Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
29/10.0YFLSB.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
CASO JULGADO
HABEAS CORPUS
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: FIGUEIREDO DIAS, DIREITO PENAL PORTUGUÊS – AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME, EDITORIAL DE NOTÍCIAS, P. 702;
Jurisprudência Nacional: ACS. STJ PROCS. N.ºS 2868/08 - 3.ª E 2558/08 - 3.ª, ACS. STJ DE 16-12-2003 E DE 26-01-2006, PROFERIDOS RESPECTIVAMENTE NOS PROCS. N.ºS 4397/03 - 5.ª E 282/06 - 5.ª, AC. STJ PROFERIDO NO PROC. N.º 2868/08 - 3.ª.
Sumário :
I - A petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP, confrontando-se com situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, quer por incompetência da entidade que ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou não tendo sido invocado fundamento algum, quer ainda por estarem excedidos os prazos legais da sua duração, havendo, por isso, urgência na reposição da legalidade.
II - A prescrição da pena é um pressuposto negativo da punição, que, tal como a prescrição do procedimento criminal, tem natureza substantiva e processual, predominando hoje a teoria jurídico-material da prescrição.
III - A natureza substantiva, que muitos autores pretendem dominante ou mesmo exclusiva, advém-lhe de razões ligadas às finalidades da punição. Com o decurso do tempo sobre o trânsito em julgado da sentença condenatória sem que o condenado tenha iniciado o cumprimento da pena imposta, esbate-se a necessidade comunitária da sua execução e, ao mesmo tempo, a exigência de socialização do condenado perde também a sua razão de ser, a ponto de poder tornar-se completamente desajustada, se o condenado a tivesse que cumprir muito tempo depois da condenação.
IV - A natureza processual, por seu turno, liga-se a razões que têm a ver com o próprio processo, também neste caso, pois a prescrição obsta a que a pena seja executada, não obstante basear-se numa decisão transitada em julgado. Neste sentido, é um pressuposto negativo de carácter processual, ou como diz Figueiredo Dias, obstáculo de realização (execução) processual.
V - Tendo a prescrição natureza substantiva e processual, é de entender que as respectivas normas constituem leis processuais materiais, o que implica, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição ao princípio da lei mais favorável (cf. Acs. do STJ proferidos nos Procs. n.ºs 2868/08 - 3.ª e 2558/08 - 3.ª, este último relativo a processo de habeas corpus).
VI - É de reconhecer fundamento à providência de habeas corpus, por ser patentemente ilegal a prisão do requerente (cf. art. 222.º, n.º 2, al. b), do CPP), no caso em que esta foi ordenada judicialmente, mas em que é claro o erro de direito em que incorreu, abrangendo na suspensão da prescrição da pena períodos de tempo que legalmente não podiam ser computados como tal e não equacionando o regime mais favorável ao requerente.
VII - Se é certo que o habeas corpus não se perfila como um recurso e, portanto, como meio de impugnação de uma decisão judicial, também é verdade que, sendo ostensiva a ilegalidade da prisão por força de um erro manifesto na aplicação do direito, esta providência é o meio adequado para pôr termo a essa ilegalidade − cf. Acs. do STJ de 16-12-2003 e de 26-01-2006, proferidos respectivamente nos Procs. n.ºs 4397/03 - 5.ª e 282/06 - 5.ª.
VIII - Acresce que a ter havido caso julgado da decisão que, por último, se pronunciou sobre a prescrição da pena, tal caso julgado, formal, tem efeito vinculativo intraprocessual, mas não os efeitos próprios do caso julgado material, que decide em substância da relação controvertida, impondo-se dentro e fora do processo e pondo fim à causa, pela solução do litígio. A prescrição da pena tem uma natureza marcadamente material e substantiva, pelo que “não pode, na dimensão substantiva, estar coberta por qualquer caso julgado formal quanto à estabilidade de determinado regime dos vários que podem suceder-se no tempo”− cf. Ac. do STJ proferido no Proc. n.º 2868/08 - 3.ª.
Decisão Texto Integral:
I.
1. AA, identificado nos autos, veio, por meio de advogado, requerer ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça a providência de habeas corpus, invocando em síntese:
- O requerente foi detido no passado dia 28 de Janeiro em cumprimento de mandado de detenção emitido pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, no âmbito do processo comum n.º 673/99.5TBSTS, para cumprimento do remanescente de 1 ano da pena de prisão de 3 anos, cuja execução lhe ficou suspensa por cinco anos.
- Não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição daquela pena e tendo decorrido mais de 10 anos sobre a sua fixação, nos termos do art. 122.º do Código Penal (CP), a mesma prescreveu em 6 de Abril de 2005.
- A suspensão da execução da pena não é causa de suspensão da prescrição.
- A declaração de contumácia também não constitui causa de suspensão da prescrição à luz do CP 1982 – lei vigente à data dos factos que determinaram a condenação do requerente.
- Os factos remontam a 1986 e a decisão final condenatória transitou em julgado em 1995, tendo, por isso, decorrido mais de 24 anos e 14 anos sobre aqueles factos e decisão.
- A prisão do requerente deve, por isso, considerar-se ilegal e ordenar-se a sua imediata libertação.

Juntou certidões dos acórdãos da 1.ª instância e do Supremo Tribunal de Justiça.

2. A Sr.ª Juíza do processo prestou a informação a que alude o art. 223.º, n.º 1 do CPP:
(…) o arguido acima referido foi condenado por acórdão cumulatório de fls 372 a 384 na pena única de 3 anos de prisão.
Por acórdão do STJ de 23/3/95, foi tal pena única de prisão de 3 anos declarada suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sob a condição de pagamento ao lesado da indemnização em que foi condenado.
Foram aplicados os perdões concedidos pelas Leis n.º 23/91, de 4/7, art. 14.º, n.º 1, alínea b) e 15/94, de 11/5, concluindo pela única de 1 ano de prisão, tendo sido declarados perdoados 2 anos de prisão.
Por decisão de fls. 579 de 1/03/99, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão remanescente – de 1 ano – a qual foi declarada perdoada por decisão do Tribunal da Relação do Porto (TRP) de 2/2/2000, nos termos do disposto nos arts. 1.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 29/99, de 12/5, sob condição resolutiva de pagar ao ofendido no prazo de 90 dias a indemnização em que foi condenado.
Tal condição resolutiva foi considerada verificada por despacho de fls. 577 de 14/11/2001, tendo sido revogado o perdão do remanescente de 1 ano de prisão.
O arguido sempre foi notificado de todos os despachos nas pessoas dos ilustres mandatários, nos termos do art. 113.º do Código de Processo Penal (CPP).
Tendo sido nestes autos invocada pelo arguido a prescrição da pena foi essa questão expressamente apreciada pelo acórdão do TRP de 14/5/2008 (…)
Acresce que o arguido foi declarado contumaz, nos termos e ao abrigo do art. 476.º do CPP, por despacho de 24/4/2008, transitado em julgado.
Termos em que se mantém a ordenada prisão.
Foram mandadas juntar várias certidões.

3. Convocada a secção criminal e notificados o MP e o defensor, teve lugar a audiência - art.s 223.º, n.º 3, e 435.º do CPP.
Importa agora, tornar pública a respectiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.


II.
4. A providência de habeas corpus é uma providência excepcional, destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade, como doutrina CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1986, p. 273, que a rotula de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional, no mesmo sentido confluindo, entre outros, GERMANO MARQUES DA SILVA, para o qual a providência de habeas corpus é «uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo, em muito curto espaço de tempo, a uma situação de ilegal privação de liberdade», (Curso de Processo Penal, T. 2º, p. 260).
Porque assim, a petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal:
a) - Ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) - Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;
c) - Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.
Confrontamo-nos, pois, com situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, quer por incompetência da entidade que ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou não tendo sido invocado fundamento algum, quer ainda por estarem excedidos os prazos legais da sua duração, havendo, por isso, urgência na reposição da legalidade.
No caso sub Júdice, foi invocada pelo requerente o fundamento da alínea b) – prisão por facto pelo qual a lei a não permite.
A factualidade a considerar tem por base, fundamentalmente, o que consta da informação transcrita sob o n. 2 supra.
Apenas há a acrescentar o seguinte:
A decisão do STJ de 23/3/95 transitou em julgado em 6/4/95 .
O Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 6 de Abril de 2005, julgou improcedente o recurso interposto pelo requerente sobre várias questões e, no tocante à alegada prescrição da pena, entendeu que a 1.ª instância devia «voltar a aquilatar da real verificação daquela causa extintiva», pois o tribunal de recurso desconhecia se teria ocorrido qualquer causa de suspensão ou de interrupção.
Posteriormente, em recurso do despacho que negou a pretensão do requerente de ver prescrita a pena, o mesmo Tribunal da Relação veio, por acórdão de 1/3/2006 a julgar improcedente o recurso - decisão da qual, por sua vez, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional (TC), que, por acórdão de 19/01/2007, não tomou conhecimento do seu objecto, já que a questão da constitucionalidade não tinha sido suscitada durante o processo.
Posteriormente, a 1.ª instância voltou a pronunciar-se sobre novo requerimento de prescrição da pena, indeferindo esse requerimento com fundamentos semelhantes aos constantes do acima referido acórdão da Relação de 1/3/2006, que distingue entre pena principal e pena de substituição, para concluir que o tempo de suspensão da pena de substituição é uma causa de suspensão da prescrição da pena principal. O despacho da 1.ª instância retoma essa argumentação a fls. 807 e 808 dos autos principais do seguinte modo:
De acordo com o disposto no art. 122.º, n.º 1, alínea c) do citado diploma legal ⌠Código Penal⌡, as penas prescrevem no prazo de 10 anos, se forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão.
Porém, estipula-se no art. 125.º, n.º 1, alienas a) do mesmo diploma: a prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que, por força da lei, não puder começar ou continuar a ter lugar ⌠a negrito no original⌡.
Ora por força da mencionada disposição legal, a execução da pena de prisão aplicada ao arguido esteve suspensa durante 3 anos, 10 meses, 25 dias (entre 6/4/95, data do trânsito em julgado do acórdão condenatório e 1/03/99, data em que foi revogada a suspensão da execução da pena) e voltou a suspender-se durante 1 ano, 9 meses e 12 dias (entre 2/02/2000, data em que foi perdoado o remanescente de 1 ano de prisão e 14/11/2001, data em que foi considerada verificada a condição resolutiva prevista no art. 4.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio e ordenado o cumprimento da respectiva pena).
E assim sendo, por força das aludidas suspensões, terá de concluir-se estar ainda muito longe de ser atingido o prazo prescricional de 10 anos previsto no art. 122.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, pelo que se julga improcedente a alegada prescrição da pena.

Deste despacho foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 14 de Maio de 2008, rejeitou o mesmo, com fundamento em o despacho anteriormente transcrito ter transitado em julgado, não chegando, assim, a apreciar a questão, ao contrário do que se refere na informação da Sra. Juíza do processo.

5. Vista a factualidade relevante, importa agora encarar a questão fundamental: a prisão do requerente é ou não é ilegal, por força de ter ocorrido a prescrição da pena? Tal impõe que comecemos pela prescrição.
A prescrição da pena é um pressuposto negativo da punição, que, tal como a prescrição do procedimento criminal, tem natureza substantiva e processual, predominando hoje a teoria jurídico-material da prescrição. A natureza substantiva, que muitos Autores pretendem, aqui, dominante ou mesmo exclusiva, advém-lhe de razões ligadas às finalidades da punição. Com o decurso do tempo sobre o trânsito em julgado da sentença condenatória sem que o condenado tenha iniciado o cumprimento da pena imposta, esbate-se a necessidade comunitária da sua execução e, ao mesmo tempo, a exigência de socialização do condenado, que constitui uma outra das finalidades da pena e factor determinante da sua fixação concreta dentro de determinadas circunstâncias que foram sopesadas na decisão, perde também a sua razão de ser, a ponto de poder tornar-se completamente desajustada, se o condenado a tivesse que cumprir muito tempo depois da condenação.
A natureza processual, por seu turno, liga-se a razões que têm a ver com o próprio processo, também neste caso, pois a prescrição obsta a que a pena seja executada, não obstante basear-se numa decisão transitada em julgado. Neste sentido, é um pressuposto negativo de carácter processual, ou como diz FIGUEIREDO DIAS, obstáculo de realização (execução) processual (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 702, sendo a expressão a negrito do próprio Autor).
A prescrição da pena conta-se do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 121.º, n.º 3 do CP 82, vigente à data dos factos e da própria decisão que condenou em definitivo o requerente; art. 122.º, n.º 2 do CP revisto pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto).
Se estiver em causa um concurso de crimes em relação ao qual se aplicou uma pena única como resultado do cúmulo jurídico das várias penas parcelares que foram fixadas, nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 2 do CP, o trânsito em julgado a partir do qual começa a contar o prazo prescricional é o da pena única e não o das várias penas parcelares.
Ora, no caso vertente, a pena única transitou em julgado no dia 6/4/95.
O prazo da prescrição é de 10 anos, de acordo com o estabelecido no art. 121.º, n.º 1, alínea c) da versão originária do CP e art. 122.º, n.º1, alínea c) da versão actual, que, nesse aspecto, não sofreu alteração, a não ser a do número do artigo. Com efeito, quer numa, quer noutra versão, o prazo de prescrição da pena é de 10 anos, se as penas aplicadas forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão.
Quanto aos termos da interrupção da prescrição, na versão originária, a prescrição da pena interrompia-se: a) Com a sua execução; b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado (art. 124.º).
Na versão actual, a prescrição da pena interrompe-se: a) Com a sua execução ou b) Com a declaração de contumácia (art. 126.º).
Em qualquer dos casos, depois de cada interrupção, começa a correr novo prazo prescricional e a prescrição tem sempre lugar, «quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade».
Relativamente às causas de suspensão, na versão originária (art. 123.º), a prescrição da pena suspendia-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não pudesse começar ou continuar a ter lugar; b) O condenado estivesse a cumprir outra pena, ou se encontrasse em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena; c) Perdurasse a dilação do pagamento da multa.
Na versão actual, mantêm-se a primeira e a última hipótese, constantes, respectivamente, das alíneas a) e d) do art. 125.º; quanto às outras causas, diferentes da versão originária, a prescrição suspende-se durante o tempo em que vigorar a contumácia (alínea b); o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas de liberdade (alínea c);
No despacho que não reconheceu a invocada (pelo requerente) prescrição da pena, considerou-se, como vimos, que ocorria a circunstância suspensiva prevista na alínea a) do art. 125.º, n.º 1 (versão actual, igual, de resto, à versão originária): por força da lei, a execução da pena não poder começar ou continuar.
Assenta este raciocínio no seguinte: distinção entre a pena principal (3 anos de prisão) e a pena de substituição (suspensão da execução da pena, subordinada ao pagamento da indemnização). Desse modo, considerou-se que a pena de prisão não podia começar a ser executada, enquanto se mantivesse a suspensão da sua execução. Mas, para além disso, considerou-se ainda que, por força dos perdões concedidos, sob condição resolutiva do pagamento da indemnização, que nunca foi paga, a execução da pena de prisão também não pôde ser executada nos respectivos períodos – isto é, a execução dessa pena esteve suspensa durante 3 anos, 10 meses e 25 dias (entre 6/04/1995, data do trânsito em julgado do acórdão condenatório e 1/03/99, data em que foi revogada a suspensão da execução da pena) e ainda durante 1 ano, 9 meses e 12 dias (entre 2/02/2000, data em que foi perdoado o remanescente de 1 ano de prisão e 14/11/2001, data em que foi verificada a condição resolutiva prevista no art. 4.º da Lei n.º 29/99, de 12de Maio e ordenado o cumprimento da respectiva pena). Por esse motivo, descontando-se os mencionados períodos considerados de suspensão, a prescrição estaria ainda longe de ser atingida.
Todavia, este raciocínio não parece correcto. Vejamos:
A pena cuja execução está em causa é a pena de prisão de 1 (um) ano, resultante dos perdões intercalares concedidos pelas Leis n.º 23/91, de 4/7, art. 14.º, n.º 1, alínea b) e 15/94, de 11/5, tendo sido declarados perdoados 2 anos de prisão. Quanto à pena cuja execução ficou suspensa, essa foi executada até ser revogada em 1/03/99.
Em ambos os casos, como vimos, a prescrição é de 10 anos, dado que a pena de prisão substituída é superior a 2 anos, mas inferior a cinco (art. 121.º, n.º 3 do CP/82 e art. 122.º, n.º 1, alínea c) do CP actualmente vigente).
Pelo regime vigente à data dos factos, não ocorre nenhum facto interruptivo. Com efeito, a prescrição interrompia-se com a prática, pela autoridade competente, de actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local de onde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado. Ora, sob este prisma, os autos não nos dão conta de qualquer acto interruptivo desse tipo, não bastando para tal a decisão de revogação da suspensão da pena ou da revogação do perdão concedido, nem mesmo a emissão de mandados de detenção.
Quanto a causas de suspensão do prazo prescricional, havia a considerar o disposto no art. 123.º, n.º 1, alíneas a) e b), ou seja: a execução da pena, por força da lei, não poder começar ou continuar a ter lugar, e ainda o condenado encontrar-se com suspensão da execução da pena. Desse modo, a execução da pena de prisão esteve suspensa entre 6 de Abril de 1995 e 1 de Março de 1999, e depois, entre 13 de Maio de 1999, data em que foi perdoado condicionalmente o remanescente da pena (um ano), e o prazo de 90 dias para o condenado satisfazer a condição (pagamento da indemnização arbitrada ao lesado). Com efeito, só estes prazos é que podem ser considerados como de suspensão, ou seja, períodos de tempo durante os quais, por força da lei, a execução da pena de prisão remanescente não podia ter lugar.
Assim, temos que a prescrição da pena, partindo da data referida de 1 de Março de 1999 (revogação da suspensão) atingir-se-ia, com os 90 dias para satisfação da condição do perdão concedido, em 29 de Maio de 2009.
Encarando o regime actual, haveria a considerar uma causa de interrupção: a declaração de contumácia (art. 125, n.º 1,c) CP/95 ou 126.º, n.º 1, b), na redacção actual, durando a pendência da contumácia entre 24 de Abril de 2008 e 28 de Janeiro de 2009, data em que o requerente foi detido.
Por outro lado, haveria que considerar a suspensão do prazo de prescrição entre 6 de Abril de 1995 e 1 de Março de 1999 (data da revogação da suspensão) e entre 13 de Maio de 1999 (perdão condicional do resto da pena) e o termo do prazo de 90 dias para satisfação da condição resolutiva do perdão (arts. 125.º, n.º 1, alíneas a) e b) CP/95 e na versão actual). Teríamos um prazo mais alongado de prescrição, que ainda não teria atingido, actualmente, o seu limite.
Deste modo, é mais favorável ao requerente o regime constante da versão originária – regime que se aplica por força do art. 2.º, n.º 4 do CP, pois, tendo a prescrição natureza substantiva e processual, entende-se que as respectivas normas constituem leis processuais materiais, o que implica, neste domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição ao princípio da lei mais favorável (Cf., entre outros, o acórdão do STJ proferido no Proc. n.º 2868/08, da 3.ª Secção e acórdão proferido em processo de habeas corpus no dia 3/09/2005, Proc. n.º 2558/08, também da 3.ª Secção).
À luz desse regime, como vimos, o prazo de prescrição foi já atingido, pelo que, quando o requerente foi detido, no passado dia 28 de Janeiro, havia já decorrido o prazo de prescrição. .
A sua prisão foi ordenada judicialmente, mas é claro o erro de direito em que incorreu, abrangendo na suspensão períodos de tempo que legalmente não podiam ser computados como tal e não equacionando o regime mais favorável ao requerente. Por outro lado, quando foi emitido o despacho, ainda não tinha ocorrido efectivamente a prescrição, pese embora o erro em que incorreu e que está na base da prisão do requerente. E se é certo que o habeas corpus se não perfila como um recurso e, portanto, como meio de impugnação de uma decisão judicial, também é verdade que, sendo ostensiva a ilegalidade da prisão por força de um erro manifesto na aplicação do direito, esta providência é o meio adequado para pôr termo a essa ilegalidade. Foi o que escrevemos exactamente, como relator, no acórdão de 16/12/03, Proc. n.º 4397/03, da 5.ª Secção, publicado na CJ, T. 3.º de 2003, p. 246). «Apenas nos casos em que a decisão judicial enferme de «erro grosseiro» ou «erro grave na aplicação do direito» é admissível o pedido de habeas corpus, já que este não é o meio adequado para se discutirem decisões judiciais com as quais o requerente não concorda(…)»
E voltámos a admiti-lo mais tarde no acórdão de 26/01/2006, Proc. n.º 282/06, também da 5.ª Secção, mesmo que estivesse em causa uma decisão transitada em julgado, embora, nessa situação, não fosse caso de aplicação de tal doutrina.
Acresce que a ter havido caso julgado da decisão que, por último, se pronunciou sobre a prescrição da pena, tal caso julgado, formal, tem efeito vinculativo intraprocessual, mas não os efeitos próprios do caso julgado material, que decide em substância da relação controvertida, impondo-se dentro e fora do processo e pondo fim à causa, pela solução do litígio. Ora, a prescrição da pena tem uma natureza marcadamente material e substantiva, pelo que «não pode, na dimensão substantiva, estar coberta por qualquer caso julgado formal quanto à estabilidade de determinado regime dos vários que podem suceder-se no tempo», como se anota no acórdão já citado deste Tribunal proferido no Processo n.º 2868/08, da 3.ª Secção.
Como assim, não pode deixar de se reconhecer fundamento à presente providência de habeas corpus, por ser patentemente ilegal a prisão do requerente, encontrando guarida na alínea b) do n.º 2 do art. 222.º do CPP – ser motivada por facto pelo qual a lei a não admite


III.
6. Nestes termos, acordam em audiência na (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar fundada a providência de habeas corpus requerida por AA e, por isso, ilegal a sua prisão, ordenando-se a sua imediata restituição à liberdade.
Passe mandados de libertação e comunique por fax ao estabelecimento prisional para cumprimento imediato.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010

Rodrigues da Costa (Relator)
Arménio Sottomayor
Carmona da Mota