Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1730
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
FUNDAMENTAÇÃO
OPOSIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MATÉRIA DE DIREITO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
RESTITUIÇÃO DE BENS
SOCIEDADE COMERCIAL
LIQUIDAÇÃO
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
PERSONALIDADE JURÍDICA
Nº do Documento: SJ200505310017307
Data do Acordão: 05/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1556/04
Data: 01/05/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE.
Sumário : 1. O vício de nulidade a que se reporta o artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil só ocorre quando os fundamentos de facto e ou de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que o integra o respectivo segmento decisório.
2. As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
3. A infracção do disposto nos artigos 264º e 664º do Código de Processo Civil, envolvidos pelo princípio do dispositivo, é susceptível de implicar erro de julgamento, mas é insusceptível de gerar a nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
4. Por se tratar de matéria de direito, inserida no artigo 610º, nº 1, alínea b), do Código Civil, não pode ser objecto de base instrutória ou de especificação a mera afirmação de que de um contrato de compra e venda resultou a impossibilidade de satisfação dos créditos dos credores do vendedor.
5. A má fé ou a consciência do prejuízo que o acto causa aos credores, a que se reporta o artigo 612º do Código Civil, integra matéria de direito e envolve a representação pelos outorgantes de que afectará negativamente a realização do direito de crédito do credor no confronto do devedor.
6. A restituição à massa falida por via da procedência da impugnação pauliana, nos termos do artigo 159º, nº 1, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, é susceptível de operar por via da entrega dos bens objecto mediato dos contratos de alienação ou do valor correspondente.
7. Entre as disposições legais destinadas à protecção dos credores das sociedades comerciais, a que se reporta o artigo 78º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, contam-se as relativas à impugnação pauliana; e as disposições contratuais nele previstas são as inseridas nos respectivos pactos sociais com vista à protecção directa ou indirecta daqueles credores.
8. À míngua de factos provados no sentido de que os administradores da sociedade vendedora do prédio, onerado com dezassete penhoras a favor do Estado, tinham consciência de que a sua alienação impossibilitava algum credor de obter a satisfação do seu direito de crédito ou o agravamento dessa impossibilidade ou de que esta dela resultou, não pode funcionar a sanção mencionada sob 6 e 7.
9. Dissolvida e liquidada extrajudicialmente a sociedade comercial e registada a liquidação, não pode accionar ou ser accionada, por falta de personalidade jurídica e judiciária, sob pena da sua absolvição da instância.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
A "A" - Frigoríficos de Viana SA intentou, no dia 5 de Abril de 2001, contra B, C, D, E, F, Ldª, G - Produtos Florestais SA, H, J e K, acção declarativa constitutiva condenatória, com processo ordinário, pedindo a declaração de nulidade de dois indicados contratos de compra e venda relativos ao terreno para construção urbana situado em Morenos, Neiva, Viana do Castelo, a reversão dele para o seu património, o cancelamento do respectivo registo predial, a sua condenação a indemnizá-la dos prejuízos causados pelos actos impugnados a apurar em execução de sentença, ou a sua condenação e da primeira ré, solidária e ilimitadamente, a pagar-lhe o preço de venda do prédio transmitido bem como a restituírem o valor de mercado de todos os bens do imobilizado corpóreo que venderam nos dois anos anteriores à declaração de falência, tudo a liquidar em execução de sentença.
Invocou a simulação e a má fé, a responsabilidade solidária e ilimitada dos primeiros quatro réus enquanto administradores, gerentes ou liquidatários das sociedades rés, por lhe terem frustrado e aos seus credores direitos de crédito, usado em benefício próprio bens sociais, a omissão de prestação de contas dos respectivos mandatos, os danos patrimoniais derivados dessas condutas para os respectivos credores sociais, e visar o pagamento dos créditos reclamados pelos credores para acautelar os seus interesses.

Os réus H, J, K e "G", SA afirmaram em contestação a ineptidão da petição inicial, a sua ilegitimidade ad causam e, em qualquer caso, a sua irresponsabilidade, por desconhecerem a situação financeira de A.
Os réus B, C, D e E afirmaram, por seu turno, em contestação, não se verificarem os fundamentos em que a autora assentara os pedidos que formulara contra eles em razão de terem procedido à venda do imóvel com várias penhoras para tentar salvar a empresa.
A autora replicou no sentido da não verificação das excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade ad causam invocadas pelos réus acima mencionados em primeiro lugar.
Os réus mencionados em segundo lugar treplicaram, mantendo essencialmente o afirmado nos seus instrumentos de contestação.
No despacho saneador, proferido no dia 4 de Fevereiro de 2002, foram G Produtos SA, H, J e K absolvidos da instância com fundamento na sua ilegitimidade ad causam.
À autora foi concedido, por despacho do órgão da segurança social proferido no dia 22 de Janeiro de 2001, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça em procedimento de arresto no âmbito do processo de falência em relação ao qual esta acção corre termos por apenso.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 7 de Abril de 2004, por via da qual a acção foi julgada parcialmente procedente e condenados solidariamente B, C, D e ICV, Ldª a pagar à autora € 541.500,00 tal como o réu E, este até ao limite recebido na partilha dos bens de ICV Ldª a liquidar em execução de sentença.
Interpuseram recurso os referidos réus, e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Janeiro de 2005, absolveu a apelante ICV, Ldª do pedido e alterou a sentença recorrida quanto ao montante dos prejuízos sofridos pelos credores sociais para € 257.239,05, expressando mantê-la no restante.

Interpuseram B, C, D, E e A, SA recurso de revista, tendo os primeiros, em síntese, formulado as seguintes conclusões de alegação:
- o acórdão é nulo por virtude de os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea c), ou porque substituiu a sentença em decisão assente em quadro fáctico-jurídico diferente, não afirmado pelas partes, em violação do disposto nos artigos 264º, 664º e 668º, nº 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil;
- é injusto e ilegal que o acórdão, de novo, impute a B, C e D o desvio de dinheiro da empresa sem antes terem sido confrontados com essa imputação;
- não se verificam os requisitos de condenação dos administradores da A com base na responsabilidade civil extracontratual prevista no artigo 78º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, que foi mal interpretado e aplicado;
- o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil ao não declarar não escrita a resposta dada ao quesito 35º da base instrutória, apesar de conter uma conclusão jurídica;
- não se verifica o levantamento do dinheiro da conta bancária da sociedade pelos recorrentes, e carece de sustentação factual e jurídica a conclusão da suficiência ou insuficiência da garantia patrimonial dos créditos e da boa ou má fé dos recorrentes;
- os créditos que pudessem impender sobre o imóvel em 25 de Junho de 1998 perseguiam-no fosse qual fosse o seu titular, pelo que estavam garantidos, e não se provou a existência de outros créditos ou a necessidade da sua garantia;
- os recorrentes sempre pautaram a sua conduta no que concerne aos contratos de compra e venda do imóvel em termos de lisura, transparência e boa fé, agindo com a consciência de que da venda do terreno não resultaria prejuízo para os credores e que resultariam benefícios e acréscimos patrimoniais importantes para a empresa em montante superior ao valor do imóvel;
- o património líquido da sociedade sofreu um acréscimo positivo em resultado da venda do terreno em referência, e inexiste fundamento para se concluir no sentido da procedência da impugnação pauliana;

A "A", SA formulou, por seu turno, as seguintes conclusões de alegação:
- ICV - Ldª deve responder solidariamente com os demais recorrentes, porque tem capacidade judiciária;
- os sócios de ICV Ldª só podiam distribuir antecipadamente lucros depois de pagarem todas as suas dívidas, entre as quais os montantes que os recorrentes B, C e D, na sentença, foram condenados a pagar;
- provados os requisitos da impugnação pauliana e os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos administradores, a Relação devia ter mantido o montante dos prejuízos dos credores sociais, correspondentes ao valor do prédio, declarados na sentença proferida na 1ª instância, sendo a sua percentagem achada no acórdão recorrido arbitrária e irreal, por não resultar dos factos provados;
- o acórdão recorrido violou os artigos 616º, nº 2, do Código Civil, 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, 73º, nº 1 e 78º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais.

Responderam B, C, D e E em síntese de alegação:
- ICV, Ldª não tem capacidade judiciária porque foi dissolvida e liquidada no mesmo acto e se extinguiu, sem passivo, com o registo comercial da liquidação, nos termos do artigo 160º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais;
- a venda do terreno, objecto de várias penhoras, não gerou prejuízo para os credores sociais e constituiu um acto de gestão adequado à situação de então da empresa, não ocorrendo a situação de má fé a que se reporta o artigo 612º, nº 2, do Código Civil;
- os créditos da Fazenda Nacional estavam garantidos por penhoras, pelo que aos credores não adveio da venda qualquer prejuízo.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. Por escritura de 29 de Agosto de 1996, celebrada no 1º Cartório Notarial de Viseu, foi constituída a ICV - Indústria de Congelados de Viana, Lda., cujo objecto social era a indústria, transformação e comercialização de produtos congelados.
2. ICV, Ldª, para a instalação da fábrica e armazém, necessitava de uma área edificada, e, por documento de 29 de Agosto de 1996, representantes de A declararam prometer vender-lhe o prédio urbano composto por terreno para construção urbana para fins industriais, sito em Morenos, Neiva, Viana do Castelo, e a primeira requereu, no dia 20 de Agosto de 1996, apoio financeiro no âmbito dos Regulamentos nº 3699/93 e do Regime de Apoio à Transformação e Comercialização dos Produtos de Pesca e da Agricultura.
3. Em 1997, A não conseguia cumprir as obrigações fiscais - pagamento em prestações ao abrigo do Plano Mateus - e, face a esse incumprimento, todos os membros do seu conselho de administração pretendiam, então, vender o imóvel referido sob 2, e os modelos do imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas respeitantes a 1995 e 1996 foram entregues na Repartição de Finanças de Viana do Castelo.
4. L e M subscreveram uma carta, enviada à ICV, Ldª no dia 10 de Novembro de 1997, convidando-a a informar se continuava interessada na compra do imóvel referido sob 2, dada a necessidade de A o vender.
5. Em 13 de Janeiro de 1998, a Direcção Geral das Pescas comunicou à ICV Ldª que o projecto apresentado fora deferido sob condição de ela aumentar o capital para 150.000.000$00.
6. B, que residia em Viseu e se deslocava esporadicamente a Viana do Castelo, C e D eram, no dia 25 de Junho de 1998, sócios e administradores de A - Frigoríficos de Viana S.A e, por deliberação de 14 de Abril de 1998, a primeira foi eleita sua presidente do conselho de administração e o segundo e o terceiro seus vogais.
7. Por escritura de 25 de Junho de 1998, celebrada no Cartório Notarial de Santa Comba Dão, ICV, Ldª aumentou o seu capital social de 1.000.000$00 para 150.000.000$00, e A cedeu a sua quota nela ao Réu E.
8. O réu E era, em 25 de Junho de 1998, sócio e gerente de ICV - Indústria de Congelados de Viana Ldª e a ré B sua sócia e gerente, a qual, no dia 25 de Junho de 1998, cessou essas funções por renúncia, e, através da alteração parcial do contrato de sociedade com aumento de capital, foi novamente eleita sua gerente.
9. Por escritura de 25 de Junho de 1998, outorgada no Cartório Notarial de Santa Comba Dão, os réus B, C, D, na qualidade de administradores de A, declararam vender à ICV-Ldª, representada B e E, na qualidade de seus gerentes, o prédio urbano composto por terreno para construção urbana, para fins industriais, situado em Morenos, freguesia do Neiva, inscrito na matriz sob o artigo 621º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 673, com 17 penhoras inscritas a favor da Fazenda Nacional, nele estando nessa altura em construção uma estrutura composta por pilares, cobertura e algumas divisões e uma câmara frigorífica em estrutura, tendo sido atribuído ao terreno o valor de 42.394.677$00 e à construção o valor de 83.605.323$00.
10. A ré B outorgou na escritura mencionada sob 9 na qualidade de gerente e em representação da ICV, Ldª, na qual foi declarado vender-se o aludido prédio pelo preço de 126.000.000$00, e A abandonou a construção nela referida, iniciada no âmbito da candidatura ao programa FEOG, em virtude de não ter meios financeiros para a continuar.
11. Para pagamento do montante referido sob 10, ICV , Ldª entregou a A o cheque nº 2451482588, sacado sobre a conta nº 37819422/001 da Agência de Viseu do Banco N, SA, com data de 26 de Junho de 1998, no montante de 60.000.000$00, que deu entrada na conta de depósitos à ordem nº 239907/64/001 de que A era titular na Agência do Banco N SA de Viseu.
12. Para pagamento do preço, os réus B, C e D, na qualidade de administradores e representantes da A, declararam ter recebido a quantia de 60.000.000$00, que os réus B e E declararam ter pago à A na qualidade de sócios e gerentes e em representação da ICV-Ldª, tendo acordado que os restantes 66.000.000$00 seriam pagos pela última em 146 prestações mensais, iguais e sucessivas, de 450.000$00 cada uma, nos dois últimos dias de cada mês, com início em Julho de 1998, sendo a última prestação de 300 000$00.

13. Em Setembro de 1998, ICV, Ldª outorgou com o IFADAP o contrato de atribuição de ajuda, e, no início do ano de 1999, decidiu não levar o projecto adiante, dadas as alterações das condições da economia, e tentou vender o terreno referido sob 9, contratando, para tal fim, a imobiliária Vila Azul, que conseguiu um interessado no terreno, AA. "O", Lda.
14. H, K e J foram, até 17 de Novembro de 1999, sócios e gerentes de AA "O", Ldª, actualmente Interarrrod-Produtos Florestais SA.
15. Por escritura de 31 de Maio de 1999, celebrada no 1º Cartório Notarial de Viana do Castelo, representantes de ICV-Ldª declararam vender a AA "O", Ldª e representantes desta comprar, por 125.000.000$00, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 673/960318, a qual foi apresentada a registo, sob o nº 21, de 20 de Julho 1999, o qual está inscrito na matriz em nome de AA "O", Ldª, e, pela apresentação nº 56, de 25 de Fevereiro de 2000, foi requerida a actualização da apresentação nº 21 a favor de "G" SA.
16. Na escritura mencionada sob 15 foi declarado pelas partes que o pagamento dos 125.000.000$00 seria feito da seguinte forma: 78.629.301$00 pela liquidação que a sociedade compradora, através de sub-rogação, fez em 31 de Maio de 1999 na Repartição de Finanças de Viana do Castelo, da dívida fiscal que a sociedade vendedora tinha com a Fazenda Nacional e respeitante às penhoras que incidiam sobre o prédio; e 46.370.699$00 que os réus B, E declararam ter recebido em nome da ICV, Ldª, e esta liquidou as penhoras que incidiam sobre o prédio, no valor global de 78.629.301$00.
17. Para pagamento do montante de 46.370.699$00, ICV, Ldª entregou a E o cheque nº 0562523970, com esse valor, emitido à ordem daquele, sobre a conta à ordem nº 00144512056 do Banco .... SA, balcão da Boavista, entregue por AA "O", Ldª para pagamento de parte do preço mencionado sob 15.
18. ICV, Ldª foi dissolvida em 11 de Junho de 1999, e C e D renunciaram às funções de administradores no dia 31 de Julho e no dia 13 de Novembro de 1998, respectivamente.
19. As certificações legais das contas da A relativas aos anos de 1995, 1996, 1997, 1998 e 1999 não foram depositadas, e os créditos à mesma reclamados pela Fazenda ascenderam a 240.087.197$00.
20. Por sentença de 14 de Julho de 2000, transitada em julgado no dia 7 de Novembro do mesmo ano, foi decretada a falência de A, em acção entrada em juízo no dia 7 de Outubro de 1999.
21. Na contabilidade da A não existem registos do pagamento das 146 prestações mencionadas sob 12, e não existe talão de depósito ou fluxo financeiro das importâncias referidas correspondentes à entrada na caixa social e na conta-corrente da A.
22. O vogal M era chefe de compras e o vogal P o chefe de vendas ligado ao sector da contabilidade de A, e não existem documentos ou registos contabilísticos de pagamentos por ela efectuados com as quantias referidas sob 12.
23. Não há registos de fluxos financeiros de recebimento, pagamento e depósito das quantias aludidas em 12 e 17, e, na contabilidade da ICV, Ldª, não existe documento ou registo contabilístico da entrada em caixa social da quantia de 46.370.699$00.

24. A ICV, Ldª não entregou qualquer das prestações referidas sob 12 e, em 31 de Maio de 1999, os representantes da AA "O", Ldª sabiam das dívidas fiscais da A.
25. O prédio mencionado sob 2 vale cerca de € 541.500,00 e, com as vendas mencionadas sob 9 e 15, A ficou impossibilitada de satisfazer os pagamentos aos credores.
26. Até 1997, a contabilidade da A está organizada e, em 1998, cessou a sua actividade e, a partir daí, não foi organizada.

III
As questões essenciais decidendas nos recursos são as de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e excesso de pronúncia, e se B, C, D, E e F, Ldª devem ou não indemnizar a recorrida no montante de € 541.500,00.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da "A", SA, de B, C, D e de E, a resposta às referidas questões pressupõe a análise da seguinte problemática:
- síntese do objecto do litígio e das decisões de forma e de mérito das instâncias;
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão?
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por excesso de pronúncia ou infracção do princípio do dispositivo?
- deve ou não declarar-se não escrita a resposta ao quesito trigésimo-quinto da base instrutória?
- há ou não fundamento legal para a absolvição de "F", Ldª do pedido?
- regime legal envolvente do instituto da impugnação pauliana;
- especialidade do regime de impugnação pauliana no quadro do processo de falência;
- regime legal da responsabilidade civil dos administradores de sociedades;
- ocorrem ou não na espécie os pressupostos da impugnação pauliana?
- ocorrem ou não na espécie os pressupostos da responsabilidade civil dos administradores de sociedades?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos, em jeito de clarificação, pela síntese do objecto do litígio e das decisões de mérito das instâncias.
O litígio centra-se essencialmente em torno de um contrato de compra e venda de um prédio da titularidade de A a favor de IVC, Ldª, celebrado entre ambas no dia 25 de Junho de 1998, e de um outro contrato de compra e venda do mesmo prédio celebrado no dia 31 de Janeiro de 1999, entre a referida adquirente e AA "O", SA, a que sucedeu G-Produtos Florestais SA e da declaração de falência da primeira no dia 14 de Julho de 2000 em acção intentada no dia 7 de Outubro de 1999.
Os pedidos formulados pela autora na acção foram essencialmente os de declaração da nulidade dos dois referidos contratos, a reversão do prédio para a massa falida, a condenação de quem neles outorgou a indemnizá-la pelos prejuízos causados aos credores ou a pagar-lhe o preço de venda do prédio e de outros bens do imobilizado corpóreo vendidos nos dois anos anteriores à declaração de falência, e a sua causa de pedir foi a simulação, a má fé dos administradores e das sociedades envolventes e o prejuízo dos credores em razão da frustração da cobrança de créditos.
Na primeira instância, em decisão proferida em sede de condensação, transitada em julgado, foram a sociedade que outorgou no segundo contrato de compra e venda como compradora e os seus administradores absolvidos da instância com fundamento na sua ilegitimidade.
E, na sentença final, quanto ao primeiro contrato de compra e venda, à luz do disposto nos artigos 159º, nº 1, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência e 78º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, com base na má fé dos administradores de A e de IVC, Ldª, na sua actuação culposa resultante de inobservância das normas da impugnação pauliana destinadas à protecção dos credores consequenciando a insuficiência do património da primeira para o pagamento das dívidas conforme a resposta ao quesito 35º, condenou os administradores da primeira - B, C e D - e IVC, Ldª a indemnizar a massa falida no montante correspondente ao do prédio - € 541.500,00.
Ademais, foi E, sócio e gerente de IVC, Ldª, condenado a indemnizar a massa falida, solidariamente com os primeiros, até ao montante por ele recebido em resultado da liquidação daquela sociedade, a liquidar em execução de sentença.
Da sentença não recorreu a "A" SA e a Relação, no âmbito do recurso de apelação, absolveu IVC, Ldª do pedido sob o fundamento de ela, à data instauração da acção, já estar extinta e não ser responsável pelo passivo superveniente assegurado pelos antigos sócios, e, sob o fundamento da infracção das regras da impugnação pauliana, elegendo como facto essencial o desconhecimento do destino de 60.000.000$, correspondentes ao prejuízo ditos sofridos pelos credores da massa falida, condenou B, C, D e E com base na responsabilidade civil extracontratual, no pagamento à massa falida de € 257.235,05, equivalentes a 47,619% do valor real do prédio alienado, o último até ao limite do que recebera no quadro da liquidação da sociedade IVC, Ldª.

2.
Atentemos agora sobre se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Alegaram os recorrentes B, C, D e E ser o acórdão nulo por virtude de os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, invocando o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, que prevê a referida nulidade.
Os fundamentos de facto e de direito utilizados no acórdão da Relação devem ser harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito, certo que esse requisito se não verifica caso ocorra contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão nos quais assenta.
Todavia, o erro de interpretação dos factos e ou do direito ou na aplicação deste constitui erro de julgamento, e não o vício de nulidade decorrente de contradição entre os fundamentos e a decisão a que alude a alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
É que o vício de nulidade a que se reporta o aludido normativo só ocorre quando os fundamentos de facto e ou de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que o integra o respectivo segmento decisório.
Mas o que resulta do alegado pelos referidos recorrentes é tão só a sua discordância do decidido no confronto do quadro de facto provado, o que poderá eventualmente enquadrar o erro de julgamento, mas não o vício de nulidade do acórdão por eles invocado.
Na realidade, do contexto do acórdão resulta a conformidade lógica entre a parte da motivação fáctico-jurídida e a parte decisória, pelo que se não verifica, na espécie, o vício de nulidade a que alude a alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.

3.
Vejamos, ora, se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por excesso de pronúncia ou infracção do princípio do dispositivo.
Os recorrentes B, C, D e E fundaram a referida nulidade na violação do disposto nos artigos 264º, 664º e 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil em razão da substituição pela Relação da sentença por acórdão assente em quadro fáctico-jurídico diferente do naquela sentença considerado e não afirmado pelas partes.
O artigo 264º do Código de Processo Civil reporta-se ao princípio do dispositivo relativo aos factos integrantes da causa de pedir e das excepções, expressando incumbir às partes a sua alegação, salvo no que concerne aos factos notórios e aos factos instrumentais que resultem da instrução e decisão da causa e aos essenciais que dela resultem e sejam complementares ou concretizadores de outros alegados pelas partes desde que a parte interessada manifeste a vontade do seu aproveitamento e se faculte o contraditório em relação à outra.
O artigo 664º do Código de Processo Civil, relativo à actividade das partes e do juiz, depois de ressalvar o disposto no artigo 264º daquele diploma, expressa, por seu turno, que o último, em regra, só pode servir-se dos factos articulados pelas primeiras.
E a propósito da prevenção do vício de limites, expressa a lei que o juiz deve, por um lado, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e, por outro, que ele não pode ocupar-se senão das questões por elas suscitadas, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
No caso de a Relação ter realmente conhecido de questões de que não podia conhecer,
gerando a referida nulidade, derivada de vício de limites, deverá este Tribunal supri-la e declarar em que sentido o acórdão da Relação se deveria considerar modificado (artigo 731º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Tendo em conta a letra e o escopo finalístico do disposto nos artigos 264º e 664º do Código de Processo Civil, envolvidos pelo princípio do dispositivo, eles nada têm a ver com a nulidade dos despachos, das sentenças ou dos acórdãos.
Com efeito, dada a estrutura daqueles normativos, a sua infracção pelo juiz nas sentenças ou pelo colectivo dos juízes nos acórdãos apenas é susceptível de constituir erro de julgamento (artigo 659º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Face ao conteúdo do acórdão em causa, vê-se que a Relação, a partir dos factos declarados provados na sentença proferida na 1ª instância e da sua interpretação e desenvolvimento em termos de ilação, naturalmente ao abrigo dos artigos 349º e 351º do Código Civil, aplicou o regime jurídico que entendeu, à luz do artigo 664º do Código de Processo Civil, sem extravasar das questões que lhe tinham sido colocadas no recurso de apelação.
Os referidos arguentes também nesta sede confundem a questão da nulidade com o erro de julgamento, inexistindo, por isso, fundamento legal para a conclusão por eles afirmada no sentido da nulidade do acórdão por violação do disposto nos artigos 264º, 664º e 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

4.
Atentemos agora se deve ou não declarar-se não escrita a resposta ao quesito trigésimo-quinto da base instrutória.
O êxito da impugnação pauliana depende, além do mais, da verificação do requisito de resultar do acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade (artigo 610º, alínea b), do Código Civil).
Ora, está assente, em virtude da resposta positiva ao aludido quesito da base instrutória, em que tal se perguntava se, com as vendas mencionadas sob 9 e 15, A ficou impossibilitada de satisfazer os pagamentos aos credores.
Conforme já se referiu, suscita-se no recurso a questão de saber se o aludido quesito podia ou não ser formulado por integrar matéria conclusiva ou de direito, questão que se inscreve na competência funcional deste Tribunal, por ser de direito.
Esta questão tem a ver com a estrutura da causa de pedir que o autor e o réu reconvinte devem articular na acção a fim realizar ou de fazer valer o respectivo direito em juízo.
A noção legal de causa de pedir, inspirada pelo princípio da substanciação, é essencialmente envolvida pelas características da intelegibilidade, facticidade e concretização.
Estrutura-se, por isso, na envolvência de factos concretos correspondentes à previsão das normas substantivas concedentes da situação jurídica alegada pelas partes, independentemente da respectiva valoração jurídica (artigos 264º, 498º, nº 4, e 664º do Código de Processo Civil).
Os factos são acontecimentos envolventes de alteração ou mudança no curso das coisas ou das pessoas, no âmbito dos quais se incluem não só os acontecimentos do mundo exterior, como também os eventos do foro interno, designadamente a sua vontade real ou a sua intenção.
A impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu direito de crédito é uma das consequências de actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do direito de crédito (artigo 610º, proémio, e alínea b), do Código Civil).
O termo impossibilidade, diverso de dificuldade, é polissémico, assumindo um sentido empírico significante do que se não pode fazer ou executar e um sentido jurídico, também com diversos significados, conforme se trate de impossibilidade originária ou superveniente, física ou jurídica, executória moral ou material.
Diz-se impossibilidade executória material quando estiverem destruídos ou suprimidos todos os meios de que o devedor se podia socorrer para cumprir a sua obrigação no confronto do credor.
O conceito de impossibilidade a que se reporta o mencionado normativo está utilizado em sentido jurídico, certo que se traduz em circunstância derivada de actos de diminuição da garantia patrimonial em si de natureza jurídica.
O mencionado conceito, em termos de conclusão jurídica, tem de ser preenchido, em sede de articulação da causa de pedir, por factos jurídicos que o concretizem, por referência à data da prática do acto em causa, designadamente a natureza, a oneração ou alodialidade do património global do devedor e o valor deste, a natureza e o valor dos direitos de crédito por ele garantidos.
Assim, a lei não permite a quesitação da mera afirmação de que de um contrato de compra e venda resultou a impossibilidade de satisfação dos direitos de crédito dos credores do devedor alienante, que ocorreu no caso vertente (artigos 498º, nº 4, e 511º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Operada a sua inserção na base instrutória contra o disposto na lei, não podia o juiz responder-lhe em sentido positivo ou negativo, mas apenas que o quesito era irrespondível por força do disposto no artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil.
Ora, como no caso vertente o juiz assim não procedeu e operou a referida resposta àquele quesito nos termos em que o fez, a consequência é a de que a mesma deve ter-se por não escrita ou inexistente (artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil).

5.
Vejamos agora se há ou não fundamento legal para a absolvição de F Ldª do pedido, que a recorrente "A", SA impugnou no recurso.
No tribunal da 1ª instância não foi conhecida a questão da personalidade judiciária "F", Ldª e esta foi condenada na sentença final e absolvida do pedido na Relação com fundamento na sua extinção antes da propositura da acção.
A recorrente "A", SA afirmou dever manter-se a condenação daquela sociedade, sob a argumentação de poder voltar à actividade e prosseguir o seu objecto social, designadamente para pagar as respectivas dívidas.
Mas a referida sociedade foi dissolvida e liquidada no dia 11 de Junho de 1999 e a sua liquidação levada nessa data ao registo comercial.
Ora, expressa a lei que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios é que respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberem em partilha, salvo o caso de sócios de responsabilidade ilimitada (artigo 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais).
Trata-se, pois, de normativo protector dos credores sociais, terceiros quanto à dissolução extrajudicial da sociedade, na medida em que lhes garante a realização dos respectivos direitos de crédito depois de extinta a sociedade, naturalmente provando a sua existência.
O referido regime é conforme com a circunstância de a sociedade dissolvida e liquidada só manter a personalidade jurídica até ao termo da liquidação (artigo 146º do Código das Sociedades Comerciais).
Dissolvida e liquidada que foi a referida sociedade, deixou de ter personalidade jurídica e personalidade judiciária e, consequentemente, deixou de poder ser parte em qualquer acção ou procedimento (artigo 5º do Código de Processo Civil).
Estamos, assim, perante uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que implica a sua absolvição da instância (artigos 288º, nº 1, alínea c), 493º, nº 2, 494º, alínea c), e 495º do Código de Processo Civil).
Impõe-se, por isso, nesta parte, a revogação do acórdão recorrido no que concerne ao segmento decisório que absolveu a mencionada sociedade do pedido, e a prolação de decisão de absolvição da mesma da instância.

6.
Atentemos agora na síntese do regime legal da impugnação pauliana em tanto quanto releve no caso em análise.
Estão, pois, em causa os pressupostos legais objectivos e subjectivos do instituto designado de impugnação pauliana, meio de conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações e, portanto, de tutela dos credores contra o desvio do património pelo devedor que implique obstáculo absoluto à satisfação dos seus créditos ou o seu agravamento.
A procedência deste meio de conservação da garantia patrimonial, a que se reporta o artigo 601º do Código Civil, ou seja, os bens do devedor susceptíveis de penhora, implica a atribuição ao impugnante do direito à restituição na medida do seu interesse, à prática de actos de conservação da garantia e à execução no património do obrigado à restituição (artigo 616º, nº 1, do Código Civil).
São seus requisitos os actos envolventes de natureza não pessoal que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito, a anterioridade deste em relação àqueles, o nexo de causalidade entre o acto e a impossibilidade de satisfação integral do direito de crédito verificada na altura da sua prática e a má fé dos respectivos sujeitos no caso se tratar de actos onerosos (artigos 610º e 612º do Código Civil).
No que concerne ao ónus de prova, em desvio ao regime geral sobre a sua distribuição, cabe ao credor a prova do montante do crédito que tem contra o devedor, da anterioridade dele em relação ao acto impugnado, e ao devedor e ou ao terceiro adquirente existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior na titularidade do obrigado lato sensu (611º do Código Civil).
Isso significa, em termos práticos, que provada pelo impugnante a existência e a quantidade do direito de crédito e a sua anterioridade em relação ao acto impugnado, se presume a impossibilidade de realização do direito de crédito em causa ou o seu agravamento.
Mas nesta matéria distingue a lei conforme os actos em causa sejam onerosos ou gratuitos e, quanto aos primeiros, exige que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé, que caracteriza como consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (artigo 612º do Código Civil).
Grosso modo, os actos gratuitos visam conceder a uma das partes um benefício pecuniário ou de outra espécie, e actos onerosos a obtenção de vantagem para ambas as partes.
A exigência da má fé de ambas as partes deriva da ideia de que à prestação do devedor corresponde uma prestação equivalente do terceiro e este ficar em situação de grave afectação da sua esfera patrimonial.
A má fé a que a lei se reporta envolve a representação pelos respectivos outorgantes de que o acto praticado afectará negativamente a realização do direito de crédito do credor no confronto do devedor, não exigindo, porém, que os contratantes actuem com intenção de lhe causar prejuízo.
Mas no que concerne às transmissões posteriores, a lei faz depender o êxito da impugnação pauliana da verificação dos mencionados requisitos quanto à primeira transmissão e que haja má fé do alienante e do posterior adquirente no caso de nova transmissão a título oneroso (artigo 613º, nº 1, do Código Civil).

7.
Vejamos agora a especialidade do regime legal de impugnação pauliana no quadro do processo de falência.
A regra é no sentido de serem impugnáveis em beneficio da massa falida todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei civil (artigo 157º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência - CPEREF).
A lei falimentar remete, assim, para o regime da impugnação pauliana previsto no Código Civil a que acima se fez referência, mas salvaguarda a especialidade no que concerne aos requisitos da má fé e dos efeitos da relevante impugnação.
No que respeita à primeira das referidas vertentes, em tanto quanto releva no caso vertente, a lei expressa, por um lado, que se presumem celebrados de má fé pelas pessoas que neles participem, por um lado os actos realizados pelo falido a título oneroso nos dois anos anteriores à data da abertura do processo conducente à falência em favor de sociedades coligadas ou dominadas por ele, e, por outro, os actos em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte (artigo 158º, alíneas a) e d), do CPEREF).
O primeiro dos mencionados normativos é essencialmente motivado pela consideração de que o falido, em razão do seu domínio ou coligação societários, pode operar facilmente a transmissão de bens da sua titularidade em prejuízo dos seus credores.
Relativamente à segunda das aludidas vertentes, expressa a lei falimentar, por seu turno, que resolvido o negócio ou julgada procedente a impugnação pauliana, os bens ou os valores correspondentes revertem para a massa falida (artigo 159º, nº 1, do CPEREF).
Assim, a restituição por via da procedência da impugnação pauliana pode operar por via da entrega à massa falida dos bens objecto mediato dos contratos de alienação ou da entrega do valor correspondente.

8
Atentemos, ora, no regime legal da responsabilidade civil dos administradores de sociedades.
Expressa o Código das Sociedades Comerciais, por um lado, que os gerentes, administradores ou directores de sociedades respondem para com os credores desta quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção deles, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos (artigo 78º, nº 1).
E, por outro, no caso de falência da sociedade, que os direitos dos credores podem ser exercidos, durante o processo de falência, pela administração da massa falida e que ao direito de indemnização é aplicável o disposto no artigo 72º, nºs 2 a 5, 73º e 74º, nº 1 (artigo 78º, nºs 4 e5).
Assim, os gerentes, directores ou administradores de sociedades não são responsáveis pelos danos resultantes de deliberações colegiais em que não tenham participado ou hajam votado vencidos, desde que façam registar a sua declaração de oposição nem pelas deliberações dos próprios sócios ou accionistas (artigo 72º, nºs 2 a 5, do Código das Sociedades Comerciais).
Estamos perante a responsabilidade civil por factos ilícitos e danos causados na esfera jurídica dos credores de sociedades, cuja acção ou omissão, envolvida de culpa lato sensu dos gerentes, directores ou administradores, se deve traduzir na violação de normas contratuais ou legais destinadas à protecção dos primeiros.
Assim, a ilicitude do acto traduz-se na violação de normas legais ou contratuais que visem a protecção dos interesses dos credores sociais.
O critério da culpa dos administradores de sociedades é medido pela diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, dos accionistas e dos trabalhadores (artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais).
A lei não dispensa, como é natural, o nexo de causalidade adequada entre a referida acção e ou omissão ilícita e culposa e o dano, e o ónus de prova dos vários pressupostos incumbe aos credores sociais lesados (artigos 342º, nº 1, 483º, nº 1, 487º, nº 1, 562º e 563º do Código Civil).
As disposições contratuais a que a lei se reporta são, naturalmente, as que constam dos respectivos pactos sociais e visem a protecção directa ou indirecta dos credores das sociedades.

9.
Vejamos agora se ocorrem ou não na espécie os pressupostos da impugnação pauliana a que acima se fez referencia.
Impõe-se, conforme acima já se referiu, considerar não escrita a resposta ao quesito 35º da base instrutória e a consequente ineficácia da afirmação constante da parte final de II 25.
Consequentemente, dela não se pode concluir no sentido da impossibilidade para os credores de A de obterem a integral satisfação dos seus créditos ou o seu agravamento por virtude do contrato de compra e venda do imóvel em causa celebrado entre ela e a sociedade IVC Ldª.
Não ocorre, por isso, na espécie, o requisito da impugnação pauliana a que alude o proémio e a alínea b) do artigo 610º do Código Civil.
Ainda que assim não fosse, à míngua de factos provados nesse sentido, não ocorriam, na espécie, a relação de coligação ou de domínio entre A e IVC Ldª ou a manifesta desproporção de prestações a que se reporta o artigo 158º, alíneas a) e d), do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência ou os pressupostos da presunção de má fé na celebração do mencionado contrato de compra e venda.
Acresce que a circunstância de os administradores de A e os gerentes de IVC Ldª conhecerem, ao tempo do contrato de compra e venda do prédio em causa, a situação deficitária da vendedora, não justifica a conclusão no sentido da verificação do requisito da impugnação pauliana má fé a que se reporta o artigo 612º do Código Civil, ou seja, a consciência do prejuízo que aquele negócio causava a todos ou a algum ou alguns determinados credores.
É que, por um lado, o direito de crédito do Estado derivado de impostos no confronto de A era assaz elevado, e o direito de propriedade sobre o prédio estava onerado com dezassete actos de penhora a seu favor, que garantiam o pagamento de 78 629 301$.
E, por outro, o Estado tinha na altura prioridade de pagamento em execução em relação aos outros credores, por força do disposto no artigo 819º do Código Civil e A integrou no seu património, por virtude do acto de venda, a quantia equivalente a € 299 278,74.
É certo não estar assente o destino da referida quantia, na medida em que os recorrentes B, C, D e E não lograram provar o que afirmaram na contestação, ou seja, que ela foi utilizada para satisfazer compromissos e obrigações perante os respectivos credores.
Mas a resposta negativa ao quesitado nesse sentido, a par da circunstância de A não ter escrita organizada desde 1998, não permitem a conclusão no sentido contrário, ou seja, de que a mencionada quantia não foi aplicada no âmbito da actividade comercial lato sensu da primeira ou que a mesma foi levantada e sonegada por alguma pessoa, designadamente por todos, alguns ou algum dos seus administradores.
Assim, ao invés do que se expressa no acórdão recorrido, os factos provados não revelam que a mencionada quantia, correspondente a parte do preço do contrato de compra e venda, tenha sido subtraída à esfera jurídico-patrimonial de A.
Não verificada a mencionada presunção de má fé, tendo em conta o que provado ficou, a conclusão não podia deixar de ser no sentido de que a A SA não logrou provar que, aquando da celebração do aludido contrato de compra e venda, os administradores da vendedora e da compradora tinham consciência do prejuízo que dele derivava para os credores da sua representada.
Consequentemente não tem apoio fáctico-jurídico a conclusão das instâncias no sentido de que devia reverter para a massa falida em causa o valor do prédio vendido ou uma parte proporcional ao mesmo à luz do disposto no artigo 159º, nº 1, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.

10.
Atentemos agora sobre se ocorrem ou não na espécie os pressupostos da responsabilidade civil dos administradores societários em termos de vinculação à obrigação de indemnizar por parte dos administradores de A.
Os factos provados não revelam que B, C, D ou E hajam infringido alguma norma contratual ou legal destinada a proteger os interesses de algum dos credores de A, designadamente daqueles que se apresentaram a reclamar os seus direitos de crédito no processo de falência no confronto com os bens integrantes da massa falida.
Com efeito, ao invés do que se refere no acórdão recorrido, secundando nesta parte o considerado na sentença proferida no tribunal da 1ª instância, B, C, D ou E não infringiram normas relativas à conservação da garantia patrimonial integradas no instituto da impugnação pauliana.
Nem resulta do mencionado contrato de compra e venda e das circunstâncias que o envolveram, em termos de causalidade adequada, a insuficiência do património de A em termos de gerar a impossibilidade de satisfação dos direitos de crédito dos respectivos credores, certo que o prédio alienado estava intensamente onerado por direitos de penhora da titularidade do Estado conseguidos em pluralidade de acções executivas por créditos de impostos.
Fica, por isso, prejudicada a análise da problemática da quantificação do dano, suscitada em ambos os recursos de revista, bem como do nexo de causalidade entre ele e o referido contrato de compra.

11.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
O acórdão recorrido não está afectado de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão ou por excesso de pronúncia, nem nele foi infringido o princípio do dispositivo.
Por se reportar a matéria de direito, a resposta ao quesito 35º da base instrutória, reproduzida sob a parte final de II 25, está afectada, nos termos do artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil, do vício de inexistência, pelo que não pode relevar no caso em apreciação.
Registada a liquidação da sociedade "F", Ldª cessou para qualquer efeito a sua personalidade jurídica e judiciária, o que implica a sua absolvição da instância e não do pedido.
Os factos provados, em quadro de regime legal de ónus de prova, não revelam o requisito geral da impugnação pauliana consubstanciado em ter resultado do contrato de compra e venda do imóvel em causa a impossibilidade para qualquer credor de A de obter a satisfação do seu direito de crédito ou o agravamento dessa impossibilidade a que se reporta a alínea b) do artigo 610º do Código Civil.
O imóvel estava assaz afectado, por via de uma pluralidade de actos de penhora, ao pagamento de créditos tributários, o seu produto foi parcialmente utilizado para o seu pagamento e a parte restante foi depositada a favor da vendedora, pelo que se não pode considerar que a sua venda impossibilitou a realização do direito de crédito de quaisquer outros credores de A.
Decorrentemente, queda inaplicável, no âmbito do processo de falência, o disposto nos artigos 158º e 159º, nº 1, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
Acresce que não há factos reveladores de engenharia financeira visando a exclusão de A de sócia IVC, Ldª para que o contrato de compra e venda em causa se configurasse regular perante terceiros.
Finalmente, os factos provados em quadro geral de ónus de prova também não revelam que os administradores de A tenham infringido, com a venda do referido imóvel, normas de contratuais ou legais atinentes a protecção dos credores daquela sociedade,
pelo que não estão juridicamente vinculados a indemnizar a massa falida nos termos do artigo 78º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.

Improcede, por isso, o recurso interposto pela "A", SA, e procede o recurso interposto por B, C, D e E.
Vencida neste último recurso a "A" SA, esta é responsável pelo pagamento das custas de ambos os recursos de revista, do recurso de apelação e da acção (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, como ela beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e de encargos com o processo, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, alínea a), 17º, nº 2, 37º, nº 1, 54º, nºs 1 a 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que seja condenada, nesta sede, no pagamento de custas.

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso interposto pela A SA e dá-se provimento ao recurso interposto por B, C, D e E, absolvem-se estes últimos do pedido e "F", Ldª da instância.

Lisboa, 31 de Maio de 2005.
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa,
Armindo Luís.