Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4212/07.8TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
DESPEDIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 01/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. Em direito laboral, para se reconhecer direito ao trabalhador a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá aquele de provar que houve violação culposa dos seus direitos por parte do empregador, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.

II. No que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc..

III. Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.

IV. Assim, se se verificar que esses danos não patrimoniais não têm especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por aqueles danos.

V. O facto de no caso se ter provado que o processo disciplinar provocou sofrimento e angústia ao trabalhador e agravou o seu estado de saúde, não oferece motivo bastante para fundamentar uma condenação em indemnização por danos não patrimoniais, por não se terem provado elementos concretos para aferir do relevo do sofrimento, da angústia e do agravamento da doença.

Decisão Texto Integral:        

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA, jornalista, intentou a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra a Rádio e Televisão de Portugal, SA, pedindo que:

a) se declare ilícito o despedimento do Autor e, em consequência, se condene a Ré a reintegrar o mesmo, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos termos do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 436.° do Código de Trabalho;

b) ou, em alternativa, se condene a Ré a pagar ao Autor indemnização a fixar pelo Tribunal entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contando-se, para o efeito, o tempo decorrido até ao trânsito em julgado da decisão judicial, nos termos do disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 439° do Código do Trabalho, de acordo com a opção que o Autor exercerá até à prolação da mesma;

c) se condene a Ré a pagar todas as retribuições que o Autor deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença;

d) se condene a Ré no pagamento ao Autor de € 25.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do disposto no artigo 496° do Código Civil e no artigo 436° do Código do Trabalho;

e) se condene a Ré a corrigir a evolução da carreira profissional do Autor e, em função disso, reconhecer-lhe a categoria de jornalista do Grau 1, Nível 7, escalão 0, desde a admissão, com passagem para o Escalão 1 em 1 de Abril de 1999 e para o escalão 2 em Abril de 2002;

f) se condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 7.935,42, peticionada a título de diferenças salariais;

g) se condene a Ré a pagar a quantia de € 4.357,84, a título de juros de mora já vencidos, a que devem acrescer os vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegou que:

É jornalista, portador de carteira profissional, e está filiado no Sindicato dos Jornalistas desde Junho de 1990;

Em Abril de 1996, celebrou com a Ré um contrato de trabalho, tendo sido admitido com a classificação de estagiário, mas por já ser detentor da carteira profissional deveria ter sido admitido com a categoria de jornalista do grau 1, escalão 0, razão pela qual pede a condenação da Ré a corrigir a evolução da sua carreira profissional, com passagem para o escalão 1, em 1 de Abril de 1999, e para o escalão 2, em Abril de 2002, e a pagar-lhe as respectivas diferenças salariais no valor de € 7.935,42 e respectivos juros de mora estando já vencidos € 4.357,84 e vincendos até integral pagamento;

O Autor veio a ser alvo de um processo disciplinar, no ano de 2007, que culminou com o seu despedimento;

Porém, tal despedimento é ilícito em virtude do processo disciplinar ser nulo, por violação do disposto no n.° 1 do artigo 414° do Código de Trabalho e por inexistir justa causa para o mesmo despedimento.

Reclama os direitos decorrentes da ilicitude do despedimento e a quantia de € 25.000, a título de danos morais.

A Ré contestou, alegando, em suma, os factos que, em sua opinião, constituem justa causa de despedimento e afirmou a validade do processo disciplinar, pelo que entende que o despedimento deve ser declarado lícito, com a consequente absolvição da Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor.

Realizou-se a audiência preliminar, no âmbito da qual foi elaborado despacho saneador com a indicação dos factos assentes e da base instrutória.

Efectuou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença com a seguinte DECISÃO:
"Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente:
a) declaro ilícito o despedimento do Autor porque não se verifica qualquer conduta que possa configurar justa causa de despedimento;
b) condeno a Ré a pagar ao Autor a importância, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor das retribuições, incluindo de férias e os subsídios de férias e de Natal, que o Autor deixou de auferir desde 12 de Agosto de 2007 até trânsito em julgado da sentença, deduzida do montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento;
c) condeno a Ré a reintegrar o Autor ao seu serviço, no seu local de trabalho e com a categoria, vencimento e antiguidade que lhe competirem;
d) condeno a Ré a pagar os juros de mora, à taxa legal de 4%, calculados sobre as quantias em que venha a ser condenada, contados desde a data do vencimento até integral pagamento.
No demais vai a Ré absolvida."

O Autor, notificado desta decisão, arguiu a nulidade da mesma e interpôs recurso restrito ao pedido de condenação da Ré na quantia de € 25.000, a título de danos não patrimoniais e ao pedido relativo ao seu enquadramento profissional.

Tendo os autos prosseguido seus termos veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se acordou, por unanimidade, em negar provimento à apelação.

Mais uma vez inconformado, o Autor interpôs recurso de Revista para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
«A) O acórdão, ora recorrido, absolveu a Ré do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização, de valor não inferior a € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais, por entender não se terem verificados danos concretos;
B) Resulta da matéria de facto dada como provada que após ter tido conhecimento da instauração do processo disciplinar o Autor entrou numa situação depressiva, tendo o mesmo ficado de baixa, comprovada pelo médico da empresa Ré, durante quase dois anos;
C) Com a instauração do processo disciplinar e consequente despedimento, o Autor viveu numa situação de angústia e desespero, a qual resultou no agravamento do seu estado de saúde;
D) O dever de indemnizar resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos depende dos seguintes pressupostos: Facto voluntário do agente; A ilicitude desse facto; Nexo de imputação do facto ao lesante; Que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano; Existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima;
E) No caso em apreço, atentos os factos provados, conclui-se não só que todos estes pressupostos estão preenchidos como os danos sofridos pelo Autor são dignos de tutela jurídica efectiva, devendo a sua compensação ser fixada equitativamente pelo Tribunal, em valor não inferior a € 25.000,00;
F) Ao não condenar a Ré no pagamento ao Autor de uma indemnização por danos não patrimoniais o Acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 436º nº 1 alínea a) do Código do Trabalho e 496º  nº l e 3 do Código Civil;
G) Acórdão sob censura deve, pois, ser revogado e substituído por outro que condene a Ré no pagamento ao Autor de uma indemnização por danos não patrimoniais, em valor não inferior ao peticionado de € 25.000,00, uma vez que a gravidade dos danos sofridos pelo autor merece a efectiva tutela do direito;
H) Peticionou também o recorrente a condenação da empresa Ré a fazer o correcto enquadramento profissional do Autor e, em função disso, proceder ao pagamento das respectivas diferenças salariais;
I) Ficou provado que o autor é jornalista desde 1979, que em Abril de 1996 foi admitido ao serviço da Ré para o exercício das funções de jornalista/redactor na redacção da RDP África e que nessa data já era detentor de carteira profissional à data da sua admissão;
J) Em relação aos trabalhadores abrangidos por uma convenção colectiva, como é o caso do Autor, que se encontra filiado no Sindicato dos Jornalista, a determinação do respectivo estatuto, em particular no plano remuneratório, faz-se em boa parte, pela subsunção das funções efectivamente exercidas a uma das categorias descritas nos sucessivos AE's assinados por este sindicato, às quais corresponde uma específica posição salarial, assim como a um certo sistema de carreiras;
K) Às categorias definidas, para este efeito, nos instrumentos de regulamentação colectiva cabe, como supra se referiu, a designação de categorias normativas, que é aquela que nos interessa no caso em apreço;
L) As relações laborais estabelecidas entre as partes, no decurso do lapso temporal a que os autos se reportam (Abril de 1996 a Abril de 2002) foram sucessivamente reguladas pelo AE/RDP, publicado no BTE nº 25, de 8 de Julho de 1993, com as alterações publicadas posteriormente no BTE nº 27, de 22.07.94, no BTE nº 21, de 08.06.95, no BTE nº 20, de 29.05.96, no BTE nº 19, de 22.05.97, no BTE nº 19, de 22.07.98, no BTE nº 19, de 22.05.99, no BTE nº 18, de 15.05.2000, no BTE nº 18, de 15.05.2001 e no BTE nº 16, de 29.04.2002 e a partir de Janeiro de 2006 pelo ACT/RTP-RDP publicado no BTE nº 21, de 08.06.2006.
M) São pois estes os instrumentos de regulamentação colectiva que terão de ser considerados e interpretados;
N) Alega o Recorrente que tendo sido admitido para o exercício das funções de jornalista/redactor e tendo carteira profissional à data da admissão, ou seja, tendo já concluído o seu estágio profissional quando foi admitido na Ré, o seu enquadramento profissional deveria ter evoluído a partir da categoria profissional de jornalista do grau I, nível 7, escalão 0;
O) Ora, de acordo com o AE/RDP a carreira de jornalista comportava as seguintes categorias/níveis: candidato; jornalista estagiário do 1º ano; jornalista estagiário do 2º ano; jornalista do grau l/nível 7; jornalista do grau 2/nível 9; jornalista do grau 3/nível 10;
P) O candidato era definido como o trabalhador que se prepara, durante um período experimental de 180 dias consecutivos, para ingressar na profissão;
Q) O jornalista estagiário era o trabalhador que se prepara, durante dois anos, para exercer as funções de jornalista;
R) O jornalista era o trabalhador que obtém e selecciona informações por meio de observações directas, entrevistas, inquéritos ou qualquer outro processo, redigindo-as numa linguagem viva, clara e concisa, podendo ou não apresentá-las. Assegura a produção e realização de programas informativos, mesas-redondas, reportagens de assuntos nacionais e internacionais. Procede à montagem do material informativo;
S) Tendo ficado provado que o ora Recorrente foi contratado para exercer as funções de jornalista/redactor, as quais de facto sempre exerceu desde a sua admissão, terá de concluir-se que a Ré quis a prestação de trabalho de um jornalista já "feito", com experiência profissional, titular de carteira capaz de responder integralmente pela realização de todos os trabalhos que lhe fossem atribuídos, dos mais simples aos mais complexos, trabalhando no terreno com autonomia técnica e independência profissional e capaz até de acompanhar verdadeiros estagiários. Ora, este quadro em que laborou o Recorrente, de modo algum se pode coadunar com aquilo que uma pessoa que se candidata à profissão é capaz de desempenhar;
T) Assim sendo, o Recorrente tem direito a que lhe seja reconhecido o estatuto da categoria profissional correspondente às funções efectivamente exercidas.
U) Sendo titular de carteira profissional e desempenhando as funções de Jornalista/Redactor, o Recorrente deveria ter sido enquadrado como Jornalista de Grau I - Nível 7 - Escalão 0, progredindo automaticamente no escalão de 3 em 3 anos, de acordo com o disposto na cláusula 20.ª do AE da RDP;
V) Neste segmento decisório, o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 22.º da LCT e o disposto nos IRCTs aplicáveis, concretamente o AE da RTP, nomeadamente o Anexo IV sobre a carreira de jornalista e a cláusula 20.ª;
W) Ao exigir a carteira profissional para a admissão na categoria/carreira de jornalista-‑estagiário, (o que se repete, é público e notório que embora tenha resultado provado não é verdade!) a ora Recorrida está a submeter os já jornalistas a um novo estágio profissional, violando o regime de estágio do jornalista, fixado pela Portaria nº 318/99, de 12 de Maio, e ainda o disposto nos artºs. 4.º e 5º do Estatuto do Jornalista (este ultimo regulado pela referida Portaria);
X) Os argumentos aduzidos no Acórdão sob censura é que pecam por não distinguir entre as condições necessárias para o exercício da profissão de jornalista e os requisitos de admissão para uma carreira/categoria profissional na estrutura organizativa da empresa;
Y) Com o devido respeito, é o Acórdão sob censura, que peca por ignorar que no caso do jornalismo a profissão só pode ser exercida concluído o estágio obrigatório com aproveitamento. É um imperativo legal e de ordem pública que o Tribunal não pode ignorar. É também uma norma convencional a que a Recorrida se obrigou quando estabeleceu com o Sindicato dos Jornalistas que logo que se mostre realizado o estágio profissional (na empresa ou noutra qualquer) tinha de classificar o jornalista na categoria profissional de jornalista do Grupo I;
Z) Neste caso a livre iniciativa da Recorrida mostra-se condicionada por normas de interesse público e por obrigações contratuais que estabeleceu livremente. Contrariando a tese expendida no douto Acórdão, o Recorrente tinha o direito a ser integrado na categoria de Jornalista do Grupo I, não podendo a Recorrida, apenas por mera economia, violar tais regras;
AA) Pelo que o Acórdão sob censura viola o regime de estágio do jornalista fixado pela Portaria nº 318/99, de 12 de Maio e, ainda, os disposto nos arts. 4.º e 5º do Estatuto do Jornalista (este ultimo regulado pela referida Portaria);
BB) O Acórdão sob censura deve ser revogado e substituído por outro que reconhecendo ao Autor o direito à progressão profissional reclamada condene a Ré no pagamento das diferenças salariais conforme liquidadas na acção, o que inclui as diferenças relativas aos subsídios de férias e de Natal, num total de € 7.935,42, ao qual acrescem os juros de mora vencidos, que calculados à taxa legal desde a data do vencimento de cada uma das prestações ascendiam à data da entrada de acção a € 4.357,84, bem como aos juros vincendos até integral pagamento.
NESTES TERMOS
E nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o acórdão sob censura ser revogado e substituído por outro que julgue procedentes todos os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrente, assim se fazendo Justiça!».

A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo:
«I. Foi a Recorrida, acertadamente, absolvida do pedido de condenação de uma indemnização por danos morais, em virtude de o Recorrente não ter logrado provar a gravidade dos danos que invocou.
II. Uma das pedras basilares da responsabilidade civil é a existência de danos efectivos que devam ser ressarcidos, por merecerem a tutela do direito. Tal não sucedeu no caso dos autos!
III. Não tendo sido feita prova de que a imagem do Recorrente foi afectada pela conduta da Recorrida, a circunstância de tal conduta ser passível de influenciar, negativamente, a imagem profissional do Recorrente não tem qualquer relevância jurídica, nem pode ser tomada em linha de conta para apreciar o pedido de condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização por danos morais.
IV. De igual modo, o facto de se ter provado que o Recorrente construiu a sua imagem a pulso, ao longo dos anos, à custa da sua dedicação e esforço pessoal, tendo conseguido obter junto dos profissionais da sua área e das pessoas e entidades que ao longo da sua carreira profissional tem entrevistado grande consideração e reconhecimento profissional, não assume qualquer relevo.
V. Este facto que poderia ser importante na decisão a tomar, apenas poderia ser levado em linha de conta se estivesse associado à prova de que tal imagem - construída a pulso e com esforço pessoal - foi afectada, de forma negativa, pelo comportamento da Recorrida, o que, como decorre do que se deixou dito, não sucedeu.
VI. Assim sendo, no que aos danos morais diz respeito, o Recorrente apenas logrou provar, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: "A sujeição a um processo disciplinar que culminou no despedimento provocou no Autor sofrimento e angústia que agravaram o seu estado de saúde" e que "O Autor tem vivido em estado de angústia".
VII. Como bem refere o acórdão recorrido, o Recorrente tinha que ter alegado (o que não fez) e provado que a gravidade dos danos, a dimensão da angústia e do sofrimento porque passou são de tal forma graves que merecem a tutela do direito, não se reconduzindo à angústia e sofrimento naturalmente sentidos por quem é alvo de um processo disciplinar.
VIII. Sucede que o Recorrente não logrou provar nada disso, tendo ficado apenas demonstrado que, em virtude do despedimento de que foi alvo, sofreu, ficou angustiado e viu o seu estado de saúde agravado.
IX. Mas esta angústia com a perda de emprego, com a diminuição de rendimentos, com o aumento do custo de vida, é uma angústia normal, no sentido de que faz parte da vida, do dia a dia de todos nós, não sendo grave ao ponto de merecer a tutela do direito.
X. Por outro lado, o facto de o Recorrente ser uma pessoa com diversos problemas de saúde (cujo foro se desconhece) não aumenta a gravidade dos alegados danos morais que o mesmo sofreu.
XI. Ao invés, tal facto - ao qual a Recorrida é totalmente alheia e para o qual em nada contribuiu - atenua a gravidade dos danos morais em causa, dado que é certo e sabido que as pessoas têm diferentes formas de lidar com as situações e que uma pessoa mais sensível ou mais propensa a determinados estados de doença é mais propícia a padecer de sofrimentos de angústia que agravem o seu estado de saúde.
XII. Ora, a tutela do direito à indemnização por danos morais faz-se tendo em consideração a situação concreta mas igualmente aquela que seria a reacção de um homem médio, e este, certamente que ficaria angustiado com a possibilidade de perder o emprego, mas tal angústia, como já mencionado, é usual, comum, normal não sendo suficientemente grave (excepto quando tal gravidade seja demonstrada processualmente) para merecer a tutela do direito.
XIII. Isto mesmo decorre quer do acórdão recorrido e dos arestos citados na sentença proferida nos autos, quer da sua fundamentação sobre este pedido, quer de outras decisões judiciais de extrema relevância nesta matéria, de entre as quais se citam o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.09.2007 e o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.03.2010, ambos em www.dgsi.pt.
XIV. Entende o Recorrente que se à data em que foi contratado pela Recorrida (Abril de 1996) já era titular da carteira profissional de jornalista (e, ainda para mais, se já desempenhava as funções de jornalista desde 1979), não poderia a Recorrida ter-lhe atribuído a categoria profissional de Jornalista Estagiário, pois que Jornalistas Estagiários, nos termos do Estatuto dos Jornalistas, são as pessoas que ainda não são titulares da carteira de jornalista.
XV. Salvo o devido respeito, o Recorrente parece desconhecer (ou preferir ignorar), por um lado, os factos que foram dados como provados nos autos e, por outro, a distinção jurídica entre as condições necessárias para o exercício de uma determinada profissão e os requisitos de admissão para uma determinada carreira/ categoria profissional na estrutura organizativa de uma empresa.
XVI. No que à matéria de facto diz respeito, com interesse para esta questão, ficou provado, entre outros, que: "A Ré para a admissão para a categoria profissional de jornalista estagiário exige que o candidato tivesse a posse de carteira profissional".
XVII. Ou seja, independentemente da experiência profissional do candidato à carreira ou da data em que o mesmo tenha obtido a sua carteira profissional, para a admissão na carreira/categoria profissional de Jornalista a Recorrida exigia que o candidato fosse titular da carteira profissional de Jornalista e a admissão na categoria fazia-se, sempre, no grau designado por Jornalista Estagiário.
XVIII.        Tal facto - que o Recorrido olvida em absoluto - é, per si, suficiente para concluir que a simples circunstância de o Recorrido ser titular da carteira profissional de jornalista na data em que foi admitido ao serviço da Recorrente (ou de ter já uma carreira de 7 anos) não lhe atribuía (como não atribui) o direito a um diferente enquadramento profissional e, em particular, a ser enquadrado, desde a data da sua admissão, como Jornalista de Grau I.
XIX. Não obstante, o Recorrente parece pretender que esta exigência da Recorrida (exigência que decorria quer da prática da empresa quer das normas constantes do Acordo de Empresa vigente à data dos factos) colidia com as normas legais vigentes à época, em particular, com o Estatuto dos Jornalistas (citado pelo Recorrido), na medida em que tais normas reservavam a designação de Jornalista Estagiário para as pessoas que não sendo titulares da carteira profissional de jornalista, desempenhassem estas funções, durante um período de aprendizagem que lhes permitiria, mais tarde e desde que cumpridos determinados requisitos, exercer, "de pleno direito" a profissão de jornalista.
XX. O Estatuto dos Jornalistas (na versão aprovada pela Lei n.° 62/79, de 20.09, vigente à data dos factos em causa nos presentes autos) regula, somente, as condições em que alguém pode exercer a profissão de jornalista, e não se imiscui (como, aliás, nem poderia fazer) nas condições ou requisitos que uma determinada empresa estipula como sendo essenciais ao ingresso numa categoria profissional integrada na sua estrutura organizativa.
XXI. Assim, quem reunir as condições e os requisitos previstos no diploma legal em referência, pode desempenhar as funções de Jornalista, ou seja, pode ser Jornalista de profissão.
XXII. No entanto, o facto de uma determinada pessoa poder, nos termos das normas legais que regulam o acesso à profissão, exercer a profissão de Jornalista não é sinónimo de que tenha o direito a ser integrado numa certa categoria profissional, que se configura segundo regras próprias que nada têm a ver com o Estatuto do Jornalista.
XXIII.        Pois que as empresas, no exercício do seu direito constitucionalmente consagrado de livre iniciativa económica, são livres de exigirem requisitos acrescidos para que um determinado profissional exerça a sua profissão na sua estrutura organizativa, integrado numa concreta categoria  profissional, com regras próprias (e  muitas  vezes  mais restritas).
XXIV.        Esta liberdade é, aliás, reconhecida por todos, ainda que apenas empiricamente, bastando ler qualquer anúncio de emprego para chegar a tal conclusão.
XXV.          Quantas são as empresas que exigem, para o acesso a uma determinada categoria profissional, que o candidato a esta não só possa exercer a profissão que lhe corresponde, nos termos legalmente regulamentados para o efeito, mas que tenha um conjunto de requisitos e habilitações adicionais?
XXVI.        Estas exigências acrescidas não violam nenhuma norma legal porque estamos perante situações distintas: o exercício de uma determinada profissão e as condições que uma pessoa tem de reunir para esse exercício são realidade bem distinta do ingresso numa concreta categoria profissional integrada na estrutura organizacional de uma empresa.
XXVII. Como bem refere Bernardo da Gama Lobo Xavier, ao tratar das diversas acepções que o termo categoria pode ter (in Iniciação ao Direito do Trabalho, 3.ª Edição, actualizada e revista, Verbo): Num terceiro sentido a categoria refere-se à posição em que o trabalhador se encontra e na qual tem de ser classificado ou qualificado, de acordo com a regulamentação colectiva aplicável, pela correspondência das suas funções a uma dada "categoria" ou "classe", relevante para efeitos de hierarquia salarial e outros. (...) Note-se que a posse desta categoria normativa se não define muitas vezes apenas pelas funções, sendo relevante a preparação escolar básica, a aptidão profissional certificada (por ex. em exames), a experiência, o nível de autonomia e de responsabilidade, etc. Aquilo que o trabalhador é, faz e deve fazer corresponde uma certa posição que tem por fonte as normas que regem a relação de trabalho.
Categoria, nesta acepção, significa, pois, uma designação a qual se reporta um estatuto próprio de acordo com o prescrito por referência aos quadros, descritivos e tabelas dos instrumentos de regulamentação colectiva. Neste sentido se poderá falar de um verdadeiro direito ã categoria, ou direito à qualificação. Estaremos assim em presença de categoria normativa ou estatutária.
XXVIII. Deste modo, a Recorrida, ao estabelecer como condição de ingresso na categoria de Jornalista na sua estrutura empresarial a titularidade da carteira profissional, mais não fez do determinar os requisitos necessários à atribuição aos seus trabalhadores de uma determinada categoria normativa (com todas as implicações e consequências inerentes).
XXIX.        O mesmo sendo aplicável ao facto de a carreira de Jornalista na Recorrida se iniciar - nos termos do Acordo de Empresa aplicável à data da contratação do Recorrente - sempre no nível de Jornalista Estagiário, para cujo ingresso a Recorrida (atentas as normas jurídicas constantes do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável) exige a posse da carteira profissional de Jornalista.
XXX.          Estamos, assim, somente perante duas realidades distintas: as condições de acesso ao exercício de uma profissão (reguladas no Estatuto dos Jornalistas) e as condições de acesso a uma categoria normativa na estrutura organizacional de uma empresa (no caso a Recorrente a cujas relações laborais era aplicável, à época, o acordo de empresa devidamente identificado nos autos).
XXXI.        E nem se diga, como o Recorrido pretende fazer crer, que o facto de em ambos os normativos em referência se encontrar a designação de "Jornalista Estagiário" altera o que se deixou dito, porquanto, embora estejamos perante a mesma terminologia, continuamos a tratar de questões distintas.
XXXII. Para o Estatuto dos Jornalistas (que, repete-se, regula tão-só as condições de acesso à profissão), Jornalista Estagiário é a pessoa que, tendo determinadas habilitações ou experiência, frequenta um estágio com vista à obtenção da carteira profissional de Jornalista e à concessão do direito de exercer a profissão de Jornalista.
XXXIII. Para o Acordo de Empresa aplicável às relações laborais das partes nos presentes autos na data da admissão do Recorrente, Jornalista Estagiário é o nível de ingresso na categoria profissional de Jornalista, ao qual está associado um leque de direitos e deveres, nomeadamente de cariz remuneratório e de progressão profissional.
XXXIV. Por outro lado, não pode esquecer-se que não ficou demonstrado que o Recorrente exercesse, efectivamente, funções diversas das que integram o núcleo funcional da categoria de jornalista estagiário, prova essa que necessariamente teria de ser feita pois que não basta alegar que o Recorrente tinha experiência no exercício da profissão para, automaticamente, lhe ser concedido o direito a titular uma determinada categoria profissional.
XXXV. Conclui-se, pois, que bem andou o acórdão recorrido quando considerou que o Recorrente não tem direito ao enquadramento profissional que reclama, nem, consequentemente, às diferenças salariais peticionadas nos autos, pois que a admissão do Recorrente foi feita de acordo com as normas convencionais vigentes na Recorrida, bem como com a sua prática de contratação.
Nestes termos e nos demais de direito que doutamente se suprirão, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por não provado, e a decisão recorrida mantida na íntegra, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA».

A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da Revista.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar as questões que se colocam à apreciação, que são as relativas:

a) Aos alegados danos não patrimoniais emergentes do despedimento:

b) Ao enquadramento profissional do Autor e ao invocado direito a diferenças salariais.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos considerados provados nas instâncias são os seguintes:

1. O Autor é jornalista, portador da carteira profissional n° ... e está filiado no Sindicato dos Jornalistas desde Junho de 1990 (A).

2. A Ré é uma sociedade anónima que tem por objecto principal a prestação dos serviços públicos de rádio e televisão, nos termos das Leis da Rádio e da Televisão e dos respectivos contratos de concessão (B).

3. O Autor foi admitido ao serviço da RDP em Abril de 1996, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo e, desde a referida data, exerce, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, as funções de jornalista / redactor integrado na redacção da RDP - África (C).

4. O Autor fez a cobertura jornalística de vários acontecimentos nacionais e internacionais, como a Cimeira do Milénio, a constituição da CPLP, a visita do presidente Lula da Silva a Portugal, a reportagem com a cantora cabo-verdiana Cesária Évora e a entrevista em exclusivo com o músico brasileiro Caetano Veloso, entre outros (D).

5. O Autor foi co-autor, juntamente com o jornalista e seu colega de trabalho BB, de vários programas para a RDP - ÁFRICA, trabalhando pela madrugada fora muitas vezes (E).

6. No ano de 2005, o Autor foi alvo de um processo disciplinar, o qual culminou na aplicação de uma sanção disciplinar de 30 dias de suspensão com perda de retribuição (F).

7. Entre o dia 7 de Agosto e 6 de Novembro de 2006, o Autor gozou uma licença sem vencimento, autorizada pela Ré (G).

8. Durante a referida licença, o Autor esteve a colaborar com a PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em Angola (H).

9. O Autor esteve em situação de baixa de 7 de Novembro a 13 de Novembro de 2006 e de 16 de Novembro a 22 de Novembro de 2006 (l).

10. No dia 14 de Novembro de 2006, o Autor esteve presente numa consulta médica, entre as 15h30 e as 16h35 (J).

11. No dia 15 de Novembro de 2006, foi passada ao Autor, no Centro de Saúde da Graça, um Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho por estado de doença, junto a fls. 15 do processo disciplinar (L).

12. No dia 16 de Novembro, o Autor esteve na empresa (M).

13. Após o dia 22 de Novembro de 2006, data do termo da baixa, o Autor retomou o serviço e, entre os dias 6 e 29 de Dezembro de 2006, o Autor gozou os dias de férias a que tinha direito nesse ano (N).

14. No dia 15 de Janeiro de 2007, o Autor foi notificado da instauração de um processo disciplinar e da respectiva Nota de Culpa, data em que a mesma lhe foi entregue, p.m.p., pela secretária do Sr. CC, Director da redacção da RDP - África (O).

15. A Ré comunicou ao Autor, por carta datada de 10 de Janeiro de 2007, a intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, enviando Nota de Culpa junta de fls. 21 a 24 do processo disciplinar, de onde consta o seguinte:
“1. Conforme autorização do CA/RDP, o trabalhador gozou uma licença sem vencimento com início no dia 7 de Agosto e termo no dia 6 de Novembro.
2. Assim, após termo da referida licença, o trabalhador deveria apresentar-se ao serviço no passado dia 7 de Novembro.
3. No entanto, tal não aconteceu.
4. O trabalhador, quando confrontado com a respectiva ausência após termo da licença sem vencimento, referiu a várias pessoas, nomeadamente, através de contacto telefónico com elemento da DRH (DD) que não tinha voo para Lisboa.
5. No entanto, o trabalhador veio a apresentar um documento de "baixa", cujo período se iniciava na data em que, supostamente, ainda estava em Angola.
6. Por outro lado, o trabalhador esteve, também, na empresa nos dias 8 e 9 de Novembro para, segundo referido pelo próprio, entregar o comprovativo da doença. No entanto, o documento de "baixa" só deu entrada na DRH no dia 15 desse mês.
7. No dia 13 de Novembro, conforme registo de presenças, o trabalhador esteve na empresa, na DRH, informando que iria apresentar baixa médica com data de início em 7 de Novembro.
8. No dia 14 de Novembro, entrou na empresa às 17h48, tendo apresentado uma Declaração de Presença em consulta médica das 15h30 às 16h35.
9. No dia 15 de Novembro, o trabalhador apresentou na DRH um documento de baixa que cobre o período de 7 a 13 de Novembro.
10. Conforme consta do Registo de Presenças, o trabalhador, no dia 16 de Novembro, entrou na empresa às 20h15, não havendo registo de saída.
11. No dia 24 de Novembro entregou um outro documento de baixa destinado a cobrir o período de 15 a 22 de Novembro.
12. Ambos os documentos só autorizavam a ausência do domicílio para tratamento.
13. De salientar, ainda que, a Direcção onde o trabalhador está colocado (RDP - África) não teve, atempadamente, conhecimento dessas ausências.
14. Dos factos descritos resulta evidente um comportamento pouco claro, nomeadamente, no que se refere à justificação de faltas e respectivos procedimentos quanto à obrigatoriedade de comunicação.
15. Acresce que no decurso da respectiva doença, atestada por documento de baixa, o trabalhador que, de acordo com aquele documento, não poderia ausentar-se do seu domicílio, dirigiu-se e permaneceu na empresa por diversas vezes. Considerando esta circunstância, é legítimo que a entidade patronal possa inferir pela existência de uma utilização abusiva (ou, mesmo, fraudulenta) de um regime de protecção social, no caso, baixa por doença.
16. A circunstância de o trabalhador se ter ausentado, por diversas vezes, do seu domicílio quando se encontrava de baixa por doença e, portanto, impedido de o fazer, para além de indiciar uma situação de baixa clínica fraudulenta, é contraditória com a pretensa incapacidade física para o desempenho da sua actividade habitual na empresa.
17. Na verdade, o trabalhador comunicou e justificou a respectiva ausência alegando que estava doente, no entanto, o seu comportamento indicia precisamente o contrário, defraudando, assim, a confiança existente entre as partes, essencial numa relação jurídico-laboral.
18. Deste modo, parece evidente a existência de responsabilidade disciplinar, nomeadamente por violação do dever de lealdade, consubstanciado no dever genérico de conduta: o trabalhador não actuou com a idoneidade e boa-fé exigíveis em qualquer relação jurídica e, em particular, numa relação laboral.
19. A estas circunstâncias acresce, ainda, o passado disciplinar do trabalhador que, ainda recentemente (Março de 2005), foi alvo de um processo disciplinar com vista ao despedimento, tendo-lhe sido aplicada a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão com perda de retribuição (P)”.

16. O Autor respondeu à Nota de Culpa em 29 de Janeiro de 2007, nos termos constantes de fls. 31 a 35 do Processo Disciplinar, […] (Q).

17. Para prova do alegado pelo Autor na Resposta à Nota de Culpa, o mesmo requereu a junção de dois documentos, protestou juntar cópia certificada do seu passaporte e arrolou duas testemunhas, o seu colega de trabalho BB e o seu médico de família, Dr. EE (R).

18. Entre a data da resposta do Autor à Nota de Culpa e 19 de Março de 2007, data em que voltou a entrar de baixa, o Autor esteve ao serviço da Ré (S).

19. O Autor esteve em situação de baixa desde 19 de Março de 2007 até 4 de Fevereiro de 2009 (T).

20. A Ré remeteu ao Autor a carta datada de 30 de Março de 2007, junta a fls. 38 do processo disciplinar […] (U).

21. A carta referida na alínea anterior foi devolvida com a menção "não reclamada", vindo posteriormente a verificar-se que, por lapso dos Recursos Humanos da Ré, tinha sido remetida para morada que não era do Autor (V).

22. A Ré remeteu à l. Mandatária do Autor, a carta datada de 12 de Abril de 2007, junta a fls. 41 do processo disciplinar […] (X).

23. A l. Mandatária do Autor remeteu à Ré a carta datada de 20 de Abril de 2007, junta a fls. 44 do processo disciplinar […] (Z).

24. No dia 27 de Abril de 2007, a Instrutora do processo notificou o trabalhador por e-mail para apresentar os documentos em falta e também as testemunhas arroladas, mas sem indicar qualquer data para o efeito (AA).

25. No dia 20 de Abril de 2007, a Ré remeteu ao Autor o e-mail junto a fls. 50 do processo disciplinar e que não foi recepcionado pelo Autor, conforme resulta de fls. 51 do processo disciplinar (BB).

26. A Ré enviou ao Autor e à sua l. Mandatária, cartas datadas de 30 de Maio de 2007, juntas aos autos a fls. 74 e 75 do processo disciplinar, notificando-o para: "...providencie pela comparência da testemunha por si arrolada, D. EE (ou junte, se achar conveniente, o respectivo depoimento escrito), bem como a junção aos autos do documento que protestou juntar). Também como lhe referi, quanto à testemunha, BB, eu própria me encarregarei da respectiva comparência.

Deste modo, aguardarei até à próxima segunda-feira, dia 4 de Junho, que assegure os procedimentos referidos, dando, nessa altura, por findas as diligências  probatórias solicitadas por Va Exa na sua Resposta à Nota de Culpa".(CC).

27. O Autor respondeu à Ré, por carta datada de 1 de Junho de 2007, junta a fls. 76 a 78, enviada em anexo da Declaração que consta de fls. 77 a 79 (DD).

28. No dia 4 de Junho de 2007, foi ouvida a testemunha indicada pelo Autor, BB, conforme consta do Auto de Declarações de fls. 81 do processo disciplinar, não estando presente o arguido/autor (EE).

29. A Ré remeteu à l. Mandatária do Autor, carta datada de 4 de Junho de 2007, junta a fls. 82 do processo disciplinar […] (FF).

30. O Autor remeteu à Ré, carta datada de 6 de Junho de 2007, junta a fls. 85 a 88 do processo disciplinar, […] (GG).

31. A Ré comunicou ao Autor, por carta registada com A/R, no dia 12 de Julho de 2007, a decisão disciplinar de despedimento na sequência do processo disciplinar que lhe tinha sido instaurado (HH).

32. O Autor, sem que tal lhe tenha sido solicitado, juntou os CIT a atestar o seu estado de doença nos períodos assentes nas alíneas anteriores (II).

33. Mantendo-se o estado de doença do Autor (que no dia 19 de Março de 2007 voltou a entrar de baixa), a empresa, com vista à atribuição ao Autor do complemento do subsídio de doença, ao abrigo do disposto na cl.ª 57.ª do Acordo de Empresa (publicado no BTE n° 21, de 8 de Junho de 2006), solicitou-lhe que se apresentasse numa consulta de verificação da doença, da Dr.ª FF, no dia 20 de Junho, na Clínica …, no Campo Grande (JJ).

34. No dia 20 de Junho de 2007, o Autor foi visto pelo médico da empresa, que teve acesso ao processo clínico deste e confirmou o seu estado de doença (LL).

35. Por esse motivo, o complemento de doença do Autor, cujo pagamento tinha sido, entretanto suspenso, foi-lhe processado com retroactivos (MM).

36. Foram juntos pela Ré ao processo disciplinar, documentos e comunicações relativas à verificação de uma situação de baixa iniciada a 19 de Março de 2007, nomeadamente de fls. 47 a 49 e 53 a 73 do processo disciplinar (NN).

37. A Ré não juntou ao processo disciplinar as notificações e documentos relativos à Junta Médica a que o Autor compareceu e que confirmou o seu estado de doença, que ocorreu no dia 20 de Junho de 2006 (OO).

38. Foi junto ao processo disciplinar o documento de fls. 89 o qual está datado de 12 de Junho de 2007 (PP).

39. A Ré classificou o Autor como jornalista do Grau l - Nível 7 - Escalão 0 em Abril de 1998, tendo-o promovido ao Escalão 1 do mesmo Grau e Nível em Abril de 2001, e ao Escalão 2 em Abril de 2004 (QQ).

40. O documento de fls. 10 do processo disciplinar deu entrada na Direcção de Recursos Humanos da Ré no dia 15 desse mês (RR).

41. […] o teor dos documentos de fls. 10, 13 e 15 (SS).

42. O Autor esteve nas instalações da Ré nos dias 8 e 9 de Novembro (TT).

43. O processo disciplinar iniciou-se a 14 de Dezembro de 2006 (UU).

44. Do e-mail referido na alínea AA) dos factos assentes, junto a fls. 52 do processo disciplinar, consta, designadamente, o seguinte:

"...solicito, mais uma vez que, nos termos da lei, providencie pela comparência da testemunha, por si arrolada, Dr. EE (ou junte, se achar conveniente, o respectivo depoimento escrito) bem como a junção aos autos do documento que protestou juntar. Também como lhe referi, quanto à testemunha BB, eu própria me encarregarei da respectiva comparência" (W).

45. O processo disciplinar foi enviado à Comissão de Trabalhadores no dia 5 de Junho de 2007 (XX).

46. […] o teor da declaração emitida pela Dr. EE, datada de 16 de Janeiro de 2007, junta a fls. 37 do processo disciplinar e onde consta designadamente o seguinte:
"(...).
A actual doença que justifica as últimas baixas, não implica que o doente esteja confinado ao domicílio, dum ponto de vista clínico" (ZZ).

47. O horário de trabalho do Autor era das 13h45 às 21 h (de segunda-feira a quinta-feira) e das 12h30 às 21 h (às sextas-feiras) (AAA).

48. Na data em que foi admitido o Autor era detentor de carteira profissional (resposta ao item 1°).

49. Ao longo de mais de onze anos ao serviço da Ré, o Autor foi um profissional muito dedicado, cuja agenda de contactos e trabalhos realizados permitiram à RDP realizar iniciativas que marcaram presença no espectro das emissões radiofónicas, em Portugal e nos países membros da CPLP (resposta ao item 2°).

50. O Autor não impugnou o anterior processo disciplinar (resposta ao item 3°).

51. Até à data em que lhe foi instaurado o primeiro processo disciplinar, o Autor nunca tinha sido alvo de qualquer repreensão ou chamada de atenção por parte da Ré (resposta ao item 4°).

52. A 14 de Novembro de 2006, o Autor se dirigiu ao Centro de Saúde da Graça, onde foi visto por um médico que lhe passou o certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, junto ao processo disciplinar, a fls. 10 e 13 […] (resposta aos itens 8° e 9°).

53. À data da elaboração da nota de culpa a Ré sabia que o Autor era um trabalhador que com alguma regularidade se encontrava em situações de baixa médica (resposta ao item 12°).

54. A testemunha Dr. EE, médico de família do Autor, conhecia bem o estado de saúde deste (resposta ao item 13°).

55. A circunstância de voltar a enfrentar um processo disciplinar agravou o estado de saúde do Autor, tendo o Autor apresentado certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, junto ao processo disciplinar, a fls. 10 e 13 […] (resposta ao item 16°).

56. A sujeição a um processo disciplinar que culminou no despedimento provocou no Autor sofrimento e angústia que agravaram o seu estado de saúde (resposta ao item 17°).

57. O Autor tem vivido em estado de angústia (resposta ao item 18°).

58. Com o processo disciplinar a Ré atribuiu ao Autor factos que podem pôr em causa a sua imagem profissional (resposta aos itens 21° e 22°).

59.0 Autor construiu a sua imagem a pulso, ao longo dos anos, à custa de muita dedicação e esforço pessoal, tendo conseguido obter junto dos profissionais da sua área e das pessoas e entidades que ao longo da sua carreira profissional tem entrevistado grande consideração e reconhecimento profissional (resposta ao item 23°).

60. O Autor iniciou a sua carreira em 1979 (resposta ao item 25°).

61. O Autor veio a apresentar à Ré o certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, junto ao processo disciplinar, a fls. 10 […] (resposta ao item 27°).

62. No dia 13 de Novembro, conforme registo de presenças, o Autor esteve na empresa, na DRH (resposta ao item 28°)

63. No dia 14 de Novembro, o Autor entrou na empresa às 17h48, tendo apresentado uma Declaração de Presença em consulta médica das 15h30 às 16h35 (resposta ao item 29°).

64. Conforme consta do Registo de Presenças, o Autor, no dia 16 de Novembro, entrou na empresa às 20h15, não havendo registo de saída (resposta ao item 30°).

65. No dia 24 de Novembro entregou um outro documento de baixa destinado a cobrir o período de 15 a 22 de Novembro (resposta ao item 31°).

66. A Direcção onde o Autor estava colocado (RDP África) tomou conhecimento da ausência do Autor, no dia 9 de Novembro de 2006, quando a DRH lhe solicitou informação sobre o jornalista e a sua eventual apresentação ao serviço na RDP África (resposta aos itens 32° e 33°).

67. O documento junto a fls. 36 do processo disciplinar, destina-se a dar conhecimento ao Serviço de Processamento de Remunerações que um trabalhador terminou a suspensão (licença sem vencimento, requisição, etc.) do respectivo contrato devendo ser-lhe abonadas as remunerações devidas (resposta ao item 34°).

68. A Ré para a admissão para a categoria de jornalista estagiário na RDP exige que o candidato tivesse a posse de carteira profissional (resposta ao item 36°).

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

a) Quanto aos alegados danos não patrimoniais emergentes do despedimento.

Sendo o despedimento declarado ilícito o trabalhador tem direito, para além da reintegração, a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados (art. 436.º do CT).

A obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, tem como suposição, para além da verificação do facto, que este seja imputável ao lesante a título de culpa e que exista um nexo de causalidade entre o mesmo facto (ilícito) e um resultado (danoso) (art.s 483º e 563º do CC).

O primeiro requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é, pois, que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído. Como sucederá, em termos gerais, se o agente, na situação concreta, podia, e devia, ter agido de modo a não cometer o ilícito e não o fez.

O nosso Código Civil, no tocante à culpa, quer no âmbito da responsabilidade extra-obrigacional (art. 487º, n.º 2), quer no da responsabilidade obrigacional (art. 799º, n.º 2) manda apreciá-la em abstracto, isto é, segundo «a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso». Assim, existirá culpa sempre que o agente não proceda como procederia, no caso concreto, uma pessoa normalmente diligente.

O segundo requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º).

A obrigação de indemnizar, em qualquer dos casos, tem por finalidade reparar um dano ou prejuízo, ou seja, «toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, tanto de carácter patrimonial (desvantagem económica), como de carácter não patrimo­nial (relativos à vida, à honra, ao bem estar, etc.)» [M J. Almeida Costa, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª ed., pg. 171].

Acresce que o «obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (art. 562º do CC).

Sucede, porém, que a reparação não abrange, indiscriminadamente, todos e quaisquer danos, mas tão-somente os que se encontrem em determinada relação causal com o evento que fundamenta a obrigação de ressarcir. Com efeito, estipula o já citado art. 563.º do CC que «a obrigação de indem­nização só existe em relação aos danos que o lesado prova­velmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

A nossa lei acolheu, nesta matéria, a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente [vd. I. G. Telles, in Direito das Obrigações, 7ª ed., pg. 404. e ss.].

Temos, pois, que «a ideia fulcral desta doutrina é a de que se considera causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequa­da a produzi-lo. Torna-se necessário, portanto, não só que o fac­to se revele, em concreto, condição “sine qua non” do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção» [M J. Almeida Costa, in Ob. Cit., pg. 172].

Verificada a existência de culpa e o nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, conclui-se existir obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil por facto ilícito, pelo que se impõe, então, com vista a determinar o quantitativo indemnizatório, avaliar os danos produzidos e aferir do grau de responsabilidade do autor da lesão, que terá de ser feita em função da sua maior ou menor culpabilidade, da situação económica deste e do lesado e das demais circunstâncias do caso (art. 494º). Note-se que é ao devedor que cabe provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º, n.º 1 do CPC.).

E a obrigação de indemnizar é extensível aos danos não patrimoniais, pois estabelece o art. 496º/1 do CC, que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que o n.º 3 do mesmo preceito, reportando-se à mesma indemnização, acrescenta que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no art. 494º ...», ou seja, ou grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Como refere Galvão Telles, os danos não patrimoniais são aqueles «prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de carácter imaterial — desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral» [In Direito das Obrigações, 7.ª edição, pg. 378].

No mesmo sentido alvitra Menezes Cordeiro que há dano moral quando a situação vantajosa prejudicada tenha simplesmente natureza espiritual [Direito das Obrigações, 1980, 2.º, pg. 285].

            Dentro desta concepção, o ressarcimento por danos não patrimoniais não tem a natureza de uma verdadeira indemnização, dado não ser uma exacta contrapartida pelo dano, representando antes uma compensação a atribuir ao lesado por prejuízos por este sofridos, que não têm reparação directa através de satisfações de natureza pecuniária. Deste modo, se justifica que, no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração [vd. Vaz Serra in R.L.J., Ano 113º, pág. 104].

Com a reparação por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado, proporcionando-lhe os meios económicos que constituam, de certo modo, um refrigério para as mágoas e adversidades que sofrera e que, porventura, continue a suportar.

E estes princípios respeitantes aos danos de natureza não patrimonial carecem de ser observados no âmbito do direito laboral por este nada de específico conter nesta matéria.

Deste modo, em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.

No que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo trabalhador a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc. E isto independentemente, da licitude ou ilicitude do despedimento e de a entidade empregadora ter usado de maior ou menor precaução para obviar à lesão destes bens do trabalhador.

Note-se que, independentemente da lesão destes bens da natureza espiritual, assiste direito à entidade empregadora de fazer cessar a relação laboral com um seu trabalhador, quando levada a efeito dentro do condicionalismo imposto pela lei, sendo que em tal situação dificilmente poderá ter cabimento uma indemnização por danos morais, a menos que se use, sem necessidade, de procedimento lesivo daqueles bens.

Acresce que mesmo no caso de a entidade empregadora promover um despedimento ilícito do trabalhador, que, numa relação de adequada causalidade, produza danos não patrimoniais ao mesmo trabalhador, sempre haverá que indagar se, pelo grau de culpabilidade do empregador e pelo valor ou relevância dos danos, estes são dignos da tutela do direito.

É que pode suceder que apesar de a entidade empregadora ter promovido um despedimento ilícito não patenteie um comportamento gravemente culposo, consideradas as circunstâncias envolventes desse despedimento.

Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.

Assim, se se verificar que esses danos não patrimoniais não tenham especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por danos não patrimoniais.

Ora, no caso vertente e no que concerne aos alegados danos não patrimoniais, resultou provado o seguinte:

A sujeição do Autor a um processo disciplinar que culminou no despedimento agravou o seu estado de saúde e provocou no mesmo sofrimento e um estado de angústia em que viveu.

Com o processo disciplinar a Ré atribuiu ao Autor factos que podem pôr em causa a sua imagem profissional, sendo que o Autor construiu a sua imagem a pulso, ao longo dos anos, à custa de muita dedicação e esforço pessoal, tendo conseguido obter junto dos profissionais da sua área e das pessoas e entidades que ao longo da sua carreira profissional tem entrevistado grande consideração e reconhecimento profissional.

Ora, em face da facticidade que resultou assente, é de concluir que não tem relevância bastante nem a culpa por parte da Ré nem os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, com vista a fundamentar uma condenação daquela em indemnização a favor do segundo.

Antes de mais não se vislumbra que a Ré tenha instaurado o processo disciplinar de forma arbitrária e sem qualquer fundamento, quando é certo que no seu termo até veio a proferir o despedimento, no pressuposto de ter justa causa para o efeito. Não se evidencia, pois, a sua culpa.

Por outro lado, o facto de o processo disciplinar ter provocado sofrimento e angústia ao Autor e agravado o seu estado de saúde, não oferece motivo bastante para fundamentar uma condenação em indemnização por danos não patrimoniais, por não se terem provado elementos concretos para aferir do relevo do sofrimento, da angústia e do agravamento da doença.

Acresce que do facto de o Autor ser um profissional dedicado e com boa imagem junto dos profissionais da sua área e desta imagem poder ser colocada em causa pelo processo disciplinar, também não justifica uma condenação por danos não patrimoniais, por se estar perante uma mera eventualidade que, com o decorrer do tempo, não deixará de esmorecer, tanto mais sabendo-se que o despedimento foi declarado ilícito.

Do que se conclui, sem necessidade de outros considerandos, que a Revista é de negar nesta parte, por a acção dever improceder quanto ao pedido de condenação por danos não patrimoniais.

b) Quanto ao enquadramento profissional do Autor e ao invocado direito a diferenças salariais.

Defende o Recorrente que se à data em que foi contratado pela Recorrida, em Abril de 1996, já era titular da carteira profissional de jornalista e desempenhando já as funções de jornalista desde 1979, não poderia a Recorrida ter-lhe atribuído a categoria profissional de jornalista estagiário, pois que Jornalistas Estagiários, nos termos do Estatuto dos Jornalistas, são as pessoas que ainda não são titulares da carteira de jornalista.

Por entendimento contrário se bate a Recorrida na sua contra-alegação.

Sobre esta matéria vem provado que:

O Autor foi admitido ao serviço da RDP em Abril de 1996, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo e, desde a referida data, exerce, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, as funções de jornalista / redactor integrado na redacção da RDP – África;

O Autor iniciou a sua carreira em 1979 e na data em que foi admitido ao serviço da Ré era detentor de carteira profissional, sendo que a Ré para a admissão para a categoria de jornalista estagiário na RDP exigia que o candidato fosse possuidor de carteira profissional;

A Ré classificou o Autor como jornalista do Grau l - Nível 7 - Escalão 0 em Abril de 1998, tendo-o promovido ao Escalão 1 do mesmo Grau e Nível em Abril de 2001, e ao Escalão 2 em Abril de 2004.

Como decorre dos factos o Autor sendo já possuidor da carteira profissional de jornalista foi admitido ao serviço da Ré como jornalista estagiário e apenas dois anos depois foi classificado como jornalista do Grau 1.

Sucede, porém, que independentemente da experiência profissional do candidato à carreira ou da data em que o mesmo tenha obtido a sua carteira profissional, para a admissão na carreira/categoria profissional de jornalista a Recorrida exigia que o candidato fosse titular da carteira profissional de jornalista e a admissão na categoria fazia-se, sempre, no grau designado por jornalista estagiário.

Sobre a questão em apreço pronunciou-se o Tribunal da Relação do seguinte modo:
«O pomo da discórdia reside no facto do Recorrente quando foi admitido pela Decorrida já ser titular de carteira profissional e jornalista desde há vários anos, pelo que não deveria ter sido admitido na Recorrida como jornalista estagiário.
O raciocínio do recorrente peca por não distinguir entre as condições necessárias para o exercício de uma determinada profissão e os requisitos de admissão para uma determinada carreira/categoria profissional na estrutura organizativa de uma empresa.
No caso está provado que "A Ré para a admissão para a categoria profissional de jornalista estagiário exige que o candidato tivesse a posse de carteira profissional". Assim, para a admissão na carreira/categoria profissional de jornalista a Recorrida exigia que o candidato fosse titular da carteira profissional.
E, como bem refere a Recorrida nas suas contra-alegações, esta exigência é legítima pois as empresas, no exercício do seu direito constitucionalmente consagrado de livre iniciativa económica, são livres de exigirem requisitos acrescidos para que um determinado profissional exerça a sua profissão na sua estrutura organizativa, integrado numa concreta categoria profissional, com regras próprias (e muitas vezes mais restritas).
O Estatuto dos Jornalistas (na versão aprovada pela Lei n.° 62/79, de 22.09) regula, somente, as condições em que alguém pode exercer a profissão de jornalista, e não se imiscui (como, aliás, nem poderia fazer) nas condições ou requisitos que uma determinada empresa estipula como sendo essenciais ao ingresso numa categoria profissional integrada na sua estrutura organizativa.
Assim, quem reunir as condições e os requisitos previstos no diploma legal em referência, pode desempenhar as funções de Jornalista, ou seja, pode ser Jornalista de profissão. No entanto, o facto de uma determinada pessoa poder, nos termos das normas legais que regulam o acesso à profissão, exercer a profissão de Jornalista não é sinónimo de que tenha o direito a ser integrado numa certa categoria profissional, que se configura segundo regras próprias que nada têm a ver com o Estatuto do Jornalista.
Ou seja, não basta ser detentor da carteira profissional de jornalista para ser detentor de determinado nível da carreira profissional de jornalista nos termos do AE/RDP vigente na empresa Recorrida.
Nesta empresa e de acordo com o referido AE/RDP vigente na data da admissão do Recorrente, Jornalista Estagiário é o nível de ingresso na categoria profissional de Jornalista, ao qual está associado um leque de direitos e deveres, nomeadamente de cariz remuneratório e de progressão profissional.
Por outro lado, o Autor não alega as concretas funções que efectivamente exerceu naquele período dos dois anos iniciais em que esteve ao serviço da Ré, com a categoria profissional de jornalista estagiário, para se poder aferir da conformidade dessas funções com o descritivo funcional das categorias profissionais estabelecidas pelo referido AE/RDP.
Como é sabido para se determinar qual a categoria profissional em que o trabalhador deve ser posicionado impõe-se cotejar o desempenho real, efectivo e predominante de funções levado a efeito pelo trabalhador com a descrição das funções correspondentes a cada categoria profissional constante dos instrumentos de regulamentação colectiva, devendo o trabalhador ser inserido na categoria normativa que melhor corresponde ao núcleo fundamental das actividades exercidas pelo trabalhador.
Mas, na ausência da alegação das reais funções que efectivamente o Recorrente exerceu nesse período não é possível a sua reclassificação profissional através do cotejo das funções efectivamente exercidas com as descritas para as diversas categorias de jornalista previstas no referido AE/RDP. Aliás, neste recurso o Autor limita-se a invocar como fundamento da sua pretensão o facto de à data da admissão na Recorrida já ser detentor de carteira profissional de jornalista razão pela qual já não poderia ter sido admitido por esta como jornalista estagiário.
Conclui-se deste modo que o Recorrente não tem direito ao enquadramento profissional que reclama nem às respectivas diferenças salariais e juros que pede.»

Ora, sufraga-se o entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido.

Com efeito, pelo simples facto de o Recorrente ser titular da carteira profissional de jornalista aquando da sua admissão ao serviço da Recorrida não lhe conferia o direito a um diferente enquadramento profissional, ou seja, ao de ser classificado como jornalista de Grau I.

Na verdade, como vem provado, a Recorrida exigia para a admissão para a categoria de jornalista estagiário na RDP que o candidato fosse detentor de carteira profissional e esta exigência não conflituava com as normas do Estatuto dos Jornalistas vigente à época (Lei n.° 62/79, de 22.09) que se limitava a estipular os requisitos para o exercício da profissão de jornalista, não traçando quaisquer normas quanto ao enquadramento profissional do jornalista enquanto ao serviço de determinada empresa.

Como salienta a Recorrida, o facto de alguém poder, nos termos das normas legais que regulam o acesso à profissão, exercer a profissão de jornalista não comporta o significado de ter direito a ser integrado numa certa categoria profissional, uma vez que a entidade empregadora no exercício do seu direito, constitucionalmente consagrado de livre iniciativa económica, é livre de exigir requisitos acrescidos para que um determinado trabalhador exerça a respectiva profissão na sua estrutura organizativa, integrado numa concreta categoria profissional.

São, na verdade, realidades distintas as que se traduzem nas condições de acesso ao exercício de uma profissão de jornalista (reguladas no Estatuto dos Jornalistas) e as que consubstanciam as condições de acesso à categoria de jornalista na estrutura organizacional da empresa Recorrida.

Enquanto de acordo com o Estatuto dos Jornalistas o jornalista estagiário é o candidato que frequenta um estágio com vista à obtenção da carteira profissional de jornalista e à concessão do direito de exercer a respectiva profissão, nos termos da relação laboral dos autos, jornalista estagiário é o trabalhador que se prepara, durante dois anos, para ingresso na categoria profissional de jornalista.

Conclui-se, pois, que o Recorrente não tem direito ao enquadramento profissional que reclama, nem, consequentemente, às diferenças salariais peticionadas nos autos, pois que a admissão do Recorrente foi feita de acordo com as normas convencionais vigentes na Recorrida.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

IV.  DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se a Revista e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2012. 

        

Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva