Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
967/14.1TBACB.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
PRESTAÇÃO
BOA FÉ
CARÁCTER SINALAGMÁTICO
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
CONDENAÇÃO PARCIAL
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
CONTRA-ALEGAÇÕES
CUMPRIMENTO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DA RÉ E NEGADA A DA AUTORA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO ( EXCEÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO ) / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NEXO DE CAUSALIDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / DELIMITAÇÃO OBJECTIVA DO RECURSO ( DELIMITAÇÃO OBJETIVA DO RECURSO ).
Doutrina:
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, VI – Direito das Obrigações, 2012, 477, 489, 496, 497.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 428.º, 563.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 18/06/2014, PROC. N.º 291/11.1TVLSB.L1.S1, SUMÁRIOS DO S.T.J., DISPONÍVEIS EM WWW.STJ.PT .
Sumário :
I. Inexistindo dupla conforme entre uma sentença absolutória do pedido e o acórdão da Relação em que se conclui pela condenação parcial da ré – dado que os fundamentos de uma e de outra decisão não podem ser considerados essencialmente idênticos – é de concluir pela admissão do recurso da autora.

II. Posto que o objecto do recurso não é definido pelas contra-alegações da recorrida, não incorre em omissão de pronúncia o acórdão recorrido que desconsiderou o seu conteúdo.

III. Os deveres primários de prestação são definíveis como condutas desenvolvidas pelo devedor em favor do credor e que constituem o núcleo da relação obrigacional; os deveres secundários de prestação são condutas instrumentais em relação ao cumprimento daqueloutros deveres e a sua violação - tal como a violação dos deveres primários de prestação - pode dar origem a pretensões de cumprimento.

IV. Os deveres acessórios emergem do princípio da boa fé e não têm por objecto uma prestação, sendo usualmente agrupados em deveres de informação ou esclarecimento, em deveres de lealdade e em deveres de protecção ou segurança. A sua violação apenas pode originar uma pretensão indemnizatória.

V. No âmbito de um contrato de compra e venda de um centro de maquinação, o fornecimento dos respectivos “códigos de desbloqueio” constitui um dever de prestação secundária a que a vendedora deve dar cumprimento ao longo da vida útil daquele equipamento.

VI. Por não existir uma relação sinalagmática entre o dever mencionado em V e a subsistência de uma acção judicial intentada contra a ré ou a falta de pagamento de “assistências técnicas” previamente realizadas por esta, é inviável o recurso à excepção de não cumprimento do contrato para justificar a omissão daquele dever.

VII. Apurando-se que, após a introdução da password de desbloqueio, o centro de maquinação continuava sem funcionar por avaria na fonte de alimentação, é de concluir que a omissão referida em VI não foi causa dos prejuízos resultantes da imobilização daquele, motivo pelo qual a ré não incorreu em responsabilidade contratual.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA, S.A.. intentou no J5, Secção Cível, Instância Central de Leiria, Comarca de Coimbra, acção declarativa contra BB – Máquinas e Tecnologia Industrial, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 425.000,00, acrescida de juros desde a citação até efectivo pagamento.

Para tanto alega que, em 7 de Outubro de 2008, adquiriu à R. um centro de maquinação de alta velocidade para moldes da marca CC, modelo GTV-97-G, marca de que a R. era a única representante em Portugal e à qual prestava assistência quando necessário; sucedeu que o referido centro de maquinação veio a bloquear em Maio de 2012, sendo que tal problema só podia ser resolvido com a colocação de um código de desbloqueio de que apenas a R. era portadora; a R. recusou-se a fornecer tal código, comunicando à A. que só reataria relações com ela caso desistisse de uma acção que lhe havia movido; em Outubro de 2013 foi a R. obrigada a fornecer o aludido código por força do decretamento da providência cautelar apensa aos autos; em consequência da paralisação da máquina – que se verificou entre Maio de 2012 e Outubro de 2013 – exclusivamente provocada pela descrita conduta da R., sofreu a A. um prejuízo de € 425.000,00.

A R. contestou, invocando excepção de incompetência relativa em razão do território; no mais defendeu-se por impugnação, alegando que só pela carta da A. de 10/08/2012 ficou a saber que o equipamento por si vendido não funcionava; que não forneceu o código de desbloqueio porque a A. lhe devia € 3.000,00 por serviço de assistência anteriormente prestado, para além de contra si ter instaurado uma acção; que o equipamento podia ser posto a funcionar com os elementos que com o negócio foram entregues à A. (Backups do PLC); e que os problemas da máquina vendida não se ultrapassavam com o código de desbloqueio, visto resultarem de erros de operação que só foram resolvidos com intervenção da R. Terminou com a procedência da excepção da incompetência relativa ou, assim não se entendendo, com a improcedência da acção.

Por despacho saneador de fls. 63, foi a excepção da incompetência relativa julgada improcedente, declarando-se o tribunal competente em razão do território.

Por sentença de fls. 88 e segs. foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Em face do exposto e sem outras considerações, julgo improcedente a acção e consequentemente absolvo a ré do pedido.”

Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, pretendendo a alteração da matéria de facto e a reapreciação das questões de direito. Por acórdão de fls. 202 e segs., decidiu-se manter a matéria de facto e, alterando-se o julgamento de direito, concluiu-se da seguinte forma:

“Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam a sentença recorrida, e, em função disso, julgam a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, em função do que condena, a Ré a pagar à A., a título de indemnização pelo prejuízo causado, a quantia de € 21.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.”


2. Vem a R. interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1. Nas alegações de Recurso de Apelação, a Autora colocou em crise a matéria de facto dada como não provada e constante das alíneas c), d) e e) dos factos não provados, limitando-se a nas alegações de Recurso reproduzir as transcrições dos depoimentos gravados na audiência de discussão e julgamento, não indicando sequer com exactidão as passagens da gravação em que fundava a sua discordância com a mui douta Sentença proferida em 1- Instância, o que constitui uma violação do disposto nas alíneas a) do n.º 2 e alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil, cuja consequência é a rejeição liminar do Recurso.

2. No Douto Acórdão recorrido proferido, os Venerandos Juízes Desembargadores apreciaram a impugnação da matéria de facto deduzida pela Autora, o que não poderiam ter feito face à violação pela Autora do disposto nas alíneas a) do n.º 2 e alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil.

3. Tal violação do disposto nas mencionadas normas legais, constituiu um dos fundamentos da Resposta deduzida pela Ré, ora Recorrente, às alegações do Recurso de Apelação.

4. No Douto Acórdão recorrido proferido, os Venerandos Juízes Desembargadores deveriam ter-se pronunciado sobre a violação pela Autora das referidas normas legais, conforme aduzido pela Ré, ora recorrente na Resposta às alegações de Recurso de Apelação, o que não fizeram;

5. Ao contrário do constante no Acórdão recorrido, a matéria de facto considerada definitivamente assente não permite concluir que o código de desbloqueio constitua um acessório da máquina, ou um documento da mesma, e muito menos que a Ré ora Recorrente possa entregar tal código de desbloqueio aquando da entrega da máquina;

6. Igualmente ao contrário do constante no Acórdão recorrido, a matéria de facto considerada definitivamente assente não permite concluir que conduta da Ré, ora Recorrente, tenha configurado qualquer incumprimento contratual.

7. O Acórdão recorrido proferido violou a alínea a) do n.º 2 do art.º 640º e alínea d) do n.º 1 do art.º 615º aplicável ex vi n.º 1 do art.º 666º todos do Código de Processo Civil, bem como o n.º 2 do art.º 882º do Código Civil.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedida a revista e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido, o qual deve ser substituído por outro em que seja declarada a nulidade da sentença por a mesma padecer do vício previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 615º do CPC

Caso assim não se entenda, deve ser concedida a revista e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido, o qual deve ser substituído por outro que absolva a ora recorrente "BB SA"


Também a A. interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

1. O Tribunal recorrido interpretou incorrectamente o artigo 609.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e o artigo 566 do Código Civil;

2. Atendendo aos factos considerados provados nos presentes autos, constantes no douto acórdão sob os n.°s 25 a 30, a ação teria de ser julgada totalmente procedente, sendo a Recorrida condenada nos exatos termos peticionados na Petição Inicial;

3. Com base nos factos provados, o acórdão recorrido entendeu, e muito bem, que a conduta da Recorrida - que não disponibilizou do código de desbloqueio da máquina, tendo-se negado a tal, por comunicação data de 27 de Outubro de 2012 - consubstancia incumprimento contratual.

4. Contudo, mal andou ao considerar como único dano o resultante da subcontratação dos trabalhos a outra entidade, com os quais a Recorrente despendeu € 21.000,00 (vinte e um mil euros).

5. Para além do dano emergente supra mencionado, verificaram -se outros danos causados pelos problemas com a máquina em causa, daí os factos provados 24 e ss. do douto acórdão;

6. Tendo sido considerados como provados os mencionados factos - os quais, a nosso ver, consubstanciam danos sofridos pela Recorrente com a conduta da Recorrida - não se entende como o acórdão recorrido considerou que, para além do dano constante no facto provado 27, a Recorrente não sofreu qualquer outro.

7. Até porque ficaram igualmente provados os factos n.° s 25, 26, 28, 29 e 30, os quais consubstanciam danos causados pela conduta da Recorrente, aliás, tal como se verifica quanto ao facto n.° 27;

8. No que respeita ao dano constante do facto provado em 25 referente ao contrato de leasing da máquina referida em 3) como qual a Recorrente despende € 2.300,00 (dois mil e trezentos euros), a título de rendas mensais, cumpre referir que o mesmo tem de ser conciliado com o facto provado 3, atinente à celebração e existência do contrato de leasing;

9. Pelo que tendo ficado provado que a Recorrente não pôde utilizar a máquina, que se encontrava paralisada, no período compreendido entre Maio de 2012 a Outubro de 2013 - por facto imputável à Recorrida, como consta, e bem, do douto acórdão recorrido - é manifesto que a Recorrida sofreu um prejuízo de € 2.300,00/mês, durante tal lapso temporal, o que perfaz a quantia de € 39.100,00 (€ 2.300,00 x 17 meses);

10. A conduta da Recorrida foi apta e adequada a provocar tal prejuízo à Recorrente, já que se tivesse fornecido os códigos de desbloqueio da máquina em tempo, esta não teria estado paralisada 17 meses e, consequentemente, a Recorrente pagaria as rendas mensais do contrato de leasing mas usaria a máquina.

11. A conduta da Recorrida foi igualmente adequada para causar à Recorrente o dano constante do facto provado em 28 - perda da encomenda de um trabalho no valor de € 350.000,00;

12. Ora, se ficou provado o incumprimento da Recorrida - por não ter sofrido os códigos de desbloqueio, causando a paralisação da máquina durante cerca de 17 meses - é manifesto que este prejuízo devia ter sido considerado, até porque, foi considerado provado.

13. O facto provado 28 consubstancia um dano, em concreto, a perda da encomenda de um trabalho no valor de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), causado pela conduta da Recorrida;

14. Dito de outro modo, por força e como consequência da conduta da Recorrida, a Recorrente perdeu a chance de aceitar e executar a mencionada encomenda. Pelo que deve ser indemnizada pela perda de chance no valor peticionado na PI;

15. E ainda que assim não se entendesse, então, caberia ao tribunal relegar para execução de sentença a fixação do quantum indemnizatório, nos termos previstos no n.° 2 do artigo 609.° do CPC. E, em alternativa, poderia fixar o montante de acordo com a equidade, tal como permite o artigo 566.° do CC.

16. O que vai dito para o dano constante do facto provado 28 supra vale mutatis mutandis para os danos constantes dos factos provados 29 e 30 - "A autora tinha dois trabalhadores afectos à máquina referida em 3, que de Maio de 2012 a Outubro de 2013 permaneceram na empresa a efectuar outros trabalhos" e "A máquina referida em 3 tem uma laboração de cerca de 2000 horas anuais. "

17. Sendo que Tribunal devia ter condenado a Recorrida no seu pagamento, nos exatos termos peticionados na Petição Inicial. E, se assim não se entendesse - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite - cumpriria determinar que o montante dos danos fosse fixado posteriormente, relegando-os para execução de sentença. Isto porque, os danos foram demonstrados e provados. O acervo factual dado como provado não deixa quaisquer dúvidas a este respeito.

18. Se assim não se entendesse caberia ao julgador recorrer à equidade, porquanto, insistimos os danos foram provados.

Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando o douto acórdão, devendo a ação judicial ser julgada totalmente procedente.


As partes não contra-alegaram.


Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte:


1 – A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à fabricação e comercialização de moldes.

2 – A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de máquinas industriais.

3 – Em 7 de Outubro de 2008, por via de um contrato de leasing junto do BANCO DD Crédito, além de outra maquinaria, a Ré entregou à Autora um centro de maquinação de alta velocidade para moldes, de marca CC, modelo GTV-97G, pelo preço de € 145.000,00.

4 – Anteriormente ao fornecimento referido em 3, a Ré em 10.09.2008, havia fornecido à autora uma outra máquina também de marca CC, mas modelo AV-128-H.

5 - Na sequência de um bloqueio da máquina referida em 3 [há lapso evidente na alusão a 4], a Autora solicitou por carta datada de 27.04.2012 o envio de códigos de desbloqueamento da máquina. [Rectifica-se: está em causa a máquina referida em 4]

6 – A Ré respondeu à carta referida em 5, por carta datada de 15.05.2012 informando que apenas procederia à intervenção solicitada após ser comprovada a extinção do processo nº 1816/11.8 TBMGR, mais informando que só após tal extinção ficariam criadas as condições necessárias para o reatamento de relações comerciais.

7 – Em Maio de 2012, também a máquina referida em 3, quando se encontrava em funcionamento, bloqueou.

8 – A Autora enviou à Ré carta datada de 10 de Agosto de 2012, onde entre o mais, comunica: “Conforme é do vosso conhecimento a nossa máquina CC GTV-97G bloqueou há cerca de três meses atrás. O referido bloqueamento foi-vos comunicado via telefone pelo Sr. EE da AA, SA. Situações idênticas já aconteceram anteriormente e foram ultrapassadas nas 48 horas seguintes. Lamentavelmente decorridos os já referidos três meses, após o contacto entre o Sr. EE da empresa AA, SA e o Sr. FF da empresa BB, Máquinas e tecnologia industrial SA, não obtivemos qualquer resposta para solucionar o problema da máquina. (…) Assim sendo, e por tudo atrás referido, vimos por este meio e mais uma vez solicitar a V/Exas que se dignem enviar-nos os códigos de desbloqueamento para a nossa máquina CC GTV 97G. Mais informamos que estamos a averiguar com o nosso advogado, se por lei vos é permitido a falta de assistência com o consequente bloqueio da máquina por um simples erro de operacionalidade.

9 – Em resposta à carta referida em 8, a Ré, através do seu advogado, enviou à Autora carta datada de 27 de Agosto de 2012, onde entre o mais, comunica: “ (…) Ao contrário do por V. Excias alegado, nunca em tempo algum, comunicaram ao Sr. EE, o hipotético bloqueio da máquina “CC GTV-97G”. Acresce que, conforme já anteriormente transmitido na minha missiva datada de 15 de Maio de 2012, as relações comerciais entre V.Excias e a m/cliente, somente serão restabelecidas, após ser comprovado o pedido de extinção do processo 1816/11.8 TBMGR, que corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, pois conforme exaustivamente referido, tal processo ofende e coloca em crise o bom nome da m/ cliente”.

10 – A Ré é a única representante em Portugal da marca CC, motivo pelo qual sempre que ocorria qualquer problema de funcionamento com as máquinas fornecidas, era contactada pela autora para que os solucionasse.

11 – Aquando do fornecimento referido em 3, não foi celebrado qualquer contrato de assistência técnica entre a Autora e a Ré, apesar de esta, quando solicitada para o efeito, antes do corte de relações comerciais entre ambas, efectuar a mesma assistência, mediante pagamento.

12 – Na data referida em 8, a Autora tinha uma dívida para com a Ré no valor de cerca de € 90.000,00, sendo que € 3.000,00 se referiam à falta de pagamento de assistências técnicas e acessórios à máquina referida em 3.

13 – Aquando do fornecimento e entrega do equipamento referido em 3, a Ré entregou à Autora os backups necessários para repor as definições originais da máquina, mediante o restauro do sistema, procedimento que, como lhe explicou naquela data, dispensava a necessidade de introdução de códigos de desbloqueio.

14 – Para além da Ré, a marca CC pode fornecer os códigos de desbloqueio das máquinas, sendo certo que quando a mesma é contactada directamente pelos clientes, entra em contacto com a ré por forma a esclarecer se existem ou não débitos do cliente para com a ré, não fornecendo os mesmos quando tal ocorre.

15 – Na sequência de sentença proferida no âmbito do Procedimento Cautelar apenso, instaurado em 12.07.2013, a ré forneceu à autora o código de desbloqueio da máquina referida em 3, em 29 de Outubro de 2013.

16 – Em 29 de Outubro de 2013, a Ré solicitou à Autora os códigos gerados pela máquina por forma a conseguir obter o código de desbloqueio junto da marca.

17 – Nesse mesmo dia, após informação da Autora, a Ré solicitou à marca o envio do código.

18 – Em 30 de Outubro de 2013 a marca forneceu o código de desbloqueio que, nesse mesmo dia, foi enviado à Autora.

19 – No mesmo dia, a Autora solicitou novo código de desbloqueio dado que, após a introdução do código fornecido pela Ré, a máquina continuava sem funcionar.

20 – No dia 1 de Novembro, já após a Ré ter obtido novo código da marca, enviou o mesmo à Autora.

21 – Em 29 de Novembro de 2013, a Autora solicitou a deslocação de um técnico da ré à sua sede dado que após a introdução da password fornecida o equipamento continuava sem funcionar.

22 – Na sequência do solicitado em 21, a Ré deslocou-se às instalações da autora no dia 5 de Dezembro de 2013, constatando que a máquina encontrava-se sem erro de código mas não funcionava, a fonte de alimentação encontrava-se em erro, o circuito de alimentação havia sido alterado, o que se devia a problemas eléctricos na máquina.

23 – A Ré reparou a máquina na data referida em 22, deixando a mesma a funcionar.

24 – A máquina CC GTV-97G destina-se a efectuar eléctrodos em grafite para a fabricação de moldes, sendo a única que a autora possui para esse fim.

25 – Por força do contrato de leasing referido em 3, a Autora despende € 2.300,00 de rendas. 26 – A Autora tem outra máquina que permite efectuar os mesmos trabalhos que a máquina referida em 3, e que a autora usou de Maio de 2012 a Outubro de 2013, mas com maiores custos e qualidade inferior.

27 – A Autora de Maio de 2012 a Outubro de 2013, subcontratou trabalhos que poderia efectuar com a máquina referida em 3, no que despendeu € 21.000,00.

28 – Antes de Maio de 2012, um cliente havia encomendado à autora um trabalho no valor de € 350.000,00.

29 – A Autora tinha dois trabalhadores afectos à máquina referida em 3, que de Maio de 2012 a Outubro de 2013 permaneceram na empresa a efectuar outros trabalhos.

30 – A máquina referida em 3 tem uma laboração de cerca de 2000 horas anuais.

31 – A acção a que alude a missiva referida em 9 foi julgada extinta por deserção, por sentença datada de 10-03.2014.


4. Sendo aplicável o regime recursório do Código de Processo Civil de 2013, ambas as revistas são admissíveis, não se verificando dupla conformidade entre as decisões das instâncias. A dúvida que poderia suscitar-se quanto à revista da A. esclarece-se tendo presente que a decisão da 1ª Instância nega a responsabilidade contratual da R., concluindo pela absolvição, enquanto a decisão da Relação afirma a responsabilidade contratual da R., concluindo pela condenação parcial. Deste modo, “Embora para «efeitos práticos» possa existir dupla conforme, entre uma absolvição total e uma condenação parcial, na medida em que há uma zona de coincidência entre as decisões, face à nova lei, não ocorre essa dupla conforme, uma vez que os fundamentos de uma e outra decisão não possam ser considerados essencialmente idênticos” (sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2014 (proc. nº 291/11.1TVLSB.L1.S1, in www.sumarios.stj.pt).


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, estão em causa as seguintes questões:

Recurso da R.:

- Nulidade do acórdão recorrido tanto por excesso como por omissão de pronúncia;

- Incumprimento contratual por parte da R. ao recusar-se a fornecer à A. o código de desbloqueio da máquina CC, modelo GTV-97G.

Recurso da A.:

- Danos indemnizáveis.


6. Quanto à invocada nulidade do acórdão recorrido, alega a R. Recorrente:

- Excesso de pronúncia nos termos seguintes: 1. Nas alegações de Recurso de Apelação, a Autora colocou em crise a matéria de facto dada como não provada e constante das alíneas c), d) e e) dos factos não provados, limitando-se a nas alegações de Recurso reproduzir as transcrições dos depoimentos gravados na audiência de discussão e julgamento, não indicando sequer com exactidão as passagens da gravação em que fundava a sua discordância com a mui douta Sentença proferida em 1- Instância, o que constitui uma violação do disposto nas alíneas a) do n.º 2 e alíneas a), b) e c) do n.- 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil, cuja consequência é a rejeição liminar do Recurso.; 2. No Douto Acórdão recorrido proferido, os Venerandos Juízes Desembargadores apreciaram a impugnação da matéria de facto deduzida pela Autora, o que não poderiam ter feito face à violação pela Autora do disposto nas alíneas a) do n.º 2 e alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil.

- E omissão de pronúncia nos termos seguintes: 3. Tal violação do disposto nas mencionadas normas legais, constituiu um dos fundamentos da Resposta deduzida pela Ré, ora Recorrente, às alegações do Recurso de Apelação. 4. No Douto Acórdão recorrido proferido, os Venerandos Juízes Desembargadores deveriam ter-se pronunciado sobre a violação pela Autora das referidas normas legais, conforme aduzido pela Ré, ora recorrente na Resposta às alegações de Recurso de Apelação, o que não fizeram;

Ao fim e ao cabo, o vício seria o mesmo, visto de perspectivas simétricas: excesso de pronúncia por se terem considerado as pretensões da apelação da A. no sentido da reapreciação da matéria de facto; omissão de pronúncia por não se ter atendido ao conteúdo das contra-alegações da R. apelada no sentido da inverificação dos pressupostos para o conhecimento da matéria de facto.

Este segundo fundamento de nulidade – omissão de pronúncia – nunca poderia proceder porque o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC) e não pelas contra-alegações da recorrida.

Quanto ao alegado excesso de pronúncia, tenha-se ou não verificado, é nesta fase irrelevante, uma vez que a Relação manteve inalterados os factos dados como provados pela 1ª Instância. Além disso, não podia o recurso de apelação ter sido liminarmente rejeitado, como pretende a aqui R. Recorrente, uma vez que, compulsada a apelação, se verifica que a mesma inclui também questões de direito que sempre teriam de ser apreciadas pela Relação.


7. A questão de mérito da revista da R. consiste em saber se esta incorreu ou não em incumprimento contratual por se ter recusado a fornecer à A. o código de desbloqueio da máquina CC, modelo GTV-97G, que lhe vendera.

Os factos provados relevantes para o efeito são os seguintes:

3 – Em 7 de Outubro de 2008, por via de um contrato de leasing junto do BANCO DD Crédito, além de outra maquinaria, a Ré entregou à Autora um centro de maquinação de alta velocidade para moldes, de marca CC, modelo GTV-97G, pelo preço de € 145.000,00.

7 – Em Maio de 2012, também a máquina referida em 3, quando se encontrava em funcionamento, bloqueou.

8 – A Autora enviou à Ré carta datada de 10 de Agosto de 2012, onde entre o mais, comunica: “Conforme é do vosso conhecimento a nossa máquina CC GTV-97G bloqueou há cerca de três meses atrás. O referido bloqueamento foi-vos comunicado via telefone pelo Sr. EE da AA, SA. Situações idênticas já aconteceram anteriormente e foram ultrapassadas nas 48 horas seguintes. Lamentavelmente decorridos os já referidos três meses, após o contacto entre o Sr. EE da empresa AA, SA e o Sr. FF da empresa BB, Máquinas e tecnologia industrial SA, não obtivemos qualquer resposta para solucionar o problema da máquina. (…) Assim sendo, e por tudo atrás referido, vimos por este meio e mais uma vez solicitar a V/Exas que se dignem enviar-nos os códigos de desbloqueamento para a nossa máquina CC GTV 97G. Mais informamos que estamos a averiguar com o nosso advogado, se por lei vos é permitido a falta de assistência com o consequente bloqueio da máquina por um simples erro de operacionalidade.

9 – Em resposta à carta referida em 8, a Ré, através do seu advogado, enviou à Autora carta datada de 27 de Agosto de 2012, onde entre o mais, comunica: “ (…) Ao contrário do por V. Excias alegado, nunca em tempo algum, comunicaram ao Sr. EE, o hipotético bloqueio da máquina “CC GTV-97G”. Acresce que, conforme já anteriormente transmitido na minha missiva datada de 15 de Maio de 2012, as relações comerciais entre V.Excias e a m/cliente, somente serão restabelecidas, após ser comprovado o pedido de extinção do processo 1816/11.8 TBMGR, que corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, pois conforme exaustivamente referido, tal processo ofende e coloca em crise o bom nome da m/ cliente”.

10 – A Ré é a única representante em Portugal da marca CC, motivo pelo qual sempre que ocorria qualquer problema de funcionamento com as máquinas fornecidas, era contactada pela autora para que os solucionasse.

11 – Aquando do fornecimento referido em 3, não foi celebrado qualquer contrato de assistência técnica entre a Autora e a Ré, apesar de esta, quando solicitada para o efeito, antes do corte de relações comerciais entre ambas, efectuar a mesma assistência, mediante pagamento.

12 – Na data referida em 8, a Autora tinha uma dívida para com a Ré no valor de cerca de € 90.000,00, sendo que € 3.000,00 se referiam à falta de pagamento de assistências técnicas e acessórios à máquina referida em 3.

13 – Aquando do fornecimento e entrega do equipamento referido em 3, a Ré entregou à Autora os backups necessários para repor as definições originais da máquina, mediante o restauro do sistema, procedimento que, como lhe explicou naquela data, dispensava a necessidade de introdução de códigos de desbloqueio.

14 – Para além da Ré, a marca CC pode fornecer os códigos de desbloqueio das máquinas, sendo certo que quando a mesma é contactada directamente pelos clientes, entra em contacto com a ré por forma a esclarecer se existem ou não débitos do cliente para com a ré, não fornecendo os mesmos quando tal ocorre.

15 – Na sequência de sentença proferida no âmbito do Procedimento Cautelar apenso, instaurado em 12.07.2013, a ré forneceu à autora o código de desbloqueio da máquina referida em 3, em 29 de Outubro de 2013.

16 – Em 29 de Outubro de 2013, a Ré solicitou à Autora os códigos gerados pela máquina por forma a conseguir obter o código de desbloqueio junto da marca.

17 – Nesse mesmo dia, após informação da Autora, a Ré solicitou à marca o envio do código.

18 – Em 30 de Outubro de 2013 a marca forneceu o código de desbloqueio que, nesse mesmo dia, foi enviado à Autora.

19 – No mesmo dia, a Autora solicitou novo código de desbloqueio dado que, após a introdução do código fornecido pela Ré, a máquina continuava sem funcionar.

20 – No dia 1 de Novembro, já após a Ré ter obtido novo código da marca, enviou o mesmo à Autora.

21 – Em 29 de Novembro de 2013, a Autora solicitou a deslocação de um técnico da ré à sua sede dado que após a introdução da password fornecida o equipamento continuava sem funcionar.

22 – Na sequência do solicitado em 21, a Ré deslocou-se às instalações da autora no dia 5 de Dezembro de 2013, constatando que a máquina encontrava-se sem erro de código mas não funcionava, a fonte de alimentação encontrava-se em erro, o circuito de alimentação havia sido alterado, o que se devia a problemas eléctricos na máquina.

23 – A Ré reparou a máquina na data referida em 22, deixando a mesma a funcionar.


Afigura-se que a cabal compreensão do problema exige a ponderação dos seguintes aspectos: (i) existência e natureza da obrigação de fornecimento do código de desbloqueio da máquina dos autos; (ii) procedência das causas justificativas invocadas pela R. para o não cumprimento da obrigação; (iii) nexo de causalidade entre o não cumprimento da obrigação e os danos da A. dados como provados.

Assinale-se que a sentença de 1ª Instância reconheceu a existência do dever de a R. fornecer o código de desbloqueio à A, enquadrando-o no âmbito da obrigação de prestação de assistência e qualificando-o como dever acessório decorrente do princípio da boa fé, cuja violação pode gerar responsabilidade pós-contratual. Ainda que, depois, tenha atribuído relevância à existência de dívidas da A. à R. como causa justificativa para que esta última não cumprisse o dever de fornecer tal código de desbloqueio e tenha considerado, além disso, não verificada a relação de causalidade entre o incumprimento contratual e os danos sofridos pela A.

Diversamente, o acórdão recorrido, reconhecendo a existência de um dever de fornecimento do código de desbloqueio, qualificou-o como parte integrante da prestação principal, que – nos termos do art. 882º, nº 2, do Código Civil – devia ter sido cumprida “logo no momento da entrega da máquina”. Acrescentando: “Por conseguinte, ao não fornecer o código de desbloqueio em causa no momento da celebração do negócio, a conduta da Ré configurou o cumprimento imperfeito ou defeituoso da obrigação de entregar a coisa vendida com todos os documentos e instrumentos indispensáveis ao pleno uso e fruição”. E concluiu pela verificação de causalidade adequada entre o cumprimento defeituoso e parte dos danos sofridos pela A.


8. Afigura-se necessário esclarecer previamente a tipologia de deveres convocada pelas instâncias no âmbito da denominada relação obrigação complexa. Por um lado, temos os deveres de prestação, que correspondem a condutas desenvolvidas pelo devedor em favor do credor (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, VI – Direito das Obrigações, 2012, pág. 477), os quais, por sua vez, se distinguem entre deveres principais ou primários de prestação (aqueles que operam como núcleo da relação obrigacional considerada – cfr. Menezes Cordeiro, cit., pág. 489) e deveres secundários de prestação (“atuações de tipo instrumental que complementam a [prestação] principal, de modo a afeiçoar, no sentido pretendido, o interesse do credor” – cit., pág. 496). Os deveres de prestação secundária “são comuns deveres de prestar, que seguem o regime da prestação principal ou, mais latamente, dos deveres de prestar. As prestações secundárias dão azo a pretensões de cumprimento, podendo ser objeto de execução específica” (cit., pág. 497). Por outro lado, existem deveres acessórios (por vezes também designados deveres laterais) cujo conteúdo não é uma prestação e que emergem do princípio da boa fé, consagrado na lei. São habitualmente agrupados em deveres de informação ou esclarecimento, em deveres de lealdade e em deveres de protecção ou segurança. A sua violação apenas pode dar origem à obrigação de indemnizar pelos danos causados ao credor e não a uma acção de cumprimento (cfr. Menezes Cordeiro, cit., págs. 498 e segs.).


9. Feito este breve enquadramento, pode então verificar-se – no caso dos autos – que, se os deveres de prestação principal consistem na obrigação de entrega da máquina e na obrigação de pagamento do preço, o dever de fornecimento do código de desbloqueio é um dever de prestação, mas um dever de prestação secundária a que a R. deve dar cumprimento não no momento inicial da celebração do contrato, mas ao longo da sua execução. Como resulta dos factos provados, os códigos de desbloqueio vão sendo gerados durante a vida útil da máquina a partir de dados que – em cada episódio de bloqueio – a A. entrega à R., a qual, por sua vez, contacta a fabricante, obtendo o código num curto período de tempo. Não estamos, assim, perante uma situação de responsabilidade pós-contratual nascida do desrespeito por um dever acessório imposto pela boa fé. Trata-se antes de um dever de prestação secundária, sujeito ao regime dos deveres de prestação principal, designadamente à possibilidade de – como foi feito – a A. lançar mão de um procedimento cautelar para obter a entrega do código de desbloqueio.

Poderia, quanto muito, entender-se que o dever de prestação secundária de fornecimento, ao longo do tempo, de códigos de desbloqueio, seria descaracterizado pela prova do facto 13: Aquando do fornecimento e entrega do equipamento referido em 3, a Ré entregou à Autora os backups necessários para repor as definições originais da máquina, mediante o restauro do sistema, procedimento que, como lhe explicou naquela data, dispensava a necessidade de introdução de códigos de desbloqueio. Contudo, considera-se que esta via alternativa, exigindo meios humanos, tempo e custos acrescidos, não afasta, sem mais, o dever de a R. fornecer à A. os códigos de desbloqueio, dever que – como resulta dos factos provados 15. a 20. – pode ser cumprido com relativa facilidade e em curto período de tempo.

Também o facto provado 14. (Para além da Ré, a marca CC pode fornecer os códigos de desbloqueio das máquinas, sendo certo que quando a mesma é contactada directamente pelos clientes, entra em contacto com a ré por forma a esclarecer se existem ou não débitos do cliente para com a ré, não fornecendo os mesmos quando tal ocorre) não permite afastar o dever de fornecimento do código por parte da R., uma vez que a fabricante da máquina pode escusar-se a fornecer directamente o código à A. alegando relações directas entre esta e a R.

Conclui-se, assim, que a R. se encontrava obrigada a fornecer à A. os códigos de desbloqueio da máquina dos autos cada vez que a A, o solicitasse, correspondendo tal obrigação a um dever secundário de prestação.


10. Seguindo o caminho delineado, terá agora de se apreciar se, estando a R. obrigada perante a A., procedem as causas justificativas para o não cumprimento de tal obrigação, invocadas nos termos que constam dos factos provados 8. e 12.:

- Em resposta à carta referida em 8, a Ré, através do seu advogado, enviou à Autora carta datada de 27 de Agosto de 2012, onde entre o mais, comunica: “(…) Ao contrário do por V. Excias alegado, nunca em tempo algum, comunicaram ao Sr. EE, o hipotético bloqueio da máquina “CC GTV-97G”. Acresce que, conforme já anteriormente transmitido na minha missiva datada de 15 de Maio de 2012, as relações comerciais entre V.Excias e a m/cliente, somente serão restabelecidas, após ser comprovado o pedido de extinção do processo 1816/11.8 TBMGR, que corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, pois conforme exaustivamente referido, tal processo ofende e coloca em crise o bom nome da m/ cliente”.

– Na data referida em 8, a Autora tinha uma dívida para com a Ré no valor de cerca de € 90.000,00, sendo que € 3.000,00 se referiam à falta de pagamento de assistências técnicas e acessórios à máquina referida em 3.

      Nenhuma das razões invocadas preenche os requisitos da excepção de não cumprimento do contrato (art. 428º do CC), designadamente o carácter sinalagmático entre as alegadas obrigações da A. e a obrigação de entrega dos códigos a que a R. se encontrava adstrita, nem qualquer outra causa justificativa legalmente prevista para o não cumprimento. A falta de pagamento pela A. de “assistências técnicas” efectuadas pela R. (facto provado 12.) poderia ter, quanto muito, relevância se aquela tivesse fundado a acção num eventual dever de prestação de assistência técnica, o que não foi feito e sempre depararia com o obstáculo resultante do facto provado 11. (“Aquando do fornecimento referido em 3, não foi celebrado qualquer contrato de assistência técnica entre a Autora e a Ré, apesar de esta, quando solicitada para o efeito, antes do corte de relações comerciais entre ambas, efectuar a mesma assistência, mediante pagamento”).

Pelo exposto, conclui-se que a R. incumpriu o dever secundário de prestação de fornecer o código ou códigos de desbloqueio da máquina dos autos.


11. Tal conclusão não permite, sem mais, determinar que a R. se encontra obrigada a reparar os danos sofridos pela A. Falta apurar se entre o incumprimento da obrigação e os danos sofridos pela A. existe nexo de causalidade adequada (art. 563º do CC).

As instâncias divergiram neste ponto decisivo: a 1ª Instância decidiu pela ausência de causalidade; a Relação decidiu pela verificação de causalidade em relação a parte dos danos, e não apreciou a causalidade em relação aos demais.

Há que atender à sucessão cronológica dos factos provados 15. a 23.;  em especial aos factos 21. a 23. que aqui se reproduzem: 21. Em 29 de Novembro de 2013, a Autora solicitou a deslocação de um técnico da ré à sua sede dado que após a introdução da password fornecida o equipamento continuava sem funcionar. 22. Na sequência do solicitado em 21, a Ré deslocou-se às instalações da autora no dia 5 de Dezembro de 2013, constatando que a máquina encontrava-se sem erro de código mas não funcionava, a fonte de alimentação encontrava-se em erro, o circuito de alimentação havia sido alterado, o que se devia a problemas eléctricos na máquina. 23. A Ré reparou a máquina na data referida em 22, deixando a mesma a funcionar. Se, como ficou provado, a introdução de sucessivos códigos de desbloqueio não foi eficaz, tendo-se verificado que a paragem da máquina se devia a avaria da “fonte de alimentação”, que só pôde ser reparada com a intervenção da assistência técnica da R. nas instalações da A., então a paragem de laboração da máquina dos autos – e subsequentes danos decorrentes de tal paragem – não foi causada pela falta de cumprimento da obrigação de fornecimento dos códigos de desbloqueio.

Sem nexo causal entre o facto ilícito do “incumprimento” contratual pela R. devedora e os danos da A. credora não pode existir obrigação da primeira indemnizar a segunda.

Poderia questionar-se se a recusa da R. em fornecer o código de desbloqueio da máquina terá contribuído para o atraso na detecção da avaria e, ainda que indirectamente, para o agravamento dos danos. Tal não foi, porém, nem alegado nem provado pelo que não pode ser apreciado.


12. Fica assim prejudicado o conhecimento da questão objecto do recurso da A.


13. Pelo exposto, julga-se procedente o recurso da R. e improcedente o recurso da A., revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se a R. do pedido.


Custas pela A. Recorrente.


Lisboa, 13 de Outubro de 2016


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Bettencourt de Faria

João Bernardo