ainda por cumprir - dos contratos-promessa outorgados e não a adverti-los de que, se não cumprissem tais obrigações, o contrato seria tido por definitivamente incumprido. Não pode, desta forma, considerar-se que a carta dirigida à autora em 1979 constituiu qualquer interpelação admonitória, pelo que esta, pelo facto de não ter cumprido atempadamente as obrigações a que estava adstrita tão só se constituiu (e manteve) em mora. No que concerne ao segundo aspecto da questão, parece-nos ter também ficado claro que o recorrente não demonstrou ter perdido o interesse na prestação (não apenas na prestação pecuniária da autora mas também na celebração do contrato definitivo), se apreciado tal interesse objectivamente, como decorre do art. 808º, nº 2, do C.Civil. Certo é, desde logo, que "a objectividade do critério (de determinação da perda do interesse do credor na prestação) não significa de forma alguma que se não atenda ao interesse subjectivo do credor, e designadamente a fins visados pelo credor que, não tendo sido integrados no conteúdo do contrato, representam simples motivos em princípio irrelevantes. O que essa objectividade quer significar é, antes, que a importância do interesse afectado pelo incumprimento, aferida embora em função do sujeito, há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz) e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor". (3) Não basta, portanto, que o credor afirme, mesmo convictamente, que já não tem interesse na prestação, antes devendo exigir-se que, em face das circunstâncias, seja averiguado se a perda do interesse corresponde à realidade das coisas. (4) Como bem se afirma no Ac. STJ de 04/05/99 (5) "a perda do interesse susceptível de legitimar a resolução do contrato afere-se em função da utilidade que a prestação teria para o credor, embora atendendo a elementos capazes de serem valorados pelo comum das pessoas, devendo, consequentemente, ser justificada segundo o critério próprio de razoabilidade própria do comum das pessoas". Posto o que "em termos gerais, deverá, em princípio, ser considerada grave e, como tal, susceptível de fundamentar o direito de resolução toda aquela inexecução.... que impossibilite o credor de o aplicar ao uso especial que ele tinha em mira". (7) No dizer de Antunes Varela, "é uma perda absoluta, completa, de interesse na prestação (kein Interesse), traduzida por via de regra no desaparecimento da necessidade que a prestação visava satisfazer. (9) Com efeito, "quando o legislador se refere a uma perda Na verdade, não obstante a referência do nº 2 do art. 808º do C.Civil à apreciação objectiva da perda do interesse do credor na prestação, é indubitável que tal apreciação terá que ser feita em face dos factos alegados e provados por aquele que pretende prevalecer-se do mencionada desinteresse. Perda de interesse que, assim, reveste a natureza de facto constitutivo do direito que o credor se arroga de proceder, com tal fundamento, à resolução do contrato (art. 342º, nº 1, do C.Civil). Posto isto, não é pelo simples decurso de um período mais ou menos dilatado de tempo sem que o contrato definitivo haja sido celebrado (in casu, cerca de 14 anos) que pode concluir-se pela existência objectiva de perda do interesse do promitente vendedor na sua celebração. Poderá, é certo, deduzir-se (mas nem sempre tal acontece) que pelo decurso do tempo ocorrerá um desequilíbrio das prestações que se associam ao sinalagma contratual em termos de deixar de existir a convencionada correspondência entre o preço fixado e o valor da coisa objecto de transmissão. Todavia, será sempre necessário, para uma apreciação objectiva, a efectiva demonstração de que um tal desequilíbrio, determinável por atenção às utilidades que concretamente o credor tiraria da prestação, ocorreu no caso concreto. E isso, como acima se referiu, incumbiria ao autor provar. Na dúvida, portanto, há-de contra ele decidir-se. Perante o quadro factual apurado resulta clara a ausência de demonstração da perda de interesse (objectiva) por parte do réu/reconvinte na celebração do contrato definitivo. Provou-se, na realidade, tão somente que celebrado, em 05/05/73, o contrato-promessa em causa, passou a autora a pagar as letras nas datas de vencimento, após o réu lhe enviar o competente aviso para o fazer (note-se que, não constituindo a remessa do aviso facto relevante para que a autora, se o não recebesse, deixasse de pagar as letras nas datas dos vencimentos, não deixa de constituir uma cláusula acessória do contrato que, por força do princípio da boa fé, deveria ter sido cumprida). Mas a verdade é que, tendo a autora omitido aquele pagamento em relação às prestações vencidas em Dezembro de 1974 e Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 1975, no montante total de 29.000$00, nada lhe foi dito pelo réu até 1979 (admite-se que a abstenção deste tenha ficado a dever-se ao processo convulsivo que o afectou após Abril de 1974, o que, de qualquer modo, não pode significar que tenha agido assim por haver perdido o interesse no cumprimento da promessa). Ademais, apesar de o mesmo réu ter enviado à autora (tal como a todos aqueles a quem havia prometido vender lotes de terreno) uma carta a solicitar o pagamento das quantias em divida, a verdade é que, face ao não pagamento por ela dessa quantia, não tomou qualquer iniciativa, quer para o efectivo recebimento, quer para pôr termo ao negócio. Mas mais ainda, quando, perante o silêncio do réu, a autora lhe enviou a carta de 18/10/84, questionando-o acerca da data em que seria realizada a escritura definitiva e pedindo-lhe que tomasse as medidas necessárias para o efeito, respondeu-lhe este, em 30/11/84, dizendo-lhe não ser possível proceder à outorga das escrituras devido à legislação em vigor e que, logo que tivesse elementos concretos, daria novas informações (assim, não invocando, como poderia ter feito, a falta de pagamento pela autora das quantias em dívida e justificando a não celebração do contrato prometido com uma situação que à citada autora não seria imputável). E só em 1993, sem sequer ter avisado a autora de que, eventualmente, estariam ultrapassados os obstáculos legais que impediam a celebração do contrato definitivo, entendeu remeter-lhe a carta de fls. 47, considerando resolvido o contrato por esta não ter cumprido a sua obrigação de pagamento das prestações devidas, não referindo, minimamente, que havia perdido o interesse no cumprimento. Parece-nos, assim, evidente, que não estão provados nos autos elementos que, apreciados objectivamente, permitam concluir que o réu não tem, neste momento, interesse no cumprimento do contrato-promessa (tanto mais quanto é certo que, entre 1984 e 1993, se não sabe se, mesmo no caso de a autora ter solvido a sua obrigação, o contrato definitivo poderia ter sido celebrado). Que assim não se entendesse - e se tivesse por demonstrada a natureza de interpelação admonitória da carta remetida à autora em 1979 - mesmo então não seria de aceitar, pura e simplesmente, a resolução do contrato-promessa. De facto, o objecto do contrato-promessa, a obrigação principal que o integrava, era, no caso em apreço, a celebração da escritura de compra e venda "quando o preço estiver completamente satisfeito e esteja em ordem a documentação". Tais condições não estavam verificadas no momento em que o réu enviou a carta de 1979. Nem a autora havia pago parte das prestações devidas nem o réu tinha possibilidade de celebrar o contrato definitivo (como se infere, claramente, da carta remetida em 30/11/84, onde este informa "que, de momento, ainda não é possível, devido à legislação em vigor, proceder à outorga das escrituras. Temos feito inúmeras diligências nesse sentido, mas ainda não estão reunidas as condições necessárias. Logo que tenhamos elementos concretos daremos informações"). Ora, a interpelação fundou-se na falta de pagamento de prestações do preço, clausuladas no contrato-promessa. "Trata-se de prestações próprias e típicas do contrato prometido que, relativamente ao contrato-promessa, assumem a natureza de obrigação secundária ou acessória. Quando tal se verifique, isto é, quando deixem de ser cumpridas obrigações ou deveres dessa natureza, não se segue, necessariamente, o direito à resolução". (11) Pressuposto da resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a obrigação "caracterizadora do contrato como sinalagmático". (12) Claro que a gravidade da inexecução pode variar consoante a importância da obrigação violada, importância esta que pode aferir-se, já pelo significado ou posição dessa obrigação no quadro contratual tomado em abstracto, já pelo seu valor no mesmo quadro contratual tomado em concreto. Sempre, porém, que não esteja em causa o incumprimento da obrigação principal, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a respectiva conclusão. Sem perder de vista que qualquer desvio do clausulado representa um incumprimento, não pode deixar de se ter em conta a respectiva repercussão no todo contratado. Assim, a par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando, outras há que surgem como autónomas ou desvinculadas da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que encerram efeitos antecipados do contrato prometido. (13) Essas obrigações não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, razão por que só devem considerar-se fundamento de resolução quando se detecte um vínculo funcional entre o cumprimento dessas prestações e as demais obrigações emergentes do contrato, designadamente a prestar pela contraparte, em termos tais que o incumprimento de umas justifica o ulterior incumprimento das outras. Em suma, só deverão admitir-se como causa legal de resolução os inadimplementos em que se verifique um nexo de instrumentalidade entre as prestações que afectem a evolução da execução contratual pondo em crise a viabilização do seu objectivo final. (14) Ora, in casu, as prestações incumpridas respeitam a uma parte do preço do prometido contrato de compra e venda (que nem mesmo é reforço do sinal) constituindo, por isso, uma daquelas obrigações relativamente às quais, face à mora do devedor, "tem o credor recurso a todos os instrumentos de tutela do respectivo crédito, mas não foi constituído no direito de resolver o contrato bilateral, em que foi prometida a constituição do sinal". (15) Não teria, assim, o réu, ainda que se entendesse (o que, já vimos, não acontece) que a carta enviada à autora em 1979 constituía uma interpelação admonitória, o poder de declarar àquela, eficazmente, a resolução do contrato. Pelo exposto, decide-se: |