Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
369/09.01YFLSB
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ROCHA
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. Encontrando-se as assinaturas dos outorgantes apostas na face do documento, que constituiu a proposta contratual impressa e, no verso, as cláusulas gerais, teriam estas, como vem sendo maioritariamente decidido por este Tribunal, de ter-se por excluídas do contrato singular, tudo se passando como se não existissem, a menos que o aderente queira prevalecer-se das mesmas.
2. E o mesmo se passa relativamente à não entrega ao aderente de um exemplar do contrato, cuja invalidade só pode ser invocada pelo consumidor (nº 4 do art. 7º do DL. nº 359/91, de 21 de Setembro).
3. Não cabe ao tribunal conhecer oficiosamente destas questões.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.
Nos Juízos de Execução da Comarca do Porto, os opoentes AA e BB deduziram a oposição à execução que a exequente Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A., lhes move, alegando que a livrança exequenda, destinada a caucionar um contrato de empréstimo sob a forma de crédito pessoal, cujo teor não lhes foi dado a conhecer, foi preenchida pela exequente sem o consentimento nem o conhecimento dos opoentes, que lhe apôs o montante que entendeu, bem como as respectivas datas de emissão e vencimento.
Concluem, pedindo que seja declarada extinta a execução contra si proposta.

Notificada, a exequente contestou, alegando que os opoentes assinaram o contrato de crédito do qual constava, para além de todas as condições do negócio, todos os elementos de identificação pessoais, fornecidos por aqueles. Foi entregue cópia do contrato aos opoentes, explicando-lhes o seu teor e obrigações dele decorrentes.
Em consequência do incumprimento dos opoentes, a exequente enviou-lhes uma carta, em 26 de Novembro de 2003, dando-lhes conhecimento de que, nessa data, iria proceder à resolução do contrato de crédito e que, obedecendo à cláusula décima do referido contrato, iria ser preenchida a livrança pelo valor de € 18.423,62, com data de vencimento de 28/11/2003. Sem prescindir do alegado, defende que a procedência da nulidade invocada pelos opoentes sempre equivaleria ao exercício de abuso de direito. Com efeito, o contrato de empréstimo foi celebrado em 13 de Dezembro de 2002, tendo os opoentes pago as duas primeiras prestações do acordo. No que tange ao alegado preenchimento abusivo alegou que os opoentes assinaram em branco e com consciência do que estavam a assinar a livrança dada em execução, bem como o respectivo pacto de preenchimento constante da cláusula décima do contrato.

Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida decisão, que julgou improcedente a oposição e determinou o prosseguimento da execução.
Os opoentes recorreram, sem êxito, para o Tribunal da Relação do Porto.

Ainda irresignados, pedem revista, tendo concluído a alegação do recurso pela seguinte forma:
Diz o acórdão revidendo que o recorrente alegou questões novas (quais fossem, a exclusão - tudo se passando como se não existissem - das cláusulas contratuais gerais do contrato de crédito com base no qual foi preenchida a livrança dada à execução e a circunstância de não haver resultado provada a entrega ao recorrente de um exemplar do dito contrato de crédito), por isso que não podia o Tribunal da Relação do Porto delas conhecer;
Salvo o devido respeito e melhor opinião, não é assim, uma vez que, sejam os Juízos de Execução do Porto, seja o Tribunal da Relação do Porto, estavam obrigados a conhecer de tais circunstâncias, por força do disposto no art. 24° do DL. nº 446/85, de 25.10, e por força do disposto no art. 18° do DL. nº 351/91, de 21.08, o que, aliás, de forma expressa, se deixou consignado nas conclusões (6.6 e 6.14) da apelação, preteritamente apresentada pelo recorrente;
Por outro lado, esquece ainda o acórdão revidendo que, de acordo com a lei (maxime, DL. nº 351/91, de 21.08), quem tinha o ónus de alegar e provar que havia entregue um exemplar do contrato ao recorrente era o recorrido e não o recorrente provar a sua não entrega (vd., entre outros, arts. 6°, n°1 e 7°, nº1 e nº 4 do dito DL n° 351/ 91, de 21.08) - circunstância esta que também expressamente se havia deixado consignada nas conclusões (6.9 a 6.13) da apelação, oportunamente apresentada pelo recorrente;
A livrança dada à execução foi preenchida (seja de acordo com a fundamentação da sentença proferida em primeira instância, seja de acordo com os factos dados como provados no âmbito dos presentes autos) em conformidade com as cláusulas contratuais gerais dos contratos juntos aos autos a fls. 42 e 43 (intitulados de contrato de crédito pessoal Banif e proposta de crédito pessoal Banif);
Ora, o documento que corporiza o dito contrato de crédito pessoal Banif (e com base em cujas cláusulas contratuais gerais foi preenchida a livrança dada à execução) é objectivamente um impresso em cuja face consta a identificação da mutuante, com espaços destinados a serem preenchidos, como foram, com a identificação dos mutuários, a «caracterização», o «seguro de vida», o(s) avalista(s), a data e as assinaturas dos outorgantes (mutuante e mutuários), constando do respectivo verso as "Cláusulas Contratuais Gerais", sem qualquer espaço preenchível ou assinatura;
Mais resulta de tal documento (essencial para afirmar a exequibilidade da livrança dada à execução, nos termos da própria sentença revidenda) não ser feita qualquer alusão à circunstância de as «cláusulas contratuais gerais) se encontrarem no verso do impresso;
Por isso que, salvo o devido respeito e melhor opinião, parece ser seguro concluir que estamos perante um contrato de adesão e de cláusulas contratuais gerais, porque previamente elaboradas pelo mutuante, sem prévia negociação individual, que os aderentes se limitam a aceitar ou rejeitar em bloco (art. 1° do DL. nº 466/85, de 25/10);
Do que resulta ser-lhe aplicável o regime do DL. nº 446/85, nomeadamente o seu art. 8°/ d), segundo o qual «consideram-se excluídas dos contratos singulares, as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes;
Encontrando-se, como sucede neste caso, as assinaturas dos outorgantes no contrato na face do documento que constituiu a proposta contratual impressa e encontrando-se no verso as cláusulas gerais, têm estas de ter-se por excluídas do contrato singular, tudo se passando como se não existissem (vd., neste sentido, Acs. STJ de 27/02/2004, 07/03/2006, 06/02/2007 e 06/03/2008, disponíveis em www.dgsi.pt, sendo que o Tribunal recorrido deveria ter apreciado oficiosamente a nulidade ora invocada - cfr. art. 24°, DL. nº 446/85, de 25.10 -o que se alega para todos os devidos e legais efeitos);
Ora, havendo a livrança dada à execução sido preenchida com base no teor de tais cláusulas contratuais gerais, da circunstância de estas se terem por inexistentes resulta a inexequibilidade da mesma livrança - o que, salvo o devido respeito e melhor opinião, inquina a validade da execução intentada com base na mesma;
Por outro lado, ao contrato celebrado entre oponentes e oposto aplica-se ainda a disciplina jurídica resultante do DL. nº 359/91, de 21.9 - cfr. art. 2°, nº1, a);
Tal diploma prevê, no seu art. 6°, os requisitos a que deve obedecer tal contrato, estabelecendo no seu nº1 - O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura;
Nos termos do artigo 7° mesmo diploma legal, o contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no nº1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do nº 2, nas alíneas a) a e) do nº 3 e no nº 4 do artigo anterior. O contrato de crédito é anulável quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas b), e), f) e h) do nº 2 do artigo anterior;
Dispõe o nº 4° deste artigo que a inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor.
No caso dos autos foi expressamente elaborado um quesito (3º da Base Instrut6ria) no qual se perguntava se o funcionário do exequente que tratou com os executados havia entregue a estes cópia do contrato referido em D); tal quesito foi dado por não provado;
Do que resulta, acredita-se, que o exequente não logrou provar (como lhe era exigível) que, no acto de assinatura do contrato com base no qual foi preenchida a livrança dada à execução, entregou ao oponente um exemplar do dito contrato;
Por isso que se verifica, in casu, a nulidade de tal contrato (cfr. art. 7°, nº1, DL. nº 351/91, de 21.08); e, em consequência, a inexequibilidade da livrança dada à execução (mais importando salientar que o Tribunal recorrido estava legalmente obrigado a conhecer da questão ora tratada -cfr. art. 18°, do DL. nº 351/91, de 21.08;
O acórdão revidendo violou, entre outras, as normas dos arts. 1°; 5°; 6°; 8°/d) e 24° do DL. nº 446/85, de 25.10; 2°/1, a); 4°; 6°; 7° e 18° do DL. nº 359/ 91, de 21/09; e 668°/1, c) e d), CPC.

Não foram oferecidas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.
Encontram-se provados os seguintes factos:
Dá-se como integralmente reproduzida a livrança junta a fls. 8 do processo executivo como título executivo da qual consta a indicação da importância de € 18.423,62 a indicação de que a livrança serve de caução de contrato de empréstimo sob a forma de crédito pessoal e as assinaturas dos opoentes no local destinado às assinaturas dos subscritores.
Essa livrança foi entregue ao exequente apenas com as assinaturas dos opoentes apostas.
Tal como consta do seu texto, a livrança destinava-se a caucionar um contrato de empréstimo sob a forma de crédito pessoal concedido pela exequente.
Dão-se como integralmente reproduzidos os documentos de fls. 42 e 43 deste apenso intitulados contrato de crédito pessoal Banif e proposta de crédito pessoal Banif.
A livrança foi preenchida em conformidade com as cláusulas contratuais gerais dos contratos referidos em D).
O funcionário da exequente explicou aos executados o teor do contrato e os direitos e obrigações deles decorrentes.
Os opoentes pagaram três das prestações mencionadas no contrato referido em D).

3. O Direito.

Defendem os recorrentes a inexequibilidade da livrança dada à execução, pois que as cláusulas gerais estão impressas no verso do documento que constituiu a proposta contratual, depois das assinaturas dos outorgantes, apostas na face desse mesmo documento, pelo que têm de ter-se por excluídas, tudo se passando como se não existissem, nulidade que o tribunal recorrido deveria ter apreciado oficiosamente, face ao disposto no art. 24°, DL. nº 446/85, de 25.10; por outro lado, o exequente não logrou provar que, no acto de assinatura do contrato, com base no qual foi preenchida a livrança dada à execução, entregou aos opoentes um exemplar do dito contrato, o que acarreta, igualmente, a sua nulidade (art. 7°, nº1, DL. nº 351/91, de 21.08), questão que o tribunal recorrido estava, igualmente, obrigado a conhecer (art. 18°, do DL. nº 351/91, de 21.08).

Sobre estas questões pronunciou-se a Relação, considerando que as concretas nulidades invocadas em sede de recurso não o foram em sede de oposição, pelo que se está perante questões novas, subtraídas, por isso, ao conhecimento do tribunal.
Ademais, não podem prevalecer-se da resposta negativa ao quesito 3º, no qual se perguntava se o funcionário da exequente entregou uma cópia do contrato aos embargantes/recorrentes, uma vez que esse quesito resulta de matéria alegada na contestação, sendo certo que a resposta negativa a um facto não significa que esteja provado o seu contrário, isto é, que tal cópia não foi efectivamente entregue.

Antes de entramos na análise destas questões, e porque os recorrentes invocaram também a nulidade do acórdão (art.668º, nº1, als. c) e d), do CPC), impõe-se verificar se, efectivamente, a decisão padece de tais nulidades.
É nula a decisão quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (al. c) ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar al. d)).
Aquela nulidade pressupõe que os fundamentos invocados pelo juiz conduzam, logicamente, ao resultado oposto ao que vem expresso na sentença, enquanto que esta (al. d) se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do art. 660º do mesmo diploma legal, e que é o dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras. Essas questões são as que respeitam ao pedido e causa de pedir e não aos motivos, argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustentação do seu ponto de vista.

Já nos referimos aos fundamentos que estiveram na base da improcedência do recurso de apelação, entendendo a Relação não se pronunciar sobre as invocadas nulidades por as ter considerado questões novas, como explicitou os motivos pelos quais os recorrentes não podiam prevalecer-se da resposta negativa ao quesito 3.
O que vale por dizer que o tribunal recorrido não deixou de tomar posição sobre tais questões, sendo certo que a conclusão a que acedeu não poderia deixar de conduzir à improcedência do recurso.
Ou seja, pode ter havido erro de julgamento, mas não nulidade da decisão.

Ultrapassada esta questão, vejamos, agora, se assiste razão aos recorrentes, quando afirmam que a livrança dada à execução é inexequível.

O documento que corporiza o contrato de mútuo não é coisa diferente de um formulário, elaborado pela recorrida, em cuja face consta a identificação da mutuante, com espaços destinados a serem preenchidos, como, entretanto, o foram, com a identificação dos mutuários, a «caracterização», o «seguro de vida», o(s) avalista(s), a data e as assinaturas dos outorgantes (mutuante e mutuários), constando do respectivo verso as "Cláusulas Contratuais Gerais", sem qualquer espaço preenchível ou assinatura.
Mais resulta de tal documento não ser feita qualquer alusão à circunstância de as «cláusulas contratuais gerais» se encontrarem no verso do impresso.

Parece, assim, de ter por seguro estar-se perante um contrato de adesão e de cláusulas contratuais gerais, porque previamente elaboradas pela mutuante, sem prévia negociação individual, que os aderentes se limitam a aceitar ou rejeitar em bloco (art. 1º do DL. n.º 446/85, de 25/10).
Aplicável, pois, o regime do dito DL n.º 446/85, nomeadamente o seu art. 8º, al. d).
Segundo este preceito, “consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes”.
Através das normas do referido art. 8º, tal como das dos arts. 5º e 6º do DL. em enfoque, o legislador pretendeu exercer um efectivo controlo ao nível da formação do acordo de vontades, prevenindo a possibilidade de desconhecimento de eventuais elementos importantes do regime do contrato, regulados em cláusulas gerais, tendo presente que o acordo se completa sem negociação prévia e por simples adesão, em bloco, às cláusulas prefixadas.
Mais especificamente, no caso da precedência das cláusulas sobre a aposição da assinatura está em causa o afastamento de suspeitas sobre a efectiva leitura e conhecimento das cláusulas ou mesmo da ausência de acordo sobre elas, protegendo-se o aderente contra a oposição de “cláusulas surpresa” ou “inesperadas” (cfr. PINTO MONTEIRO, “ROA”, 46º, 733 e ss.); MENESES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil Português”, I, 436).

A questão, como é sublinhado no Ac. deste Supremo Tribunal, de 16.10.2008, in www.dgsi.pt (Rel. Cons. Alves Velho) “não é, pois, de as cláusulas já constarem do impresso no momento da assinatura do contrato.
Nem poderia ser, sob pena de absoluta inutilidade do dispositivo.
Com efeito, se estamos a falar de cláusulas contratuais, que pressupõem sempre um acordo de vontades (art. 232º C. Civil), seja obtido no seguimento de negociações prévias das propostas, seja por mera adesão, não faria qualquer sentido, por contrário a esses princípios gerais, atribuir relevância a qualquer cláusula que porventura fosse inserida no documento que titula o contrato em ocasião posterior à sua conclusão. Uma tal cláusula nunca poderia vincular o aderente pela óbvia razão de não ser uma cláusula contratual, mas uma simples declaração unilateral de uma das partes.
De resto, a interpretação segundo a qual a al. d) do art. 8º se refere às cláusulas «introduzidas após», por oposição a «constantes», ou seja, já escritas, atribuindo ao advérbio “depois” uma significação temporal e não de lugar, não só é incompatível com o regime da conclusão dos contratos, que o DL. nº 446/85 acolhe, desde logo em seus arts. 1º, 2º e 4º, sem deixar qualquer dúvida sobre a preexistência e elaboração prévia das cláusulas gerais relativamente ao momento da declaração de aceitação ou adesão, como esvaziaria de conteúdo e sentido o dever de comunicação prévia imposto pelo art. 5º, cuja omissão é cominada, igualmente, com a exclusão das cláusulas (al. a) do memo art. 8º)”.

Encontrando-se, como sucede neste caso, as assinaturas dos outorgantes apostas na face do documento, que constituiu a proposta contratual impressa e, no verso, as cláusulas gerais, teriam estas, como vem sendo maioritariamente decidido por este Tribunal, de ter-se por excluídas do contrato singular, tudo se passando como se não existissem.

E dizemos teriam, se os recorrentes não pretendessem prevalecer-se das mesmas e se, para tanto, o requeressem oportunamente, o que não foi o caso (cfr. F. Gravato Morais, in Contratos de Crédito ao Consumo, pag.130).
É verdade que manifestam a sua intenção de verem afastadas essas cláusulas, mas apenas no momento do recurso que interpuseram para a Relação. Os embargantes/recorrentes não invocaram esta questão em sede de oposição, não fundamentaram a sua defesa naquela excepção, pelo que não podia o tribunal substituir-se-lhes no sentido de integrar nos fundamentos correspondentes à causa de pedir essa sua eventual defesa.

Ora, como é sabido, o princípio do contraditório constitui pedra angular do nosso sistema adjectivo, pelo que cada uma das partes só poderá responder à pretensões da contra-parte se puder conhecer com exactidão essas pretensões e os fundamentos a que as mesmas se acobertam (art. 3º do CPC).
O que se deixa dito já evidencia a relevância do pedido e da causa de pedir: é por eles que se identifica a acção e é por eles que ficam circunscritas as questões decidendas.
Sabe-se que o pedido é enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto que ele aduz como título aquisitivo desse direito (cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares do Processo Civil, 1939, pags. 321 e 322).
Vigorando entre nós, nesta matéria, a teoria da substanciação, não basta ao autor identificar o direito invocado, através do seu conteúdo e objecto, antes se impõe, ainda, que ele concretize a sua causa de pedir, isto é, o facto ou o título constitutivo desse arrogado direito.
Mas o que é que concretamente se impõe ao autor aduzir?
No quadro de repartição do ónus da prova, cabe ao autor provar os factos constitutivos do direito invocado e ao réu provar os factos extintivos, modificativos ou impeditivos desse pretenso direito - art. 342º do C.Civil.
E, “…atenta a relação de instrumentalidade existente entre o direito processual civil e o direito substantivo, é à luz do direito substantivo aplicável que deve ser feita a determinação dos factos constitutivos (bem como dos factos extintivos, modificativos ou impeditivos) da pretensão formulada pelo autor” (Antunes Varela, in RLJ, ano 116, pag. 380).

O mesmo se passa com a também alegada nulidade do contrato, por não ter sido entregue aos opoentes um exemplar do mesmo.
Apesar disso, defendem os embargantes que o tribunal deveria conhecer dessas questões oficiosamente.
Com o devido respeito, entendemos que não lhes assiste razão.
Basta atentar nas razões que o legislador teve em mente quando consagrou a possibilidade de exclusão dessas cláusulas e que já nos referimos, sendo certo que o aderente pode, apesar disso, querer vincular-se a essas cláusulas.
Acresce que o apelo que fazem os recorrentes ao disposto no art. 24º do citado DL. nº 446/85 não tem aplicação ao caso dos autos, mas antes às cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos arts. 18º, 19º, 21º e 22º.
De resto, do que se trata é de exclusão de cláusulas contratuais - as inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes - e não de nulidade do contrato, com a ressalva do nº 2 do art. 9º do mesmo diploma legal.

E o mesmo se passa relativamente à não entrega aos recorrentes de um exemplar do contrato, cuja invalidade só pode ser invocada pelo consumidor (nº 4 do art. 7º do DL. nº 359/91, de 21 de Setembro).

Fez bem, portanto, a Relação em considerar essas questões como novas, sabido que, do específico ponto de vista da instância recursiva, tem-se por certo que, como é jurisprudência uniforme, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art. 676º CPC).

E não se diga, como sustentam os recorrentes, que, pelo facto de o quesito 3º ter obtido resposta negativa, e cabendo à exequente o ónus da prova dessa matéria, ficava aberta a porta para a declaração de nulidade do contrato.
Com o devido respeito, não é assim.
Como se disse, a invalidade só pode ser invocada pelo consumidor, determinando apenas a lei que a inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior se presume imputável ao credor (v. o citado nº 4 do art. 7º do DL. nº 359/91).
Por outro lado, uma resposta negativa a um quesito não conduz à prova do contrário, mas antes a considerar como se não tivessem sido articulados os factos contidos nesse quesito.

Mas mesmo que assistisse razão aos recorrentes relativamente às questões que submeteram à apreciação deste Tribunal e, agora, em apreço, sempre teriam agido com abuso de direito.
O abuso de direito – art. 334º do Código Civil – traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Não basta, porém, que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.
Como não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, isto é, não é necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que, na realidade (objectivamente), esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara, assim se acolhendo a concepção objectiva do abuso do direito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pag. 217).
A complexa figura do abuso de direito, como é sublinhado no Acórdão do STJ, de 21.9.93 (C.J., III, pag. 21), citando Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, pags. 63 e sgs.; Almeida Costa, Direito das Obrigações, pags. 60 e sgs.; Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pags. 298 e sgs. e Antunes Varela, RLJ, 114º-75, «é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico inoperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso de direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito; dito de outro modo, o abuso de direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo, mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim (económico e social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu reconhecimento».

O abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Como refere Baptista Machado (Obra Dispersa, I, 415 e ss.) o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também, no futuro, se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”.
É sempre necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que, com base nessa situação de confiança, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis.”
Está ínsita a ideia de “dolus praesens”.
O conceito de boa fé constante do art. 334º do Código Civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, “que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos” (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pags. 104-105).
“Uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objectivamente, trair o “investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça.
Ou seja, tem de existir uma situação de confiança, justificada pela conduta da outra parte e geradora de um investimento, e surgir uma actividade, por “factum proprium” dessa parte, a destruir a relação negocial, ao arrepio da lealdade e da boa fé negocial, esperadas face à conduta pregressa.
Não se busca o “animus nocendi” mas, e como acima se acenou, apenas um comportamento anteriormente assumido que, objectivamente, contrarie aquele” (Ac. STJ, de 15.5.2007, www.dgsi.pt).
Para o Prof. Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil, 45) “o venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo”.
E o mesmo Professor considera (ROA, 58º, 1998, 964) que o “venire contra factum proprium” pressupõe: “1º- Uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no “factum proprium”); 2º- Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do “factum proprium” seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis”; 3º- Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do “factum proprium”, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo “venire”) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4º- Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no “factum proprium”) lhe seja de algum modo recondutível.”

Ora, o que nos revelam os autos é que o contrato foi celebrado em 2002, tendo os embargantes recebido da exequente a quantia de 17.750 €, que deveriam pagar em 24 prestações, mas de pagaram apenas três, o funcionário da exequente explicou-lhes o teor do contrato e os direitos e obrigações dele decorrentes e a livrança foi preenchida em conformidade com as cláusulas contratuais, questão, aliás que nem sequer colocam no recurso de revista.
Não obstante isso, vêm, só agora e já na fase do recurso interposto para a Relação, invocar a invalidade do contrato.

4.
Face ao exposto, decide-se negar a revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 07 de Julho de 2009

Oliveira Rocha (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista