Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
56/21.2JAFAR-H.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: HABEAS CORPUS
ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, conforme art. 379.º, n. º 1, al. c), do CPP, isto é, suscitadas ou de conhecimento oficioso e não estejam prejudicadas pela solução dada a outras.
II - Com efeito, sobre a designada omissão de pronúncia invocada nos termos do requerimento de reclamação e relativamente à junção da gravação da sessão de julgamento em que se procedeu à leitura da sentença, é o próprio reclamante que reconhece que, apenas, junta a gravação para conhecimento, pois pretende, mais tarde e em instância própria, suscitar as diligências que entende necessárias, pelo que, a este Supremo Tribunal apenas compete registar essa intenção, como o fez.
III - Ou seja, nada se ignorou quanto às invocadas teses do requerente, pelo que, proferida que seja a sentença fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, não sendo a apreciação do requerimento em que se arguem nulidades momento idóneo para o tribunal da causa conhecer de quaisquer outras questões.
Decisão Texto Integral:

Recurso Penal


Incidente de arguição de nulidade


Processo: n.º 56/21.2JAFAR-H.S1


5ª Secção Criminal





Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, arguiu a nulidade do acórdão do STJ, proferido nestes autos em 15/02/2024, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, porque lhe parece “(…) que o mesmo contem obscuridades que nem nenhum dos defensores nem o Requerente conseguem decifrar e para além de que nos parece padecer de nulidade de omissão de pronúncia,…” – sublinhado nosso e, conforme requerimento de 19/02/2024, Ref.ª Cítius n.º ....35 –.

2. O reclamante aponta os vícios que considera verificados por referência à fundamentação do acórdão em causa, alegando que após o requerimento por si apresentado em 12/02/2024, Ref.ª Cítius n.º ....49, que juntava uma gravação da sessão de julgamento em que foi lida a sentença que o condenara, não “(…) consegue descortinar porque razão prevaleceu uma acta completamente desconforme à gravação do acto aí documentado – “leitura de acórdão” – mas essencialmente qual a fundamentação legal, doutrinária ou jurisprudencial para fazer prevalecer uma acta a uma gravação áudio junta aos autos.” – tudo, conforme o essencialmente alegado (sem que tivessem sido formuladas conclusões) em requerimento de arguição da nulidade que apresentou nos seguintes termos:


Das irregularidades e nulidades – falta de fundamentação de facto e de direito – artigos 123.º e 97.º n.º 5 e 379.º n.º 1 al. c), todos do CPP:


Não constando do douto acórdão aqui em causa qualquer norma legal que nos permita saber exactamente como é que é preenchido o conceito legal de “leitura de acórdão”, entendemos estar preenchida a nulidade por omissão de pronuncia e irregularidade de omissão de indicação de norma legal que norteou o sempre Mui Douto entendimento de Vossas Excelências,


Não constando do douto acórdão aqui em causa qualquer norma legal que nos permita saber exactamente porque razão prevalece uma acta de um acto processual quando em manifesta oposição à gravação áudio levada a efeito – relativamente ao acto praticado em audiência pública no dia 7 de Fevereiro de 2024 – (“leitura de acórdão”), entendemos estar preenchida a nulidade de omissão de pronuncia e irregularidade por omissão de indicação de norma legal que norteou o sempre Mui Douto entendimento de Vossas Excelências,


São as apontadas (pelo menos aparentes) omissões que nos levam a considerar pertinente e a requerer a aclaração e indicação expressa e inequívoca das normas jurídicas que fazem preencher o conceito de “leitura de acórdão”, bem assim como as razões de facto e de direito para ter sido entendido que tinha que prevalecer a documentação da “leitura do acórdão” uma acta ao invés de uma gravação áudio que consta da plataforma citius e à cautela foi por nós junta aos presente autos. Aliás, da leitura do douto acórdão proferido por Vossas Excelências,


Nem se consegue perceber porque razão não é feita qualquer referência à audição ou não desses singelos 20 minutos de gravação áudio. Também esta parte nos parece ser de aclarar no sentido de tornar ainda mais transparente e perceptível o douto Acórdão que indeferiu a providência de habeas corpus.”.

3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal pugnou pelo indeferimento da arguida nulidade, emitindo parecer nos seguintes termos:


A.


Desde logo, que tudo o que foi alegado no requerimento de 12.02.2024 (Referência ......20) poderia nem ter merecido qualquer apreciação por parte do coletivo, por constituir matéria ‘nova’ face ao pedido inicial efetuado e que delimitou, por isso, o objeto da providência.


Na verdade, o pedido de Habeas Corpus fundou-se numa circunstância (ter sido produzida a leitura da decisão quando, no entender do requerente, isso não dever ter sucedido dada a pendência de pedido de recusa de todos os membros do coletivo) e o requerimento posterior já teve outro fundamento (o de essa leitura não se ter validamente verificado).


Ora, o alargamento do pedido nestes termos parece-nos, desde logo, de muita duvidosa legitimidade, até porque, quando foi efetuado, já havia sido prestada a informação da Senhora Juiz titular dos autos, nos termos do disposto no artº 223º, nº 1, do CPP, nada justificando, nem permitindo – atenta a sua natureza urgente – que o processo voltasse à fase anterior para cumprir aquele dispositivo face à nova alegação.


Donde entendermos irrelevante vir agora o requerente invocar o que alega ‘parecer-lhe’ ser omissão de pronúncia ou obscuridade na decisão.


B.


De qualquer forma, até porque o Douto Coletivo deste STJ acabou por apreciar o referido no requerimento subsequente ao pedido de Habeas Corpus (o que efetuou a bem de uma decisão.


correta, pois que não permitiria o prosseguimento de uma prisão ilegal), não podemos deixar de referir o seguinte:


B.1. Existir má fé por parte do requerente quando alega que a leitura do acórdão de 1ª instância não foi levada a cabo, pois que:


a)


Desde logo, aquando da formulação do pedido de habeas corpus, já a leitura havia ocorrido, assim sendo referido pelo requerente naquele pedido (no ponto 8º do pedido, quando ali consta «[…] o que nos insurgimos é contra o facto de o Tribunal recusado, sem que estivesse decidido definitivamente o recurso[…] tenha decidido dar resposta a […], bem como à própria leitura do doutro acórdão condenatório […]», apenas mais tarde se ‘lembrando’ de invocar que não havia sido efetuada de forma regular; (sublinhado nosso)


b)


Leitura que efetivamente ocorreu, pois que, conforme consta na ata de audiência: «Durante a leitura do Acórdão, pedida a palavra ao Ilustre Mandatário do arguido, pelo mesmo foi dito que não obstante o arguido compreenda a decisão que lhe está a ser explicada e comunicada, não prescinde da sua leitura integral e requer que seja notificado do Acórdão com tradução, a fim de tomar conhecimento integral do mesmo.» (sublinhado nosso); Ou seja, no momento compreendeu a decisão, que refere estar, não só a ser lida, mas até explicada e, depois, em requerimento posterior, alega que não existiu leitura.


c)


Mesmo a gravação que juntou reforça o entendimento de que agiu com má fé, pois que da mesma é percetível que foi interrompida quando a Senhora juiz iniciou a frase «No essencial…», momento em que a gravação foi desligada, por nada na lei exigir que a leitura das sentenças/acórdãos seja gravada (artº 364º, nº 2, do CPP, a contrario), prosseguindo depois disso a diligência com a súmula do acórdão.


B2. Não restar qualquer dúvida ou obscuridade de que a decisão deste STJ em sede do processo de Habeas Corpus claramente tomou a leitura da decisão de 1ª instância como válida, afastando a necessidade de, especificamente, analisar todos os argumentos ‘novos’ trazidos no requerimento posterior ao requerimento de Habeas Corpus:


Com efeito:


a)


Logo no ponto 2 do acórdão é referido o seguinte: «Previamente, tal como o próprio requerente reconhece, há que sumariamente referir que o requerimento entrado no dia 12/02/2024, Ref.ª Cítius n.º ....49, respeita a matéria que não contende com a alegada questão do excesso da prisão preventiva que motivou a presente providência de Habeas Corpus, antes respeitando a eventual impugnação por via do recurso ordinário do acórdão condenatório.»


b)


Ou seja, logo ali se reconduziu para outra via, que não a do HC, as questões que o requerente pretendesse levantar acerca da forma como havia decorrido a leitura da decisão.


c)


E, lida a decisão, não restam igualmente dúvidas quanto a ter-se entendido pela existência de uma efetiva leitura de acórdão para os efeitos aqui relevantes: o alargamento do prazo de prisão preventiva e, como tal, o obter-se a conclusão de que não se mostra excedido o prazo tal medida de coação.


d)


E tanto assim é que na decisão até se abordaram as questões que o requerente havia levantado quanto ao momento da aposição das assinaturas e no depósito do acórdão condenatório.


e)


Nenhuma obscuridade se verificou, muito menos omissão de pronúncia: a decisão proferida nos autos entendeu a leitura do acórdão de 1ª instância como verificada, nunca como inexistente («O regime fixado no CPP no tocante à apreciação das deficiências dos actos processuais e sua classificação de acordo com a gravidade dessas deficiências está sujeito ao princípio da legalidade com as exigências de fundamento e critério que lhe estão associadas. E nesse regime não está prevista a sanção da inexistência.» - Acórdão do STJ de 14.12.2016, no processo 82/16.3YFLSB.S1 – Relator – Nuno Gomes da Silva).


-- Assim sendo, entende o Ministério Público que inexiste qualquer obscuridade ou nulidade, como ‘pareceu’ ao requerente, devendo ser indeferido o pedido.”.

4. Dispensados os vistos, cumpre decidir se ocorre a arguida nulidade da sentença.

II. FUNDAMENTO

1. A arguição é manifestamente improcedente.


A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, conforme art.º 379.º, n. º1, al) c), do CPP, isto é, suscitadas ou de conhecimento oficioso e não estejam prejudicadas pela solução dada a outras.


Ora, como salienta o Digno Magistrado do Ministério Público, o acórdão acaba “(…)por apreciar o referido no requerimento subsequente ao pedido de Habeas Corpus (o que efetuou a bem de uma decisão correta, pois que não permitiria o prosseguimento de uma prisão ilegal)…” e “(…) que inexiste qualquer obscuridade ou nulidade, como ‘pareceu’ ao requerente, devendo ser indeferido o pedido.”, nele se tendo enunciado de modo claro e suficiente as razões pelas quais o tribunal entendeu e fundamentou as razões para a decisão proferida.


Com efeito, sobre a designada omissão de pronúncia invocada nos termos do requerimento de reclamação e relativamente às junção da gravação da sessão de julgamento em que se procedeu à leitura da sentença, do acórdão sob censura resulta lapidarmente e claramente a irrelevância dos argumentos do reclamante que, devidamente ponderados, nada de novo acrescentaram ao já decidido e explicitado no ponto 3., do relatório do acórdão onde se consignou que “(…) o próprio reconhece que(…) oportunamente e na instância própria, dependendo da decisão sobre o habeas corpus aqui em causa, logo decidiremos suscitar uma verdadeira leitura de acórdão ainda que por súmula, ou um novo Acórdão sem as apontadas omissões e “lapsos”.” – sublinhado nosso.


Por isso, se o próprio reclamante reconhece que apenas junta a gravação para conhecimento, pois pretende, mais tarde e em instância própria, suscitar as diligências que entende necessárias, a este Supremo Tribunal apenas compete registar essa intenção, como o fez. Acresce que no seu requerimento de habeas o ora reclamante considerou que a leitura da sentença ou do Acórdão não se enquadrava no “(…) conceito de acto urgente ou decisão inadiável ou de mera continuidade da audiência para efeitos do incidente de recusa, tal como previsto no artigo 45.º n.º 2 do CPP” – conforme pontos 2 a 7, do seu requerimento inicial de providência de habeas.


Importa sobretudo sublinhar que o reclamante bem sabe que a sua argumentação é redundante, pois, apresentou circunstâncias que extravasavam o objecto do seu requerimento de habeas, que, mesmo assim, foram objecto de apreciação, como resulta da fundamentação de direito do acórdão, do qual ora se argui a nulidade por omissão de pronúncia.


Efectivamente, para a eventualidade de tal não ter sido devidamente entendido dada a manifesta confusão em que se encontra o requerente sobre os conceitos de nulidade por omissão de pronúncia e de prisão ilegal para efeitos da providência de Habeas Corpus, tal como exigido nos termos do art.º 222.º, do CPP, transcreve-se o que se referiu, sobre este tema, naquele aresto:


2. Previamente, tal como o próprio requerente reconhece, há que sumariamente referir que o requerimento entrado no dia 12/02/2024, Ref.ª Cítius n.º 201849, respeita a matéria que não contende com a alegada questão do excesso da prisão preventiva que motivou a presente providência de Habeas Corpus, antes respeitando a eventual impugnação por via do recurso ordinário do acórdão condenatório. Por isso que, sem necessidade de maior desenvolvimento, consigna-se que a junção da referida gravação fica registada nos presentes autos.”.


E, mais adiante, disse-se: “E, por requerimento de 12/02/2024, Ref.ª ....49, o arguido acrescentou ao seu pedido de providência duas outras razões para o seu deferimento e que se prendem com o facto de, em seu entendimento, o acórdão não ter sido depositado no dia 07/02/2024 e, ainda, pela questão das horas e data das assinaturas do acórdão. Acresce dizer que o próprio arguido assume nesse seu requerimento que não houve oposição de ninguém (incluindo ele próprio) à leitura por súmula – pontos 1, 3 e 6 do requerimento em causa.


3. Importa, portanto, que se comece por relembrar o essencial da situação factual e das ocorrências processuais que caracterizam o caso do ora requerente, para confrontá-lo com a previsão da al. c), do n.º 2, do art.º 222.º, do CPP, única base de alegação do arguido para a presente providência., sendo certo que, se julgou manifestamente destituído de fundamento o argumento de que enquanto pender o incidente de recusa de juiz, o Tribunal recusado apenas pode praticar actos urgentes e se julgou que “(…) a sua prisão nada tem de ilegal, no sentido que corresponde examinar no âmbito da presente providência, tendo havido condenação em 1.ª instância, no prazo legal definido nos termos do art.º 215.º, n.º 1, als. c), n.º 2, als. d) e e) e n.ºs 3 e 4 do CPP.


Efectivamente, no momento da comunicação do acórdão condenatório – dia 07/02/2024, pelas 12.27 horas –, ainda se verificava a actualidade da situação de prisão do arguido, pelo que não se mostra a ilegalidade da prisão proveniente de se manter para além dos prazos fixados pela lei – conforme se exige no art.º 222.º, n.º 2, al. c), do CPP e assim se verificar fundamento para o decretamento da providência de habeas corpus.


E, no momento da apresentação do pedido do habeas corpus o arguido e o seu defensor já haviam tomado conhecimento do teor da decisão condenatória. Com efeito, recorde-se que a petição inicial deu entrada no sistema Cítius às 23:44:50 horas, tal como resulta do documento de remessa do pedido, com a Ref.ª ....21”, assim se concluindo que “(…) não se verifica que a situação actual de prisão do arguido e requerente se tenha por ilegal, não se verificando qualquer fundamento para o deferimento do presente pedido de habeas corpus.


Não procedendo o fundamento invocado de excesso de duração de prisão preventiva, nem, aliás, se indiciando qualquer dos outros fundamentos referidos no n.º 2, do art.º 222.º, do CPP, o pedido tem de ser indeferido por falta de fundamento bastante – conforme art.º 223.º, n.º 4, al. a), do CPP. ” – sublinhados nossos.


Ou seja, nada se ignorou quanto às invocadas teses do requerente, pelo que, proferida que seja a sentença fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, não sendo a apreciação do requerimento em que se arguem nulidades momento idóneo para o tribunal da causa conhecer de quaisquer outras questões.


Termos em que, se indefere a arguida nulidade do acórdão de 15/02/2024.

II. DECISÃO


Termos em que acordam os Juízes da 5.ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

a. Indeferir o requerido;

b. Condenar o Requerente em custas pelo incidente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.


Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024 (processado e revisto pelo relator)


Leonor Furtado (Relator)


Albertina Pereira (Adjunta)


Heitor Vasques Osório (Adjunto)