Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P2836
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: HABEAS CORPUS
ESTRANGEIRO
EXPULSÃO
PRISÃO PREVENTIVA
COLOCAÇÃO EM CENTRO DE INSTALAÇÃO TEMPORÁRIA
PRAZO
DETENÇÃO ILEGAL
Nº do Documento: SJ20070719002836
Data do Acordão: 07/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: DEFERIDO
Sumário :
I - Do exame e análise dos textos legais do DL 244/98, de 08-08, e da Lei 34/94 resulta que ambos prevêem a possibilidade de detenção de cidadão estrangeiro, visando garantir ou assegurar a sua expulsão ou afastamento do território nacional, um mediante a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva (art. 117.º, n.ºs 1 e 2, do DL 244/98), o outro através da aplicação da medida de colocação em centro de instalação temporária (art. 3.º, n.º 1, al. a), da Lei 34/94).
II - Por outro lado, quer num quer no outro, o prazo de duração máxima da medida de detenção é de 60 dias (n.º 3 do art. 117.º do DL 244/98 e n.º 2 do art. 3.º da Lei 34/94).
III - Assim sendo, estando-se em ambos os casos perante medidas de natureza exclusivamente cautelar, uma submetida ao regime das medidas de coacção, a outra a razões de segurança, visando acautelar o mesmo desiderato, qual seja a expulsão ou afastamento de estrangeiro do território nacional, ter-se-á de concluir que aqueles dois regimes de detenção não são cumuláveis, ou seja, susceptíveis de aplicação sucessiva.
IV - Isso mesmo decorre, aliás, do art. 142.º da recente Lei 23/07, de 04-07, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Com efeito, o legislador no novo diploma excluiu, por um lado, a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, passando, por outro lado, a fazer referência expressa à medida de detenção de colocação em centro de instalação temporária, o que não pode deixar de significar o entendimento da identidade destas duas medidas, a consideração de que a aplicação de uma exclui a aplicação da outra.
V - Deste modo, tendo a peticionante sido submetida à medida detentiva de colocação em centro de instalação temporária pelo período máximo previsto na lei, qual seja o de dois meses, ter-se-á de considerar ilegal a sua subsequente e actual detenção em regime de prisão preventiva.
VI - Há, pois, que ordenar a sua imediata libertação, sem embargo de lhe ser aplicada outra medida de coacção tida por adequada, tendo em vista garantir o cumprimento de eventual decisão de expulsão.
Decisão Texto Integral:
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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA, com os sinais dos autos, mediante petição subscrita pelo seu Exm.º Mandatário, deduziu providência de habeas corpus.
Pretende a peticionante seja declarada ilegal a situação de detenção a que se encontra submetida no âmbito do Processo n.º 517/07, do 2º Juízo da comarca de Estarreja, e ordenada a sua libertação, com os seguintes fundamentos:
Foi detida no dia 10 de Maio do ano em curso e presente a juízo, por se encontrar ilegalmente em Portugal, tendo sido submetida a termo de identidade e residência e colocada em centro de instalação temporária, por razões de segurança;
De acordo com o n.º 2 do artigo 3º da Lei n.º 34/94, de 14 de Setembro, a colocação em centro de instalação não pode exceder o período de 2 meses, pelo que em 10 do corrente mês terminou tal período;
Sucede que, naquela data, o Tribunal Judicial da comarca de Estarreja determinou a substituição daquela medida cautelar pela de prisão preventiva, nos termos do n.º 1 do artigo 117º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com fundamento em perigo de fuga;
Conforme estabelece o n.º 3 daquele artigo, a medida de prisão preventiva não pode exceder 60 dias;
Sendo a colocação em centro de instalação, por razões de segurança, uma medida detentiva, a mesma não é cumulável com a medida de coacção de prisão preventiva, medida esta que nem sequer se justifica, visto que o comportamento da peticionante não é cominável com pena de prisão.
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O juiz do processo informou com relevo para a decisão:
À peticionante foi inicialmente aplicada medida de coacção de termo de identidade e residência em acumulação com a colocação em centro de instalação temporária, cujo prazo terminou no dia 10 de Julho;
Sendo imputada à peticionante a permanência ilegal em território nacional, o que constitui fundamento de expulsão, e considerando não ter sido possível identificá-la, não sabendo a mesma localizar o lugar onde mora e tornando-se impraticável o seu afastamento de imediato do território nacional, foi determinada, face ao receio de fuga, a substituição daquela medida pela de prisão preventiva.
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Convocada a secção criminal, com notificação do Ministério Público e do Exm.º Mandatário da peticionante, realizou-se audiência, cumprindo agora decidir.
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A providência de habeas corpus constitui um incidente que se destina a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – artigos 27º, n.º 1 e 31º, da Constituição da República Portuguesa –, sendo que visa pôr termo aos casos de prisão ilegal, efectuada ou determinada por entidade incompetente, motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – artigo 222º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c), do Código de Processo Penal.
No caso vertente a ilegalidade da prisão vem fundamentada no excesso de prazo da detenção, detenção resultante da permanência ilegal da peticionante em território nacional, bem como na circunstância de a medida de colocação em centro de instalação temporária a que foi submetida, não ser cumulável com a medida de coacção de prisão preventiva.
Da informação prestada pelo juiz do processo e da documentação em anexo, resulta que à peticionante, por permanecer ilegalmente em território nacional, foi judicialmente aplicada em 10 de Maio último, por razões de segurança, a medida de colocação em centro de instalação temporária, medida prevista no artigo 3º, da Lei n.º 34/94, de 14 de Setembro.
Mais decorre que, por decisão judicial proferida em 9 do corrente, foi aplicada à peticionante, em substituição daquela medida, a medida de coacção de prisão preventiva, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com fundamento em perigo de fuga, na sequência do que se encontra actualmente detida.
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A lei constitucional, como excepção do direito à liberdade e à segurança, admite a detenção de cidadãos estrangeiros que tenham penetrado ou permanecido irregularmente no território nacional ou contra aos quais esteja em curso processo de expulsão – artigo 27º, n.º 3, alínea c).
Na consecução de tal preceito constitucional o legislador ordinário estabeleceu dois regimes, um constante do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 Agosto, diploma que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros em território nacional, ou outro resultante da Lei n.º 34/94, de 14 de Setembro, diploma que define e regula o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária.
Do exame e análise daqueles textos legais resulta que ambos prevêem a possibilidade de detenção de cidadão estrangeiro, visando garantir ou assegurar a sua expulsão ou afastamento do território nacional, um mediante a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva (artigo 117º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 244/98), o outro através da aplicação da medida de colocação em centro de instalação temporária (artigo 3º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 34/94) - Dúvida não há de que a medida de colocação em centro de instalação temporária prevista neste normativo é uma medida de privação de liberdade, quer por ser determinada por razões de segurança, quer por o texto legal referir expressamente tal natureza.
É do seguinte teor o texto do artigo 3º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 34/94:
«1. A instalação por razões de segurança é uma medida detentiva determinada pelo juiz competente, com base num dos seguintes fundamentos:
a) Garantia de cumprimento da decisão de expulsão…»..
Por outro lado, quer num quer no outro, o prazo de duração máxima da medida de detenção é de 60 dias (n.º 3 do artigo 117º do Decreto-Lei n.º 244/98 e n.º 2 do artigo 3º da Lei n.º 34/94).
Assim sendo, estando-se em ambos os casos perante medidas de natureza exclusivamente cautelar, uma submetida ao regime das medidas de coacção, a outra a razões de segurança, visando acautelar o mesmo desiderato, qual seja a expulsão ou afastamento de estrangeiro do território nacional, ter-se-á concluir que aqueles dois regimes de detenção não são cumuláveis, ou seja, susceptíveis de aplicação sucessiva.
Isso mesmo decorre, aliás, da recente Lei n.º 23/07, de 4 do corrente, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, que no seu artigo 142º, sob a epígrafe de “Medidas de Coacção”, estabelece:
«1. No âmbito de processo de expulsão, para além das medidas de coacção enumeradas no Código de Processo Penal, com excepção da prisão preventiva, o juiz pode, havendo perigo de fuga, ainda determinar as seguintes:
a) Apresentação periódica no SEF;
b) Obrigação de permanência na habitação com utilização de meios de vigilância electrónica, nos termos da lei;
c) Colocação do expulsando em centro de instalação temporária ou em espaço equiparado, nos termos da lei».
Com efeito, o legislador no novo diploma excluiu, por um lado, a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, passando, por outro lado, a fazer referência expressa à medida de detenção de colocação em centro de instalação temporária, o que não pode deixar de significar o entendimento da identidade destas duas medidas, a consideração de que a aplicação de uma exclui a aplicação da outra.
Deste modo, tendo sido a peticionante submetida à medida detentiva de colocação em centro de instalação temporária pelo período máximo previsto na lei, qual seja o de dois meses, ter-se-á de considerar ilegal a sua actual detenção em regime de prisão preventiva.
Há, pois, que ordenar a sua imediata libertação, sem embargo de lhe ser aplicada outra medida de coacção tida por adequada, tendo em vista garantir o cumprimento de eventual decisão de expulsão.
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Termos em que se acorda deferir a providência requerida, declarando-se ilegal a prisão da peticionante AA, a qual será imediatamente restituída à liberdade.
Sem tributação.
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Proceda-se às diligências necessárias para libertação imediata da peticionante, a qual deverá ser notificada para no prazo de cinco dias comparecer perante o juiz do 2º Juízo da comarca de Estarreja, tendo em vista a eventual aplicação de outra medida de coacção.
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Lisboa, 19 de Julho de 2007

Oliveira Mendes (Relator)
Simas Santos
Sebastião Póvoas
Santos Bernardino