Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
085274
Nº Convencional: JSTJ00024548
Relator: MACHADO SOARES
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
EFEITOS
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL
CLÁUSULA GERAL
NULIDADE
Nº do Documento: SJ199407050852741
Data do Acordão: 07/05/1994
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N439 ANO1994 PAG516 - CJSTJ 1994 ANOII TII PAG170
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5858/93
Data: 10/28/1993
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CONST.
DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR OBG.
Legislação Nacional: DL 446/85 DE 1985/10/25 ARTIGO 3 N1 C ARTIGO 12 ARTIGO 19 C.
DL 171/79 DE 1979/06/06 ARTIGO 4 N2 ARTIGO 10 N1 ARTIGO 19 C ARTIGO 22 E ARTIGO 24 F ARTIGO 25.
DL 168/89 DE 1989/05/24 ARTUNICO.
CONST89 ARTIGO 81 C J.
CCIV66 ARTIGO 227 N1 ARTIGO 280 N2 ARTIGO 282 ARTIGO 283 ARTIGO 292 ARTIGO 400 ARTIGO 762 N2 ARTIGO 800 N1 N2 ARTIGO 809 ARTIGO 810 ARTIGO 811 ARTIGO 812.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1993/03/09 IN CJ TII ANOI PAG8.
ACÓRDÃO RL DE 1992/05/19 IN CJ TIII ANOXVII PAG178.
Sumário : É nula a cláusula geral de contrato de locação financeira que estabelece, para caso de incumprimento do contrato por falta de pagamento de rendas pelo locatário, o pagamento das rendas vencidas e vincendas e do valor residual dos equipamentos locados, e respectivos juros moratórios, face ao disposto nos artigos 12 e 19, alínea c) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Emoleasing - Sociedade Portuguesa de Locação Financeira SA veio instaurar a presente acção, com processo ordinário contra Sociedade Agrícola Frutas d'Orjais Comércio e Industria Lda., A, B, com vista a obter a condenação dos Réus no pagamento da quantia de 101977483 escudos, sendo 27051819 escudos correspondente ao valor global das rendas vencidas, IVA referente a todos os equipamentos locados, não pagar e respectivas indexações até à resolução unilateral dos contratos pela Autora; 4559620 escudos de juros de mora vencidos até 15 de Novembro de 1990 sobre a referida quantia de 27051819 escudos, ao que acrescerão os juros vincendos até integral pagamento; 68683350 escudos, referente ao valor total das rendas vincendas e dos valores residuais dos equipamentos locados, nos termos do artigo 15 n. 3 das "Condições Gerais" dos contratos, por efeito da resolução unilateral com justa causa dos mesmos; 1601794 escudos, valor total dos juros de mora vencidos sobre a aludida quantia de 68663350 escudos, calculados até 15 de Novembro de 1990, a que acrescerão os vincendos até efectivo pagamento; 60900 escudos, valor das notas de débito enviadas à Ré que esta não liquidou.
Os Réus contestaram esgrimindo, desde logo, com o facto da Autora nunca ter exigido à Ré Sociedade a restituição dos equipamentos, que era o direito que lhe assistia; e sustentando ser nula a cláusula 15 e 3 das "Condições Gerais" dos contratos, o que implicaria não poder o Autor reclamar o pagamento das rendas vincendas e do valor residual dos equipamentos.
Os Réus A e B denunciam, ainda, o facto de, enquanto fiadores, não terem sido citados para pagamento das quantias em dívida.

A acção foi julgada procedente, no saneador.
Interposto recurso, veio aquela decisão a ser alterada, na medida em que se absolveram os Réus "da parte do pedido consubstanciada no pagamento da quantia de 70265144 escudos, crescida de juros.
Inconformada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo.
a) Os recorridos aceitaram todas as cláusulas constantes dos contratos de locação financeira e, por isso, prestaram fiança.
b) Os contratos de locação financeira juntos aos autos foram licitamente resolvidos pela recorrente por falta de pagamento das respectivas rendas vencidas.
c) Os contratos de locação financeira todos celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n. 168/89 de 24 de Maio, foram sujeitos à aprovação do Banco de Portugal.
d) Aos contratos de locação financeira referidos não se aplica o Decreto-Lei n. 446/85 de 25 de Outubro (Clausulas Contratuais Gerais) por força da alínea c) do artigo 3 desse mesmo Decreto-Lei.
e) Da conjugação dos artigos 798 e 801 n. 2 do Código Civil resulta a faculdade de a recorrente cumular o direito à resolução do contrato com o direito a uma indemnização.
f) A cláusula 15 n. 3 dos contratos juntos aos autos não desproporcionada nem violadora de boa fé contratual em relação aos danos a ressarcir, tendo em conta os riscos assumidos pela recorrente.
g) A indemnização peticionada reflecte os danos advenientes para a recorrida com a resolução do contrato, nomeadamente os prejuízos financeiros inerentes ao crédito concedido para a aquisição dos bens locados.
h) É lícito à recorrente optar entre os dois regimes de indemnização contratados com a locatária.
i) A cláusula 9 n. 8 dos contratos de locação financeira não é nula uma vez que os juros aí peticionados às taxas legais, são moratórios e não compensatórios.
j) Por todo o exposto, são válidas as cláusulas 15 n. 3 e 9 n. 8 das "Condições Gerais" dos contratos de locação financeira pelo que devem ser aplicadas.
l) Deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, com as legais consequências.

Na contra-alegação, os Réus sustentam que deve manter-se o Acórdão recorrido.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
Alinhemos, antes de mais, ao facto que as instâncias consideraram como apurado:
Entre a Autora e a Ré Sociedade foram celebrados os contratos de páginas 7 a 93, tendo os Réus A e B intervindo neles como fiadores.
Os respectivos equipamentos foram entregues à Ré nas datas referidas nos documentos de páginas 94 a 121.
A Ré sociedade obrigou-se a pagar as rendas, nos termos dos documentos de página 122 a 142.
A Ré Sociedade não procedeu ao seu pagamento.
A Autora remeteu à Ré Sociedade e esta recebeu as cartas de páginas 142 a 151, a resolver os contratos por falta de pagamento de rendas.

Como bem pondera, a recorrente, nas suas alegações, "o âmbito do presente recurso está limitado por esta questão, qual seja a de saber se após resolver os contratos de locação financeira por falta do pagamento das rendas de locação, é-lhe lícito exigir uma indemnização aos recorridos, nos termos em que o fez", ou seja "pedir o pagamento das rendas vincendas e do valor residual, para além das rendas vencidas, ambas acrescidas dos respectivos juros".
Assente está que os contratos em referência se devem considerar como resolvidos, por iniciativa da ora recorrente, com fundamento na falta de pagamento de rendas de harmonia com a cláusula 15 das "Condições Gerais" dos contratos.
Também se tem como indiscutível, que, por virtude de tal ocorrência tem a recorrente direito às rendas vencidas e não pagas e aos respectivos juros de mora, desde a data dos respectivos vencimentos, até efectivo pagamento.
Pois bem: ao abrigo da cláusula 15 das Cláusulas Gerais do contrato em apreço, no caso de resolução, pelo motivo indicado, o locador fica obrigado a:
n. 2 alínea a) "Restituir o equipamento ao locador em lugar indicado por este..."
b) Pagar as rendas vencidas e não pagas acrescidas dos juros de mora..."
c) "A título de indemnização por perdas e danos sofridos pelo locador, pagar uma importância igual a 20 porcento do resultado da adição das rendas ainda não vencidas na data da resolução com o valor residual acrescido dos juros de mora ..."
3 Em alternativa ao n. 2 pode o locador optar por exigir o pagamento montante de todas as rendas vencidas acrescido de juros calculados nos termos do n. 8 do artigo 9, desde as datas de vencimento dessas rendas até às de sua efectiva cobrança das rendas vincendas e do valor residual".
Neste caso, a locadora optou com vista à determinação do quantum res pondiatur exigido por este segundo termo da alternativa de que dispunha ou seja, pelo convencionado no n. 3 da transcrita (no que aqui interessa) cláusula 15 das Cláusulas Gerais dos contratos em apreço.
Esta cláusula, na parte agora visada, configurada como cláusula penal, foi considerada abusiva, no Acórdão recorrido, por, segundo este, assumir uma feição meramente coercitiva e, como tal, declarada nula, nos termos dos artigos 12 e 19 alínea c) do Decreto-Lei n. 446/85 de 25 de Outubro, diploma este que, como se sabe, veio reger as cláusulas contratuais gerais" dos contratos de adesão.
Porém, de harmonia com a posição da recorrente, os contratos em apreço, na medida em que foram aprovados pelo Banco de Portugal, nos termos do n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79 de 6 de Junho não estão sujeitos ao regime das nulidades das cláusulas contratuais gerais, precisamente por terem sido ressalvadas pelo artigo 3 n. 1 alínea c) do Decreto-Lei n. 446/85 às cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas, com competência para limitar a autonomia privada, como sucede com aquele Banco.
E como a revogação do citado n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79, pelo artigo único do Decreto-Lei n. 168/89 de 24 de Maio, só ocorreu, obviamente, em data posterior à celebração, e aprovação pelo Banco de Portugal, dos contratos em apreço, isso em nada influiria, segundo a recorrente, na validade e eficácia de ressalva prevista do artigo 3, n. 1 alínea c) do Decreto-Lei n. 446/85, decorrente do assentimento dado por aquele banco, que, por isso mesmo, se manteria em vigor, neste caso.
Não sufragámos esta posição.
É que - aceitando mesmo que os contratos em causa foram aprovados pelo Banco de Portugal - o n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79 só exige a sujeição à aprovação prévia do Banco de Portugal dos "modelos de contratos - tipo de locação financeira mobiliária ou imobiliária".
Ora, não é a aprovação prévia desses modelos de contrato - tipo de locação financeira que está salvaguardada na alínea c) do artigo 4 do Decreto-Lei n. 446/85, mas sim "as cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada, o que consubstancia uma situação completamente diferente da prevista naqueloutro preceito (n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79).
Melhor dizendo: a ressalva no regime das nulidades traçado pelo Decreto-Lei n. 446/85, ínsita na alínea c) do n. 1 do seu artigo 3 tem em vista cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada", não cabendo obviamente nesta previsão a aprovação prévia do Banco de Portugal dos modelos de contratos - tipo de locação financeira mobiliária ou imobiliária, exigida pelo citado n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79. Logo, a prévia aprovação pelo Banco de Portugal feita em obediência ao n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79 - haja revogado pelo artigo único do Decreto-Lei n. 168/89 - não tem neste caso, o efeito de entravar a aplicação do regime das nulidades das cláusulas contratuais gerais, delineado pelo Decreto-Lei n. 446/85.
Outra questão.
Revestindo os contratos em apreço o figurino de verdadeiros contratos de adesão, "a liberdade do aderente fica praticamente limitada a aceitar ou rejeitar, sem poder realmente interferir, ou interferir de forma significativa, na conformação do conteúdo negocial que lhe é proposto, visto que o emitente das "condições gerais não está disposto a alterá-las ou negociá-las". Assim "se o cliente decidir contratar, terá de se sujeitar às cláusulas previamente determinadas por outrém, no exercício de um "law marking power" de que este de facto desfruta, limitando-se aquele pois, a aderir a um modelo prefixado "Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, página 748; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, páginas 96 e seguintes; Vaz Serra, Obrigações - Ideias Preliminares, 162 e seguintes; Antunes Varela Das Obrigações em geral, n. 54 alínea d); Almeida Costa, Direito das Obrigações, 196 e seguintes; Mota Pinto, "Contratos de adesão..." in Revisão Direito Est. Sociais, página 119 e seguintes).
Pode mesmo dizer-se que a aderente não tem, as mais das vezes, sequer, liberdade para aderir e que, como resulta da experiência da vida, fá-lo, quase sempre, debaixo de fortes pressões económicas, que não consegue vencer, se não através da sua adesão a tais contratos.
"As razões que explicam e legitimam este contrato" degenerado - cuja natureza contratual, aliás, se chega mesmo por vezes a questionar - não manifestar, constituindo o contrato de adesão uma prática irreversível e ineliminável, destinada a satisfazer interesses objectivamente justificados da empresa (Pinto Monteiro, obra citada, página 749).
Mas, se num contrato negociado "o conteúdo deste beneficia da presunção de que corresponderá à vontade de ambas as partes, isso já não acontece, porém, em contratos de adesão cujo conteúdo resulta, de facto, de uma vontade apenas dispondo esta, para o efeito, de todo um arsenal de técnicos e de meios para se impor à contraparte.
Esta não tendo possibilidade de intervir na conformação do contrato também não poderá na maioria dos casos, recusar-se à sua celebração, carecendo de alternativa real para a aquisição do bem ou serviço de que necessita (Pinto Monteiro, obra citada, página 750).
Repare-se, ainda, que a vontade do aderente, para além de não ser livre, também não estará, na maioria dos casos, plenamente esclarecida, mesmo que se leia o manancial de cláusulas extensas, impressas em letra miúda e postas perante um potencial aderente carecido de conhecimentos jurídicos (Correia dos Santos, Cláusulas Contratuais Gerais, página 35 e seguintes).
Por tudo isto, impunha-se - com vista a minorar o prejuízo aqui existente do princípio da autonomia da vontade, a desigualdade realmente verificada entre as partes, e a se exercer uma sindicância destinada a defender os aderentes a tais contratos - a criação dum sistema legal de controlo e reacção capaz de pôr cobro aos abusos cometidos, pelas razões apontadas.
De rerto, as alíneas c) e j) do artigo 8) da Constituição da República Portuguesa clamam no mesmo sentido, ao prescreverem deverem ser reprimidos os abusos do poder económico e todas as práticas lesivas do interesse geral, devendo proteger-se o consumidor.
Assim - e por se considerar insuficiente, para tal efeito, o recurso a certas "válvulas de segurança" do nosso sistema, legislativo claramente hostis a cláusulas gerais dos contratos que se mostrem injustas e desleais, como, v. g., os princípios da boa fé (artigo 227 n. 1 e 762 n. 2 do Código Civil), da ordem pública e dos bons costumes (artigo 280 n. 2 do mesmo diploma), a disciplina dos negócios usurários (artigo 282 e 283, ainda do Código Civil), o critério dos juízos de equidade (artigo 400, também do mesmo Código), os limites da regulação convencional da responsabilidade (artigo 800 n. 2 e 809, ambos do mesmo diploma), etc (cfr. Almeida Costa, obra citada, 3 edição, página 206 - 207; Antunes Varela, obra citada, volume I, 2 edição, página 222-223) - houve necessidade de se lançar mão, tendo em conta a lição dos precedentes estrangeiros e as directivas dimanadas do Conselho da Europa, a este sujeito, dum novo regimento que desse cabal satisfação aos fins pretendidos, tendo em conta a peculiaridade das cláusulas contratuais enfocadas (cfr. Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais gerais - Preâmbulo).
Esse regimento contem-se no Decreto-Lei n. 446/85 de 25 de Outubro.
Ponto que interessa sobremaneira aqui realçar, como elemento diferenciador do regime geral das cláusulas penais, inserto nos artigos 810 a 812 do Código Civil é o de que as cláusulas penais, em contratos de adesão, quando abrangidas pelo mencionado diploma legislativo (Decreto-Lei n. 446/85), "se forem desproporcionadas aos danos a ressarcir não são meramente redutíveis antes feridas de nulidade, por conjugação do disposto no artigo 19 alínea c) com a doutrina do artigo 12" (Pinto Monteiro, obra citada, página 753).
Posto isto, é altura de verificarmos se existe realmente, como se sustenta no Acórdão recorrido, a assinalada "desproporção" a qual a verificar-se justificaria a nulidade das cláusulas em apreço, de harmonia com os preceitos citados.
Entendemos que sim.
Basta pensar em que o uso dos equipamentos locados, mesmo por prazo diminuto, como aliás sucede neste caso, faz logo deflagrar o pagamento de todas as rendas vencidas e vincendas e respectivos juros, o que exorbita, desmedidamente, o preço de tais equipamentos e quaisquer possíveis danos decorrentes do incumprimento, para já não falar na injustificada e aberrante exigência de juros das rendas vincendas.
E não se diga, em contrário, que a validade da cláusula em apreço, sempre se justificaria tendo em consideração o risco assumido pela locadora, derivada do facto de ter que aceitar o bem locado, se o locatário decorrido o prazo do contrato, o não adquirir, como produto sem valor ou de reduzido valor comercial, mercê do desgaste nele verificado, em consequência do uso prolongado (Acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1993, in Colectânea - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo II página 10 e seguintes).
É que esse risco está sempre incluido no valor das rendas não constitui um elemento a valorar autonomamente (cfr. Maria Teresa Veiga de Faria, Leasing e Locação Financeira, in Cadernos de Ciências e Técnica Fiscal, página n. 480, Acórdão de Relação de Lisboa, de 19 de Junho de 1992, Tomo III, página 178 e seguintes).
Nem se objecte que a ponderação deste elemento não está expressamente prevista no artigo 10 n. 1 do Decreto-Lei n. 171/79 que discrimina os factores que devem ser atendidos na fixação do montante das rendas.
Efectivamente ao valorizar para tal efeito, além de mais, a "margem do lucro", está a lei, implicitamente, a considerar também o eventual desvalor dos riscos, pois, sem a ponderação destes, não é possível calcular "a margem do lucro".
E os restantes riscos atinentes à perda e deterioração da coisa, correm por conta da locatária, nos termos do artigo 25 do citado Decreto-Lei n. 171/79, sendo certo que para cobri-los - e para cobrir também os "prejuízos causados pelo equipamento qualquer que seja a sua causa" - esta, nos termos da cláusula 12 das Condições Gerais do contrato, é obrigada a subscrever apólices, junto de uma companhia de seguros portuguesa reconhecidamente solvente, quer garantam "por um lado, a responsabilidade civil ilimitada do locatário por forma a excluir qualquer acção jurídica contra o locador proprietário e, por outro lado, o equipamento locado contra todos os riscos, nomeadamente os de incêndio, roubo, furto, inundação, explosão, raio e destruição pelo seu valor de aquisição".
As apólices devem mencionar que o bem é propriedade exclusiva do locador e que, em caso de sinistro, a indemnização deve ser paga directamente pela seguradora ao locador, renunciando aquela a qualquer acção contra esta.
Os prémios ficam a cargo da locatária, devendo ser pagos directamente à seguradora (cfr. Leite de Campos, "Ensaio em Análise Teológica do Contrato de Locação Financeira, Boletim Foc. D.; Coimbra, XVIII, página 44-45.
Portanto, é a locatária que suporta o risco da perda ou deterioração da coisa, da sua obsolescência económica, do seu desgaste físico. E ainda dá a garantia de seguro desses riscos.
Daqui resulta que ao locador, a nível de riscos, pouco resta e mesmo esse resíduo ainda é incluído, como vimos, no valor das rendas.
Não há, pois, que esgrimir com tal elemento, a seu favor.
Interessa agora realçar que se a Lei elege como critério para a determinação da excessividade da pena a sua desproporção em face dos danos a ressarcir (artigo 19 alínea c) do Decreto-Lei n. 446/85) o que tem como subjacente a noção de que pretende medir pelo valor do dano o montante da pena, então, perante isto e tendo em contas demais premissas postas, forçosos é considerar que tal desproporção se verifica neste caso, de modo particularmente chocante, inculcando a ideia de que a cláusula em apreço tem aqui uma função meramente coercitiva e não indemnizatória - que é obviamente a pensada naquele preceito - sendo, portanto nula de acordo com as disposições combinadas do artigo enfocado é do preceituado no artigo 12 do mesmo diploma.
Pinto Monteiro (obra citada, página 726, nota 1626) informa que, com a difusão do contrato de locação financeira, se tornou frequente, "maxime" em França a inclusão de uma cláusula em tudo idêntica à aqui tratada também vigorante para o caso da resolução do contrato por falta de pagamento de alguma mensalidade - cláusula que aquele Autor não hesita em qualificar de "carácter draconiano" - tendo sido ensaiadas, desde logo, várias tentativas, ainda no âmbito do "lode" a fim de combaterem o abuso e a flagrante injustiça a que ela conduzia, uma vezes com base no abuso do direito ou na fraude à lei, e outras pondo em destaque a ideia de ser contrária à ordem pública.
Mas, o que interessa aqui acentuar é o repúdio generalizado por uma cláusula como a sub júdice, geradora de graves desequilíbrios e de soluções notoriamente injustas.
Felizmente que já possuímos um texto legal, que nos permite concluir, como há pouco concluímos, pela nulidade de tal cláusula, sem necessidade de recorrermos a outros expedientes legislativo menos cómodos, na justificação dessa mesma solução.
Poderia pensar-se que não prevendo a cláusula em apreço uma pena pecuniária de montante fixo, como é habitual nestes casos, ela não configuraria uma verdadeira cláusula penal.
Mas não é assim: a pena pode traduzir-se numa prestação não determinada; o que interessa é que seja determinável (Pinto Monteiro, obra citada, página 49; Vaz Serra, Pena Convencional, n. 1, Boletim 17; Pires de Lima. Antunes Varela, Anotado, II, 3 edição, página 74), como sucede inequivocamente neste caso.
Se avançarmos agora, um pouco mais, na, análise do conteúdo da cláusula em referência, verificamos que ela encerra, também, a obrigatoriedade, do lado da locatária, de adquirir os equipamentos locados - pagando, para isso, as rendas vencidas, vincendas, respectivos juros e o valor residual - se o locador entender optar por essa mesma cláusula, em caso de incumprimento.
Ora, é da essência do contrato de locação financeira não forçar o locatário a adquirir a coisa locada; ele só a adquire se optar por isso (cfr. artigos 19 alínea c), 22 alínea e), 24 alínea f) do Decreto-Lei n. 171/79 de 6 de Junho).
E não se pode deixar de considerar esta directiva legal como consubstanciando uma autêntica norma imperativa, destinada a evitar possíveis abusos por bando do proponente do contrato, dada a sua posição de força na fixação do conteúdo do negócio. Ele pode ser obrigado a vender, mas não pode impor a venda.
Trata-se de uma norma que não pode ser derrogada por vontade das partes por, no fundo, se integrar, também, na luta, que é de premente interesse público, com assento, como atrás se referiu, na nova Constituição, contra os abusos do poder económico e em defesa do consumidor.
Assim, a cláusula em apreço, na medida em que conflitua com a norma imperativa enfocada, é nula, nos termos do artigo 280 n. 1 do Código Civil, sem que, obviamente, isso afecte a validade do negócio onde se insere, como decorre do disposto no artigo 292 do mesmo diploma.
Repare-se, por último, que a proclamada nulidade da cláusula referenciada não fecha as portas à possibilidade da Autora, ora recorrente, se ressarcir de quaisquer prejuízos que porventura subsistam como decorrência da resolução dos contratos, consequente ao inadimplemento por parte da Ré recorrida.
Problema que, a este nível, se pode suscitar é o de saber se a indemnização eventualmente devida visa o "dano de confiança" ou se se identifica com o "interesse de cumprimento (cfr., por todos, Brandão Proença, in A Resolução do Contrato no Direito, página 199 e seguintes).
Mas esta questão já não tem aqui cabimento.
Nestes termos, nega-se a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
5 de Julho de 1994.
Machado Soares;
Fernando Fabião;
Silva Montenegro.