Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A844
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LOPES PINTO
Descritores: EMPRESÁRIO DESPORTIVO
REGISTO
FUTEBOLISTA PROFISSIONAL
NULIDADE DO CONTRATO
CONSTITUCIONALIDADE
CONTRATO DE MANDATO
EMPRESÁRIO
Nº do Documento: SJ200204230008441
Data do Acordão: 04/23/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. DIR CONST.
Legislação Nacional: L 28/98 DE 1998/02/26 ARTIGO 23 N4 ARTIGO 22 N1 ARTIGO 24 N1.
CONST92 ARTIGO 47 N1 ARTIGO 59.
Sumário : I - O direito à escolha de profissão não pressupõe o acesso indiscriminado e absoluto a que se elegem.
II - A Lei que não veda a escolha da actividade de empresário desportivo mas apenas regulamenta o seu exercício não põe em crise o direito ao trabalho.
III - É nulo, o contrato em que um jogador profissional confia a empresário desportivo, não inscrito no respectivo registo, com carácter de exclusividade, a gestão e a orientação da sua carreira .
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" intentou contra "B" acção a fim de ser condenado a pagar-lhe 5.000.000$00, a título de indemnização por incumprimento do contrato de prestação de serviço celebrado em 98.08.18, acrescido de juros de mora vencidos no montante de 300.000$00 e vincendos.
Contestando, excepcionou o réu a nulidade do contrato e impugnou, concluindo pela absolvição do pedido.
Após réplica, procedeu a excepção e improcedeu a acção, em saneador-sentença.
Tendo como inconstitucionais os arts. 22, 23 e 24 da lei 28/98, de 26.06, e pretendendo que a acção prossiga, pediu revista (recurso per saltum) o autor, concluindo em suas alegações.
- a decisão proferida fundamentou-se nas normas estabelecidas no Regulamento dos Estatutos da FIFA, no Regulamento dos Agentes dos Jogadores e nos arts. 22 e 23-4 da lei 28/98 (por lapso certamente, referiu o autor o art. 24-4 por art. 23-4);
- a F.I.F.A., como organização reguladora do futebol profissional, não é uma entidade reconhecida pelo nosso ordenamento jurídico e as suas normas não fazem parte integrante do direito português,
- pelo que a lei 28/98 ao assimilar aplicativamente as suas normas violou princípios fundamentais da nossa soberania ínsitos na C.R.P.;
- as normas da F.I.F.A. e as dos arts. 22, 23 e 24 dessa lei, ao subordinarem o exercício de uma profissão de agente desportivo à prestação de uma garantia bancária de CHF 200,00 e à sua inscrição num organismo estrangeiro, ferindo de inexistência os contratos celebrados por cidadãos portugueses não credenciados por aquele organismo, constituem grave discriminação em função da situação económica dos cidadãos, violando direitos fundamentais dos cidadãos ao trabalho, à escolha de profissão ou do género de trabalho,
- ofendendo os preceitos ínsitos nos arts. 59 e 47-1 CRP.
Contra-alegando, defendeu o réu a improcedência do recurso o qual, a seu ver, deveria ter sido dirigido ao Tribunal Constitucional.
Colhidos os vistos.
Matéria de facto dada como provada -
a)- entre ambas as partes foi celebrado o acordo escrito, datado de 98.08.18, constante dos autos a fls. 8;
b)- nos termos do mesmo, o réu confiou ao autor, com carácter de exclusividade, «a gestão e orientação da sua carreira futebolística profissional, em todos os aspectos e situações, podendo este representá-lo, quer em Portugal quer em qualquer outro País, na angariação e/ou negociação de contratos de trabalho, ou quaisquer contratos que directa ou indirectamente, digam respeito a esta actividade profissional, dando-lhe assim poderes de representação através da procuração nesta data outorgada» (teor da cláusula 1ª);
c)- o réu celebrou com o Club de Futebol ................, em 99.07.26 (a data que consta do saneador é a do acordo referido na al. a); a rectificada não foi impugnada pelo réu), acordo de trabalho desportivo remunerado como jogador profissional de futebol sem o consentimento, autorização ou conhecimento do autor;
d)- o autor não é agente ou intermediário desportivo filiado na FIFA nem tem qualquer licença para o exercício da actividade acordada com o réu.
Decidindo: -

1.- É do conhecimento comum que apenas se recorre de decisões.
A decisão recorrida não se pronunciou sobre a constitucionalidade das normas que teve por aplicáveis e aplicou.
Não foi, até às alegações do recurso, suscitada a questão da inconstitucionalidade.
O tribunal recorrido não recusou a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.
Improcede a questão prévia (LTC- 70-1 a) e b) e 2, e 72-2).
2.- Aplicada a lei 28/98 de 98.06.26.
A lei 28/98 entrou em vigor em 98.07.01, antes, portanto, do contrato accionado, por incumprimento, contrato de mandato (art. 23-4).
Só podem exercer actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais competentes (art. 22-1).
O autor não se encontra inscrito no registo dos empresários desportivos, fulminando a lei o contrato em causa com a sanção da inexistência.
As pessoas singulares ou colectivas que exerçam a actividade de intermediários, ocasional ou permanentemente, só podem ser remuneradas pela parte que representam (art. 24-1).
Julgado nulo o contrato, improcedeu a acção.
Defende agora o autor a inconstitucionalidade destas normas.
3.- Desde logo cumpre limitar o âmbito cognoscível do objecto do recurso.
Com efeito, em nada interessa aos autos a matéria da conclusão 4ª pois que não se coloca a exigência de garantia bancária de CHF, necessária só para a inscrição em entidade internacional.
In casu, a transferência apresentada como violadora do contrato nos moldes em que se processou é interna, dentro do próprio País. Bastava a inscrição em entidade nacional.
Certamente por lapso, requer-se o julgamento de (in)constitucionalidade do art. 24.
Nem se alegou para o efeito, sendo incorrecto falar-se em «conclusão» nem tal norma interessou ao julgamento de nulidade do contrato.
Contrariamente ao que se lê na 1ª conclusão das alegações do recorrente, a decisão só subsidiariamente «serve isto para dizer que, se tanto não bastasse na lei em causa, também os próprios estatutos ...» (fls. 108) - recorreu aos estatutos da FIFA «assimilados aplicativamente por via subsidiária através do art. 22».
Assim, apenas é cognoscível neste processo a questão da constitucionalidade dos arts. 22 e 23 da lei 28/98.
4.- Uma das coisas que decorre da soberania de cada País é a adopção das leis que tem por mais adequadas à satisfação dos seus interesses nacionais, legisla nesse sentido.
Não é o facto de um outro País, de uma organização ou de uma entidade não nacional, ou de um organismo internacional ter um conjunto normativo similar ou igual que impede o legislador de diferente Estado o fazer acolher no seu ordenamento jurídico, com ou sem alterações.
Não resulta daí qualquer violação para a soberania do Estado e mal andará o legislador que, embora reconhecendo a excelência da norma, a afaste só porque outrem tomou a iniciativa ou soube aperfeiçoá-la.
De tão evidente esta conclusão que, para afastar este fundamento posto pelo autor, não se torna necessário uma outra argumentação.
5.- O direito à escolha de profissão não pressupõe o acesso indiscriminado e absoluto à que se elegeu.
Não é pelo facto de A querer ser médico ou B engenheiro que o é e com isso não se lhe está a negar o direito de o vir a ser uma vez adquirida a preparação adequada nem o de vir a exercer a profissão para que se preparou, uma vez respeitadas as normas aplicáveis (v.g., inscrição na respectiva Ordem, etc).
Para ser basta-lhe a preparação, consoante os casos, académica ou técnica.
Para exercer a profissão para que se preparou terá, muitas vezes, de percorrer os passos que, na organização da sociedade que traçou, a lei prescreve para aquele concreto tipo de profissão.
As normas em causa não vedam a escolha da actividade de empresário desportivo, mas apenas regulamentam o seu exercício.
Exigir que, para exercer a actividade, haja preparação, não uma qualquer preparação, e que essa seja de molde a permitir o reconhecimento do aproveitamento e que, sendo positivo, as entidades desportivas autorizem o respectivo exercício nada tem de extraordinário.
No fundo, o que se está é a valorizar o exercício de uma profissão e a querer conferir uma certa respeitabilidade e dignidade, o que é de estimar.
Há profissões que não requerem preparação específica nem autorização para a exercer.
Todavia, a lei entendeu que para a actividade de empresário desportivo era necessária uma e outra. Nada lho proibia e a utilidade pública da regulação desportiva requeria-as.
Isto está de acordo com o art. 47-1 CRP.
Cita ainda o autor o art. 59 da Lei Fundamental apenas na vertente «todos têm direito ao trabalho» (fls. 117 vº). Nem uma palavra mais acrescentou.
Não merece esta referência mais que duas observações.
Nem as normas em causa negam o direito ao trabalho nem a exigência da autorização deixa de ter justificação plausível e pertinente.

Termos em que se não julgam inconstitucionais as normas constantes dos arts. 22 e 23 da lei 28/98 e se nega a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 23 de Abril de 2002
Lopes Pinto
Ribeiro Coelho
Garcia Marques