Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2383/17.4YRLSB.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO ATÍDE DAS NEVES
Descritores: PATENTE
MEDICAMENTOS GENÉRICOS
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
CONTRADIÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 05/25/2023
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Para que haja contradição de julgados, para os efeitos do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, é necessário que entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento se configure um frontal conflito decisório, resultante de uma identidade nuclear, que como tal se revele na óptica dos factos apurados e também da solução jurídica que sobre os mesmos impende em cada uma das decisões em confronto, a ponto de a divergência decisória assumir natureza essencial, incidente sobre a ratio decidendi.

II - Não existe contradição entre o acórdão recorrido que entendeu ter a recorrida obtido vantagem indevida com a venda dos medicamentos genéricos cuja patente da substância activa não lhe pertence, condenando aquela a pagar uma indemnização à titular da patente a título de enriquecimento sem causa, e o acórdão recorrido que entendeu que o instituto do enriquecimento sem causa não pode aplicar-se, “pois não se provou qualquer enriquecimento das demandadas à custa dos direitos da patente” de que a demandante é titular.

Decisão Texto Integral:

Pfizer LTD, sociedade de direito inglês e Warner-Lambert Company LLC, sociedade constituída ao abrigo do Estado do Delaware, demandaram em processo de arbitragem Laboratórios Azevedos-Indústria Farmacêutica, SA, nos termos dos art. 2° e 3o da Lei n° 62/2011, de 12.12, e art. 8o n°2, e 10° n° 2 e 4, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV).

Na Adi do Tribunal Arbitral ficou estabelecido que "O objecto do litígio consiste no exercício dos direitos de propriedade industrial que os demandantes invocam decorrentes da Patente Europeia n° EP934061, designadamente os medicamentos genéricos a seguir indicados constantes da lista publicada pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, LP. , na respectiva página electrónica, a 30 de Junho de 2015, respeitantes à substância ativa Pregabalina, conforme certidões do INFARMED, a anexar à presente ata".

Formularam os seguintes pedidos:

A - Condenar a Demandada a não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse dos medicamentos de PREGABALINA para os quais requereu as AIMS em causa nestes autos dirigidos ao tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061.

B - Condenar a Demandada a não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse de quaisquer medicamentos de PREGABALINA dirigidos ao tratamento da dor até à data de caducidade da EP0934061;

C - Condenar a Demandada, e até à data de caducidade da EP0934061, a não incluir no Resumo das Características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos de PREGABALINA qualquer referência, directa ou indirecta, dirigidos ao tratamento da dor;

D - Condenar a Demandada, e até à data de caducidade da EP0934061, a não anunciar, publicitar ou incentivar, direta ou indiretamente, a exploração comercial dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA para o tratamento da dor;

E - Reconhecer a existência de uma situação de colisão de direitos nos termos apresentados;

F - Condenar a Demandada no pagamento de uma compensação correspondente ao valor devido por um licenciado pela exploração da patente das Demandantes, até à caducidade da EP0934061, a liquidar futuramente;

E cumulativamente com os pedidos anteriores

G - Condenar a Demandada no pagamento dos honorários dos árbitros e demais encargos do processo arbitral, incluindo encargos administrativos, honorários de peritos, técnicos e advogados;

H - Condenar a Demandada, nos termos do art. 829-A do Código Civil, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 48.000,00, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida nos termos do acima peticionado.

Foi proferida decisão que julgou procedentes os pedidos A, B, C e D, e improcedentes os pedidos E, F e H, absolvendo a Demandada destes e condenando-a:

- A não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse dos medicamentos de PREGABALINA dirigidos ao tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061;

- A não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse dos medicamentos de PREGABALINA para os quais requereu as AIMS em causa nestes autos, dirigidos ao tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061;

- A não incluir no Resumo das características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos de PREGABALPNA qualquer referência, directa ou indirecta, dirigidos ao tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061;

- A não anunciar, publicitar ou incentivar, direta ou indiretamente, a exploração comercial dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA para o tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061;

Foi indeferida a pretensão da Demandada da declaração de inutilidade superveniente da lide, por não estar afastada a possibilidade de a sentença transitar antes do termo de validade da patente dos autos, caso as partes declarem que se conformam com a sentença.

APELAÇÃO

Inconformadas, as demandantes Pfizer LTD e Warner-Lambert Company LLC interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando as seguintes conclusões das alegações:

A.    A 1a Recorrente foi, até o dia 16 de julho de 2017, titular de um direito de propriedade industrial sobre o uso da substância ativa PREGABALINA para o tratamento da dor e a 2a Recorrente é titular da autorização de introdução no mercado do medicamento LYRICA®, o medicamento de referência de PREGABALINA no mercado português. A posição jurídica das Recorrentes consiste, assim, em que o medicamento LYRICA® fosse, até o dia 16 de julho de 2017, a única PREGABALINA comercializada no mercado português para o tratamento da dor.

B.    A Recorrida é titular de autorizações de introdução no mercado de medicamentos genéricos de PREGABALINA. Por virtude dos artigos 120° e 120°-A do Estatuto do Medicamento e dos artigos 6o e 17° da Portaria n° 224/2015, de 27 de junho, a posição jurídica da Recorrida permite-lhe vender medicamentos genéricos de PREGABALINA sem restrição quanto à indicação terapêutica para que efetivamente sejam utilizados, incluindo para o tratamento da dor.

C.    Ao considerar que a posição jurídica da Recorrida não comporta a comercialização de medicamentos genéricos de PREGABALINA para o tratamento da dor, o Tribunal Arbitral incorreu em erro de interpretação dos artigos 120° e 120o-A do Estatuto do Medicamento e dos artigos e 17° da Portaria n.° 224/2015, de 27 de junho, dos quais se extrai que a venda de medicamentos genéricos por meio do sistema de prescrição e dispensa de medicamentos não sofre qualquer limitação em razão das indicações terapêuticas para as quais esses medicamentos estejam aprovados pelo Infarmed.

D.    O artigo 335°, n° 1, do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que ocorre colisão de direitos sempre que, na configuração casuística, ou no seu exercício, dois ou mais direitos subjetivos são incompatíveis entre si. Ao considerar provado que os medicamentos genéricos de PREGABALINA da Recorrida são, em função do enquadramento regulatório, comercializados para o tratamento da dor (cfr. n° 27 e 48 dos factos provados) e, simultaneamente, desconsiderar a relevância do conflito de direitos no plano do seu exercíciopara efeitos de aplicação do artigo 335°, n° 1, do Código Civil, o Tribunal Arbitral violou este preceito legal.

E. Atendendo a que a permissão normativa da Recorrida compreende a venda de medicamentos genéricos de PREGABALINA sem restrição quanto às indicações terapêuticas aprovadas, deve ser considerado que a mesma colide com a permissão normativa das Recorrentes, que compreende o exclusivo da exploração de PREGABALINA para o tratamento da dor, verificando-se, assim, uma situação de incompatibilidade, na sua configuração, entre os direitos das Recorrentes e das Recorridas, com o que se conclui pela aplicabilidade ao caso vertente do artigo 335°, n° 1, do Código Civil.

F.     Os direitos em apreço colidem igualmente no seu exercício, uma vez que a comercialização dos medicamentos genéricos de PREGABALINA da Recorrida envolve, por virtude dos artigos 120° e 120°-A do Estatuto do Medicamento e dos artigos 6o e 17° da Portaria n° 224/2015, de 27 de junho, a sua comercialização também para a indicação terapêutica protegida pelo direito de patente das Recorrentes — como, de resto, o Tribunal Arbitral considerou provado nos n.°s 27 e 48 dos factos provados —, impedindo-as de beneficiar do exclusivo que lhes conferiu este direito. O artigo 335°, n° 1, do Código Civil deve ser interpretado no sentido de abranger igualmente o conflito de direitos no plano do seu exercício e, consequentemente, deve ser aplicado ao caso vertente.

G.   O reconhecimento da existência de uma situação de conflito de direitos seria, por si só, suficiente para que o Tribunal Arbitral concedesse às Recorrentes a compensação peticionada na alínea F) do petitório da petição inicial, já que tal reconhecimento impõe a conformação das situações jurídicas existentes, harmonizando-se os dois direitos em presença e garantindo que ambos produzem o seu efeito. A condenação da Recorrida a entregar às Recorrentes uma determinada percentagem sobre as suas vendas, identificada em função do que sejam as vendas para o tratamento da dor, semelhante à que seria devida por um licenciado - a liquidar em execução de sentença corresponde à medida adequada, eficaz e proporcional atendendo aos direitos em conflito.

H. Ao negar provimento ao pedido compensatório formulado pelas Recorrentes com fundamento em que estas "[poderiam [...] ter invocado, subsidiariamente, o enriquecimento sem causa para a hipótese de ser declarada improcedente a colisão de direitos [,] [m]as não o fizeram", desconsiderando a invocação do enriquecimento sem causa nas alegações finais das Recorrentes, o Tribunal Arbitral violou o artigo 33°, n° 2, da Lei da Arbitragem Voluntária, aplicável ex vi no artigo 3o, n° 8, da Lei n° 62/2011, de 12 de dezembro, pois do mesmo não decorre qualquer ónus preclusivo para a alegação dos fundamentos de direito dos pedidos formulados, podendo estes ser invocados em alegações finais, conforme sucedeu com o enriquecimento sem causa.

I. Ao negar provimento ao pedido compensatório formulado pelas Recorrentes com fundamento em que estas "[poderiam ter invocado, subsidiariamente, o enriquecimento sem causa para a hipótese de ser declarada improcedente a colisão de direitos[,] [m]as não o fizeram", o Tribunal Arbitral violou as disposições conjugadas dos artigos 33° n° 2, e 39°, n° 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, pois dos mesmos decorre que, quando o litígio deva ser decidido segundo o direito constituído, é ao tribunal arbitral que cabe determinar o direito aplicável, não estando vinculado às alegações jurídicas das partes, que nem sequer são obrigatórias, já que o demandante apenas tem de formular os pedidos e invocar os factos em que os mesmos assentam.

J. Ao negar provimento ao pedido compensatório formulado pelas Recorrentes com fundamento em que esse pedido foi formulado como pedido dependente do reconhecimento de uma situação de colisão de direitos, o Tribunal Arbitral interpretou incorretamente o petitório da petição inicial, uma vez que esses pedidos são cumulativos e autónomos, com o que violou as disposições conjugadas dos artigos 33°, n° 2, e 39° n° 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, que postulam a aplicação do direito aos factos com vista à decisão dos pedidos tal como estes foram efetivamente formulados pelas partes.

K. Ao julgar improcedente o pedido compensatório formulado pelas Recorrentes sob a alínea F) do petitório da petição inicial, por supostamente não terem sido "invocado [s] como causa de pedir os factos que seriam coordenáveis à previsão normativa dos fundamentos de enriquecimento sem causa, regulado nos arts. 473° e segs. do Código Civil, o acórdão arbitral incorreu em erro de direito por violação dos artigos 473.0 e seguintes do Código Civil.

L. Perante a factualidade dada como provada pelo Tribunal Arbitral, mormente no que tange à comercialização de medicamentos genéricos de PREGABALINA da Recorrida para o tratamento da dor, e do correspetivo aproveitamento económico, verifica-se a existência de uma situação de enriquecimento sem causa, na medida em que a Recorrida se locupletou injustificadamente à custa das Recorrentes, obtendo resultados económicos da exploração comercial da PREGABALINA para o tratamento da dor, que cabem, e em exclusivo, àquelas (cfr. n.os 27 a 35, 40 e 48 dos factos provados). O aproveitamento indevido pela Recorrida dos benefícios do exclusivo que pertence às Recorrentes consubstancia um caso paradigmático de enriquecimento por intervenção.

M. Nos termos do artigo 473° do Código Civil, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, que, no caso vertente, corresponde ao valor devido por um licenciado pela exploração da patente das Demandantes, no período que mediou entre o início da comercialização do medicamento da Recorrida e a caducidade da patente EP0934061, nos termos do artigo 107° do Código da Propriedade Industrial.

N. O artigo 473° do Código Civil deve, assim, ser interpretado no sentido de que aquele que, por virtude das regras de prescrição e dispensa de medicamentos, comercializa um medicamento genérico para um uso protegido por direitos de propriedade industrial — isto é, invadindo o exclusivo criado por tais direitos — está obrigado à restituição do valor com que se enriqueceu por virtude dessa intervenção no exclusivo do empobrecido.

O. Deste modo, nos termos dos artigos 473° e seguintes do Código Civil, a Recorrida deve ser condenada no pagamento de uma compensação às Recorrentes, a liquidar em execução de sentença, por intervenção no exclusivo de que estas foram titulares sobre a comercialização de PREGABALINA para o tratamento da dor na vigência da patente EP0934061.

Terminam dizendo que o acórdão impugnado deve ser parcialmente revogado e substituído por outro que julgue procedente os pedidos formulados pelas Recorrentes sob as alíneas E) e F) do petitório da petição inicial.

A demandada recorrida Laboratórios Azevedos-Indústria Farmacêutica, SA, contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões das alegações:

Matéria das Conclusões B a G e J (primeira parte):

As Apelantes, nas suas alegações, fundamentam o seu raciocínio na premissa seguinte: a posição Jurídica da Recorrida permite-lhe vender medicamentos genéricos de PREGABALINA sem restrições quanto à indicação terapêutica para que efectivamente sejam utilizados, incluindo para o tratamento da dor". Premissa que é totalmente falsa.

Sucede que a PATENTE protege a PREGABALINA para o tratamento da dor estando o âmbito de protecção dos direitos das Demandantes, ora apelantes, restringido a essa utilização, não estando protegida por qualquer patente a PREGABALINA para utilizações distintas da do tratamento da dor neuropática.

1. A Demandada, ora Apelada, dispunha, como dispõe, de AIMs de medicamentos genéricos de PREGABALINA restringidas às indicações terapêuticas de "Epilepsia" e "Perturbação de Ansiedade Generalizada", pelo que não estava em situação jurídica de poder vender sem restrições o seu medicamento genérico de PREGABALINA para o tratamento da dor.

4. No presente caso, a 2a Demandante tem o direito exclusivo de explorar em Portugal medicamentos para o tratamento da dor neuropática, cuja substância activa seja a PREGABALINA e, por sua vez, a Demandada tem autorização para explorar medicamentos genéricos de PREGABALINA para outras indicações, concretamente, para a Epilepsia e a Perturbação de Ansiedade Generalizada,

5. O direito da 2a Demandante pode ser exercido plenamente em simultâneo com o direito das Demandadas, sem que ocorra qualquer conflito, pelo que, não ocorre a situação de colisão de direitos que as Demandantes invocam.

6. Como foi, e bem, evidenciado no douto acórdão recorrido, a aplicabilidade do regime da colisão de direitos "pressuporia que a Demandada teria, também ela, direito a comercializar os seus medicamentos genéricos de PREGABALINA para o tratamento da dor (...) Ora, a Demandada não tem, nem se arroga, tal direito e, por isso, fica precludida a possibilidade de aplicação do regime de colisão de direitos, pretendida pelas Demandantes."

7. As Demandantes/Apelantes não alegaram quaisquer factos que permitam sequer indiciar a intenção da Demandada violar a PATENTE, isto é, vender o seu medicamento genérico de PREGABALINA para o tratamento da dor neuropática.

8. O que as Demandantes afirmam é que as normas que regulam a prescrição e a dispensa de medicamentos permitem que os medicamentos da Demandada venham a ser vendidos também para o tratamento da dor, o que, a ter acontecido, não pode, em caso algum, ser imputável à Demandada.

9. Trata-se de uma questão que tem natureza administrativa, aliás, já foi dirimida na acção intentada pelas Demandantes contra o Ministério da Saúde, que correu termos sob o no. 609/15.8BELSB na Ia UO do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito da qual já foi proferida sentença final que deferiu a pretensão das Requerentes quanto à intimação da entidade requerida em matéria de prescrição e, no que respeita à dispensa, entendeu ser a Circular informativa conjunta n°. 02/INFARMED/SPMS, de 13.3.2015 adequada e suficiente a satisfazer a pretensão das Requerentes (aqui Demandantes, ora Apelantes), que se conformaram com a mesma sentença.

10. No que respeita à prescrição dos medicamentos de PREGABALINA, em cumprimento da sempre referida sentença, foram efectivamente instalados nos softwares de prescrição alertas dirigidos ao médico que tem de efectuar a prescrição do medicamento PREGABALINA para que se questione sobre a sua finalidade terapêutica e, se for o tratamento da dor, o Informe da Circular informativa conjunta n°. 02/1NFARMED/SPMS, de 13.3.2015, e ou reproduza o seu teor.", de tal forma que, se o médico prescrever PREGABALINA para o tratamento da dor, o sistema, automaticamente inscreve na receita o LYRICA, não permitindo evoluir no preenchimento da receita se for indicado outro medicamento de PREGABALINA 11.0 INFARMED e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), em Março de 2015, emitiram a Circular Informativa conjunta n° 02/1NFARMED7SPMS.

Em 29 de Outubro de 2015, foram publicadas pelo INFARMED e pela Administração Central do Sistema de Saúde, IP (ACSS) as "Normas Relativas à Prescrição de medicamentos e produtos de saúde", nelas se contemplando as regras relativas à prescrição da PREGABALINA para o tratamento da dor neuropática.

Face às normas e directivas em vigor, muito dificilmente ocorreria a venda dos medicamentos da Demandada para o tratamento da dor porque todos os procedimentos destinados a reforçar a protecção dos direitos emergentes da PATENTE, em cumprimento da referida sentença do Tribunal Administrativo, foram implementados antes de 1 de Maio de 2016 (data do início da comercialização dos medicamentos genéricos da Demandada, ora Apelada).

Tudo indica que as vendas da Demandada (1%), por se enquadrarem perfeita e folgadamente nos 35% de vendas autorizadas, não violaram a PATENTE, tendo funcionado plenamente as medidas de reforço à protecção da PATENTE.

O reforço da protecção da PATENTE por via administrativa também se encontra assegurado ao nível da dispensa dos medicamentos.

Conclusão G. (segunda parte)

16.  Como ficou consignado no douto acórdão recorrido, "A demandada não explora, nem      quer explorar a patente EP0934061" (n° 47. dos Factos Provados - pág. 35 do acórdão).

17.  A condenação da Demandada numa compensação às Demandantes implicaria
necessariamente, que tivesse ocorrido por parte daquela a violação do direito de exclusivo emergente da PATENTE, todavia, as Demandantes/Apelantes não alegaram e menos ainda provaram que a Demandada/Apelada tenha praticado qualquer facto ilícito violador do direito de exclusivo da I
a Demandante, pelo que a Demandada nunca poderia ser condenada com fundamento na responsabilidade aquiliana.

Conclusões K., L., M, N. e O.

18. As Demandantes/Apelantes não formularam qualquer pedido com fundamento na responsabilidade civil, como ficou dito, nem no enriquecimento sem causa.

19. É nos articulados que "as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondente" (cfr. art. 1470 do CPC) e, face ao estipulado na alínea a) do ponto 4.1. da Ata de Instalação do Tribunal Arbitral, de 14 de Janeiro de 2016 "Os articulados serão: a petição inicial, a contestação e, sendo deduzidas exceções, a resposta a esta".

20. Logo não é possível as partes formularem pedidos fora dos articulados, sob pena, caso contrário, de, além do mais, não ser assegurado à contraparte o direito ao contraditório, tanto mais quanto é certo que, na presente acção arbitral, as alegações finais das partes foram produzidas por ambas em simultâneo.

21. Mas, mesmo que se considerasse que as Demandantes/Apelantes invocaram oportunamente a questão do enriquecimento sem causa, o certo é que as mesmas não alegaram, como lhes competia, quaisquer factos susceptíveis de fundamentar em tal enriquecimento.

22. A tudo isto acresce a natureza subsidiária da obrigação de restituir a título de enriquecimento sem causa (artigo 474° do Código Civil), pelo que, nunca poderia proceder o pedido de condenação da Demandada no pagamento de uma compensação com fundamento no enriquecimento sem causa.

23. Finalmente, o pedido das Demandantes de que a Demandada seja condenada numa compensação pela exploração da PATENTE (leia-se do medicamento genérico de PREGABALINA para o tratamento da dor) — pedido da alínea F) -, impondo-lhe simultaneamente a obrigação de não explorar o produto protegido pela PATENTE (leia-se, igualmente, do medicamento genérico de PREGABALINA para o tratamento da dor) — pedidos das alínea A) a D), constitui manifesta e inultrapassável contradição.

24. Traduzindo-se numa cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis,
incompatibilidade que determina a ineptidão da petição inicial, com a consequente nulidade de todo o processo (art. 186°, n°. 1 e 20° ai. c) do C.P.C.), de que o Tribunal a quo podia e devia ter conhecido oficiosamente até à sentença final (artigos 196° e 200°, n° 2 do C.P.C).

25. Não o tendo feito, verifica-se a nulidade do douto acórdão recorrido por omissão de pronúncia (artigo 6150, no. 1 ai. d) do CPC), nulidade que se invoca, subsidiariamente, prevenindo a hipótese de procedência do recurso das Apelantes (art. 6360, no. 2 do CPC).

26. Caso em que deverá ser apreciada a questão da ineptidão da petição inicial devida à cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, com a consequente declaração da nulidade de todo o processo.

Termina dizendo que as contra-alegações devem ser julgadas procedentes e ser proferido acórdão que, julgando improcedente o recurso, mantenha integralmente o douto acórdão recorrido; ou, quando não, subsidiariamente, julgue procedente a invocada nulidade do douto acórdão recorrido e aprecie a questão da cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, com as inerentes consequências legais.

Foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu “alterar a sentença recorrida, condenando a Recorrida a pagar compensação às Recorrentes pelas vantagens obtidas com a venda de medicamentos genéricos da substância pregabalina para uso terapêutico de tratamento da dor, protegido pela PE da titularidade das Recorrentes, a título de enriquecimento sem causa, a apurar em liquidação do acórdão, procedendo parcialmente o recurso”.

REVISTA

Inconformada, veio a requerida Laboratórios Azevedos-Indústria Farmacêutica, SA interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

I - A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

1. O presente recurso de Revista, que tem por objecto acórdão da Relação de Lisboa em sede de recurso de decisões no âmbito da arbitragem necessária realizada ao abrigo da Lei n.° 62/2011, de 12 de dezembro, é admissível, como já consignou esse Venerando Supremo Tribunal, em douto acórdão de 23/06/2016, P° 1248/14.6YRLSB.S1.

2. Caso se entenda que, no presente caso, por regra, não caberia revista, então, sempre o mesmo haverá de ser admitido ao abrigo do disposto no artigo 629°, n°. 2 do CPC, dado que o acórdão recorrido se encontra em contradição com outro da mesma Relação proferido - no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito e até sobre o mesmo medicamento genérico.

II   - A NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

3.   Apesar dos pedidos formulados pelas Demandantes/Apelantes terem sido de -"reconhecimento da existência de colisão de direitos e consequente condenação no pagamento de uma compensação correspondente valor devido por um licenciado pela exploração da patente, o douto acórdão recorrido condenou a Demandada/Apelada -   "a pagar compensação às Recorrentes peias vantagens obtidas com a venda de medicamentos genéricos da substância PREGABALINA para uso terapêutico de tratamento da dor, protegido pela PE da titularidade das Recorrentes, a título de enriquecimento sem causa, ...".

4.    Isto é, apesar de a causa de pedir invocada pelas Demandantes ser a "colisão de direitos", o douto acórdão recorrido condenou a Demandada com fundamento no "enriquecimento sem causa".

5.   Deste modo, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, além de ter condenado em objecto diverso do pedido, o que também constitui causa da sua nulidade.


III - APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

6. Não resulta da matéria provada que a Demandada retirou benefícios ou vantagens da venda do seu medicamento genérico de PREGABALINA para o tratamento da dor, nem quais foram tais vantagens.

7. A decisão proferida no douto acórdão recorrido assenta justamente na obtenção pela Demandada de vantagens com a venda de medicamentos genéricos da substância PREGABALINA para uso terapêutico de tratamento da dor.

8.   Porém, não estando provado tal facto, não pode o mesmo fundamentar a condenação da Demandada a título de enriquecimento sem causa, ou a qualquer outro.

9.    Além disso, as Demandantes não formularam, nos articulados da acção arbitral, qualquer pedido com fundamento no enriquecimento sem causa.

10. Mas, mesmo que se considerasse que as Demandantes/Apelantes provaram a obtenção de vantagens por parte da Demandada e invocaram oportunamente a questão do enriquecimento sem causa, o certo é que as Demandantes não alegaram nem provaram quaisquer factos susceptíveis de fundamentarem tal enriquecimento, como aliás foi entendido no douto acórdão arbitral.

11. Com efeito, não ficaram provados nos autos os pressupostos fácticos do enriquecimento sem causa, concretamente: a ocorrência de um enriquecimento patrimonial da Demandada à custa das Demandantes; e a falta de causa jurídica justificativa para tal enriquecimento.

11. Acresce que a obrigação de restituir a título de enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária "ou seja, esta acção só é admitida quando a lei não faculte ao empobrecido outro meio de reagir contra o enriquecimento para desfazer a deslocação patrimonial".

12. No caso sub iudice, as Demandantes podiam reagir com fundamento na colisão de direitos - como fizeram - ou, em alternativa, na responsabilidade civil (art. 338-L do CPI), o que não fizeram, não podendo, porém, socorrer-se do instituto do enriquecimento sem causa, atenta a natureza subsidiária do mesmo.

IV - A NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

13.  A Demandada/apelada, nas contra-alegações da apelação, requereu a ampliação do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 636° do CPC, tendo arguido a nulidade da douta sentença apelada por cumulação de pedidos incompatíveis, porque, pretender que a Demandada seja condenada numa compensação pela exploração da PATENTE (leia-se do medicamento genérico de PREGABALINA para o tratamento da dor), impondo-lhe simultaneamente a obrigação de não explorar o produto protegido pela PATENTE (leia-se, igualmente, do medicamento genérico de PREGABALINA para o tratamento da dor), constitui manifesta e inultrapassável contradição.

14.  Traduzindo-se numa cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, o que determina a ineptidão da petição inicial, com a consequente nulidade de todo o processo [cfr. art. 186°, n°. 1 e n°. 2 ai. c) do C.P.C.], de que o Tribunal a quo podia e devia ter conhecido oficiosamente até à sentença final (cfr. artigos 196° e 200°, n°. 2 do C.P.C).

15.   Não o tendo feito, verifica-se a nulidade do douto acórdão recorrido por omissão de pronúncia (artigo 615°, n°. 1 al. d) do CPC), invocada, subsidiariamente, prevenindo a hipótese de procedência do recurso das Apelantes (art. 636°, n°. 2 do CPC).

16.   Sucede que, apesar de a Apelação ter procedido, o douto acórdão recorrido não apreciou a questão suscitada, omissão que constitui causa de nulidade do douto acórdão recorrido, nos termos do disposto na alínea d) do n°. 1 do artigo 615° do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 666° do mesmo Código.

17.  Assim, o antes referido excesso de pronúncia, do Tribunal a quo e a condenação em objecto diverso do pedido constituem causas de nulidade do douto acórdão recorrido por força do disposto nas alíneas d) e e) do referido n°. 1 do artigo 615° do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 666° do mesmo Código.

18.   O douto acórdão recorrido fez, salvo melhor opinião e com o devido respeito, errada aplicação do disposto nos artigos 473° e 474° do C.C., os quais não são aplicáveis à hipótese sub iudice, atento o caracter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa.

19.  Finalmente, a omissão de pronúncia do Tribunal a quo sobre a questão da cumulação de pedidos incompatíveis requerida em sede de ampliação do recurso de apelação, conduz à nulidade do douto acórdão recorrido nos termos do disposto no art. 615°, n° 1, ai. d) do Cód. Proc. Civil, nulidade que se argui nos termos do disposto no n° 4 do aludido art. 615° do Cód. Proc. Civil.

Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente se dignarão suprir, deverão as presentes alegações ser julgadas procedentes e, consequentemente, ser proferido acórdão que revogue o douto acórdão recorrido e reponha em vigor o douto acórdão arbitral, com as inerentes consequências legais.

As recorridas WARNER LAMBERT COMPANY, LLC, e PFIZER LIMITED vieram contra-alegar, concluindo nos termos seguintes:

A . Por ter sido proferido no âmbito de um processo iniciado ao abrigo da Lei 62/2011, o Acórdão Recorrido não é suscetível de reapreciação em recurso de revista, mesmo que exista uma contradição de julgados do Tribunal da Relação (artigo 629.°, n.° 2, alínea d) do CPC) -, já que, nos termos do n.° 7 do artigo 3.° da Lei 62/2011, só é facultada às partes uma instância de recurso para o Tribunal da Relação.

B. O recurso interposto pela LABORATÓRIOS AZEVEDOS não seria, em qualquer caso, admissível à luz do artigo 629.°, n.° 2, alínea d) do CPC, na medida em que não existe uma oposição processualmente relevante entre o Acórdão invocado pela LABORATÓRIOS AZEVEDOS como fundamento para o presente recurso de revista (proferido a 28 de junho de 2018) e o Acórdão Recorrido.

C. O Acórdão Fundamento e o Acórdão Recorrido não estão em contradição na medida em que a matéria de facto considerada provada em cada um dos casos foi distinta, sendo que nos presentes autos ficou provado o enriquecimento da Recorrente.

D . Os pedidos formulados pela LABORATÓRIOS AZEVEDOS nas alíneas E e F do petitório são autónomos e independentes, inexistindo qualquer contradição entre os mesmos.

E .  A PFIZER invocou efetivamente o enriquecimento sem causa perante o Tribunal Arbitral, tendo carreado para os autos todos os factos enquadráveis na previsão normativa do artigo 473.° do Código Civil.

F. Não era, em qualquer caso, exigível à PFIZER invocar expressamente o enriquecimento sem causa como fundamento jurídico da sua pretensão, bastando, pois, que os factos considerados provados pelo Tribunal Arbitral consubstanciassem uma situação jurídica de enriquecimento sem causa.

G. O Tribunal Arbitral não estava vinculado ao enquadramento jurídico dado pela PFIZER aos factos e poderia ter decidido condenar a Recorrente com fundamento em enriquecimento sem causa - tendo sido precisamente esta a questão que, em sede de alegações de recurso, as Recorridas colocaram ao Tribunal a quo.

H. O Tribunal a quo decidiu a questão que especificamente lhe foi colocada pelas Recorridas, pelo que o Acórdão Recorrido é válido, não se tendo verificado um excesso de pronúncia.

I. O Tribunal da Relação não estava obrigado a pronunciar-se sobre a alegada ineptidão da petição inicial, pois que tal arguição é extemporânea e não admissível nos termos da lei processual e, em particular, nos termos do artigo 198° n.° 1 do CPC.

J. O Tribunal Arbitral apenas podia conhecer da ineptidão da petição inicial até à Decisão Arbitral, nos termos do artigo 200.°, n.° 2 do CPC.

K. A LABORATÓRIOS AZEVEDOS não arguiu a nulidade da petição inicial na sua contestação e interpretou corretamente o teor da referida petição inicial, pelo que a sua eventual ineptidão não seria em qualquer caso procedente, nos termos do artigo 186.°, n.° 3 do CPC.

L. O peditório formulado pela PFIZER não comporta em si mesmo qualquer incompatibilidade ou contradição substancial, já que uma coisa é a exploração ativa do medicamento de PREGABALINA para o tratamento da dor (por exemplo, inserindo no Resumo das Características do Medicamento o tratamento da dor ou publicitando aquele medicamento genérico de PREGABALINA para essa indicação), sendo essa exploração ativa que se pretende evitar com o pedido formulado na alíneas A, B, C e D - outra coisa é a compensação formulada no pedido F e que é devida à PFIZER pelo aproveitamento indevido dos seus direitos de propriedade industrial - aproveitamento esse que é independente de qualquer exploração ativa da LABORATÓRIOS AZEVEDOS, sendo potenciado pelas contingências regulatórias existentes em matéria de prescrição e dispensa de medicamentos.

M. O conhecimento desta questão ficou, em qualquer caso, ultrapassada pela concreta solução dada ao caso pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, ao decidir condenar a Recorrente no pagamento de uma compensação com fundamento em enriquecimento sem causa, implicitamente recursou os argumentos apresentados pela Recorrente, razão pela qual o Acórdão Recorrido é válido, não se tendo verificado uma omissão de pronúncia.

N. Resulta da matéria provada que a LABORATÓRIOS AZEVEDOS tem retirado benefícios ou vantagens da venda do seu medicamento genérico de PREGABALINA para o tratamento da dor.

O. Os pressupostos do enriquecimento sem causa, na categoria do enriquecimento por intervenção, estão preenchidos, tal como demonstrado no processo arbitral.

P. A impossibilidade de valorar negativamente o comportamento da LABORATÓRIOS AZEVEDOS como ilícito e culposo exclui a hipótese da responsabilização civil, mas já não a constituição de uma obrigação de restituição fundada no enriquecimento sem causa.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser rejeitado, por inadmissível à luz do artigo 3.° da Lei 62/2011, tudo com as legais consequências.

Caso o presente recurso seja admitido, o que apenas se concebe por cautela de patrocínio, deve ser julgado inteiramente improcedente e mantida a decisão recorrida.”

Cumprindo ponderar sobre a admissibilidade do recurso, e, afigurando-se-nos não o ser face ao disposto no art. 3º da Lei nº 62/2001 de 12 de Fevereiro, entendemos desnecessário determinar o cumprimento do art. 655º nº 1 do CPC, uma vez que as recorridas se pronunciaram nesse sentido da inadmissibilidade em sede de contra-alegações, bem assim como em relação à não verificação in casu da invocada contradição de julgados, de onde a decisão que viremos a proferir não constituirá surpresa para a recorrente, porque sobejamente advertida para tal eventualidade decisória (neste sentido o Ac. de 19 de Janeiro de 2023 , na revista 15910/21.3TBPRT.P1.S1, por nós relatado).

Vejamos então o iter processual:

Na presente arbitragem, nos termos da Lei n.º 62/2011, de 12-12, - Litígios emergentes de direitos de propriedade industrial - medicamentos de referência/genéricos - e dos art. 8.º, n.º 2, e 10.º, nº 2 e 4, da Lei n.º 63/2011, de 14-12 - Lei de Arbitragem Voluntária - em que PFIZER LTD e WARNER LAMBERT COMPANY LLC demandaram LABORATÓRIOS AZEVEDOS – INDÚSTRIA FARMACÊUTICA S.A., foi proferida sentença arbitral, datada de 07-07-2017, que condenou a demandada:

a) A não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse dos medicamentos de PREGABALINA para os quais requereu as AIMs em causa nestes autos, dirigidos ao tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061;

b) A não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse de quaisquer medicamentos de PREGABALINA dirigidos ao tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061;

c) A não incluir no Resumo das características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA qualquer referência, direta ou indireta, ao tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061;

d) A não anunciar, publicitar ou incentivar, direta ou indiretamente, a exploração comercial dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA para o tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061.

Interposto recurso de apelação pelas demandantes, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 28-06-2018, decidiu alterar a sentença recorrida, condenando a recorrida a pagar compensação às recorrentes pelas vantagens obtidas com a venda de medicamentos genéricos da substância pregabalina para uso terapêutico do tratamento da dor, protegido pela PE da titularidade das recorrentes, a título de enriquecimento sem causa, a apurar em liquidação do acórdão, procedendo parcialmente o recurso.

A demandada apresentou recurso de revista, nos termos do art. 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011 e, caso assim seja admissível, nos termos dos arts. 629º nº 2, al. d), 671º nº 1, 674º, nº 1 al. a) e c), 675º, nº 1, e 676º a contrario do CPC, por oposição de acórdãos - Ac. do TR Lisboa de 14-12-2017, proc. n.º 1756/16.4YRLSB.

A demandante apresentou resposta às alegações, nas quais pugnou pela inadmissibilidade do recurso de revista e, à cautela, pela sua improcedência.

Em conferência, no Tribunal da Relação, julgou improcedentes as nulidades invocadas pela demandada, por acórdão de 24-02-2022.

O recurso de revista foi admitido pela Senhora Desembargadora relatora no Tribunal da Relação de Lisboa, sendo certo que, nos termos do art. 641.º, n.º 5, do CPC, a decisão de admissão de recurso não vincula o tribunal superior.

Da (in)admissibilidade da revista


O presente litígio instaurado entre Pfizer LTD e Warner Lambert Company LLC e Laboratórios Azevedos-Indústria Farmacêutica, SA foi sujeito a processo de arbitragem, nos termos da Lei n.º 62/2011, a qual veio criar um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos.

Este regime especial, aplicável aos litígios de propriedade intelectual do medicamento, estabeleceu uma regra recursória da decisão arbitral, constante do n.º 7 do art. 3.º, que prevê o recurso para o Tribunal da Relação, com efeito devolutivo.

O STJ já se pronunciou em diversos arestos sobre a interpretação a dar a este normativo e tem sido entendimento pacífico nesta 7.ª Secção (especializada em Propriedade Intelectual), que a limitação recursiva para o Tribunal da Relação, por força desta regra, é temperada pelas normas previstas no art. 629.º, n.º 2, do CPC, sendo possível aceder ao terceiro grau de jurisdição se se mostrarem reunidos os pressupostos de algumas das alíneas daquele preceito legal (neste sentido entre outros os Acs. do STJ de 03-03-2021, Revista n.º 1002/19.9YRLSB.S1, no qual, por referência ao Ac. do STJ de 25-05-2017, Revista n.º 17/15.0YRLSB.S1, se faz um excurso jurisprudencial e doutrinal sobre esta temática), de 12-09-2019, Revista n.º 222/18.8YRLSB.S1, de 10-12-2019, Revista n.º 1849/17.0YRLSB.S2; de 15-03-2018, Revista n.º 1503/16.0YRLSB.S1; de 17-05-2018, Revista n.º 889/17.4YRLSB.S1.

O acórdão do STJ de 23-06-2016, Revista n.º 1248/14.6YRLSB.S1, para sustentar a admissibilidade da revista, pela dita via normal, para além de reafirmar a jurisprudência supra citada, alargou um pouco mais o referido âmbito e considerou que deve, ao menos, admitir-se a revista – fundada na norma constante do nº8 do art. 59º da LAV, subsidiariamente aplicável – quando a questão suscitada seja atinente à definição da competência material do tribunal arbitral e sobre a mesma exista um conflito jurisprudencial sedimentado ao nível da Relação. Não é, porém, o caso dos autos, uma vez que na presente revista não se discute qualquer questão atinente à competência material do tribunal arbitral.

Deve, assim, ser aferida admissibilidade da revista nos termos do art. 629º nº 2 al. d) do CPC, que preceitua o seguinte:

“2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: (…)

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”.

Os critérios de verificação da contradição jurisprudencial são os mesmos critérios que são utilizados para aferição da contradição jurisprudência na revista excepcional, cfr. art. 672.º n.º 2 al. c), do CPC, e nos recursos de uniformização de jurisprudência, cfr. art. 688.º, n.º 1, do CPC.

No acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 02-10-2014, proferido no proc. 268/03.0TBVPA.P2.S1-A, mostram-se resumidos de forma lapidar os fundamentos para a verificação da contradição jurisprudencial e que pode ser transposta para o nosso caso:

I - Para que exista um conflito jurisprudencial, susceptível de ser dirimido através do recurso extraordinário previsto no art. 688.º do CPC, é indispensável que as soluções jurídicas, acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, assentem numa mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.

II - O preenchimento deste requisito supõe que as soluções alegadamente em conflito:

- correspondem a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: implica isto, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica – não integrando contradição ou oposição de acórdãos o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados;

- têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo - tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito - sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto;

- a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto – não relevando os casos em que se traduza em mero obter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica.

Volvendo ao caso que nos ocupa, verificamos que, efectivamente, os acórdãos em crise trataram a mesma questão fundamental de direito – saber se existe uma colisão de direitos entre as demandantes e demandada no âmbito da comercialização do medicamento genérico PREGABALINA para a dor neuropática, e no consequente pagamento de uma compensação a liquidar em execução de sentença, ou no pagamento de uma compensação a título de enriquecimento sem causa no valor correspondente ao lucro obtido com as vendas dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA para o tratamento da dor, desde o início da sua comercialização e até à caducidade da patente, a liquidar ulteriormente.

E, de facto, confirmamos que os acórdãos alcançaram diferentes soluções jurídicas, aplicando o mesmo quadro jurídico de normas, relativamente ao enriquecimento sem causa, pois que, no que toca à colisão de direito, ambos convergiram na não aplicação deste instituto nos respectivos autos.

Relativamente ao enriquecimento sem causa, o acórdão recorrido entendeu que a vantagem obtida pela Recorrida na venda dos medicamentos genéricos com a substância pregabalina para a dor se mostra indevida deve ser paga compensação a quem ficou sem a mesma, a quem pertencia, em virtude da patente que protege a utilização da substância para esse uso terapêutico, a título de enriquecimento sem causa, a apurar em liquidação de acórdão.

Por outro lado, o acórdão fundamento entendeu do seguinte modo: Começando então pelo instituto do enriquecimento sem causa e independentemente da discussão que se poderá suscitar quanto ao requisito de inexistência de causa jurídica, é manifesto que no presente caso não poderá aplicar-se, pois não se provou qualquer enriquecimento das demandadas à custa dos direitos da patente para o tratamento da dor.

Ora, destes excertos de fundamentação parece claro resultar que inexiste identidade factual entre os acórdãos recorrido e fundamento, uma vez que no acórdão recorrido resulta provado que a demandada obteve vantagens com a venda da pregabalina para o tratamento da dor, cfr. factos provados nos pontos 24[1], 25[2], 37[3], 38[4], 39[5], 40[6] e 44[7].

Destacamos estes factos provados que sustentam o enriquecimento sem causa da demandada, conjugados com os documentos 8 e 16 a 19 juntos com a petição inicial e os documentos 1 a 3 juntos pelas demandantes ora recorridas, em 04-01-2017.

Foi com base nesta factualidade que o acórdão recorrido entendeu que a demandada ora recorrente tem tirado benefícios da venda do seu medicamento genérico com a substância Pregabalina, para tratamento da dor, o que excede as indicações terapêuticas a que está limitada, sendo os proventos que do mesmo lhe advém indevidos.

Em sentido diametralmente oposto, no acórdão fundamento, não resultaram provados quaisquer factos que permitam sustentar o enriquecimento sem causa da demandada. Na verdade, resultaram não provados, conforme se alcança do facto não provado no ponto K - Pelo menos 72% das receitas da demandada provenientes da comercialização dos medicamentos genéricos Pregabalina serão devidas ao seu uso para o tratamento da dor., em conjugação com os factos provados nos pontos 16 (No momento em que foi apresentada a petição inicial existiam, pelo menos, 26 pedidos de AIM para genéricos de PREGABALINA em apreciação pelo Infarmed, todos formulados por sociedades diferentes, sendo que já foram concedidas 14 autorizações de introdução no mercado.), 23 (A demandada C…, nos primeiros dias de Setembro de 2015, iniciou a promoção dos seus medicamentos genéricos com Pregabalina e não os promoveu para o tratamento da dor.) e 24 (Os Resumos das Características dos Medicamentos «Pregalina Vitalion» e «Pregabalina Cinfa» não contêm indicação terapêutica dos mesmos para o tratamento de qualquer tipo de dor, mas apenas para o tratamento da epilepsia e da perturbação de ansiedade generalizada.).

Do confronto efectuado entre os arestos, confirmamos que foram alcançadas soluções opostas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, uma vez que no acórdão recorrido foi decidido condenar a demandada no pagamento de uma compensação às demandantes pelas vantagens obtidas com a venda de medicamentos genéricos da substância pregabalina para uso terapêutico de tratamento da dor, protegido pela PE da titularidade das demandantes, a título de enriquecimento sem causa, a apurar em liquidação do acórdão e no acórdão recorrido foi considerado improcedente o pedido de condenação na compensação por enriquecimento sem causa.

Mas as soluções opostas plasmadas nos dois acórdãos em confronto são perfeitamente admissíveis porquanto o substracto fáctico num e noutro não é idêntico e justifica plenamente uma solução de direito diversa.

Tal qual se decidiu no Ac. do STJ de 25-05-2017, Revista n.º 17/15.0YRLSB.S1, a propósito de recurso de revista no âmbito da propriedade intelectual de medicamento de referência e medicamento genérico, acerca da admissibilidade de recurso por oposição de acórdãos, discorreu-se o seguinte: III - A contradição de julgados aqui equacionada e que releva como conditio da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, além de mais, a coincidência dos mesmos factos em ambas as decisões e a pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito. IV - A questão de direito fundamental só é a mesma, para este efeito, quando a subsunção do mesmo núcleo factual seja idêntica (ou coincidente), mas tenha, em termos de interpretação e aplicação dos preceitos sido feita de modo diverso. V - Não releva, para tal efeito, a mera divergência argumentativa e marginal utilizada na fundamentação de acórdãos.

É assim patente não estar em causa, nos acórdãos em cotejo, a mesma situação factual, pelo que se mostram devidamente justificadas as diferentes soluções jurídicas alcançadas.

Assim, não estando preenchido um dos pressupostos para a admissibilidade do recurso por contradição de acórdãos, in casu, a prevista no art. 629.º, n.º 2 al. d) do CPC, não deve ser conhecido o objecto do recurso.


DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção deste Supremo tribunal de Justiça em rejeitar a revista.

Custas pela recorrente.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Sousa Pinto

2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza

______

[1] Provado o que consta do documento n° 8 junto com a p.i, com os pressupostos e as limitações do doc. n° 3 junto pelas demandantes em 04 de janeiro de 2017., com os esclarecimentos prestados por Paulo Teixeira e Andreas Gieshoff

[2] Foi na área do tratamento da dor que o Lyrica demonstrou características verdadeiramente singulares e diferenciadoras, tratando-se, por essa razão, de um medicamento prescrito nos termos constantes do doe. 8 junto com a p.i., com os pressupostos e as limitações do doe. n° 3 junto pelas demandantes em 04 de janeiro de 2017, com os esclarecimentos prestados por Paulo Teixeira e Andreas Gieshoff.

[3] Provado o que consta dos docs. n°s 8 e 16 a 19 juntos com a p.i., e docs. n°s 1 a 3 juntos pelas demandantes em 04 de janeiro de 2017, com os pressupostos e limitações do referido doe. n° 3, e com os esclarecimentos prestados por Paulo Teixeira e Andreas Gieshoff, quanto a cápsulas de PREGABALINA vendidas em Portugal.

[4] 0 número de cápsulas de PREGABALINA vendidas nos últimos cinco anos tem vindo a crescer gradualmente, tendo sido vendidas, em 2010, em Portugal, 26.186.612 cápsulas; em 2011, 32.675.874 cápsulas; em 2012, 36.377.096 cápsulas; em 2013, 38.152.842 cápsulas e em 2014, 42.162.512 cápsulas, tendência de crescimento que se manteve, no ano de 2015, tendo sido vendidas, em Portugal, 46.848.452 cápsulas de PREGABALINA.

[5] Um ano volvido da entrada em comercialização do primeiro medicamento genérico de PREGABALINA, os medicamentos genéricos tinham já, no início de 2016, quase 60,0% das vendas de PREGABALINA.

[6] Quanto à percentagem de genéricos de PREGABALINA relativamente a medicamentos com essa substância, comercializados entre maio de 2015 e dezembro de 2015, provado o que consta dos does. n °s 8 e 16 a 19 juntos com a p.i., e does. n°s 1 a 3 juntos pelas demandantes em 04 de janeiro de 2017, com os pressupostos e limitações do referido doe. n° 3, e com os esclarecimentos prestados por Paulo Teixeira e Andreas Gieshoff.

[7] Os dados constantes do doc. n° 16 junto com a p.i. são exatos com os pressupostos e limitações do doc. n° 3 junto pelas demandantes em 04 de janeiro, e com os esclarecimentos prestados por Paulo Teixeira e Andreas Gieshoff.