Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
307/05.0TAGMR.G1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: OMISSÃO DE AUXÍLIO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - A indemnização por perdas e danos emergentes de crime deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais, e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC).
II - No tocante ao dano futuro é extremamente delicado fixar com justeza a correspondente indemnização, sendo que equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.
III - A lei não dá qualquer conceito de equidade, mas, tem-se aceite a mesma desde longa data como a consideração prudente e acomodatícia do caso, e, em particular, a ponderação das prestações, vantagens e inconvenientes que concorram naquele.
IV - Como se refere no Ac. deste Supremo, de 25-11-2009, Proc. 397/03.0GBNEV, “um dos critérios de referência a ponderar na fixação dos valores de indemnização é a taxa de juro, a taxa de rentabilidade do capital a fixar como indemnização, uma taxa de rendimento previsível para as aplicações a médio e longo prazo, sendo que na aplicação deste critério há que atentar em que quanto mais baixa for a remuneração do capital, o que hoje é patente em face da continuada descida das taxas de juros, maior quantidade daquele será necessária para alcançar um montante que resista ao paulatino deste; essa dificuldade de rentabilidade de uma indemnização, de modo a que a mesma se tenha por esgotada ao fim do período de tempo que for de considerar, é factor que joga desfavoravelmente para o devedor daquela, a ter em conta com recurso à equidade.
V - Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata antecipada de capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%”.
VI - Acresce que quem trabalha também consome, havendo despesas que mesmo sem trabalho sempre seriam feitas (caso da alimentação), e que quem trabalha também se desgasta, reflectindo-se naturalmente numa menor produtividade, e que os lesados poderiam ainda eventualmente obter rendimentos de outra proveniência, que diminuíssem a gravidade do dano, sendo certo que a demandante A se encontrava reformada e a demandante B era comerciante.
VII - Tendo em conta o exposto, a idade das demandantes (nascidas em 1943 e 1973, respectivamente), a incapacidade parcial permanente com que ficaram (de 5% e 10%, respectivamente), a remuneração que auferiam (de € 2056,40 e € 1800,31, respectivamente), o custo e nível de vida inerente a país integrado na União Europeia, com a convergência económica, a alteração/actualização progressiva dos salários, e também dos preços, não se revelam excessivas e, consideram-se adequadas as quantias arbitradas às demandantes pela Relação e relativas a danos patrimoniais, no valor de € 10 000 para a demandante A e € 38 000 para a demandante B.
VIII - Relativamente aos valores indemnizatórios inerentes aos danos não patrimoniais, há que ter presente que a indemnização visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”.
IX - Conforme salientado por Antunes Varela, do art. 496.º extrai-se indirectamente outra lição: a que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessário de tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir.
X - Tendo em conta que resultou demonstrado que:
- por força do embate, a demandante A sofreu fractura cominutiva do pólo inferior da rótula do joelho direito e dores corporais, que, após sujeição a duas intervenções cirúrgicas, foram causa directa e necessária de doença por 183 dias, sendo 15 com afectação da capacidade para o trabalho geral e sem afectação da capacidade para o trabalho profissional, e, como sequelas de carácter permanente, cicatriz plana hipercrómica com 14 cm de comprimento na face anterior do joelho direito, derrame periarticular no mesmo joelho, hipertrofia muscular na coxa direita de 2 cm e limitação da mobilidade do joelho direito; e a demandante B fractura cominutiva da asa do ilíaco à esquerda, edema dos músculos adjacentes da ilíaca, pequena colecção parietal, pequena fractura/laceração do pólo inferior do segmento VI do fígado e dores corporais, que foram causa directa e necessária de doença, por 302 dias, com igual tempo de incapacidade para o trabalho profissional e de 30 dias de incapacidade absoluta para o trabalho geral, e, ainda, como sequelas de carácter permanente, de cicatriz plana hipercrómica com 17 cm de comprimento, tumefacção dolorosa na fossa ilíaca esquerda, diminuição do reflexo urinário no períneo, hipotrofia muscular da coxa esquerda e limitação da mobilidade da anca esquerda;
- a demandante A foi conduzida de urgência ao hospital, tendo-lhe sido feito tratamento de osteossíntese da fractura, seguido de internamento; manteve-se acamada no domicílio, mas podendo levantar-se para ir à casa de banho a fim de satisfazer as suas necessidades fisiológicas e para tratar da sua higiene pessoal;
- a demandante B foi conduzida ao hospital, tendo sido internada com diagnóstico de politraumatizada, tendo tido alta após 15 dias, sendo que esteve 2 dias em estado de coma; depois manteve-se acamada no domicílio, podendo levantar-se para ir à casa de banho a fim de satisfazer as necessidades fisiológicas e para tratar da sua higiene pessoal;
e a natureza, variedade, e características das lesões produzidas, modo de sua produção, dores, internamentos, tratamentos, deslocações, incómodos notórios, sequelas havidas, o grau de incapacidade parcial permanente, sofrimentos psicológicos, a condição pessoal e económica do lesante (o arguido vivia sozinho, trabalhando como carpinteiro, de forma irregular, estando desempregado desde há largo tempo), conclui-se serem adequadas as quantias indemnizatórias atribuídas pela Relação – de € 15 000 para a demandante A e de € 25 000 para a demandante B.

Decisão Texto Integral: