Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉRGIO POÇAS | ||
Descritores: | UNIÃO DE FACTO DEVERES CONJUGAIS DISSOLUÇÃO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA ECONOMIA COMUM | ||
Data do Acordão: | 07/06/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Jurisprudência Nacional: | LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: ARTIGOS 483º, 473º, 1576º E 1672º DO CC E LEI 7/2001 DE 11 DE MAIO | ||
Sumário : | I - Não estando, como não está, o unido de facto vinculado juridicamente ao cumprimento dos deveres conjugais previstos nos arts 1672.º e segs. do CC, e porque o regime da união de facto nada prevê nesse sentido, necessariamente, não existe o direito a indemnização pela ruptura daquela união nem pelos eventuais danos não patrimoniais que a dissolução daquela tenha causado. II - Em caso de dissolução da união de facto, o trabalho doméstico que a autora fez enquanto viveu naquela situação com o réu, porque constitui uma participação livre para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos, não lhe confere o direito de restituição do respectivo valor. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório No Tribunal de Portimão foi proposta por AA acção de processo ordinário contra BB para que se declarasse que: - ela e o Réu viveram, entre si, em união de facto, pelo menos entre 1994 e Fevereiro de 2007; - tal união de facto se encontra dissolvida; - o Réu foi o único culpado da rotura dessa relação; - o Réu enriqueceu directamente à custa da Autora e sem causa justificativa e, em consequência, a Autora empobreceu em face de tal enriquecimento; e para que se condene o Réu a pagar à Autora, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 33.852,00 euros e a título de danos morais, a quantia de € 50.000,00 euros, bem como juros de mora, desde a citação, sobre as referidas quantias. Subsidiariamente, pede a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de € 83.852,00 euros, a título de enriquecimento sem causa. Alegou, para tanto e em resumo que durante mais de 12 anos viveu com o Réu como se fossem marido e mulher sem que tenham casado, mas que sem se justificar à Autora, em Fevereiro de 2006, começou a viajar sozinho para Fortaleza-Brasil onde permanecia durante vários dias sem contactar a Autora, vindo a Autora a saber que tais deslocações eram efectuadas para ele se encontrar com uma namorada brasileira para quem, a partir de Portugal, passou a falar frequentemente através da INTERNET; o relacionamento com a Autora alterou-se radicalmente, deixando de sair com ela, passando as noites em bailes e em outros locais fora de casa aonde regressava altas horas da madrugada até que em Fevereiro de 2007, mais uma vez regressado do Brasil, disse à Autora que saísse da casa, o que ela fez. O Réu defendeu-se por impugnação e a Autora replicou. No despacho saneador foi julgada procedente a excepção dilatória oficiosamente conhecida da falta de interesse em agir relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a), b) e c) da petição inicial e, em consequência, foi o Réu absolvido da instância e quanto aos pedidos formulados nas alíneas d) a h) e ao pedido subsidiário, foi a acção julgada improcedente e o Réu absolvido dos mesmos. Esta Relação, porém, em acórdão de 13-11-2008, revogou tal saneador e ordenou o prosseguimento do processo. Em cumprimento de tal acórdão, foram discriminados os factos assentes dos controvertidos e, realizada a audiência de julgamento, foi decidida a matéria de facto controvertida, após o que foi proferida sentença que absolveu o réu. Inconformada, a Autora recorreu para o Tribunal da Relação de Évora. Neste Tribunal foi confirmada a decisão da 1ª instância Ainda inconformada a autora recorre agora para o STJ, concluindo da forma seguinte - Autora e Réu viveram em união de facto, estável e duradoura por mais de 12 anos ininterruptamente; - Durante aquele período a Autora e Réu viveram juntos, em comunhão de leito, mesa e habitação, passeando por todo o lado e sendo vistos e tidos pelos amigos e por toda a gente como se de marido e mulher se tratassem. - Durante o mesmo período foi a Autora quem tratou das roupas do Réu, das roupas da casa, das refeições do Réu, da limpeza da casa e dos móveis, efectuando todas as tarefas domésticas de um casal de família; - Também a Autora em tal período contribuiu para as despesas domésticas e investiu trabalho, energia e esforço para proporcionar a ambos bom ambiente e conforto no lar comum; - A Autora tudo fazia e fez, na convicção de que trabalhava em prol da comunhão de vida estável e duradoura que havia estabelecido com o réu; - Havia fortes laços de solidariedade recíproca entre ambos; - A autora tudo fazia para que nada faltasse à volta do réu quanto a conforto e bem-estar no plano dos sentimentos, da amizade, da dedicação e da afeição, da colaboração e da assistência; - Com tal vivência não se podia falar em simples namoro, mas antes de um "casamento não registado"; - Ao fim dos falados 12 anos, o réu passou a viajar sozinho para a cidade de Fortaleza, no Brasil, o que fazia várias vezes num ano e chegando a permanecer ali duas e três semanas de cada vez, sem dar notícias à autora, o que aconteceu em 2006 e 2007; - Descobriu a A. que o réu ia-se avistar com uma brasileira, de nome CC, de 21 anos, que conheceu através da Internet, com quem passou a falar diversas vezes, a partir de Portugal, por via da mesma Internet; - A partir daquele convívio do réu com a CC o relacionamento com dela com a autora alterou-se profundamente; - Deixou de sair com a autora e passou a ir a bailes e a chegar tarde a casa, ficando a autora sozinha na residência de ambos; - A autora não tolerava aqueles comportamentos do réu e viu-se obrigada a sair de casa, pois que se sentiu abandonada; - Após a saída da autora de casa onde residira com o réu, para ali entrou a referida CC que passou a viver com o mesmo réu, que com ela casou; - A autora sofreu enorme vexame, sentiu-se trocada por outra mulher pelo homem a quem dedicou uma vida; - A autora ficou ferida na sua dignidade de mulher e companheira e fortemente humilhada e traumatizada; - Tal situação provocou-lhe enorme mágoa, desgosto, depressão, angústia, desestabilização emocional e perda de convívio e de assistência; - Foi, assim, por terra a legítima expectativa de uma união saudável, estável e duradoura em comum com o réu tal como alimentou, projectou e desenvolveu e que ele bem conhecia; - O réu feriu em demasia a honra, consideração e orgulho da autora; - Não havia justificação para o réu proceder daquela forma; - A autora é uma pessoa sensível e educada que muito sofreu com a separação; - O réu foi o único culpado na dissolução desta União de Facto, isto só aconteceu por sua exclusiva vontade; - Numa união de facto estável e duradoura os companheiros, para o efeito, estão sujeitos a regras de respeito mútuo, de fidelidade, de coabitação, de assistência e de cooperação, ainda que não sejam casados; - Se não fosse tão séria a união de facto, que pode ser geradora de filhos e de família, passava a ser tão simples como qualquer associação precária; - Os companheiros, em tais circunstâncias, não devem ser considerados coisa descartável, que se usa e se joga fora depois quando "já não presta", sem quaisquer consequências; - Com o descrito comportamento do réu a autora sofreu danos patrimoniais, assentes no trabalho doméstico que desenvolveu durante a vivência com o réu e no custeio de despesas com a manutenção do lar de ambos; - Também a autora sofreu danos não patrimoniais com todo o sofrimento espiritual e psíquico a que o réu deu causa; - Os danos sofridos pela autora são indemnizáveis e merecem a tutela do direito; - O réu enriqueceu sem justa causa à custa da autora, enquanto esta empobreceu na mesma medida daquele enriquecimento; - Se não fosse o trabalho da autora o réu teria de suportar despesas com a alimentação e com todo o trabalho doméstico efectuado por ela na casa, nos móveis e nas roupas; - O enriquecimento do réu processou-se de forma indirecta, já que se manifestou de forma reflexa ou por efeito das prestações efectuadas pela autora; - A autora tem direito às indemnizações apontadas na p.i., que mais não seja a título de enriquecimento sem causa (Ac. do STJ de 15/11/95 e 31/05/2005 acima referenciados); - O Tribunal "a quo" não fez bom aproveitamento da prova gravada produzida em julgamento, nem da matéria que ele próprio deu como provada na decisão que proferiu; - A matéria de facto dada como provada contém discrepâncias em relação aos depoimentos gravados produzidos pelas testemunhas; - Foram violadas as regras dos artigos 473 e sgts e 496, todos do C. Civil e art.° 668º n.°1 alíneas c) e d) do C.P.C. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e condenando-se o réu em conformidade com os pedidos deduzidos pela autora. Não houve contra-alegações Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinadas situações se impõe ao tribunal, o objecto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC). Nas conclusões, o recorrente deve - de forma clara e sintética, mas completa – resumir os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto. Face ao exposto e às conclusões formuladas importa resolver: Segundo a recorrente, no acórdão recorrido verificam-se as nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 668º C.P.C. Não tem razão. Em primeiro lugar, não é especificada nenhuma razão para a conclusão formulada. E tinha de ser. Na verdade, a recorrente nada diz por que é que, onde é que, na decisão os fundamentos estão em oposição com o pedido ou onde é que o tribunal não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar ou tenha conhecido de questões de que não devia tomar conhecimento (com efeito, não identifica nenhuma das questões omitidas nem identifica nenhuma questão que teria sido conhecida, não devendo sê-lo). Ora não expondo/identificando o recorrente as suas razões fica o tribunal de recurso impossibilitado de as apreciar, como se reconhecerá. Importa ter presente que quando o tribunal não dá razão à pretensão da parte – lhe nega o direito que diz ter – não há qualquer omissão de pronúncia: o tribunal pronuncia-se, só que contrariamente ao pretendido pela parte[1]. Pelo exposto, improcede a alegada nulidade do acórdão. 2. Da decisão sobre a matéria de facto Como se sabe, o STJ conhece, em regra, somente de matéria de direito, aplicando aos factos provados pelo Tribunal da Relação o regime jurídico que julgue adequado – artigos 26.º da LOFTJ e 729.º, n.º 1, do CPC. Consequentemente, e como resulta nítido dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do CPC, está vedado a este Tribunal apurar eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. De facto, só muito raramente a decisão definitiva da matéria de facto não é uma decisão das instâncias. Assim não tendo sido questionada a decisão da matéria de facto, nos termos excepcionais acima referidos – a recorrente nada alega sobre a eventual violação de norma de direito material probatório – aquela tem-se como assente, para todos os legais efeitos, tal como foi definida pelo Tribunal da Relação. Com o descrito comportamento do réu a autora sofreu danos patrimoniais, assentes no trabalho doméstico que desenvolveu durante a vivência com o réu e no custeio de despesas com a manutenção do lar de ambos; - Também a autora sofreu danos não patrimoniais com todo o sofrimento espiritual e psíquico a que o réu deu causa; Em Lisboa, 06 de Julho de 2011 Sérgio Poças (Relator) Granja da Fonseca Silva Gonçalves _________________________ [1] Como se sabe, uma questão, no sentido que nos ocupa – a norma do artigo 668º, acima referida, deve aproximar-se do disposto no artigo 660º, nº 2 – constitui um ponto controverso da lide a ser dirimido pelo Tribunal e não as razões que fundamentem a resolução daquela concreta controvérsia. [2] Escrevem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira in Curso de Direito de Família (2003) ,pág. 118: “Não assumindo compromissos, os membros da união de facto não estão vinculados por qualquer dos deveres pessoais que o artigo 1672º do C Civil impõe aos cônjuges [3] França Pitão in Uniões de Facto e Economia Comum, pág.120 e121. [4] Embora a questão não tenha sido colocada expressamente, sempre se dirá que o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) não impõe que deva haver o mesmo regime legal para os cônjuges e para os unidos de facto. [5]Escrevem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit. pág. 128: “Vimos já que os membros da união de facto não assumem qualquer compromisso; cada um pode romper a relação quando quiser, livremente e sem formalidades, sem que o outro possa pedir uma indemnização pela ruptura .É a solução que resulta dos princípios gerais, pois nenhum deles tem o direito de exigir do outro que mantenha a relação e o seu interesse na manutenção da união de facto não está protegido por qualquer disposição legal destinada a proteger esse interesse….” (sublinhado nosso). [6] Como a recorrente reconhecerá, a situação presente não é semelhante à relatada no Ac. do STJ de 15/11/95, BMJ 451,38. O que neste acórdão estava em causa era a compra de prédios no período da união de facto como dinheiro da ali autora e réu, o que não se discute nos presentes autos. |