Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | BETTENCOURT DE FARIA | ||
Descritores: | GRAVAÇÃO DA PROVA TRIBUNAL DA RELAÇÃO RECURSO ALTERAÇÃO DOS FACTOS | ||
Nº do Documento: | SJ200402050041452 | ||
Data do Acordão: | 02/05/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1143/03 | ||
Data: | 05/15/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | Se a parte quiser que sejam reapreciados pelo Tribunal da Relação os depoimentos gravados e for caso de aplicação da anterior redacção do artº 690º-A do C. P. Civil, tem de indicar nas conclusões do recurso os pontos concretos da matéria de facto, que pretende ver modificados e os concretos meios de prova que, no seu entender, levam a decisão diversa. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Os réus contestaram e deduziram pedido reconvencional. Seguiram-se a réplica e a tréplica Após vicissitudes várias, que incluíram a anulação do primeiro julgamento pelo Tribunal da Relação, veio a se realizar novo julgamento e a ser proferida sentença em que se decidiu pela improcedência dos pedidos deduzidos pela autora e pela procedência da reconvenção, sendo reconhecido o direito de propriedade de C sobre o prédio em questão. Apelou a autora, mas o recurso foi julgado improcedente. Recorre esta, novamente, apresentando nas suas alegações de recurso, em síntese, as seguintes conclusões: 1 Por impugnar, também a decisão quanto à matéria de facto, solicitou a reapreciação da prova gravada, para o que especificou não só os pontos de facto concretos que considerou incorrectamente julgados, bem como os concretos meios de prova constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida. 2 - E da prova produzida resulta que a posse do C sobre o prédio da Rua Pedro de Sousa nºs 484 a 488 não é posse de boa fé, pelo que jamais teria a virtualidade de gerar a por si e herdeiros pretendida usucapião. 3 E não era de boa fé porque ele bem conhecia que, ao adquiri-la, lesava o direito de outrem - artºs 1259º e 1260º do C. Civil. 4 - O que lhe advinha de diversas fontes, designadamente, Dra. D, pais desta, E - quer por escrito, quer por carta que ele recebeu por intermédio da mesma Dra. D. 5 - Consequentemente, deve ser declarada a nulidade do exercício do direito de opção pelo inquilino C, ordenando-se a restituição do prédio à recorrente, com o cancelamento dos respectivos registos e reconhecendo-se aos seus sucessores a qualidade de inquilinos habitacionais do 1º andar do mesmo prédio. 6 - Bem como devem ser condenados F, G e H a pagarem solidariamente a quantia de Pte 800.000$00, que o C despendeu com o exercício do direito de opção aos sucessores e herdeiros deste. 7 - Julgando-se improcedente a reconvenção. Corridos os vistos legais, cumpre decidir II ApreciandoA recorrente não põe directamente em causa a disciplina jurídica do Acórdão recorrido, que, portanto, tem-se por adquirida; refere é que se baseou em facto que não ocorre. Pretende, com efeito, que seja alterada a decisão, no que respeita à boa fé, com que, segundo as instâncias, teria agido o C. Assim, se for entendido que a eventual má fé daquele já não pode ser considerada., desde logo improcederá o recurso. Os factos integradores da pretendida má fé - a consciência do prejuízo, a noção de que se lesa interesses de terceiro - constituem matéria de facto de que este Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer, nos termos do artº 729º nº 2 do C. P. Civil. Tem, contudo, a faculdade de apreciar a conduta da Relação no que respeita á utilização por esta dos seus poderes de alteração da matéria de facto - cf. ACSTJ de 19.09.02 Sumários 2002 269 : "É questão de direito, cabendo na competência do tribunal de revista, apreciar a legalidade ou ilegalidade com que se houve a Relação no exercício da sua competência como julgadora em última instância da matéria de facto.". No caso dos autos, a Relação recusou-se a apreciar a questão da alteração da matéria de facto, com os seguintes argumentos: - "...as conclusões da alegação são de todo omissas sobre tal pretensa impugnação (da matéria de facto)" - impondo o artº 690º - A do C. P. Civil que o recorrente deve obrigatoriamente especificar quais os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e quais os meios probatórios que impunham decisão diversa, o certo é que aquele "embora tendo trazido á colação determinados depoimentos, não deu cumprimento ao disposto no citado normativo, designadamente não especificou qual o ponto ou pontos da matéria de facto que entende terem sido incorrectamente julgados e qual a diferente decisão que deveria ter sido proferida. O Supremo não pode dizer se o aludido C agiu de boa ou má fé, mas pode decidir se a recusa do Tribunal da Relação em conhecer de tal questão foi legal. Vejamos O artº 690º do C.P.Civil estabelece a obrigatoriedade de serem elaboradas conclusões das alegações de recurso, sob pena deste não ser conhecido. Após o estabelecimento da gravação da prova e da consequente possibilidade da matéria de facto poder ser alterada em recurso, foi acrescentado o artº 690º - A, que determinou que, sob pena de rejeição, o recorrente que impugne aquela matéria deverá especificar os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que levam a decisão diversa da recorrida. A história do preceito e a sua inserção sistemática levam-nos a concluir que a referida especificação deverá obrigatoriamente constar das conclusões do recurso. Nem significa tal exigência um excesso de formalismo. É que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não significa um julgamento ex novo e global dessa matéria, mas sim a possibilidade do tribunal de 2ª instância fiscalizar os erros concretos do julgamento já realizado. Dupla jurisdição não quer dizer forçosamente repetição. É o que o legislador pretendeu assinalar no preâmbulo do DL 35/95 de 15.02, citado pelo Acórdão recorrido, quando aí consignou, que o duplo grau de jurisdição visava "apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso". Ora, o exercício desta faculdade fiscalizadora sobre pontos concretos da decisão da matéria de facto só é possível, não com o arrazoado da alegação, mas sim com a rigorosa delimitação desses pontos nas conclusões do recurso. Bem como dos meios de prova que lhes respeitam. Nas conclusões da apelação a recorrente refere que a dita posse era de má fé, dado que o possuidor sabia que, ao adquiri-la, lesava os interesses de terceiros, o que viera ao seu conhecimento por diversas fontes que nomeia. Não há aqui uma referência, ainda que imperfeita, a quaisquer pontos concretos da matéria de facto: não se pede a alteração em concreto de nenhum deles e as realidades de que se fala "má fé" e "lesão de interesses de terceiros" são meramente conclusivas. E, por isso, não pode haver também uma referência aos correspondentes meios de prova. Poder-se-ia, no entanto, por a questão de considerar que, embora de forma imperfeita, a recorrente exprimiu o seu pensamento no sentido que defende e que é ele apreensível. Ou seja, o que quer é que se alterem todos aqueles pontos concretos da matéria de facto que levaram á consideração de que o C agiu de boa fé, por forma a que se venha a considerar que agiu de má fé, de acordo com os depoimentos que cita nas suas alegações. Mas não entendemos ser legítimo tal entendimento. Desde logo, porque se punha em causa o princípio do contraditório. De que é que e como é que a parte contrária se iria defender? E levaria também a Relação a ter de fazer um novo julgamento global, o que, como se disse, não é o objectivo do duplo grau de jurisdição. No ACSTJ de 03.04.03 - Sumários 2003 20 - decidiu-se que se impunha o convite ao recorrente para reformular a sua impugnação da matéria de facto, já que o fizera de forma vaga e imprecisa. Neste caso, tinham sido enunciados nas conclusões, os pontos de facto que se consideravam incorrectamente julgados. Só que a indicação dos meios de prova fora feita, apenas por destaque a negro de passos da transcrição. Não entendemos que se trate de hipótese similar á destes autos. Ali havia um cumprimento, ainda que imperfeito da lei, no caso em apreço não. Por outro lado, o legislador, ao acrescentar, com o artº 690º - A, o elenco dos ónus a cargo do recorrente, não podia deixar de ter presente a solução que determinara para a falta ou a imperfeição das conclusões e que é o convite à sua apresentação ou reformulação - artº 690º nº 4 - . Se nada disse a esse respeito no nº 1 do artº 690º - A, foi porque quis solução diferente. Deste modo, não merece censura a decisão recorrida, quando entendeu não poder conhecer da questão da alteração da matéria de facto. III E assim sendo, não há lugar a qualquer alteração da matéria de facto dada por assente pelas instâncias, constante de fls. 912 a 930 dos autos, para a qual se remete, nos termos dos artºs 726º e 713º nº 6 do C. P. Civil.IV Como se começou por dizer, não está em causa neste recurso a disciplina jurídica aplicada ao caso, na hipótese de não se considerar a possibilidade de alteração da matéria de facto. Como esta se mantém, o recurso tem de improceder.Pelo exposto, acordam em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 5 de Fevereiro de 2004 Bettencourt de Faria Moitinho de Almeida Ferreira de Almeida |