Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4486
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
CONTRATO DE EMPREITADA
Nº do Documento: SJ200701230044861
Data do Acordão: 01/23/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
1) Enquanto a compra e venda consiste na transmissão de uma coisa (ou direito) no contrato de empreitada existe a obrigação de realizar uma obra – corpórea e material – para a qual, e salvo convenção em contrário, o empreiteiro fornece os materiais e utensílios necessários.
2) A chamada casa pré fabricada mais não é do que um conjunto de módulos que, uma vez montados e ajustados, formarão a estrutura base de um edifício, que deve ser fixado ao solo, forrado e coberto e concluído com instalação eléctrica, de água e de saneamento. Só depois destes trabalhos pode dar-se por concluída a obra, que assume a natureza do imóvel, “ex vi” dos nºs 3 e 1 a) do artigo 204º do Código Civil.
3) A lei não adoptou o “nomen juris” de rescisão, mas sim de resolução, que extingue o vínculo contratual mediante a emissão de uma declaração negocial unilateral, recepticia e reportada a uma causa.
4) Coloca as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, produzindo, em princípio, os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio.
5) O contraente lesado deve ser indemnizado pelo dano “in contrahendo” – interesse contratual negativo – buscando-se a situação que teria se o contrato não tivesse, sequer, sido celebrado.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

“AA ... – Fábrica de Artigos de Madeira, Importação e Exportação de Espaços Publicitários, Limitada”, com sede em Cascais, intentou acção com processo ordinário contra BB, residente em Porto Santo, pedindo a resolução de um contrato de compra e venda e a condenação do Réu a pagar-lhe 20.970,45 euros, com juros desde 6 de Janeiro de 2004, sobre o capital (19.550,00) à taxa de 12%.

O Réu contestou e deduziu reconvenção, pedindo o pagamento de 22.942,91 euros, acrescidos de juros vencidos no montante de 1.292,46 euros.

Na 14ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, o Réu veio a ser condenado a ver resolvido o contrato de compra e venda e a pagar à Autora 20.970,45 euros, com juros sobre o capital, à taxa supletiva legal e os juros vencidos e vincendos pedidos.

A Relação de Lisboa, para onde o réu apelou, manteve a decisão recorrida.

Pede agora, o réu, revista para concluir nuclearmente:

- São substancialmente incompatíveis o pedido de rescisão do contrato com o pedido simultâneo do seu cumprimento;

- A consequência lógica e legal de rescisão do contrato é a não produção de efeitos, pelo que a autora/recorrida não pode sustentar a rescisão do contrato, tornando-o nulo, quanto à produção de efeitos e, simultaneamente, pretender ressarcir-se do incumprimento do contrato, como se o contrato fosse válido e produzisse todos os seus efeitos;
- E se o contrato for rescindido, como efectivamente foi, o recorrente tem direito a reaver tudo aquilo que prestou, designadamente, 10.000€ que
pagou à recorrida antes da celebração do contrato (6 de Dezembro de 2002), acrescidos de outros €10.000 que o recorrente pagou à recorrida com a assinatura do contrato (11 de Abril de 2003).

- A autora/recorrida transportou para o Porto Santo os matérias necessários mas não chegou a vender ao recorrente a casa pré-fabricada, em madeira, objecto do contrato de compra e venda, porque rescindiu o contrato, ficando a casa no seu património e, o réu/recorrente pagou €20.000 em dinheiro e não chegou a comprar a casa que ficou no património da recorrida.

- A autora/recorrida tem direito a ser indemnizada pelo recorrente, mas a obrigação deste indemnizar a recorrida abrange apenas o interesse contratual negativo que, por um lado, abrange as despesas com o próprio contrato e as despesas acessórias de transportes e pareceres e, por outro lado, abrange os benefícios que a sociedade recorrida deixou de obter pelo facto de celebrar o contrato rescindindo, prejuízos estes que não fazem parte do pedido.

- O contrato celebrado pelas partes não pode qualificar-se como de empreitada, porque a recorrida não se obrigou a realizar certa obra (artigo 1207º CC) a recorrida obrigou-se a vender uma casa pré-fabricada, em madeira (obra já realizada) e obrigou-se a instalar a casa vendida em terreno do comprador.

- Para se desonerar da sua prestação, a recorrida rescindiu o contrato e essa rescisão foi aceite pelo recorrente e ficou a constar da matéria assente, sendo substancialmente incompatíveis o pedido de rescisão do contrato com o pedido simultâneo do seu cumprimento.

- A resolução ou a rescisão do contrato não permite o pagamento de indemnização correspondente ás vantagens que se obteriam com a celebração do contrato.

Não foram produzidas contra alegações.

Ficou assente a seguinte matéria de facto:

- A autora dedica-se ao fabrico de artigos em madeira, designadamente casas em madeira, com sede em Cascais.

- O réu reside no Sitio do Pé do Pico, freguesia e concelho de Porto Santo, Ilha de Porto Santo.

- Autora e Réu celebraram a 12 de Abril de 2003 um contrato de compra e venda através do qual a primeira vendeu ao segundo e este comprou uma casa pré-fabricada em madeira, pelo preço de €35.000, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, nos termos do documento que com o nº 1 se junta com a P.I.

- Mais foi acordado entre a autora e réu que este pagaria àquela o preço nos seguintes termos e condições.
1- Com a assinatura do contrato, 10 mil euros.
2- Com a entrega das chaves da casa, 15 mil euros, acrescidos de IVA à taxa de 19%, o que totalizava €4.550.

- Na data da celebração do contrato de compra e venda o réu pagou efectivamente à autora 10.000 euros.

- Entretanto e para implantação da casa pré fabricada vendida ao réu, a autora executou os seguintes trabalhos:
- Construção da base da casa formada por lintel de cimento;
- Instalação eléctrica;
- Montagem da cabana incluindo forro do tecto e ripado para receber telhas;
- Colocação de isolamento térmico e hídrico;
- Acabamento de interior e exterior da casa;

- Quando se preparava para executar os restantes trabalhos, a saber – colocação das telhas, mosaico no chão, canalização e colocação da varanda, a autora tem conhecimento através do réu que foi decretado o embargo da obra, requerido à CM de Porto Santo por CC, sobrinho do réu.

- Àquela data todos os materiais para construção da casa objecto do contrato de compra e venda já se encontravam em Porto Santo, tendo a autora para o efeito pago o transporte marítimo daquele material de Lisboa para Porto Santo.

- O referido material encontra-se em Porto Santo, para conclusão da casa.

- A 19 de Maio de 2003, a autora interpela o réu através de carta registada para proceder ao pagamento da quantia de 19.550 euros, alegando em síntese que o decretamento do embargo da construção da casa é alheio à autora.

- A 20 de Junho de 2003, o réu responde à autora com a carta que faz o doc. 4 junto com a p.i.

- Em síntese diz o réu que embora aceite os factos aduzidos pela autora, na sua carta de 19 de Maio de 2003, não poderá proceder ao pagamento porquanto a ocorrência do alegado embargo da construção, não pode imputar-se a facto seu.

- Em 13 de Agosto de 2003 e em 6 de Outubro de 2003, a autora enviou 2 cartas ao réu a interpelá-lo a proceder ao pagamento da factura nº 007 de 29 de Maio de 2003, não obtendo qualquer resposta às mesmas.

- O pedido (formulado pelo réu à CM de Porto Santo) de implantação de uma moradia pré fabricada, não foi devidamente instruído.

- Em 16 de Abril de 2003, CC requereu à CM de Porto Santo, a informação sobre o licenciamento da obra em referência, uma vez que, a mesma estava a ser construída em terreno contíguo ao seu.

- Em 16 de Abril de 2003, CC apresentou um pedido de embargo da aludida obra (à CM de Porto Santo).

- A 15 de Abril de 2003 a CM de Porto Santo já teria informado o réu que este não estava autorizado a implantar naquele terreno a casa em referência.

- A 15 de Maio de 2003, na sequência de uma fiscalização ao local, a CM de Porto Santo ordenou no prazo de 30 dias a desmontagem da referida casa pré fabricada.

- Em 15 de Abril de 2003, três dias depois da celebração do contrato de compra e venda, o réu tem conhecimento de que a construção da casa pré fabricada não é autorizada.

- Deste facto não dá o réu conhecimento à autora, por forma a impedi-la de prosseguir a construção da casa e a evitar os prejuízos que entretanto vieram a concretizar-se.

- Em 14 de Maio de 2003 a CM de Porto Santo notifica o réu para proceder à desmontagem da casa em referência.

- Este facto não é comunicado pelo réu à autora por qualquer meio.

- Nunca foi efectivamente decretado o embargo da construção pela CM de Porto Santo.

- A autora escreve no artigo 37º da p.i. que: nos termos do artigo 801º do CC, a prestação da autora, tornou-se impossível por causa imputável ao réu e no artigo 38º que: pelo que, tem a autora direito de exigir o pagamento do preço e a resolver o contrato de compra e venda, o que faz através da presente acção judicial.

- O réu em 7 de Maio de 2003 depositou na conta pessoal do gerente da autora a quantia de €29.412,91.

- No artigo 15º da contestação o réu escreve que aceita o pedido de resolução do contrato formulado pela autora, com as legais consequências, correspondendo assim essa resolução à vontade das partes.

- A quantia de €29.412,91 foi paga à autora não por conta do preço do contrato de compra e venda, mas por outras despesas com ele relacionadas, conforme acordo das partes.

- Aquando da celebração do contrato, o réu indicou em determinado terreno o local para a exacta implantação da casa pré fabricada.

- Sucede que a localização indicada pelo réu ocupava uma parte no seu terreno e outra no terreno de um seu sobrinho, o CC, segundo medições feitas no local e na altura.

- É na sequência da implantação de uma casa no seu terreno que CC apresenta um pedido junto da CM de Porto Santo, para esclarecimento sobre o licenciamento da referida obra.

- Na data em que o sobrinho do réu constata a implantação da obra no seu terreno, exige ao réu que o mesmo a construa sobre o seu terreno, contíguo àquele, propriedade de CC; a casa foi reedificada a cerca de 10 metros da primitiva localização.

- A esta data já a autora tinha construído uma parte da casa, colocado a base da mesma e erguido algumas paredes.

- O levantamento da base e das paredes e a sua implantação em outro local não estava previsto ou incluído no preço contratualmente definido.

- Isto é, na sequência da deslocação do local de implementação da casa, foi necessário o trabalho de 4 homens, que recebem 75 euros por cada dia de trabalho, a que acrescem despesas de habitação e alimentação, uma vez que se encontram deslocados das suas casas sitas no continente, pelo período de 5 dias.

- Acrescem ainda despesas de material que não pode ser reaproveitado, após a sua primeira utilização.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Contrato.
2- Resolução e indemnização.
3- Pedidos.
4- Conclusões.


1- Contrato

Antes do mais, e porque tal é relevante para decidir a questão da compatibilidade substancial dos pedidos suscitada pelo recorrente, há que qualificar o contrato.
Pretende o recorrente tratar-se de compra e venda (e, assim, foi nominado) enquanto que, na óptica do Acórdão “sub judicio”, que fez apelo ao artigo 664º do CPC, trata-se de empreitada.
Do acervo de factos assentes resulta que a autora vendeu e o réu comprou uma casa pré fabricada, de madeira; que para a sua implantação na Ilha de
Porto Santo, a autora fabricou uma base formada por lintel de cimento, a instalação eléctrica, a montagem do forro do tecto e do ripado para receber telhas; o isolamento térmico e hídrico; os acabamentos interiores e exteriores.
Acordaram, ainda, que a Autora colocasse telhas, mosaico no chão, canalização e uma varanda.
O preço global seria de 35000,00 euros mais IVA.
Com este quadro factico é certo tratar-se de um contrato de empreitada.
A compra e venda consiste na transmissão da propriedade de uma coisa (ou direito) mediante um preço – artigo 874º do Código Civil.
O conceito de coisa, na compra e venda, pressupõe a existência de um bem com utilidade económica imediata para o comprador.
No contrato de empreitada há obrigação de realizar certa “obra”, para a qual, e salvo convenção em contrário, o empreiteiro fornece os materiais e utensílios necessários – artigos 1207º e 1210º nº1 CC.
A obra a produzir tem de consistir em algo corpóreo e material.
E a obra que define a causa típica ou a função económico-social da empreitada, refere-se ao acto que o empreiteiro se obrigou a realizar (…) e não à coisa sobre a qual o objecto incide”. (cf. Prof. A. Varela, RLJ 121-183 ss em anotação ao Acórdão do STJ de 3 de Novembro de 1983).
O regime jurídico da empreitada prende-se, assim, com a realização de obras materiais, (cf. Prof. Calvão da Silva, ROA 45-129 ss; Prof. Galvão Telles, “Aspectos Comuns a vários contratos”, 76; e Prof. Vaz Serra, “Empreitada”, BMJ 145-146 -7), compreendendo não só a construção, ou criação, como também a modificação, a reparação ou até a demolição de uma coisa.
“A empreitada tem por objecto não o trabalho executado sob a direcção do outro contraente mas o resultado desse trabalho, sendo na realização da obra que reside o acto jurídico.” (BMJ 319-273

“In casu” trata-se de empreitada de obra imobiliária.
De facto, a chamada casa pré fabricada, mais não é do que um conjunto de módulos que, uma vez montadas, e ajustadas, formarão no seu todo a estrutura de um edifício.
Mas essa construção (ou estrutura base) não tem, em si mesma, utilidade, ou autonomia.
Necessita ser fixada ao solo, numa plataforma, com ou sem fundações profundas, forrada, coberta, “acabada”, enfim, e ligada à rede pública de electricidade, de saneamento e de fornecimento de águas, se existirem, ou, caso inexistam, ligado a geradores de energia, esgotos próprios (com criação de um sistema de fossa séptica, ou outra) e construção de canalizações e depósitos de água.
Só depois desses trabalhos é que pode dar-se por concluída a casa.
E, quando ligado ao solo, “com carácter de permanência tem a natureza de imóvel, por força do nº3 e nº1, alínea e) do artigo 204º CC. (cf. Prof. Pires de Lima, “Das coisas”, BMJ 91-210 e Dr.ª Isabel Pereira Mendes, in “Código do Registo Predial – Anotado e Comentado”, 15ª ed., notas ao artigo 1º).
Ora, embora intitulado de compra e venda de casa pré fabricada, o que a autora e réu acordaram foi que aquela implantasse no seu terreno uma construção, cuja estrutura base era constituída por módulos pré fabricados, acordando um preço “a forfait”.
Tratou-se de contrato de empreitada.

2- Resolução contratual e indemnização.

A autora pede a resolução do contrato, alegando incumprimento por parte do réu.
O réu deu o seu acordo à extinção do vínculo contratual, nesses termos.
Não há controvérsia neste ponto.
A declaração resolutória é uma declaração negocial, unilateral e recepticia – artigo 436º nº 1 do CC – reportada a uma causa que, sendo ilícita, e se não ocorrer repristinação do vinculo, determina a obrigação de indemnizar os prejuízos causados à contraparte não faltosa. (cf. Prof. Romano Martinez, “Da Cessação do Contrato”, 2005, 221 e v.g. o Acórdão do STJ de 18 de Novembro de 1999 – BMJ 491-297).
Faça-se notar, desde já, que a terminologia correcta é resolução, que não “rescisão” (termo nunca presente no Código Civil que, apenas uma vez – artigo 702º nº1 – usa a palavra rescindir, mas nunca aquela).

A resolução coloca as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, já que, em princípio, produz os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (artigo 433º CC).
Os desvios a este regime são apenas a retroactividade contrariar a vontade das partes (artigo 434º nº1 CC); o abranger somente o já prestado (Id. nº 2); não prejudicar, em princípio, direitos de terceiros (artigo 435º nº1 CC).
A colocação dos contraentes da situação anterior ao contrato gera a obrigação de restituir o prestado, sem prejuízo de indemnizar os danos que a parte culpada causou.
A classificação tradicional – “damnum emergens” e “lucrum cessans”, sendo este a frustração de um ganho e aquele a diminuição efectiva do património – depois completada por outras duas formas – gastos extraordinários e desaproveitamento das despesas – cf. Prof. Vaz Serra, in “Obrigação de indemnização”, BMJ, 84-12, Prof. Gomes da Silva, “Conceito e Estrutura da Obrigação”, 1943, I, 117 ss e Prof. Pereira Coelho, in “O problema da causa virtual na responsabilidade civil”, 1955, 91 e 240 – é, mas apenas para a responsabilidade contratual, dicotomizado entre prejuízos positivos (ou interesse contratual positivo) e prejuízos negativos (ou interesse contratual negativo).
Ali (dano “in contractu”) há que colocar o lesado na situação que teria se o contrato tivesse sido cumprido; no interesse contratual negativo (dano “in contraendo”) busca-se a situação que o lesado teria se o contrato não tivesse sido, sequer celebrado. (cf. Prof. Pessoa Jorge – “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, 1972, 380 e Prof. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 6ª ed., 501).
O dano de confiança - interesse contratual negativo – pode ,não obstante, incluir lucros cessantes e danos emergentes, uma vez feita a demonstração de que, por causa da realização do contrato deixaram de outorgar outro, ou imobilizaram capital que deixaram de aplicar noutra sede, daí resultando perdas de lucros ou vantagens.
Nesta linha, e v.g. o Prof A. Varela (Das Obrigações em Geral, II,3ª ed.,60) Prof. Almeida Costa (Direito das Obrigações, 9º ed. ) Prof. Romano Martinez (Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, 1994,350/351) Prof. Menezes Leitão ( Direito das Obrigações, II, 3ª ed.,259) e Acórdãos do STJ de 22.6 2005- 05B1993- e de 16.3.99- 99B136).

Nesta perspectiva, e na ponderação dos efeitos da resolução, o “quantum” indemnizatório devido à autora será o correspondente ao dano negativo, ou de confiança.

3- Pedidos.

A Autora pediu a resolução do contrato e o pagamento de 20.970,45 euros “a titulo de capital não pago” e juros de mora vencidos sobre o montante do capital facturado à taxa supletiva legal, e juros moratórios, vencidos e vincendos sobre o capital de 19.550,00 euros.
A colocação da autora na situação que teria se o contrato não tivesse sido celebrado consistiria, em alternativa, no pagamento dos materiais entregues e trabalhos que já efectuou, acrescidos dos custos de transporte que suportou, ou no pagamento das despesas de transporte, fiscais e do despendido com operários, trabalhos e materiais não recuperáveis, podendo levantar os ainda comercializáveis noutra sede.
Seria esta a forma de repor a situação anterior ao contrato, o que não se confunde com o pagamento do preço, esse sim inexigível em caso de resolução e sempre representando o dano “in contractu”.
Formulando este pedido, cumulado com o de resolução, inquinaria o petitório com a incompatibilidade a que se refere a alínea c) do nº2 do artigo 193º do CPC.
Tudo está, então, em interpretar o primeiro articulado.
Ora, da leitura da petição conclui-se que o que a Autora pretendeu foi optar por um “quantum” encontrado por apelo à primeira alternativa acima referida (preço dos materiais que enviou para Porto Santo, custo dos trabalhos ali realizados e demais despesas efectuadas, tendo em conta especificas necessidades de transporte para a Ilha de Porto Santo).
Se tal for satisfeito está indemnizado o interesse contratual negativo e inexiste ineptidão da petição inicial.
Considerando, porém, que o réu entregou, a titulo de antecipação de pagamento, a quantia de 22.942,91 euros, e sendo o preço final acordado de 35000,00 euros, pedir agora mais 19.550,00 euros de capital em muito excederia aquele montante e situar-se-ia muito para além dos prejuízos negativos.
Por isso, e na impossibilidade de aqui os quantificar – e sempre tendo como tecto o preço acordado – relega-se o apuramento do “quantum” devido para execução de sentença, nos termos do nº2 do artigo 661º do CPC.

4- Conclusões.

De concluir que:

a) Enquanto a compra e venda consiste na transmissão de uma coisa (ou direito) no contrato de empreitada existe a obrigação de realizar uma obra – corpórea e material – para a qual, e salvo convenção em contrário, o empreiteiro fornece os materiais e utensílios necessários.
b) A chamada casa pré fabricada mais não é do que um conjunto de módulos que, uma vez montados e ajustados, formarão a estrutura base de um edifício, que deve ser fixado ao solo, forrado e coberto e concluído com instalação eléctrica, de água e de saneamento. Só depois destes trabalhos pode dar-se por concluída a obra, que assume a natureza do imóvel, “ex vi” dos nºs 3 e 1 a) do artigo 204º do Código Civil.
c)A lei não adoptou o “nomen juris” de rescisão, mas sim de resolução, que extingue o vínculo contratual mediante a emissão de uma declaração negocial unilateral, recepticia e reportada a uma causa.
d) Coloca as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, produzindo, em princípio, os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio.
e)O contraente lesado deve ser indemnizado pelo dano “in contrahendo” – interesse contratual negativo – buscando-se a situação que teria se o contrato não tivesse, sequer, sido celebrado.

Nos termos expostos, e concedendo parcialmente a revista, condenam o Réu a indemnizar o Autor pelos prejuízos negativos, em quantia a liquidar em execução de sentença, nos termos acima explanados.

Custas pelo recorrente (4/5) e recorrido (1/5).

Lisboa, 23 de Janeiro de 2007

Sebastião Póvoas (relator)
Moreira Alves
Alves Velho