Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | BETTENCOURT DE FARIA | ||
| Descritores: | ACÓRDÃO DAS SECÇÕES CÍVEIS REUNIDAS UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA JURISPRUDÊNCIA OBRIGATÓRIA DIREITO DE REGRESSO SEGURADORA CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL ACIDENTE DE VIAÇÃO NEXO DE CAUSALIDADE MATÉRIA DE FACTO PRESUNÇÕES JUDICIAIS | ||
| Nº do Documento: | SJ200505120000852 | ||
| Data do Acordão: | 05/12/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 1403/04 | ||
| Data: | 10/06/2004 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Sumário : | I - O acórdão uniformizador de jurisprudência nº 6/2000 veio exigir que a seguradora que pretende exercer o direito de regresso contra o condutor que conduza sob a influência do álcool faça a prova do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, afastando, assim, a tese que considera que tal nexo de causalidade não pode ser objecto de prova, nem sequer resultar duma presunção judicial, por se tratar dum facto científico notório. II - O referido acórdão não veda, contudo, a determinação do mesmo nexo através duma presunção judicial. III - Esta presunção não pode ser estabelecidas neste STJ, por se tratar de questão relativa à matéria de facto. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Companhia de Seguros A moveu a presente acção ordinária contra B e C, Limitada, pedindo que os réus fossem condenados a pagar-lhe a quantia de € 36.699,90, acrescida dos juros de mora, à taxa legal desde a citação. Os réus contestaram. O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que absolveu os réus do pedido. Apelou a autora, mas sem êxito. Recorre a mesma, novamente, a qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões: 1 O acórdão uniformizador de jurisprudência nº 6/2002, de 28.05 veio exigir que a seguradora, que pretenda exercer o direito de regresso contra o condutor que conduza sob a influência do álcool, faça a prova do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente. 2 E a verdade é que a autora recorrente fez essa prova ao demonstrar as condições em que o mesmo ocorreu e a conduta do condutor em causa. 3 Com efeito, fez ele uma curva de ângulo reduzido, com um camião articulado, pesando cerca de 23 toneladas a uma velocidade não permitida mesmo a um veículo ligeiro de passageiros. II Nos termos do artº 713º nº 6 do C. P. Civil, consignam-se os factos assentes por acordo remetendo para o que consta de fls.219 a 221. III Apreciando 1 Do conjunto da factualidade provada retira-se claramente que o condutor do veículo em questão agiu com negligência ao descrever com o seu veículo uma curva a uma velocidade muito superior à legalmente permitida para o local, sendo certo que a obediência que qualquer condutor deve às limitações de velocidade legalmente prescritas era, no caso, ainda mais de observar, atentas as características do veículo - pesado articulado - . Provou-se, pois, um nexo causal entre a conduta atrás descrita e o referido acidente. Igualmente ficou provado que o mesmo condutor, aquando do acidente, era portador de uma taxa de alcoolémia que corresponde a conduzir sob a influência do álcool. Temos, portanto, que o dito condutor, deu causa a um acidente de viação, quando conduzia alcoolizado. Será isto suficiente para considerar que a recorrente tem o direito de regresso que reclama? Há aqui duas causalidades que se sucedem: 1) um estado de vigília diminuído; 2) uma manobra de condução errada. Poder-se-ia pensar que as duas encontram-se de tal forma ligadas, ao ponto de não ser possível conceber que alguém tenha uma atitude psicomotora incorrecta e isso não resulte do facto da sua actividade psicomotora estar afectada. Quando se defende a necessária conexão entre essas causalidades pretende-se por em crise a pluralidade de causas para a negligência, que a tese oposta admite. Refere esta última que se alguém não mantém o controle de um veículo automóvel, tanto pode ser porque a sua falta de reflexos decorre do seu estado de embriaguez, como pode ser por ir distraído, ou por ter sido inconsiderado. Os defensores da ideia contrária consideram que aquele estado condiciona basicamente toda a actividade psíquica não sendo concebível condutas fora desse condicionamento. E não se trata aqui de utilizar qualquer tipo de presunção, mas sim de aperceber de forma acertada a realidade factual: o condicionamento total do condutor por efeito de qualquer droga, mormente o álcool, é um facto cientificamente adquirido. Não existiriam lacunas , ou compartimentos psíquicos imunes, na influência do álcool. Aliás, é o próprio legislador que determina a perigosidade da condução sob o efeito do álcool, criminalizando-a até, sem ressalvar a possibilidade do condutor fazer prova de que, como faz parte de alguma cultura popular, "com vinho até conduzo melhor". 2 O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2002 de 28.05.02 veio optar pela tese da possibilidade da pluralidade de causas, impondo, consequentemente a necessidade do titular do direito de regresso, fazer prova de que foi a alcoolémia a causa da negligência do condutor. Isto para os efeitos do artº 19º do DL 522/85 de 31/12. No essencial, faz a distinção entre o estar sob a influência do álcool e o agir sob essa influência. Admitindo, assim que se possa estar alcoolizado, mas ter uma actuação, no caso conduzir, estranha a esse condicionamento. Assinala-se no voto de vencido do Exmo. Conselheiro Araújo de Barros o seguinte: "...a prova...(do nexo de causalidade) entre a condução sob influência do álcool e o acidente (talvez melhor entre a alcoolemia e a infracção causal do acidente) constitui verdadeira prova diabólica, na medida em que, na prática é impossível." A tese do acórdão só afasta, expressamente, aquilo que se chama, com alguma impropriedade, a presunção "automática", uma vez que esta iria na prática reconduzir-se à tese dos defensores da desnecessidade de prova. Mas, como é óbvio, não exclui a presunção judicial, que depende apenas da convicção do julgador, o qual a retira dos factos provados - artºs 349º e 351º do C. Civil. - . Por isso, a dita prova talvez possa ser feita, mediante a análise concreta dos factos, mormente da conduta do causador do acidente. 2 No caso em apreço, foi por tal via que pretendeu seguir a recorrente. A sua conclusão é a de que, tendo em conta o modo como o acidente se deu, unicamente o álcool é que poderia explicar a negligência do condutor da viatura. E ficaria assim provada a influência do álcool na ocorrência do facto danoso. É um caminho plausível. Acontece, porém, que a conclusão que pretende extrair da matéria de facto é, também ela, uma questão de facto, que não compete ao STJ sindicar - cf. os artºs 722º nº 2 e 712º nº 6 do C. P. Civil Seriam as instâncias que a teria de formular. Se não fosse a jurisprudência fixada, poder-se-ia por a hipótese de o Supremo entender que a influência do álcool significava a impossibilidade da negligência ter outra origem que não fosse essa mesma influência. Não estava este Tribunal a retirar conclusões, ou a fixar factos , mas simplesmente a considerar a existência dum facto complexo - já provado - e que não permite fazer distinções. De qualquer modo, o STJ só está impedido de fixar factos que dependam da convicção, ou seja do julgamento, mas não de considerar aqueles outros que devem ser considerados do conhecimento geral, aqueles que o cidadão comum, bem informado deve conhecer -artº 514º do C. P. Civil - . Como é a hipótese de quais são realmente as consequências de se ingerir em excesso bebidas espirituosas. Assim, não tendo a Relação presumido que o acidente foi devido ao estado em que se encontrava o condutor, nada pode ser modificado por este recurso. Pelo exposto, acordam em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 12 de Maio de 2005 Bettencourt de Faria, Moitinho de Almeida, Noronha do Nascimento. |