Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S0010
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
QUESTÃO PREJUDICIAL
PROCESSO PENAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MOTIVAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONSTITUCIONALIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
AGRAVO CONTINUADO
NULIDADE DE DESPACHO
FACTOS CONCLUSIVOS
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Nº do Documento: SJ2008110500104
Data do Acordão: 11/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Constitui fundamento do poder de ordenar a suspensão da instância a que se reportam os arts. 97.º e 279.º do CPC a constatação de uma relação de dependência da decisão de mérito relativamente à decisão a proferir por um outro tribunal.
II - A decisão absolutória ou condenatória do processo penal não condiciona nem prejudica a decisão que aprecia a justeza do despedimento, ainda que os factos a que se reporta a decisão disciplinar possam coincidir (total ou parcialmente) com os factos constantes da acusação criminal, na medida em que os pressupostos e objectivos dos dois processos são distintos: enquanto no laboral se analisam os factos em termos de infracção disciplinar, de forma a apreciar se os mesmos constituem justa causa de despedimento, no processo penal averigua-se se constituem crime, na perspectiva da eventual aplicação de uma pena criminal.
III - A eventual inobservância do dever de fundamentar a decisão fáctica não integra o elenco de nulidades decisórias previstas nos arts. 668.º do CPC, designadamente a nulidade por omissão de pronúncia.
IV - Cumpre a exigência legal e constitucional de fundamentação dos actos jurisdicionais o acórdão da Relação que cuida de fundamentar as respostas à matéria de facto e de precisar por que razão deu credibilidade aos testemunhos que cita, permitindo a compreensão do iter lógico e racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio.
V - A irrecorribilidade consagrada no n.º 6 do art. 712.º abrange as decisões proferidas nos termos do n.º 5 do mesmo preceito (designadamente a decisão do Tribunal da Relação que, apreciando a alegada falta de motivação da decisão fáctica da 1.ª instância e aplicando o n.º 5 do art. 712.º, indeferiu a pretensão do recorrente de que os autos fossem remetidos à 1.ª instância para os fins nele previstos).
VI - Não impondo a Constituição o duplo grau de jurisdição em matéria de facto no âmbito do processo civil, e mostrando-se já garantido o recurso, em um grau, a interpretação do artigo 712º, nº 6 do Código de Processo Civil, de modo a considerar que o mesmo abrange a decisão da Relação proferida nos termos do n.º 5 do mesmo preceito não afronta os arts. 2.º e 20.º da Constituição da República.
VII - O comando legal do art. 754.º, n.º 2, do CPC, restritivo da admissibilidade do recurso de agravo, pressupõe que o acórdão do Tribunal da Relação tenha incidido sobre decisão da 1.ª instância: só nesta situação se poderá falar em agravo continuado.
VIII - A regra emergente desta norma não é aplicável à arguição de nulidades assacadas a decisões da 1.ª instância, caso em que, naturalmente, existe apenas a decisão do Tribunal da Relação sobre o vício aduzido (ainda que o juiz da 1.ª instância se pronuncie em termos denegatórios sobre a nulidade que é apontada à sua decisão).
IX - Nestas situações, o STJ não conhece directamente das nulidades que eventualmente enformem a sentença ou os despachos, antes apreciando a bondade da decisão que a Relação sobre elas proferiu.
X - Padece de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d) do C.P.C., o despacho que deferiu um requerimento da ré de desconsideração parcial da resposta à contestação, não identificando qual a parte em que o referido articulado de resposta extravasa as finalidades estabelecidas no artigo 60.º do CPT.
XI - Independentemente do regime especial das nulidades decisórias e da não aplicabilidade directa a estas do disposto no art. 201.º do CPC, não incumbe aos tribunais judiciais ocuparem-se de questões cuja decisão carece de relevância prática para o desfecho do litígio, em conformidade com o que dita o princípio da economia processual acolhido e sucessivamente reforçado na lei de processo civil, de que constituem afloramento os seus arts. 137.º, 201.º e 660.º, n.º 2.
XII - Uma vez que com o requerimento referido em X o que a ré pretendia, no fundo, é que a matéria alegada na resposta não fosse atendida na decisão do pleito e constatando-se que nenhum dos factos alegados na resposta foi, de “per si”, objecto da prova, e não se reflectiu, consequentemente, nos fundamentos da decisão de direito proferida pelas instâncias, a apreciação da referenciada omissão decisória tornou-se irrelevante para o desfecho do pleito.
XIII - Não é admissível recurso de agravo para o STJ da decisão da Relação que, apreciando o despacho de indeferimento do pedido de inquirição de uma testemunha proferido na 1.ª instância, confirmou tal despacho (art. 754.º, n.º 2 do CPC).
XIV - A afirmação de que todos os factos ínsitos na nota de culpa eram uma prática habitual e institucionalizada na loja já antes do Autor assumir as funções de director de loja, prática essa incentivada e incrementada por aquele que posteriormente haveria de ser o administrador da Ré , conhecendo-se quais os factos ínsitos na nota de culpa documentada nos autos e descritos na matéria de facto, tem um evidente significado fáctico: o de que aqueles factos (ou ocorrências da vida real, ali pormenorizadamente descritos) relativos ao procedimento de compra e venda de produtos constituem a maneira de proceder (prática) frequente ou vulgar e em vigor na empresa (habitual e institucionalizada), antes do o autor assumir funções de Director de Loja, e que tal prática era estimulada e fomentada (incentivada e incrementada) por uma pessoa em concreto, que posteriormente foi administrador da ré.
XV - Apesar de se tratar de expressões com um carácter amplo ou de síntese, não deixam de se reportar a dados ou ocorrências da vida real que emergem da demais factualidade apurada e traduzem, elas mesmas, juízos de facto que, como tal, não podem ser censurados pelo Supremo.
XVI - Carece de justa causa o despedimento do director de loja a quem a ré imputou a iniciativa de não cumprir os procedimentos por si instituídos, tendo como consequência provocado um descontrolo total das existências, registos e vendas de determinados produtos, se a ré não provou a generalidade das normas internas que alegara, nem a intervenção do autor em muitos dos factos relatados na nota de culpa, provando-se, ao invés, que o autor nunca emitiu qualquer ordem aos recepcionistas ou outros para não cumprirem os procedimentos instituídos na ré e que todos os factos ínsitos na nota de culpa eram uma prática habitual e institucionalizada na loja já antes do autor assumir as funções de director de loja, prática essa incentivada e incrementada por alguém que posteriormente haveria de ser o administrador da ré.
XVII - Neste contexto, não pode imputar-se ao trabalhador a prática de uma actuação desconforme com os procedimentos instituídos pelo seu empregador, ou uma atitude de deslealdade para com o mesmo.
XVIII - Se formulado um quesito sobre um facto desconhecido e o tribunal, produzida a prova, o deu como não provado, não se pode, posteriormente, dar tal facto como provado com base em simples presunção judicial a extrair de outros factos tidos como provados.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1- RELATÓRIO

1.1
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Braga, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – Hipermercados, S.A.”, pedindo que a Ré seja condenada a reconhecer a ilicitude do despedimento de que foi alvo o Autor – quer por inexistência da justa causa aduzida, quer por caducidade do procedimento disciplinar e prescrição das infracções invocadas – e, consequentemente, a pagar-lhe as prestações retributivas e indemnizatórias discriminadas na P.I..
A Ré contraria frontalmente a versão do Autor e, em sede reconvencional, pede que o mesmo seja condenado a pagar-lhe a quantia referenciada na contestação.
O Autor respondeu, impugnando a matéria que suporta o pedido reconvencional.
Relativamente a esse articulado, a Ré pediu que não fossem considerados os seus arts. 2º a 23º, sob o fundamento de que exorbitavam o respectivo âmbito – fls. 237.
Elaborado o despacho saneador e condensada a factualidade tida por atendível, veio a Ré arguir a “nulidade processual” decorrente da omissão de pronúncia sobre aquele seu requerimento de fls. 237.
A este propósito, o M.mo Juiz exarou o seguinte despacho – fls. 333 - :
“[...] É evidente que, na parte em que o referido articulado de resposta extravasa as finalidades estabelecidas no citado preceito legal (art. 60º do C.P.T.), a mesma não é considerada. Este esclarecimento não foi dado antes de proferido o despacho saneador, mas esta falta, de modo nenhum, comporta a nulidade invocada pela Ré.
Nestes termos, indefiro a nulidade de todos os actos subsequentes, nomeadamente do despacho saneador, factos assentes e base instrutória, arguida pela Ré BB”.
A Ré pediu que ficasse esclarecido qual a “parte em que o referido articulado de resposta extravasa as finalidades estabelecidas” no citado art.º 60º, tendo o Ex.mo Juiz decidido como segue:
“Quando a admissibilidade da resposta à contestação, nada há a esclarecer ao que já foi ordenado no despacho anterior. Indefere-se, por isso, o requerimento apresentado pela Ré”.
A demandada agravou deste despacho.
No decurso da audiência de discussão e julgamento, a Ré requereu a inquirição da testemunha Rui Amaral, arrolada por ambas as partes e por elas prescindida em momento anterior.
O Ex.mo Juiz indeferiu tal pretensão, sob o duplo fundamento de que a testemunha em causa já fora prescindida e que o desenrolar da audiência não justificava a sua convocação oficiosa.
Também desta decisão agravou a demandada.
Finalmente, foi lavrada sentença que, na procedência parcial da acção, consignou o seguinte segmento decisório:
“Declaro a nulidade do despedimento do Autor, porque ilícito;
Condeno a Ré BB – Hipermercados, S.A. a pagar ao Autor os seguintes créditos salariais: 3.740,98 euros, a título de trabalho suplementar prestado em 1994; 1.546,27 euros, a título de trabalho suplementar prestado em 1995; 1.600,00 euros, a título de trabalho suplementar prestado em 1995; 1.646,00 euros a título de trabalho suplementar prestado em 1996; 497,43 euros, a título de trabalho suplementar prestado em 1997; 1.000,00 euros, a título de trabalho suplementar prestado em 1997; 5.342,12 euros, a título de trabalho suplementar prestado em 1997; 1.187,13 euros, a título de trabalho suplementar prestado em 1998; 777,87 euros, a título de trabalho suplementar prestado ao sábado em 1998; 35.688,73 euros, a título de trabalho suplementar prestado aos sábados em 2000; 54.163,13 euros, a título de trabalho suplementar prestado ao sábado em 2001 e 2002; 18.388,72 euros, a título de descanso compensatório; 20.005,34 euros, a título de trabalho prestado em dias feriados; 2.938,64 euros, a título de trabalho prestado em aberturas de empresas da Ré; o montante de 75.982,41 euros, correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento, 21/3/2003, até à data da sentença, deduzidos os montantes das retribuições respeitantes ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, 8/7/2003; o montante de 67.611,00 euros, correspondente à indemnização de antiguidade.
Às referidas quantias acrescem juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
Mais julgo improcedente, por não provado, o pedido reconvencional ... e, consequentemente, dele absolvo o Autor ...” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
A Ré discordou igualmente desta sentença, dela apelando para o Tribunal da Relação do Porto que, apreciando os três recursos, negou provimento aos agravos e concedeu parcial procedência à apelação, revogando a sentença “... na parte em que condenou a Ré no pagamento das quantias indicadas na parte decisória, a título de trabalho suplementar, permanências e descanso compensatório, mantendo-a quanto ao mais”.
1.3.
Persistindo na sua irresignação, a Ré pede a revista ora em análise, arguindo vícios decisórios no respectivo requerimento de interposição de recurso e rematando as correspondentes alegações com o seguinte núcleo conclusivo:
1- o despacho que se debruçou sobre a (in)admissibilidade da “Resposta” à contestação, não obstante a sua aparência formal, não contem uma verdadeira e efectiva decisão, o que equivale à não pronúncia sobre essa mesma questão, pelo que o mesmo, violando os arts. 20º n.º 2 e 205º n.º 2 da C.R.P. e 156º n.º 1, 158º n.º 1 e 660º n.º 2 do C.P.C., padece da nulidade prevista pelo art. 668º n.º 1 al. D) deste último Código;
2- a lei (arts. 666º n.º 3 e 668º n.º 1 al. D) do C.P.C.) prevê expressamente a nulidade da sentença/despacho quando o Juiz não se pronuncie sobre questões que deva apreciar, pelo que, contrariamente ao entendimento expresso no Acórdão recorrido, jamais haveria que analisar a questão à luz do art. 201º do C.P.C.;
3- ainda que assim se não entenda – o que por mera cautela de patrocínio se admite, sem conceder – a verdade é que não incumbia à Recorrente alegar que “essa matéria tivesse sido incluída nos factos assentes ou na base instrutória, elaborados em momento anterior à reclamada nulidade, por parte da Ré;
4- acresce que, com o articulado “Resposta”, o Autor juntou documentos para prova dos factos vertidos nesse articulado, pelo que, a haver matéria factual que, por extravasar o âmbito da admissibilidade da resposta à contestação, não deve ser considerada, deveria a 1ª instância pronunciar-se sobre a admissibilidade da apresentação daqueles documentos, o que não fez, sendo ainda certo que tão pouco a Relação abordou a questão nesta vertente;
5- afigura-se à Ré que o referido RA deveria ter sido notificado para depor e, ao decidir ao contrário, as instâncias não fizeram a mais correcta interpretação e aplicação dos arts. 265º n.º 3 e 645º do C.P.C., tendo omitido um acto que, indiscutivelmente, influi no exame e na decisão da causa, pelo que o despacho proferido pela 1ª instância encontra-se ferido de nulidade e, em consequência, deverá o mesmo ser revogado e substituído por outro que ordene a notificação daquela testemunha – art. 201º n.º 1 do C.P.C.;
6- o art. 712º n.º 6 do C.P.C. deve ser interpretado no sentido de apenas estar vedado ao S.T.J. sindicar a matéria de facto julgada pelas instâncias e não também a decisão que se limite a justificar a razão da impossibilidade de obter do juiz da causa a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pelo é admissível o presente recurso, tendo por objecto a decisão da Relação que indeferiu a baixa do processos à 1ª instância;
7- de outro modo, caso se considere que o art. 712º n.º 6 pretende abarcar toda e qualquer decisão prevista nos números precedentes, sempre se dirá que aquele preceito se encontra ferido de inconstitucionalidade, por violar os arts. 2º e 20º n.º 1 da C.R.P., pelo que sempre o presente recurso pode ter por objecto a decisão da Relação que indeferiu a baixa do processo à 1ª instância;
8- o art. 712º n.º 5 (2ª parte) do C.P.C., de acordo com o qual, havendo impossibilidade de o juiz da causa fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, basta que justifique a razão dessa impossibilidade, é inconstitucional, porque viola os arts. 3º n.ºs 2 e 3 e 205º n.º 1 da C.R.P.;
9- assim sendo, não podia a Relação, a coberto do art. 712º n.º 5 (2ª parte) – e ainda que se substituindo ao tribunal de 1ª instância, indeferir a requerida baixa do processo para que o Juiz fundamentasse a decisão sobre a matéria de facto;
10- mesmo que se entenda que aquele preceito não é inconstitucional, a verdade é que a Relação não fez dele, decerto, uma correcta interpretação e aplicação, pelo que o referido preceito se mostra violado, devendo, em consequência, o Acórdão recorrido ser revogado e ordenado que a Relação profira novo Acórdão, ordenando a baixa do processo à 1ª instância para que o juiz da causa fundamente a decisão que dirimiu a matéria de facto ou, caso se entenda que tal não é possível, que o juiz titular a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, se necessário;
11- avaliando objectivamente a actuação do Recorrido, ou seja, na perspectiva do “empregador razoável”, é, pois, evidente que a mesma obstou è continuidade do trabalhador ao serviço da sua entidade patronal, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pelo que constitui justa causa de despedimento (cfr. art. 9º n.ºs 1 e 2 als. A) e E) da Lei dos Despedimentos);
12- ao entender de modo diverso, o Acórdão não terá feito a mais correcta interpretação do Direito aplicável, violando aqueles preceitos.
1.4.
O Autor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e a consequente confirmação do julgado.
1.5.
A Ex.ma Procuradora-geral Adjunta, a cujo douto Parecer as partes não reagiram, também defende a confirmação do Acórdão, em parte por não procederem as alegações da revista e, na parte restante, por não dever o recurso ser objecto, sequer, de apreciação.
1.6.
Veio, entretanto, a Ré peticionar nos autos que seja ordenada a suspensão da instância, “sobrestando na decisão sobre o recurso”, até que seja proferida decisão final no processo-crime, que identifica, movido ao ora recorrido AA, contra quem acaba de ser deduzida acusação pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, com esteio em factos que integram a “justa causa” de despedimento em litígio nos presentes autos.
O ora relator indeferiu a reclamada suspensão por entender que a mesma só podia ancorar-se na previsão do art. 97º n.º 1 do C.P.C., cujo inciso é absolutamente claro no sentido de que tal suspensão só deve ser ordenada quando o conhecimento do objecto da acção “... depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou administrativo” – sublinhado nosso – não sendo esse o caso dos autos.
A Ré peticionou que recaísse Acórdão sobre a matéria do assinalado despacho.
1.7.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2- FACTOS

Dá-se aqui por integralmente reproduzida a factualidade fixada pela Relação, visto que a mesma não vem censurada na revista, nem se afigura passível de alteração – arts. 713º n.º 6 e 726º do Código de Processo Civil – sem embargo de poderem vir a ser pontualmente coligidos os factos necessários à solução jurídica das questões colocadas na revista.
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3- DIREITO

3.1.
Antes de elencar as questões em debate na revista, convém precisar que, à excepção da justa causa do despedimento, se mostram já definitivamente resolvidas todas aquelas que corporizavam a tese inicial de cada uma das partes.
Assim acontece com os pedidos atinentes aos créditos emergentes do trabalho suplementar e descanso compensatório, com o pedido de indemnização por danos não patrimoniais – todos eles accionados pelo Autor – e com o pedido formulado pela Ré em sede reconvencional.
Relativamente a esses pedidos do Autor, evidencia-se que o mesmo acatou as decisões das instâncias que, nesse particular, lhe foram desfavoráveis, à semelhança do que já acontecera, anteriormente, com as questões relativas à caducidade do procedimento disciplinar e à prescrição das infracções disciplinares.
No que concerne à reconvenção – pedido de condenação do Autor no pagamento de € 780.020,76, cuja quantia corresponde àquela que um terceiro (“FAGOR”) exigiu à Ré por falta de pagamento de mercadorias fornecidas – sendo de todo evidente a sua interligação com o despedimento dos autos e, consequentemente, com a justa causa dessa medida sancionatória, a verdade é que a recorrente descartou em definitivo tal questão, não lhe fazendo a menor referência na minuta alegatória da revista.
Para além da matéria atinente à justa causa, a censura da Ré é exclusivamente adjectiva, reportando-se sobretudo às questões que integravam o objecto dos agravos.
Naturalmente, a nossa pronúncia deverá começar por incidir sobre a reclamada suspensão da instância, a que já anteriormente se aludiu – 1.6.
De seguida, importará atender à nulidade decisória – omissão de pronúncia – invocada no requerimento de interposição da revista, cuja matéria apresenta uma íntima conexão com a falta de fundamentação da decisão factual, a que se reportam as conclusões VI a X das alegações.
Tendo em conta esta advertência e compaginando o núcleo conclusivo recursório, verifica-se que cabe a este Supremo Tribunal apreciar as seguintes questões:
1ª- suspensão da instância;
2ª- nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia;
3ª - falta de fundamentação das respostas negativas à Base Instrutória;
4ª- nulidade do despacho que incidiu sobre a pretensa inadmissibilidade da resposta à contestação;
5ª- violação do princípio do inquisitório na decisão que indeferiu o pedido de inquirição de uma testemunha;
6ª- justa causa do despedimento.
3.2.1.
Segundo o recorrente, por virtude do despacho de acusação formulado contra o Autor – ancorado, recorde-se, em factos que integram a justa causa de despedimento questionada nos presentes autos – o objecto da acção passou a depender da verificação da existência, ou inexistência, do facto criminoso imputado ao ora demandante, mal se compreendendo que, face à probabilidade de condenação, se mantenha a validade dos argumentos coligidos pelo Acórdão em crise para recusar o reenvio do processo à 1ª instância com vista à fundamentação da decisão factual.
O Autor e o M.º P.º reclamaram o indeferimento de tal pretensão.
Vejamos.
Estabelece o n.º 1 do art.º 97º do C.P.C. que “se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie”.
Por seu turno, o art. 279º do mesmo Código dispõe que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado” (n.º 1) e, ainda, que “não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”(n.º 2).
A constatação de uma relação de dependência da decisão de mérito, relativamente à decisão a proferir pelo outro tribunal, é erigida, em ambos os preceitos, como fundamento do poder de ordenar a suspensão da instância.
Só perante essa relação de dependência se pode afirmar a natureza prejudicial das questões ou causas em confronto.
3.2.2.
No caso vertente, não pode validamente sustentar-se que a decisão da causa esteja dependente do julgamento a efectuar, eventualmente, no processo criminal onde foi vertida a acusação documentada nos autos.
Os factos que aqui determinaram a aplicação da sanção de despedimento, ainda que possam coincidir (total ou parcialmente) com aqueles em que se acoberta a sobredita acusação, são analisados sob prisma distinto: no primeiro caso, são analisados sob o prisma do ilícito criminal e perante o regime estabelecido na lei penal.
São efectivamente distintos os interesses teleologicamente subjacentes à infracção disciplinar e à infracção criminal.
Enquanto na infracção disciplinar laboral está em causa o interesse juslaboral do empregador que ela intenta proteger, com o escopo de se sancionarem os comportamentos do trabalhador que ponham em risco o justo e equilibrado desenvolvimento do contrato de trabalho, a infracção criminal consiste na ofensa de valores jurídico-criminais, tutelados através dos tipos legais de crimes, que se conexionam, primacialmente, com a vida comunitária do homem e com a livre expansão da sua personalidade.
Perante a disparidade dos pressupostos e dos interesses atendíveis, devemos concluir que a decisão no processo-crime não condiciona nem prejudica a decisão no processo laboral.
Assim se entendeu também no Acórdão desta Secção a 3/3/2005 (Processo n.º 1758/04), onde se analisou a perspectiva da influência, no processo disciplinar laboral, de um despacho de não pronúncia lavrado no foro criminal, cujo objecto coincidia com os factos imputados ao trabalhador naquele processo disciplinar.
Ao afirmar a ausência de prejudicialidade, este Aresto sublinhou a distinção entre os pressupostos e objectivos dos dois processos: enquanto o processo disciplinar cuida de ponderar os factos por forma a decidir se os mesmos constituem infracção disciplinar e, eventualmente, justa causa de despedimento, no processo penal averigua-se se tais factos constituem crime, na perspectiva da eventual aplicação de uma pena criminal.
Mas, ainda que fosse lícito afirmar uma relação de prejudicialidade, acresce que a faculdade de suspender a instância só pode ser exercida enquanto não ocorrer o julgamento da matéria de facto relevante para a apreciação da causa (cfr. Lebre de Freitas e outros in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 186).
Ora, nos presentes autos já foi proferida decisão sobre a matéria de facto e o S.T.J., por definição e em princípio, apenas aprecia a matéria de direito, cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime que julgue adequado aos factos materiais fixados pelas instâncias (cfr. arts. 87º n.º 2 do C.P.T. e 721º e 722º do C.P.C.).
Impõe-se, pois, a confirmação do despacho do relator, que indeferiu a reclamada suspensão da instância.
3.3.1.
Com esteio nos arts. 653º n.º 2 (2ª parte), 660º n.º 2 (1ª parte), 668º n.º 1 al. D) (1ª parte), 713º n.º 2, 716º n.º 1 e 726º do C.P.C., a recorrente invoca, no seu requerimento de interposição da revista, a nulidade do Acórdão sindicando, dizendo que o mesmo não contém a análise crítica das provas em que se baseou para manter as respostas negativas à matéria de facto, nem uma referência crítica ao teor dos depoimentos em confronto, sustentando a sua anulação, com o inerente reenvio do processo à Relação, afim de o reformar, caso não repare, entretanto, o vício aduzido.
Em acórdão posterior à sobredita arguição – fls. 1152 e segs. – a Relação do Porto começa por afirmar que não se verifica o reclamado vício, do ponto em que o precedente Acórdão apreciou a questão da impugnação da matéria de facto e fundamentou as respostas dadas em 1ª instância aos respectivos quesitos.
Não obstante, vem ainda a rectificar o que denominou de “sucinta” fundamentação da decisão sobre a matéria de facto impugnada, arrimando-se à disciplina constante dos arts. 716º n.ºs 1 e 2, 668º n.º 4 e 653º n.º 2 do C.P.C..
Nas alegações de revista, a recorrente reitera que o Acórdão censurado não contém uma análise crítica das provas em que se baseou para manter as respostas negativas à matéria de facto, acrescentando que a Relação, no subsequente Acórdão em que apreciou a arguida nulidade, procedeu a uma explicitação dos motivos em que ancorou a sua convicção, mas não cuidou de indicar a motivação subjacente às respostas de conteúdo negativo.
Não lhe assiste, contudo, razão.
Antes de mais, a eventual inobservância do dever de fundamentar a decisão fáctica não integra o elenco das nulidades decisórias plasmadas no referido art. 668º, designadamente a que decorre de uma “omissão de pronúncia”.
Com efeito, o que o n.º 1 al. D), 1ª parte, daquele inciso prescreve é que a sentença é nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
Esta norma tem íntima conexão com a do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código, segundo a qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
E, quanto ao sentido da expressão “questões”, referenciada nos sobreditos preceitos, tem a jurisprudência considerado que como tal se hão-de exclusivamente ter aquelas que se reportem aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções.
Mais tem a jurisprudência entendido que o vício decisório em análise se circunscreve à omissão cognitiva das questões que o tribunal tenha o dever de conhecer para a boa decisão da causa, o que não sucede com as questões colaterais invocadas “ad argumentandum tantum” (cf. Ac. desta Secção de 4/6/2003 na Revista n.º 3304/02) nem com a eventual inobservância da regra adjectiva que impõe a análise crítica das provas.
Como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/9/2006 (Revista n.º 1994/06, da 1ª Secção), não ocorre nulidade da sentença ou do Acórdão quando ali se omite a justificação dos fundamentos de facto em que assenta a decisão. Tão pouco se sanciona com tal vício a deficiência motivatória desses fundamentos, quer em sede de sentença, quer em sede da sua reapreciação pelo Acórdão da Relação.
O problema de saber se o juiz observou o dever prescrito no art. 653º n.º 2 do C.P.C., aquando da análise crítica das provas e da especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, em sede de julgamento da matéria de facto, situa-se num outro plano, completamente distinto, e para cuja inobservância a lei estabelece consequências específicas.
Essas consequências vêm enunciadas no art. 712º n.º 5 do C.P.C.: a falta de fundamentação da decisão de facto apenas implica que a Relação, a requerimento da parte, possa determinar, se possível for, que o juiz da 1ª instância a fundamente.
Em redor desta problemática, a única e verdadeira questão, colocada na apelação, reportava-se à censura sobre a própria decisão fáctica, não se questionando que o Acórdão em crise emitiu sobre ela efectiva pronúncia.
3.3.2
O que se deixou consignado seria já bastante para julgar improcedente a arguida nulidade.
Apesar disso, não devemos ignorar também o segundo Acórdão da Relação – aquele que veio a ser proferido com esteio no n.º 4 do art. 668º - e que, a nosso ver, observa claramente a exigência legal (e constitucional) de fundamentação dos actos jurisdicionais, impedindo qualquer afirmação no sentido de que, nestes autos, a decisão factual se mostra desmotivada.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 55/85 (publicado no Dr., II Série, de 28/5/85), a fundamentação dos actos jurisdicionais cumpre, em geral, duas funções:
— uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitindo às partes o correspondente recurso com perfeito conhecimento dos pressupostos em que ela assentou e colocando o Tribunal de recurso em posição de expressar, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;
— outra, de ordem extraprocessual, que não é já dirigida essencialmente às partes e ao Tribunal “ad quem” mas que procura, acima de tudo, viabilizar o controlo externo e geral sobre a fundamentação fáctica, lógica e jurídica da decisão ou, dito de outro modo, garantir a “transparência” do processo e da decisão.
Ora, do sobredito segundo Acórdão da Relação ressalta, com clareza, que nele se cuidou, justamente, de fundamentar as respostas de conteúdo negativo e de precisar por que razão deu credibilidade aos testemunhos que cita, permitindo a compreensão do “iter” lógico e racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao seu escrutínio.
Na verdade, basta ler o falado Aresto para constatar que a Relação teve particularmente em atenção os quesitos que mereceram respostas negativas: tratou de os identificar, não apenas pela respectiva numeração, mas também com reporte à matéria factual que neles se integrava (procedimento na recepção de mercadorias – quesitos 103º a 110º, 113º,115º,118º e 120º - substituição de facturas de vendas, vendas fictícias – quesitos 121º a 131º - stocks negativos, vendas por grosso, faseadas e vendas a crédito – quesitos 132º a 146º e 150º), subversão das normas da empresa – quesitos 159º, 160º e 162º.
Ademais, fez uma análise crítica e proficiente dos diversos depoimentos coligidos, explicitando a razão por que, no contexto da auditoria ordenada pela Ré, relevou o depoimento da testemunha que mais cita (José Carlos Alves Martins, interveniente em tal auditoria), salientando que tal depoimento se mostra corroborado por outros testemunhos.
E também não deve surpreender que essas \mesmas testemunhas tenham sido chamados a motivar as respostas positivas, do ponto em que tais testemunhos recairam sobre um largo campo factual, sucedendo ainda que muitos dos quesitos respondidos negativamente retratam uma versão diversa – e, por vezes, contrária – daquela que integrava os quesitos com resposta afirmativa, incidindo todos eles, afinal, sobre o mesmo ponto da realidade histórica.
Deste modo, devemos concluir que a Relação, ao expor nos termos descritos os fundamentos da sua convicção, cumpriu cabalmente as funções de ordem endoprocessual e extraprocessual a que se acoberta a exigência constitucional de fundamentação dos actos jurisdicionais.
3.4.1
Passemos à terceira questão, que – já não dissemos – se conexiona estreitamente com aquela que acabámos de analisar.
Entende a recorrente que a 1ª instância não deu cumprimento cabal no disposto no art.º 653º nº2, relativamente à matéria de facto não provada: por isso, reclamou na apelação que fosse ordenado o reenvio dos autos àquela instância, para que aí se operasse a fundamentação omitida.
O Acórdão em crise não deixou de avalizar a tese da recorrente, discorrendo como segue:
“Ora, nesta parte, a Ré tem razão, dado que o trecho transcrito denota insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto negativa, atento o disposto no artigo 653º nº2 do C.P.C., pois não explica os motivos concretos da convicção negativa do M.mo Juiz da 1ª instância em relação à matéria em causa”.
Não obstante, acabou por recusar o peticionado reenvio dos autos, fazendo-o sob a seguinte fundamentação:
“É facto público que o Magistrado Judicial, que presidiu ao julgamento e decidiu a matéria de facto e de direito, foi nomeado Juiz Desembargador Auxiliar, … pelo que é impossível obter a fundamentação com o mesmo juiz que julgou a causa. Por outro lado, impõe o bom senso, o princípio dos princípios do direito, que não se “obrigue” o actual Juiz titular… a realizar outras 13 sessões de julgamento e a gravar mais 22 cassetes, de 90 minutos cada uma, apenas para suprir uma irregularidade processual, de valor ínfimo, comparado com o incómodo, para todos os intervenientes, que a repetição do julgamento acarretaria, tanto mais que a prova pessoal está gravada e a sua valoração foi submetida à apreciação do tribunal de recurso. Por último, seria um acto inútil e dilatório enviar o processo à 1ª instância para que fosse declarada a impossibilidade de fundamentação pelo actual titular…” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
A recorrente censura este entendimento, a que dedica as conclusões VI a X: começa por defender a recorribilidade do sobredito segmento decisório – sob pena de inconstitucionalidade do seu art. 712º n.º 6 do C.P.C., quando interpretado em sentido contrário – para, de seguida, invocar a também inconstitucionalidade do seu nº 5, com o sentido interpretativo que dele retirou a Relação.
Vejamos.
3.4.2
No âmbito da decisão relativa à matéria de facto, a intervenção do Supremo está circunscrita aos poderes próprios que a lei adjectiva lhe confere.
No plano da alteração factual, esses poderes circunscrevem-se às situações em que o Tribunal recorrido tenha violado “… uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – art.ºs 722º nº 2 e 729º nº 2 do C.P.C. -: impõe-se, pois, que ocorra uma ofensa do direito probatório material.
A par disso, também se consente que o Supremo anule, total ou parcialmente, a decisão, actual, quando “… entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito” – nº 3 daquele art.º 729º.
Neste contexto, compreende-se que a disciplina enunciada no nº6 do art.º 712º vede ao Supremo a sindicância das decisões que a Relação tenha proferido ao abrigo dos números precedentes do preceito, certo que aquele art.º 712º se reporta, especificamente, à modificabilidade da decisão de facto da 1ª instância por banda do Tribunal da Relação.
Daí não decorre, naturalmente, que ao Supremo sejam retirados os mencionados poderes próprios, que também possui neste domínio.
Como diz Lopes do Rego, a solução do falado nº 6 “… em nada preclude o exercício pelo Supremo dos poderes próprios que a lei lhe confere sobre a matéria de facto, nomeadamente nos art.ºs 722º, nº 2 e 729º, nº 3, funcionalmente ligados ao correcto enquadramento jurídico do pleito: na verdade, quando o STJ actua tal previsão normativa – que integralmente se mantém – não está a controlar o uso ou não uso pela Relação dos poderes de anulação ou alteração da decisão de facto, emergentes deste art.º 712º, mas integralmente a utilizar poderes próprios de controlo da matéria de facto, destinados a possibilitar uma correcta apreciação da matéria de facto” (in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ªed., pág. 611).
Além disso – e como tem entendido a jurisprudência deste tribunal – da disciplina consagrada no citado nº 6 não decorre que o Supremo esteja impedido de sindicar a interpretação e aplicação que a Relação haja feito das sobreditas normas, contidas nos diversos números do falado art.º 712º nem, tão-pouco, eventuais nulidades decisórias que, porventura, haja cometido na sua pronúncia.
É que, tanto num caso como noutro, bem pode o tribunal “a quo” ter incorrido, respectivamente, em “erro de julgamento” ou em vício gerador de “nulidade de decisão”, que se contenham na competência funcional censória do tribunal de revista (cfr. Ac. desta Secção de 19/12/2007, no recurso nº 2718/07, em que intervieram os ora Relator e Adjuntos).
De todo o modo, a irrecorribilidade consagrada no nº 6 do art.º 712º e a eventual restrição que possa fazer-se do seu âmbito (alargando a possibilidade de o Supremo sindicar decisões previstas no mesmo artigo quando haja uma incorrecta interpretação e aplicação das correspondentes normas jurídicas) não pode contender com as opções do legislador no que concerne à competência funcional do Supremo que, em princípio, apenas aprecia matéria de direito, não podendo, em regra, alterar os factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido.
Como se extrai destas considerações – e das que já se adiantaram no âmbito da questão precedente – entendemos que a irrecorribilidade consagrada no n.º 6 do art.º 712º abrange as decisões proferidas nos termos do seu n.º 5.
Na verdade, a deficiente fundamentação pressuposta neste último inciso reporta-se à fundamentação da decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto vertidos na base instrutória, isto é, contende com a análise de meios de prova submetidos à livre apreciação do julgador, sobre os quais não pode o Supremo, consabidamente, exercer censura.
Assim, por muito que a decisão da Relação possa ser incorrecta, o Supremo não pode interferir no juízo extraído, sob pena de exceder as suas competências decisórias e se intrometer num campo que lhe está vedado.
De resto, não existe preceito correspondente ao n.º 5 do art. 712º quando a Relação, reapreciando a matéria de facto, não indique os fundamentos da alteração ou da manutenção do decidido em 1ª instância.
E bem se entende que assim seja:
- quando a Relação é chamada a controlar a decisão factual, reaprecia o julgado e substitui-se à 1ª instância, sendo esse o caso, na fixação de acervo fáctico, tornando-se mister que conheça os fundamentos da decisão que reaprecia;
- ao invés, a motivação dessa reapreciação já é de todo irrelevante no que respeita a qualquer controlo do tribunal superior (no caso, o S.T.J.), pois a decisão da Relação – incidente sobre meios de prova sujeitos à livre apreciação das instâncias – não pode ser objecto de recurso: daí que a lei não preveja qualquer sanção para uma eventual omissão (ou insuficiência) motivadora da Relação neste domínio.
Em suma:
devemos entender que a falta de fundamentação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, com violação do referido art. 653º n.º 2, só pode ser sancionada pela Relação, no uso dos poderes que o art. 712º lhe confere;
logo, se a questão por repristinada na revista, não pode dela conhecer o Supremo por a tanto obstar o n.º 6 do art. 712º.
3.4.3.
Sustenta a recorrente que este normativo é inconstitucional, por violar os arts. 2º e 20º n.º 1 da C.R.P., quando interpretado no sentido de abarcar toda e qualquer decisão prevista nos números precedentes (1 a 5).
Não cremos que assim deva ser entendido.
Aquele art. 20º n.º 1 consagra o direito à resolução dos conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade, designadamente obstando a que o desfavor económico possa prejudicar algum dos pleiteantes.
O Tribunal Constitucional tem afirmado uniformemente que o princípio geral do acesso ao direito e à justiça não estabelece nenhuma garantia genérica de direito ao recurso, concretamente a garantia do duplo grau de jurisdição (cfr. Ac. n.º 415/01, de 3/10/2001, in www.tribunalconstitucional.pt).
Essa garantia só é assegurada em matéria penal – e, mesmo assim, só apenas com a alteração introduzida no art. 32º pela revisão constitucional sequente à Lei n.º 1/97, de 20 de Setembro – sem embargo de haver quem entenda como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de Direito Democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidas (cfr. declarações de voto exaradas nos Acórdãos n.ºs 65/88 e 202/90, incluídos no “site” anteriormente identificado).
Quanto ao mais, aquele tribunal tem considerado que ao legislador apenas está vedado suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recurso mas, e em contraponto, já não se lhe impede que regule, com margem ampla de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. Acs. n.ºs 178/88 e 450/89, no mesmo “site”).
Como se vê – e afora as assinaladas excepções – não existe um ilimitado direito de recorrer, de onde resulta que a garantia da via judiciária não envolve, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição.
Por isso, é manifesto que a interpretação dada no art. 712º n.º 6 – de modo a considerar que nele se inclui a decisão da Relação nos termos de seu precedente n.º 5 – não afronta o Texto Fundamental.
3.4.4.
Sustenta também a recorrente, ainda no mesmo contexto, que o próprio art.º 712º n.º 5, segunda parte, é inconstitucional, por afrontar os arts. 3º n.ºs 2 e 3 e 205º n.º 1 da C.R.P., no ponto em que se entenda que, havendo impossibilidade de o juiz da causa fundamentar a decisão factual, basta que justifique essa impossibilidade.
Uma vez afirmada a irrecorribilidade do segmento decisório do Acórdão que, interpretando e aplicando aquele art. 712º n.º 5, decide a questão da alegada omissão motivatória das respostas negativas, prejudicado se mostra o conhecimento desta específica inconstitucionalidade.
Apesar disso, sempre se dirá que, no caso dos autos, a instância com poder para decidir a matéria de facto fundamentou devidamente as respostas de conteúdo negativo: reportamo-nos ao Acórdão em conferência da Relação, que completou a fundamentação emergente do seu primitivo Acórdão.
É dizer que, embora não totalmente oriunda da 1ª instância, a decisão fáctica proferida nos autos mostra-se convenientemente motivada, em conformidade com o que prescrevem os arts. 563º n.º 2 do C.P.C. e 205º n.º 1 da Constituição.
3.5.1.
Relativamente à quarta questão – de que agora nos passamos a ocupar – remetemos, antes de mais, para o “iter processual” já coligido a fls. 1vs. e 2.
Sabemos, pois, que a Ré se insurgiu contra o âmbito da “Resposta” produzida pelo Autor, que arguiu a nulidade resultante da omissão de pronúncia sobre esse seu requerimento, que pediu a aclaração do despacho que veio a recair sobre tal arguição e que, finalmente, agravou desse mesmo despacho.
O Tribunal da Relação negou provimento ao agravo, pronunciando-se nos seguintes termos:
“A recorrente entende que o despacho recorrido não contém uma verdadeira e efectiva decisão sobre a questão da (in)admissibilidade da resposta à contestação, o que equivaleria à não pronúncia, nos termos dos artigos 666º n.º 3 e 668º n.º 1 alínea d), ambos do C.P.C..
Tais normas dispõem que é nulo o despacho “quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ...”.
Ora, no presente caso, não se verifica a nulidade invocada, já que o M.moJuiz se pronunciou sobre a questão suscitada no requerimento da ré. Se correctamente ou não, é assunto da substância do requerido.
E, quanto à substância, a recorrente requereu que não fosse considerada a matéria descrita sob os artigos 2º a 23º do articulado de resposta, por não caber na defesa por excepção. E o M.mo Juiz pronunciou-se nos termos dos despachos supra transcritos.
Somos de opinião que a decisão correcta era identificar, com clareza, qual “a parte em que o referido articulado de resposta extravasa as finalidades estabelecidas “ no artigo 60º do CPT, embora se possa argumentar que o M.moJuiz se estava a reportar ao artigo 2º do requerimento da ré, que destaca a matéria – artigos 2º a 23º da resposta – sobre a qual não era admissível resposta.
Seja como for, essa irregularidade processual não teve qualquer influência no exame ou na decisão da causa – cfr. artigo 201º n.º 1 da CPC – já que a recorrente não demonstrou que essa matéria tivesse sido incluída nos factos assentes ou na base instrutória, elaborados em momento anterior à reclamada nulidade, por parte da ré.
Assim, sendo tal omissão irrelevante para a decisão da causa, não constitui a nulidade processual invocada” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
A recorrente retoma a questão na revista, avançando o entendimento de que a 1ª instância cometeu uma nulidade decisória e que, como quer que fosse, não era a ela que cabia, enquanto simples parte, identificar se a matéria excedente estava, ou não, incluída na condensação factual.
3.5.2.
O comando legal do art. 754º n.º 2 do C.P.C., restritivo da admissibilidade do recurso de agravo, pressupõe que o Acórdão da Relação tenha incidido sobre decisão da 1ª instância: só nesse caso se poderá falar em agravo continuado.
A regra emergente deste preceito não é aplicável à arguição de nulidades assacadas a decisões da 1ª instância, caso em que, naturalmente, apenas existe a decisão da Relação sobre o vício aduzido.
Este entendimento, que é pacífico, abrange os casos em que o juiz da 1ª instância se pronuncia, em termos denegatórios, sobre a nulidade que é apontada à sua decisão: é que essa pronúncia integra-se na decisão pretensamente viciada, não consentindo recurso autónomo, continuando a existir, por isso, uma única decisão – a da Relação – sobre a matéria.
Há que enfrentar, por isso, a questão suscitada, ficando também esclarecido que o Supremo não aprecia directamente a nulidade assacada à 1ª instância mas, como está bem de ver, a bondade da decisão que sobre ela recaiu por parte da Relação.
Perante a sequência adjectiva que já ficou enunciada, concordamos em absoluto com a recorrente na parte em que afirma que o despacho de fls. 333 – mesmo integrado pelo seu “esclarecimento” – não contém uma verdadeira decisão, não obstante a sua aparência formal, o que equivale à omissão cognitiva da questão colocada pela Ré.
A recorrente pediu ao tribunal que desconsiderasse parcialmente a resposta à contestação: o Tribunal respondeu-lhe ser admissível aquele articulado e ser “evidente” que o mesmo não será considerado na parte em que extravasa as finalidades legais, mais referindo, quando lhe foi solicitado que esclarecesse qual era essa parte, que nada tinha a acrescentar ao anteriormente decidido.
É meridianamente claro que ninguém pode convictamente afirmar “a que parte” da resposta à contestação se quis referir o Mmo Juiz e, designadamente, dizer que a parte por ele considerada inadmissível se reportava ao artigo 2º do requerimento da Ré, que destaca a matéria dos art.ºs 2ª a 23ª da “Resposta”.
Decidindo como decidiu, o M.m Juiz não atendeu à prescrição do art.º 660º nº2 do C.P.C., inquinando a respectiva peça decisória do vício cominado no art.º 668º nº 1 al. D) – omissão de pronúncia – cujo preceito é também aplicável aos despachos – art.º 663º nº 3, ambos do diploma adjectivo citado.
3.5.3
Antes de prosseguir, cabe dizer que a questão vertente não pode ser analisada à luz do art.º 201º do C.P.C. – como fez o Acórdão recorrido – já que a lei prevê expressamente a nulidade da sentença/despacho quando o Juiz não se pronuncie sobre questões que deva apreciar.
Trata-se de uma realidade decisória, que em nada se confunde com as nulidades processuais.
Também aqui tem razão a recorrente, muito embora seja de recordar que foi ela própria, ao interpor recurso de agravo, que requereu a anulação do processado subsequente, invocando, nem mais, o falado art.º 201º.
Não obstante tudo o que se deixou dito – reconhecimento do vício aduzido e sua qualificação jurídica – a verdade é que se torna absolutamente inútil o conhecimento da questão em análise.
Vejamos.
Compulsando os autos, verifica-se que a alegação contida na resposta à contestação, cuja atendibilidade se questiona, não encontrou eco no despacho em que se procedeu à selecção da matéria de facto assente e controvertida (fls. 254 e segs.).
Essa alegação apenas poderá ter sido objecto da prova produzida, eventualmente, na parte em que configurava uma repetição do que o Autor já invocara na P.I.. Mas, neste caso, é evidente que a sua submissão à instrução decorreu, tão somente, da alegação inicial do demandante – aliás, vertida “ipsis verbis”, na medida daquilo que se considerou relevante, no despacho de condensação factual – e não da sua alegação no articulado cuja admissibilidade se questiona.
Em suma:
Apesar da reconhecida omissão decisória, a verdade é que a pretensão da Ré acabou por ser materialmente atendida na 1ª instância, pois nenhum dos factos alegados na “Resposta” foi, de “per si”, objecto de prova, não se vislumbrando, pois, qualquer consequente reflexo dessa pretensa atendibilidade nos fundamentos da decisão de mérito lavrada pelas instâncias.
É princípio geral que não incumbe aos Tribunais apreciar questões cuja decisão careça de relevância prática para o despacho da demanda.
Assim o impõe o princípio da economia processual, acolhido e sucessivamente reforçado no compêndio adjectivo geral, de que constituem afloramentos o art.º 137º - “não é lícito realizar no processo actos inúteis” – o já citado art.º 201º e o próprio art.º 660º nº 2 – que exclui, do dever geral de “resolver todas as questões,” “aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” -.
No fundo, o que a Ré pretendia é que a matéria alegada na resposta não fosse atendida na decisão jurídica do pleito.
Ora, como tal matéria não foi submetida a instrução, os fins visados pela Ré foram cabalmente atingidos.
Nada justificaria, pois, uma eventual decisão do Supremo a considerar verificada a arguida omissão de pronúncia e, destarte, a fazer retornar o processo à fase em que a 1ª instância, incorrectamente, não circunscreveu no despacho respectivo a parte da “Resposta” que considerava inadmissível.
3.5.4
Quanto aos documentos juntos com a “resposta”, e numerados sob 1 a 9, só uma leitura menos atenta do despacho de fls. 333 pode justificar que a recorrente afirme não se ter a 1ª instância pronunciado sobre a sua apresentação.
Com efeito, o Exm.º Juiz indeferiu expressamente, nesse sobredito despacho, o requerimento em que a Ré reclamava o desentranhamento de tais documentos.
Deve notar-se, aliás, que é lícita a apresentação de documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção e da defesa até ao momento previsto no art.º 523º nº 2 do C.P.C. – encerramento da discussão em 1ª instância – e que, como a própria Ré reconhece (a fls. 1210 das alegações da revista), estes documentos “…destinavam-se a comprovar a tese que venceu na 1ª instância e na Relação a quo, segundo a qual o desrespeito dos procedimentos instituídos pela Ré era uma prática habitual e institucionalizada na loja de Braga e instigada pela própria Administração”.
Ora, essa tese é aquela que o Autor já defende desde o petitório inicial e não resulta de uma posição tomada “ex novo” no articulado de “Resposta”.
Finalmente, a relevância destes documentos para a resposta à factualidade que foi objecto de instrução – exclusivamente a alegada na P.I. e na contestação – resulta com clareza do despacho que decidiu a matéria de facto – fls. 689 e segs. – aí se fazendo referência expressa ao relevo dos documentos de fls. 201 a 206 e 210 a 214 (docs. n.ºs 1 a 5 e 7) para as respostas fixadas.
3.6.
No decurso da audiência de julgamento – cuidamos já da quinta questão – a Ré requereu a inquirição da testemunha comum, Rui Amaral, que, em momento anterior, fora prescindida por ambas as partes.
Sobre este requerimento incidiu o seguinte despacho:
“Tendo a testemunha Rui da Conceição Rodrigues do Amaral sido arrolada por Autor e Ré, posteriormente, foi prescindida por ambos, conforme se vê de fls. 418 e 419.
Nos termos do disposto no artigo 645º, nº 1 do Cod. Proc. Civil, o Tribunal pode, oficiosamente, ordenar a notificação de qualquer pessoa para depor, quando haja razões para presumir que ele tenha conhecimentos importantes para a boa decisão da causa.
Porém, pela forma como se encontra a decorrer a presente audiência de julgamento, não me convenço que a referida pessoa tenha conhecimento de factos que interessem à decisão da causa, e que ainda não estejam suficientemente esclarecidos “(FIM DE TRANSCRIÇÂO).
A Ré agravou deste despacho, arguindo a sua nulidade, nos termos do art.º 201º nº1 do C.P.C., e concluindo que a referida testemunha devia ter sido admitida a depor, sob pena de se omitir acto que influi na decisão da causa.
A Relação do Porto negou provimento ao agravo, considerando que não ocorreu violação do princípio do inquisitório e que o Exm.º Juiz, não estando obrigado a cumprir os art.ºs 265º nº 3 do C.P.C. e 72º nºs 1 e 2 do C.P.T., podia entender a diligência como um acto inútil ou meramente dilatório, em face da anterior atitude da Ré.
A recorrente também retoma a questão na revista, dedicando-lhe a conclusão V.
Embora venha arguir a nulidade do despacho transcrito (invocando, também aqui, o art.º 201º, apesar de estarmos perante uma decisão judicial), o certo é que os argumentos coligidos se prendem com a conformidade de tal despacho com a lei adjectiva – art.ºs 3ºA, 265º nº3 e 645º do C.P.C.).
Como dizem Lebre de Freitas e outros (ob. cit., pág. 373), quando um despacho judicial “… admite a prática de um acto da parte que não podia ter lugar, ordena a prática de um acto inadmissível ou se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo acto previsto na lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a ser coberta pela decisão, expressa ou implícita, proferida, ficando esgotado quanto a ela o poder jurisdicional (art.º 666º nº1)”.
No caso dos autos, o despacho em análise indeferiu a requerida inquirição de uma testemunha.
Versou, pois, sobre questão de natureza processual, proferiu decisão sobre ela, sendo o recurso de agravo o próprio para a respectiva impugnação.
Por outro lado, sempre que o recurso de revista seja o próprio, a lei admite que o recorrente invoque, além da violação da lei substantiva, a violação da lei do processo, quando desta for admissível recurso, nos termos do art.º 754º nº2 do C.P.C., de modo a interpor do mesmo Acórdão um único recurso – art.º 722º nº1 do referido Código.
O referido art.º 754º dispõe como segue:
“1 – Cabe recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação.
2 – Não é admitido recurso do Acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme.
3 – O disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável aos agravos referidos nºs 2 e 3 do artigo 678º e na alínea A) do número 1 do artigo 734º”.
No caso dos autos, tratando-se, patentemente, de um agravo continuado e não decorrendo qualquer das excepções enunciadas nos nºs 2 e 3 do preceito transcrito, não é admissível recurso da decisão da Relação que apreciou o questionado despacho da 1ª instância.
3.7.1
Passemos à última questão, a única, afinal, que se prende com o mérito da causa: a legalidade, ou ilegalidade, do despedimento do Autor.
Sabemos que as instâncias rejeitaram a pretensa “justa causa” dessa medida disciplinar.
Na revista, continua a recorrente a sustentar que a actuação do Autor, na perspectiva do “empregador razoável”, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência do respectivo vínculo laboral.
A par disso, invoca o carácter manifestamente conclusivo das expressões contidas nas alíneas dd), ee) e qq): “pratica habitual e institucionalizada”, “prática essa incentivada e incrementada”e “prática essa incentivada e incrementada,”peticionando que as mesmas sejam havidas por não escritas por não reproduzirem factos materiais.
Comecemos por abordar, como se impõe, este último reparo.
3.7.2
Quando o art.º 646º do C.P.C – que cuida da intervenção e competência do Tribunal Colectivo na direcção e julgamento da causa – estabelece, no seu nº4, os limites da validade e atendibilidade das respostas à base instrutória, está a reflectir sobre questões que integram matéria de direito.
Por isso, tem-se entendido que o Supremo é competente – mesmo oficiosamente – para decidir se as correspondentes respostas devem, ou não, ser eliminadas.
E também se tem entendido que se a resposta a um “quesito”, ou um dado ponto da matéria de facto assente que seja transposto das próprias alegações das partes, contiverem, simultaneamente, matéria de facto e matéria de direito, a sanção prevista naquele comando legal só abrangerá a parte que se refira à questão de direito: consequentemente, se a matéria de direito tiver sido excluída, não tem o Supremo que exercer qualquer censura nos termos desse normativo.
Preceitua aquele art.º 646º nº4:
“ têm-se por não escritas as respostas do Tribunal Colectivo sobre questões de direito…”
A separação entre facto e direito está presente nas várias fases do processo declarativo: na elaboração dos articulados, na selecção da base instrutória, no julgamento, na delimitação do objecto dos recursos.
É sobejamente conhecida a dificuldade da destrinça entre os juízes de facto (reconstituição histórica do mundo do ser) e as questões de direito – cfr. Antunes Varela e outros in “Manual do Processo Civil”, 2ª ed. , pág. 410, nota 1-.
Estes Autores entendem que “dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes) cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem), mas também eventos do foro interno, da vida psíquica ou emocional do indivíduo (v.g., a vontade real do declarante, o conhecimento dessa vontade pelo pelo declaratário), as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria.
E acrescentam que, embora a área dos factos (seleccionáveis para o questionário) cubra, principalmente, os eventos reais, também pode abranger as “ocorrências virtuais” (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto (nexo causal; lucros cessantes; vontade hipotética ou conjectural das partes). Tais juízos de facto traduzem realidades de uma zona empírica, que faz parte do “thema probandum”: trata-se da zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo – normativos” que, esses sim, integram a esfera do direito.
Também é legítimo utilizar na condensação factual certos conceitos jurídicos que são utilizados na linguagem corrente para expressar uma determinada realidade de facto (“pagar”, “vender”, “sinal”), salvo quando esses conceitos integram o “thema decidendum” da acção.
No caso vertente, vêm questionadas as seguintes expressões:
-“ prática habitual e institucionalizada”;
-“ prática essa incentivada e incrementada”;
- “ prática era incentivada e incrementada”.
No contexto da factualidade apurada, não se suscitam dúvidas sobre o alcance fáctico destas proposições linguístico-gramaticais.
Conhecendo-se quais os factos elencados na nota de culpa documentada nos autos e referenciada na matéria de facto, a afirmação de que “todos os factos ínsitos na nota de culpa são uma prática habitual e institucionalizada na loja de Braga já antes do Autor assumir as funções de director da loja, prática essa incentivada e incrementada por aquele que posteriormente haveria de ser o administrador da Ré – Dr. Rui Amaral” (E E)) tem um evidente significado fáctico: o de que aqueles factos (ou ocorrências da vida real, ali pormenorizadamente descritos), relativos ao procedimento da compra e venda de máquinas constituem a maneira de proceder (“prática”) frequente ou vulgar e em vigor na empresa (“habitual e institucionalizada”) antes de o Autor assumir funções de Director da loja, e que tal prática era estimulada e fomentada (“ incentivada e incrementada”) pelo Dr. Rui Amaral, que foi posteriormente administrador da recorrente.
Tendo, a matéria de facto um relato circunstanciado dos procedimentos efectivamente adoptados no hipermercado da Ré, no que concerne à compra e venda de máquinas da Fagor, é de considerar que o uso das assinaladas expressões integra um juízo de facto – por apelar, não à sensibilidade do jurista, mas a critérios próprios do homem comum.
Embora tais expressões tenham um carácter amplo ou de síntese, não deixam de reportar a dados da vida real que emergem da demais factualidade apurada e que traduzem, elas mesmas, juízos de facto, que, como tal, não podem ser censurados pelo Supremo.
3.7.3
Aqui chegados, cumpre averiguar agora se a factualidade coligida integra, ou não, justa causa de despedimento.
Na correspondente nota de culpa, a Ré imputa ao autor a violação dos deveres de lealdade, diligência, obediência e colaboração, previstos nas als. A), B), C), E) e F) nº1 do art.º 20º do D.L. nº 49.408, de 24/11/69 (L.C.T.).
Essa pretensa violação é aduzida sob o fundamento de que diversas máquinas de lavar roupa, cujo pagamento é reclamado pela fornecedora “Fagor”, “… terão sido recepcionadas pelo hipermercado BB de Braga” e “a terem, sido recepcionadas, foram subtraídas da esfera patrimonial da Arguente, por alguém e em circunstâncias que a Arguente não pôde apurar”, enumerando, nesse contexto, uma série de factos relacionados com os procedimentos de compra e venda adoptados no hipermercado que o Autor dirigia.
Na decisão final, por seu turno, a Ré veio a fundar o despedimento apenas na violação dos deveres de lealdade e custódia, considerando, em suma, ter o Autor “… instituído a não verificação física das máquinas, a sua descarga em instalações estranhas à Ré, a sua introdução manual em stock e a bel-prazer de duvidosas conveniências, para além de ordenar o registo de vendas sem qualquer relação subjacente factual, com o intuito de demonstrar ludibriadamente à administração que, não só a loja por si dirigida vendia bem como, em determinadas épocas, vendia mais do que os restantes hipermercados BB”, mais se acrescentando que esta prática, instituída pelo Autor, “… descambou no total descontrolo das existências, registos e vendas dessas máquinas” (cfr. fls. 15 e segs. da providência apensa e als. 6) e 4) da matéria de facto assente).
3.7.4
Logo perante a “nota de culpa”, são legítimas as dúvidas colocadas pelo Tribunal da Relação:
- porquê o recorrido, se a Ré não sabe quem foi o autor do eventual furto, nem as circunstâncias em que o mesmo terá ocorrido?
- porquê o Autor e não qualquer outro Director ou Administrador da Ré com responsabilidades ao nível do recepcionamento e verificação da mercadoria vendida no Hipermercado BB?
Não obstante, também é certo que a Ré, tanto na decisão de despedimento, quanto nas alegações da presente revista, já não insiste na tese do furto, vindo a recolocar a questão num outro prisma: a imputação ao Autor, que era o topo hierárquico da loja, da iniciativa de não cumprir o procedimento instituído pela demandada, consequenciando o assinalado descontrolo total das existências, registos e vendas das sobreditas máquinas.
É de todo evidente que tal imputação, na sua pureza, não poderia deixar de constituir justa causa de despedimento de um trabalhador que, como o demandante, tinha a categoria profissional de director e responsável pela gestão, coordenação e direcção do hipermercado: a essa conclusão necessariamente conduzem a natureza dessas funções, a gravidade da inerente violação dos deveres laborais – essencialmente os de obediência, lealdade e custódia – e o desvalor associado aos resultados atingidos – o mencionado descontrolo, com graves consequências no funcionamento empresarial.
Simplesmente, a Ré não logrou provar – como era seu ónus, nos termos do art.º 12º nº4 do D.L. nº64- A/89, de 27 de Fevereiro (L.C.C.T.) – a generalidade dos factos a que se acobertava a sua tese.
Não só não provou a generalidade das normas internas que alegara nos arts. 58º e segs. da contestação (respostas aos quesitos 103º e segs.), como não provou a intervenção do Autor:
- na omissão propositada ao cumprimento de procedimentos relativos aos fornecimentos feitos pela Fagor e instituição, por ele próprio, de praticas de facturação a clientes de vendas não realizadas, de facturação a clientes de vendas fictícias e de anulação de facturas (respostas aos quesitos 115º e 121º e segs.);
- na implementação do negócio das vendas por grosso deste tipo de máquinas (respostas aos quesitos 134º e segs.);
- na ordem aos funcionários da portaria /recepcionistas para que assinassem e carimbassem os documentos dos fornecedores, para fazer constar que a loja tinha recebido as quantidades mencionadas naqueles documentos mesmo sem que isso correspondesse à realidade (respostas aos quesitos 138 e segs);
- no conhecimento complacente de que eram descarregadas em Famalicão máquinas fornecidas pela Fagor e que se destinavam à loja de Braga (respostas aos quesitos 144º e segs.).
Além disso, também a Ré não demonstrou outros factos relacionados com o protagonismo do Autor na descrita situação, não provando, designadamente, ser ele quem escolhia as facturas de vendas fictícias a anular e as entregava aos funcionários para que as anulassem, dando ordens expressas e diárias aos seus subalternos para que adoptassem as práticas acima referidas, mesmo contra a renitência destes, ameaçando-os de que os despediria se não lhe obedecessem (respostas aos quesitos 152º e segs.).
Aliás, cabe notar que a recorrente, ao longo das suas alegações e para fundamentar a sua tese, explana uma série de factos que foram vertidos na base instrutória mas que mereceram a resposta de “Não Provado” (além do mais, os alegados nos art.ºs 58º a 69º, 70º, 71º, 87º e 89º da contestação).
3.7.5
Mas, acima de tudo, cabe atender ao que ficou provado nos autos.
Assim, ficou concretamente demonstrado que o Autor nunca emitiu qualquer ordem aos recepcionistas ou outros para não cumprirem os procedimentos instituídos na Ré (dd)) e que todos os factos ínsitos na nota de culpa são uma prática habitual e institucionalizada na loja de Braga já antes de o Autor assumir as funções de seu director, prática essa incentivada e incrementada por aquele que haveria posteriormente de ser o administrador da Ré- Dr. Rui Amaral (EE) e qq)).
Além disso, ficou provado que esta prática sucedia igualmente na recepção e facturação do bacalhau no que diz respeito à “Uniarme” porque institucionalizada essa prática pela Administração, em que o bacalhau comercializado em todas as lojas do BB é facturado pela loja de Braga e sem que esta faça qualquer recepção ou confirmação ou verificação física da mercadoria.
Ademais, sendo essa mercadoria recebida por outras lojas, também se provou que estas comunicam a Braga a quantidade que entendem, sem qualquer controlo por parte desta, sucedendo que essa comunicação, por regra, não correspondia às quantidades facturadas pela “Uniarme”.
Provou-se, enfim, que os procedimentos de recepção e conferência de mercadorias não eram cumpridas pela Ré e que este descontrolo era instigado pela Administração, uma vez que eram elaborados orçamentos sempre mais elevados do que os dos anos anteriores para dar a ideia de crescimento em vez de regressão (ff),gg) e hh)).
Provou-se, finalmente que existem e existiam sempre, em todas as lojas, stocks negativos de grande dimensão, porque os procedimentos eram exactamente os mesmos (II)).
Neste contexto – em que a própria Ré procede do modo que agora quer censurar ao Autor – não se alcança como possa validamente imputar-se a este, sequer, a prática de uma actuação desconforme com os procedimentos instituídos pelo seu empregador, ou uma atitude de deslealdade para com este.
Ora, constitui pressuposto primeiro do conceito de justa causa – contido no art.º 9º da L.C.C.T. – a existência de um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral.
A exigência da ilicitude desse comportamento reporta-se, sem dúvida, a condutas activas ou omissivas, mas tem que se reconduzir, sempre e obrigatoriamente, à violação de deveres laborais, sejam eles principais ou secundários, sejam ainda acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato.
Sem a prática de um comportamento susceptível de integrar sequer infracção disciplinar, muito menos se pode hipotizar que o Autor tenha aberto, de algum modo, uma crise no vínculo, por forma a tornar imediata e praticamente impossível a sua subsistência.
3.7.6
Compreende-se que a Ré apele a regras de experiência para fazer deduzir das funções a cargo do Autor, e do recebimento por ele de diversos prémios, a conclusão de que o mesmo patrocinava a violação de procedimentos instruídos na empresa.
Segundo diz, só no plano do absurdo se poderia aceitar que, tendo o Autor recebido prémios pelo volume de vendas da loja que dirigia, para cujo montante contribuía significativamente o “negócio” das máquinas de lavar, não soubesse e não permitisse o desrespeito daqueles procedimentos.
É dizer que o Autor teria adoptado procedimentos desviantes por tal ser do seu interesse.
Contudo, o que emerge da factualidade provada – como já vimos – é que os procedimentos, cujo protagonismo a Ré imputa ao Autor, são uma prática habitual e institucionalizada na loja de Braga já antes do Autor assumir as funções de director da loja, e que essa prática era incentivada e incrementada pela Administração, que elaborava orçamentos sempre mais elevados para, desta forma, dar a ideia de crescimento em vez de regressão.
Aliás, no caso específico de Braga, esta prática foi “…incentivada pelo facto de se pretender obter resultados, pois era necessário demonstrar que a abertura de uma outra superfície na mesma cidade, e com a área de 14.000 metros, não afectava em termos de vendas a loja da Ré em Braga” (alíneas gg) e RR)).
Embora a recorrente impute ao recorrido o patrocínio da violação dos procedimentos devidos, o que emerge da factualidade assente é que os procedimentos adoptados, que já constituíam uma prática anterior, foram incentivados pela própria Administração da Ré com um objectivo específico.
Por outro lado – e no contexto dos prémios – perguntou-se no quesito 158º.
“O volume de vendas era determinante para a atribuição de prémios anuais aos directores de loja, tendo o autor efectivamente recebido prémios pecuniários porque a loja por si dirigida apresentava um bom volume de vendas?”
A este quesito foi dada a seguinte resposta (alínea eeee)):
“Provado apenas que o Autor recebeu prémios pecuniários e a loja por si dirigida apresentava um bom volume de vendas”.
Como se vê, embora quesitada factualidade para tal, não se demonstrou o nexo de causalidade entre a recepção dos prémios e o bom volume da loja.
Ficou, assim, completamente anulada uma eventual correspondência – que agora se queira fazer em nome das regras de experiência – entre a recepção de prémios e a adopção de procedimentos desviantes para documentar um maior volume de vendas.
Ora, além de estar sempre vedada ao Supremo a extracção de eventuais presunções decorrentes da factualidade assente – cuja tarefa está reservada às instâncias – também é entendimento firme que não é tolerável extrair presunções que contrariem factos submetidos a crivo probatório.
E, no caso, era a isso que conduzia a tese da Ré:
Em suma:
- o Autor não prosseguiu um comportamento disciplinarmente censurável que tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, não se havendo por preenchidas, quer a cláusula geral do art.º 9º nº1 da L.C.C.T., quer alguma das hipóteses exemplificativamente descritas no seu nº2;
- a Ré accionou, pois, um despedimento ilícito, nos termos do art.º 12º nº1 al. C) do mesmo diploma, por ser improcedente a justa causa invocada.
Destarte, nenhuma censura nos merece o Acórdão em crise.

4 – DECISÃO

Em face do exposto, nega-se a revista e confirma-se o Acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 05 de Novembro de 2008

Sousa Grandão (relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis