Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B4112
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
REPRODUÇÃO DE DOCUMENTO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DOCUMENTO PARTICULAR
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRATO-PROMESSA
CONTRATO PROMETIDO
PREÇO
PAGAMENTO ANTECIPADO
Nº do Documento: SJ200612190041127
Data do Acordão: 12/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Bem que comum, constitui técnica deficiente dar por reproduzido o teor de documentos em vez de expressa e concretamente dizer o que, no relevante, deles consta, pois se confundem por esse modo os factos a que se referem os arts.511º, nº1º, e 659º, nº2º, CPC, com meios de prova, destinados, - essa a sua função, conforme art. 341º C.Civ. -, à demonstração da realidade dos factos.

II - Como se vê dos arts.722º, nº2º, e 729º, nºs 1º e 2º, a censura por este Tribunal de eventual erro na apreciação das provas está limitada à matéria sujeita a prova vinculada ou ao caso de desconsideração do valor legal das provas, estando-lhe vedado intervir onde prevaleça o princípio da livre apreciação da prova estabelecido no art.655º, nº1º, todos do CPC.

III - A força ou eficácia probatória plena dos documentos particulares está limitada à materialidade das declarações neles contidas, podendo o interessado provar a inexactidão dessas declarações.

IV - Em relação à deficiência da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto face ao disposto no art.653º, nº2º, vale o disposto nos arts.712º, nºs 5º e 6º, todos do CPC.

V - A al.b) do nº1º do art.668º CPC só se aplica ao caso de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito da decisão.

VI - Bem que conteúdo essencial do contrato-promessa, consoante art.410º, nº1º, a promessa de contratar que gera a obrigação de celebrar o contrato prometido, nada obsta à inclusão num tal contrato, ao abrigo do princípio da liberdade contratual estabelecido no art.405º, nº1º, também do C.Civ., de cláusula, aliás frequente na prática, relativa ao tempo e modo do pagamento do preço nele estipulado para o contrato definitivo, nada, nomeadamente, impedindo as partes de condicionar a celebração deste último ao pagamento prévio, mesmo total, do preço correspondente. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


Fundando-a em dois cheques datados de 6/5/99, no montante respectivo de 3.000.000$00 e de 2. 000.000$00, sacados pelo executado sobre conta de que é titular, e que, apresentados a pagamento, foram devolvidos com a indicação " revogado/extravio " AA moveu, nesse mesmo ano, a BB e marido CC execução ordinária para pagamento de quantia certa, que foi distribuída ao 1º Juízo Cível da comarca de Vila Nova de Famalicão.

Em 27/3/2000, estes executados deduziram, por apenso, oposição, por meio de embargos.

Excepcionando a ilegitimidade passiva da executada embargante (1), alegaram, em suma, que os cheques dados à execução, porque de garantia do pagamento de trespasse prometido, tinham sido preenchidos abusivamente pela embargada, pois só poderiam sê-lo na data da escritura desse contrato, e, que, só então podendo ser cobrados, não podiam ser apresentados a pagamento, não constituindo, por isso, título executivo, bem assim não correspondendo a qualquer relação jurídica entre as partes, porquanto a embargada se tem recusado a outorgar a escritura pública. Finalmente, o próprio negócio subjacente se revelaria eivado de abuso de direito, visto a embargada ter montado na mesma localidade estabelecimento comercial congénere, visando esvaziar de clientela o estabelecimento que prometera trespassar à embargante.

Na contestação, foi igualmente excepcionada a ilegitimidade da embargante, com fundamento no indeferimento liminar da execução no que lhe diz respeito, por decisão com trânsito em julgado. Deduzindo, bem assim, defesa por impugnação, a embargada requereu, a final, a condenação dos embargantes como litigantes de má-fé, no pagamento de indemnização dos gastos processuais e com honorários de mandatário, no montante de 300.000$00.

Houve ainda resposta ( abusiva (2) dos embargantes ao que qualificaram como excepções deduzidas na contestação, em que, bem assim, impugnaram os documentos juntos com a mesma.

Foram deduzidos entretanto novos embargos de executado, relativos a dois novos cheques dados à execução (em cumulação ), tendo sido ordenado por despacho transitado em julgado que a tramitação dos mesmos fosse conjunta com a destes, neste apenso.

Frustrada tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador que declarou a embargante parte ilegítima.

Então também indicados os factos assentes e fixada a base instrutória, veio, após julgamento,a ser proferida, em 4/2/2005, sentença que julgou improcedentes estes embargos de executado e condenou o embargante, como litigante de má-fé, na multa de 5 UC e em indemnização depois fixada em € 1.100.

Por acórdão de 18/5/2006, com 27 páginas, a Relação do Porto julgou improcedente o recurso de apelação que o embargante interpôs dessa sentença, que confirmou.

É dessa decisão que, litigando o recorrente com benefício de apoio judiciário no respeitante a custas, vem, agora, pedida revista.

Em fecho da alegação respectiva, deduz, em termos úteis, as conclusões que seguem (3) :

2ª e 3ª - Ao não atender à existência e conteúdo do contrato-promessa de trespasse de 25/3/96, o Tribunal a quo violou as regras de apreciação da prova e da força probatória dos documentos, tendo, além do mais, em conta que a celebração desse contrato está assente na alínea L da matéria assente e a autoria do mesmo reconhecida.

4ª e 5ª - Verifica-se, pois, violação do disposto no nº2º do art.653º, o que determina a nulidade da decisão nos termos da al.b) do nº1º do art.668º e do art.666º, nº3º, todos do CPC, que se argue para os legais efeitos.

6ª, 7ª, e 8ª - A obrigação de pagamento das quantias tituladas pelos cheques dados à execução não pode de forma alguma resultar de qualquer dos contratos celebrados, pois o contrato-promessa tem natureza obrigacional, gerando apenas a obrigação, assumida pelas partes, de emitirem uma declaração negocial, e como tal, a ser como alegado pela embargada, assiste razão ao embargante quando afirma inexistir relação jurídica subjacente à emissão desses cheques.

9ª e 10ª - Essa inexistência podia e devia ter sido apreciada e decidida pelo Tribunal a quo, como facto extintivo do direito invocado pela embargada, o que não sucedeu e consubstancia omissão de pronúncia, que aqui se invoca para todos os efeitos legais.

11ª, 12ª e 13ª - Da matéria de facto constante das alíneas p) e r) da matéria provada ( adiante ( o ) e ( p ) ) e das declarações da embargada em sede de audiência de julgamento resulta que terá ocorrido um trespasse de facto, a ser assim, nulo por violação do disposto nos arts.220º C.Civ., 115º, nº2º, RAU e 80º, nº2º, al.m), C.Not., na redacção anterior à entrada em vigor do DL 64-A/2000, de 22/4, aplicáveis ao caso sub judice, sendo, pois, nula a obrigação subjacente à emissão dos cheques dados à execução.

14ª - Sendo assim, a invalidade do negócio jurídico subjacente inquina de invalidade os títulos que o pretendem representar - no caso, os cheques dados à execução.

15ª e 16ª - Os títulos dados à execução deixam, pois, de ser exequíveis, face à nulidade da obrigação fundamental e cartular, não podendo valer como títulos executivos, nos termos da al.c) do art. 46º CPC - o que determina e devia ter determinado a procedência dos embargos e a impossibilidade do prosseguimento da acção executiva, com a sua extinção e demais consequências.

17ª e 18ª - Essa nulidade podia e devia ter sido apreciada pelo Tribunal a quo, tanto mais que essa matéria ( que, no caso, assume particular relevância ) é do conhecimento oficioso do Tribunal - cfr. arts.286º C.Civ. e 660º, nº2º, e 664º CPC - omissão de pronúncia que aqui se invoca para os devidos efeitos legais e que consubstancia nulidade da sentença recorrida, nos termos da al.d) do nº1º do art.668º CPC.

19ª e 20ª - De todo o exposto, e dos próprios autos, verifica-se que o embargante não litiga de má fé, antes se verificando que defende um direito que lhe assiste.

21ª - E é no meio de diferentes pretensões que, convicto de que tem razão, faz alinhar os seus argumentos e expõe ao Tribunal a realidade por si conhecida e tal como foi por si compreendida.

22ª - O acórdão recorrido violou o disposto nos arts.217º, 220º, 236º, nº1º, 239º, 286º, 361º, 364º, nº1º, 376º, 393º, nºs 1º e 2º, 394º, nº1º, e 410º, nº2º, C.Civ., 115º, nº2º, RAU e 80º, nº2º, al.m), C. Not., na redacção anterior à entrada em vigor do DL 64-A/2000, de 22/4, e 46º, al.c), 456º, nº2º, 515º, 653º, nº2º, 655º, nº2º, 660º, nº2º, 663º, nº3º, 664º, e 668º, nº1º, als.b) e d), CPC.

Não houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue (indicam-se entre parênteses as alíneas e quesitos correspondentes ) :

( a ) - O embargante assinou o cheque nº 217.028966 sacado sobre o BPSM, agência de Guimarães, conta nº 0060/08/072443.0, no montante de 2.000.000$00, à ordem de AA, com data de 6/5/99, apresentado a pagamento de devolvido em 10/5/99, constando do verso, como motivo "revogado/extravio" ( A ).

( b ) - Assinou ainda outro cheque, também a fls.3 dos autos, com o nº 158.0537085, com a mesma data, à ordem da mesma pessoa e sacado sobre a mesma conta, no valor de 3.000.000$00, apresentado a pagamento e devolvido em 10/05/99, pelo mesmo motivo ( B ).

( c ) - A fls. 108 está junto um cheque com o nº 219.0289665, do mesmo Banco e conta, assinado pelo embargante à ordem da embargada, no montante de 3.000.000$00, com data de 8/3/2001, apresentado a pagamento em 15/3/2001 e devolvido pelo motivo de "extravio" ( C ).

( d ) - Está igualmente junto o cheque nº 215.0289667, sacado sobre a mesma conta, assinado pelo embargante, à ordem da embargada, no valor de 1.500.000$00, com a mesma data - 8/3/2001 - do imediatamente acima mencionado, devolvido em 15/3/2001 pelo motivo " chq. rev.- f.c extravio"( D ).

( e ) - Os cheques dos autos foram entregues pelo embargante a DD e AA por virtude de um contrato-promessa de trespasse que celebraram, em que estes eram trespassantes e a mulher do embargante trespassária (E ).

( f ) - Dá-se aqui por reproduzido o teor do contrato-promessa ( com data de 1/3/96 ) junto a fls.15 ( F ).

( g ) - Dá-se aqui por reproduzido o teor do documento intitulado contrato de arrendamento a fls. 19 e 20 ( G ).

( h ) - Dá-se aqui por reproduzido o teor do doc. junto a fls. 22 e 23 (contrato de arrendamento celebrado pelo embargante em 1/3/96 ) (H) .

( i ) - Os promitentes trespassários, aquando da outorga do contrato promessa de trespasse, celebraram eles próprios, com os proprietários do predito imóvel, um contrato de arrendamento que os senhorios apresentaram na repartição de finanças competente, vigorando ainda à presente data, segundo o qual a renda mensal a pagar pelo ora embargante e mulher aos senhorios seria de 50.000$ 00, quando a renda a que se reporta o contrato da embargada com estes era de cerca de 40.000$00 ( I e J ).

( j ) - Tal assim porque entre a embargada e marido, por um lado, na qualidade de promitentes- trespassantes, e a mulher do embargante, por outro lado, na qualidade de promitente-trespassária, foi celebrado, em 25/3/96, um contrato-promessa de trespasse ( como assinalado no acórdão recorrido, idêntico ao junto a fls.15, com data de 1/3/96, referido em ( f ), supra, exceptuada a data -25/3/96 -, o preço do trespasse, o montante recebido, e o prazo e forma de pagamento do remanescente ) ( L ).

( l ) - Esse contrato-promessa teve por objecto um estabelecimento de restaurante e casa de pasto, denominado O Vilamende, instalado no rés-do-chão do prédio urbano sito no lugar de Vila Mende, da freguesia de Vermoim, do concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz predial urbana respectiva ( M ).

( m ) - Por decisão proferida em 25/3/99 foi ordenado o despejo imediato do r/c do prédio em que era explorado o estabelecimento de café restaurante Vilamende. O Autor nesse processo era EE, sendo Réus DD e mulher ( 5º).

( n ) - A embargada e marido passaram a explorar um café que já anteriormente existia na mesma zona residencial e localidade ( 6º).

( o ) - Os cheques dados à execução foram emitidos pelo embargante, juntamente com outros que se encontram na posse da embargada, no acto de celebração do predito contrato-promessa de trespasse, para pagamento da parte restante do preço acordado ( 8º).

( p ) - Os mesmos foram integralmente subscritos pelo embargante, nomeadamente no que concerne à sua assinatura, montantes ( extenso e numerário ), local de emissão, e identificação do portador, não para garantia, mas para pagamento da parte restante do preço do trespasse (9º e 10º).

( q ) - Tal como consta do contrato-promessa de trespasse, junto ( a fls.15 ) com a contestação como documento nº 1, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o preço acordado foi de 19.500.000$00, dos quais 10.000.000$00 foram pagos no acto da outorga do contrato-promessa referido, sendo os restantes 9.500.000$00 a pagar mediante cheques que, no acto, o embargante e mulher entregaram à embargada, de entre eles os ora dados à execução (11º e 12º).

( r ) - Antes da apresentação dos cheques a pagamento na instituição sacada, a embargada enviou à mulher do embargante a carta de que há cópia a fls.16 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, e que foi recebida na morada para onde foi enviada ( 15º e 16º).

( s ) - Até à data da entrada em juízo da contestação destes embargos, nunca o embargante procedeu à marcação da escritura, nem comunicou à embargada a intenção de o fazer (17º).

( t ) - Desde que entrou na posse do estabelecimento comercial referido, e pelo menos durante os primeiros meses, o embargante procedeu ao pagamento da renda directamente aos senhorios, e segundo a renda estipulada no contrato entre eles celebrado, ou seja, pelo montante de 50.000$00 (18º).

( u ) - O estabelecimento a que o embargante se reporta já existia ao tempo da celebração do contrato, tendo-o a embargada adquirido por trespasse ( 20º).

(v) - Contrariamente ao estabelecimento comercial actualmente explorado pela embargada, ou seja, de café, o estabelecimento comercial prometido trespassar aos embargantes tem por objecto a restauração e casa de pasto (21º).

Salienta-se ter-se incorrido, como vem de ver-se, repetidamente, nestes autos na pecha, aliás comum, de dar por reproduzido o teor de documentos em vez de expressa e concretamente dizer o que, no relevante, deles consta.

Confundem-se assim os factos a que se referem os arts.511º, nº1º, e 659º, nº2º, CPC, com meios de prova, destinados, - essa a sua função, conforme art. 341º C.Civ. -, à demonstração da realidade dos factos.

Vem-se, sem êxito aparente, repetindo constituir, tanto na lição da doutrina, como na da jurisprudência dos tribunais superiores, técnica deficiente a simples remissão para o teor de documentos, dados por reproduzidos, em vez de clara e resumidamente se registar o que deles utilmente se colhe em termos de efectivo apuramento da matéria de facto relevante para a resolução da causa (4) .

O acórdão recorrido menciona ainda a declaração a fls.155, datada de 25/1/96, e assinada pela embargada, que nela declara ter recebido da mulher do embargante a quantia de 3.000.000$00, correspondente a uma entrega por conta do (preço do ) trespasse.

São do CPC todas as disposições referidas ao diante sem outra indicação.

Foram, nomeadamente, negativas as respostas dadas aos quatro primeiros quesitos e afirmativas as dadas aos quesitos 8º, 10º, 11º, 12º, e 17º, transcritas em ( o ), ( p ), ( q ), e ( s), supra.

Julgados estes embargos, na 1ª instância, improcedentes por não provados os fundamentos adiantados na petição respectiva, o recurso de apelação interposto dessa decisão soçobrou também.

Delimitado o âmbito ou objecto desse recurso, consoante arts.684º, nºs 2º a 4º, e 690º, nºs 1º e 3º, pelas conclusões da alegação do apelante, ora igualmente recorrente, tinha, antes de mais, por finalidade a alteração da decisão sobre a matéria de facto - cfr. 10 primeiras das 20 conclusões da alegação então oferecida.

Nessa sede, a intervenção deste Tribunal está cerceada pelo disposto no nº2 do art.722º, para que remete o nº2º do art.729º, e em que se contem previsão sem cabimento no caso dos autos.

Com efeito, como resulta claro dos arts.722º, nº2º, e 729º, nºs 1º e 2º, a censura por este Tribunal de eventual erro na apreciação das provas está limitada à matéria sujeita a prova vinculada ou ao caso de desconsideração do valor legal das provas, estando-lhe vedado intervir onde prevaleça o princípio da livre apreciação da prova estabelecido no art.655º, nº1º.

A essa luz, a conclusão 1ª da alegação do recorrente, atrás transcrita, revela-se, de imediato, improcedente.

Com efeito, como observado no acórdão recorrido (respectivas pp.11 (último par.) e 12, a fls.62 e 263 dos autos ), não pode atribuir-se força probatória plena aos documentos particulares que o ora recorrente invoca.

Em relação a essa espécie de documentos vale, na realidade, o disposto nos arts.363º, nºs 2º e 3º, 374º, nº1º, e 376º, nºs 1º e 2º, C.Civ., cuja previsão se manifesta sem cabimento em relação a esses documentos (5).

De resto, como outrossim assinalado naquele acórdão, a força ou eficácia probatória plena desses documentos está limitada à materialidade das declarações neles contidas, podendo o interessado provar a inexactidão dessas declarações (6).

Mais arguida na apelação - na conclusão 11ª da alegação do então apelante, com referência na 14ª ao art.653º, nº2º - deficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, recordar-se-á, agora, com referência à conclusão 2ª da alegação oferecida neste recurso de revista, caber a esse respeito o disposto nos arts.712º, nºs 5º e 6º.

Aliás pacífico ser a al.b) do nº1º do art.668º aplicável apenas ao caso de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito da decisão (7)
, nada tem que ver com a previsão do predito art.653º, nº2º, sendo óbvia e inteiramente despropositada a sua invocação nesse âmbito e com referência ao art.666º, nº3º, conforme conclusões 4ª e 5ª atrás transcritas ( idênticas às 14ª e 15ª da alegação oferecida na apelação ).

Bem que conteúdo essencial do contrato-promessa (de contratar - pactum de contrahendo, também, sem rigor, dito contrato preliminar ou pré-contrato), consoante art.410º, nº1º, a promessa de contratar que gera a obrigação de celebrar o contrato prometido, decorre claro do princípio da liberdade contratual estabelecido no art.405º, nº1º, também do C.Civ., nada obstar à inclusão num contrato-promessa de cláusula, aliás frequente na prática, relativa ao tempo e modo do pagamento do preço estipulado nesse mesmo contrato em relação ao contrato definitivo.

Nada impedindo as partes de condicionar a celebração deste último ao pagamento prévio - mesmo total - do preço correspondente, é essa, conforme ( q ), supra, a relação jurídica válida subjacente à emissão dos cheques dados à execução.

À validade da antecipação dos efeitos do contrato prometido refere-se, aliás, bem que a outro propósito, o acórdão recorrido ( respectivas pp. 23 e 24, a fls.274 e 275 dos autos ).

Como bem assim então feito notar, não confundíveis questões com os argumentos adiantados pelas partes em defesa do seu ponto de vista, de nenhum modo se vê que esse acórdão efectivamente enferme da nulidade - omissão de pronúncia prevenida no art.668º, nº1º, al.d) - que o recorrente lhe assaca.

Improcedem, por conseguinte, igualmente as conclusões 6ª a 8 ª (idênticas às 16ª a 19ª da alegação oferecida na apelação ) ; e também na 9ª e 10ª ( como na apelação na 20ª ) se confunde, afinal, a nulidade - formal - da decisão prevenida a al.d) do nº1º do art.668º, que é a omissão de pronúncia, com o substancial erro de julgamento afinal arguido, que consiste na não consideração de " facto extintivo do direito invocado pela embargada ".

As conclusões 11ª a 17ª agora oferecidas correspondem às 21ª ss da alegação apresentada na apelação, constatando-se ocorrer ainda na 18ª ( 28ª no recurso anterior ) a já notada confusão entre nulidade ( formal ) da decisão e ( substancial ) erro de julgamento - que, uma e outro, não se verificam.

Com efeito, como deixado claro no acórdão recorrido (8), não é o facto de o embargante ter estado, durante alguns meses, na posse do estabelecimento ( cfr. ( t ), supra ) que desqualifica o contrato-promessa, não tornado, sem mais, definitivo pela simples antecipação dos efeitos do contrato prometido ( como, aliás, na prática, comum nos contratos-promessa ; cfr., a propósito, art.440º C. Civ.).

De resto, do último par. da pág.10 e dos dois primeiros da pág.11 da alegação do recorrente, a fls.291 e vº dos autos, resulta manifesto ter esquecido ser na 2ª instância que se arguem as nulidades da decisão da 1ª, sendo, afinal, a esta última que se imputa omissão de pronúncia neste âmbito - não assacável, como vem de ver-se, ao acórdão em recurso.

Foram as falsidades apontadas pelas instâncias, - violação clara do dever de verdade antes expressamente imposto pelo art.264º, nº2º, CPC, na versão anterior à reforma de 1995/95, mas necessariamente incluído na boa fé que o art.266º-A actualmente prescreve -, que justificaram a aplicação de sanção por litigância de má fé - insusceptível da censura pretendida nas conclusões 18ª ss da alegação analisada.

Na sequência, e em consequência, do exposto, chega-se à decisão que segue :

Nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2006
Oliveira Barros, relator
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) Óbvia, visto não ter subscrito os títulos de crédito ajuizados.

(2) Cfr. art.817º, nº2º, CPC, inciso " sem mais articulados ".
(3) A inutilidade da 1ª é manifesta. Reza, com efeito, assim : " O douto acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou as normas legais vigentes ( lei processual e lei civil ) ". Assim prejudicada a síntese imposta pelo art.690º, nº1º, CPC, as conclusões eram, na apelação, 37. São agora 20.
(4) V. Antunes Varela e outros, "Manual de Processo Civil ", 2ª ed., 401, nota 2, Acs.STJ de 1/2/95, CJSTJ, III, 1º, 264, de 18/1/96, BMJ 453/444 (v. 453), e de 22/4/97, CJSTJ, V, 2º, 60, de par com os mais referidos em ARP de 11/11/99, CJ, XXIV, 5º, 188, nota 1.
(5) Recordar-se-á terem os embargos sido indeferidos liminarmente em relação à embargante. Designadamente, o nº2º do art.376º, nº 2º, C.Civ. deixa claro que a eficácia probatória que confere aos documentos particulares não pode ser invocada por ou contra terceiros, sendo de livre apreciação pelo tribunal os documentos particulares não impugnados da autoria destes - v. acórdãos deste Tribunal de 21/4/2005 nos Proc. nºs 492/05-2ª e 522/05-2ª, com sumário no nº90 dos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, pp.65, 1ª col.-I e 72, 1ª col.-II. Este último remete para ARP de 29/11/88, CJ, XIII, 5º, 197-II, 198-2. e 199-3., e refere ainda, pelos mais aí citados, ARP de 20/1/2000, CJ, XXV, 1º, 198, nota 19.

(6) Cita a propósito Ac.STJ de 3/5/77, BMJ 267/125, ARL de 26/2/86, CJ, XI, 1º, 148, e ARC de 5/9/94, BMJ 439/660.

(7) V. Alberto dos Reis, " Anotado ", V, 140, Rodrigues Bastos, " Notas ao CPC ", III, 193, Anselmo de Castro, " Direito Processual Civil Declaratório ", III, 141, Antunes Varela e outros, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., 687, e, v.g., Ac.STJ de 14/4/99, BMJ 486/250-10.
(8) Que cita a esse respeito Ac.STJ de 13/7/2004, no Proc.nº 4000/03-2ª, de que é possível consulta na competenrte base de dados ( weww.dgsi.pt ).