Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA JUROS REMUNERATÓRIOS MÚTUO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 05/14/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | 1. Sendo o mútuo liquidável por forma dividida, fraccionada ou repartida, a falta de pagamento de uma prestação tem as consequências do artigo 781.º do Código Civil; 2. Os juros remuneratórios, que exprimem o rendimento financeiro do capital mutuado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado, mas apenas nas prestações vencidas, ou seja, o vencimento imediato de qualquer prestação não implica o pagamento daqueles juros nela incorporados; 3. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência não é, ao contrário dos antigos Assentos, estrita e rigorosamente vinculativo, antes representando jurisprudência qualificada; 4. No entanto, a sua componente vinculativa surge acentuada para as instâncias – como resulta, v.g., do n.º 2, alínea c) do artigo 678 do Código de Processo Civil – sendo meramente persuasiva, e mutável, para o Supremo Tribunal de Justiça. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: O “BB S.A.” intentou acção, com processo sumário, contra BB pedindo a condenação a pagar-lhe a quantia de 13 179,34 euros, com juros vencidos até 11 de Setembro de 2006, no montante de 2 297,84 e juros vincendos, à taxa de 16,91% desde 16 de Fevereiro de 2001, sobre o capital, além do imposto de selo, à taxa de 4% sobre os juros, estando já calculados 91,91 euros. Alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré, em 8 de Novembro de 2005, um contrato de mútuo de 7.575,00 euros a ser pago em 60 prestações mensais; que a Ré não pagou a terceira prestação nem as seguintes, vencendo-se todas, sendo que, em caso de mora a taxa de juro seria de 28,41% ao ano. Contestou o Ministério Público em representação da Ré, que foi citada editalmente, alegando, além do mais, que no âmbito do artigo 781.º do Código Civil não se incluem os juros remuneratórios ainda não vencidos. Na 2.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, a acção foi julgada procedente. Entretanto o Autor agravara do despacho que determinou o desentranhamento da sua réplica. O Ministério Público apelou da sentença final. A Relação de Lisboa negou provimento ao agravo. Mas deu provimento à apelação condenando a Ré mas “excluindo” as quantias “incluídas a título de juros remuneratórios, bem como de imposto de selo sobre tais juros remuneratórios.” O Autor pede revista concluindo nos termos que se passam a sintetizar: - Da análise do disposto no artigo 781.º do Código Civil, e da alínea b) da cláusula 8.ª das condições gerais do contrato dos autos resulta que, para que se verifique o vencimento de todas as prestações basta que uma coisa suceda, basta que se verifique a falta de pagamento de uma delas, sendo que nada consta do mesmo que refira que para que se verifique o vencimento de todas as prestações tenha que haver interpelação expressa do credor ao devedor nesse sentido. De acordo com o disposto no referido artigo 781.º, não é, pois, no entender do A. recorrente, necessária qualquer interpelação para que tal vencimento se verifique. - Acresce que, o disposto no artigo 781.º do Código Civil (e não já expressamente acordado na referida alínea b) da clausula 8.ª do contrato dos autos), não implica que tal vencimento apenas se verificaria relativamente à divida de capital mas já não aos juros remuneratórios acordados. - É errado o “entendimento” perfilhado no Acórdão recorrido no sentido de que o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos pela falta de pagamento de uma delas nos termos do disposto no artigo 781.º do Código Civil apenas abrange a dívida de capital e não também o juros remuneratórios ou outras quantias que estavam já incluídas em cada prestação e de que, de qualquer modo, o A. apenas tem direito a peticionar e receber o montante do capital “vincendo” acrescido de juros moratórios mas não já o montante correspondente a todas as prestações não pagas, por nele se incluírem os juros remuneratórios acordados. - Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que, senão “ad initio” (como o recorrente entende que é), pelo menos em caso de incumprimento de uma delas se vencem na totalidade. - De acordo com aquele “entendimento” bastará ao mutuário incumprir um contrato de mútuo como o dos autos, para que esse mesmo mútuo se transforme, de facto e automaticamente num mútuo gratuito, passando o mutuário a ter apenas de pagar então os juros moratórios sobre o capital em dívida, e isto enquanto quiser, ou seja, enquanto durar a mora. - Ao perfilhar-se aquele “entendimento”, está-se a incentivar e premiar o incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário, que, assim, e por causa do seu próprio incumprimento, deixa de ter de pagar a remuneração do mútuo em que as partes acordaram, para passar a ter apenas de restituir a quantia ou coisa mutuada (o que é um perfeito contra-senso jurídico), e tudo isto meramente por via do incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário. (o que além de ser um gritante contra-senso jurídico, é uma perfeita e inconcebível aberração jurídica) É, de facto, e salvo o devido respeito, um perfeito absurdo!!! - Pelo que, mesmo que se entendesse que o disposto no dito artigo 781.º do Código Civil distingue entre capital e juros e apenas implica o vencimento do montante do empréstimo e não da respectiva remuneração acordada (o que manifestamente não distingue e é um erro, como se procurou já explicitar), o certo é que, atento o expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, dúvidas não restam de que vencida uma prestação todas as outras prestações se vencem imediatamente sem qualquer distinção entre capital e juros ou montante do empréstimo e remuneração do empréstimo ou que mais se queira inventar. - Não se pode, pois, seriamente pretender que não há capitalização de juros remuneratórios, porque estes não se venceram, uma vez que os mesmos estão, de uma forma ou de outra, vencidos. Todos vencidos!!! Pelo que, todas as prestações (cujo montante inclui também o valor do correspondente aos juros remuneratórios já capitalizados e ao seguro contratado, sendo, por isso, um valor único e unitário, de capital) do contrato dos autos estão há muito vencidas, não havendo, nunca, que distinguir não só entre capital e juros (tudo é já capital, por força da capitalização), como entre valores vencidos e vincendos, pois que tudo está já vencido. - É, pois, inteiramente válido, legitimo e legal o pedido dos autos, sendo que é errada a decisão proferida na sentença recorrida, que ao decidir como o fez, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 405°, 560.º, 781°, 1145° e 1147° do Código Civil, alínea d) do artigo 8° do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro, artigo 2°, alínea d) e e), artigo 4° e 9°, n.°s 1 e 3 do referido Decreto-lei n.° 359/91, de 21 de Setembro, bem como os artigos 5°, 6° e 7°, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1° do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2° do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1° e 2° do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3°, alínea 1, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que assim violou. Contra alegou o Digno Magistrado do Ministério Público em defesa do julgado. Foram colhidos os vistos. Conhecendo, O âmbito do recurso, definido pelas conclusões da alegação, limita-se à apelação da sentença final – e, quanto a esta, à questão dos juros remuneratórios – que não ao agravo. Neste ponto, nem assim podia deixar de ser, por se tratar de agravo continuado e não se perfilar nenhuma das situações do n.º 2 (2.ª parte) e n.º 3 do artigo 754.º do Código de Processo Civil, na redacção aqui aplicável. No tocante ao mérito, o aresto sob revista bem julgou, aliás apoiado na jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal (v.g., os Acórdãos de 23 de Setembro de 2008 – 08B3923, de 14 de Novembro de 2006 – 06 A2718 – relatado pelo, aqui, 1.º Adjunto, de 13 de Janeiro de 2005 – 4B3874, de 10 de Julho de 2008 – 08 A1267, relatado pelo, aqui, 2.º Adjunto, e boa doutrina, “inter alia”, Prof. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, 10.ª ed., 870; Dr. F. Gravato Morais, “Contratos de Crédito ao Consumo”, 2007, 202 e Prof. Vaz Serra, in “Tempo de Prestação. Denúncia” – BMJ 50-49). Também assim julgou esta mesma conferência (Acórdão de 12 de Setembro de 2006 – 06 A2338): “Sendo o mútuo liquidável por forma dividida, fraccionada ou repartida, a falta de pagamento de uma prestação tem as consequências do artigo 781.º do Código Civil; Os juros remuneratórios, que exprimem o rendimento financeiro do capital mutuado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado, mas apenas nas prestações vencidas; As dívidas de capital e de juros sai distintas, embora com forte conexão, valendo o princípio da autonomia do artigo 561.º do Código Civil.” O exposto bastaria para concluir pela não razão do recorrente. Mas como razão adjuvante cumpre referir o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2009 – P.º n.º 1992/08 – 6.ª Secção – em cujo segmento final se afirma: “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo da cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.” Ora, esta decisão não sendo, embora, estrita e rigorosamente vinculativa, ao contrário dos antigos Assentos que fixavam doutrina com força obrigatória geral, e que desapareceram com a revogação do artigo 2.º do Código Civil, pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 329/A/95 de 12 de Dezembro, cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior ponderação. Claro que, e como explica o Prof. Castanheira Neves, não se pretende que se eliminem divergências “jurídico-jurisprudenciais” e do mesmo modo a exclusão das necessárias mudanças de orientação, da mutabilidade das posições jurídicas em superação normativa.” (in “Questão de Facto – Questão de Direito”, 1967, 653), mas antes uma “estabilidade e previsibilidade” das decisões (Prof. Teixeira de Sousa – “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 1997, 394) o que, em si, é um importante contributo para a credibilidade do sistema judicial. Certo que não se quer um “enquistamento ou cristalização das posições do Supremo” (cf. Conselheiro Amâncio Ferreira, apud “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª ed., 288) mas outrossim, deve evitar-se a incerteza e a flutuação, sem que tal imponha critérios de tal modo rígidos que coarctem a liberdade de aplicação e interpretação do Direito, valor inalienável e de não prescindir. Isto dito, aceitando-se, embora a doutrina resultante da uniformização, deve acentuar-se a sua natureza mutável (como já aconteceu com os Acórdãos Uniformizadores n.ºs 15/97, de 20 de Maio de 1997 – Diário da República I – A de 4/7/97 – logo alterado pelo n.º 3/99 de 18 de Maio de 1999 – Diário da República I A, de 10/7/99) e enfatizar-se a sua componente mais vinculativa para as instâncias e meramente persuasiva para este Supremo Tribunal. Por desnecessidade de outras considerações quanto ao mérito do recurso, improcedem, desde já, as conclusões do recorrente. Pode concluir-se que: Nos termos expostos, acordam negar a revista. Lisboa, 14 de Maio de 2009 Sebastião Póvoas (Relator) Moreira Alves Alves Velho |