Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1776/11.5TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
EMPREITEIRO
SEGURO OBRIGATÓRIO
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULA LIMITATIVA DE RESPONSABILIDADE
DEVER DE INFORMAÇÃO
BOA FÉ
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
FIM CONTRATUAL
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ) / CONTRATOS EM ESPECIAL / CONTRATO DE EMPREITADA - DIREITOS REAIS - DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / ESCAVAÇÕES.
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
- Ana Prata, Contrato de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2000, 367.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 497.º, N.º1, 1348.º.
DECRETO-LEI N.º 445/91, DE 20-11, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI N.º 250/94, DE 15-10: - ARTIGOS 15.º, N.º 1, ALÍNEA E), E 21.º, N.º 2, ALÍNEA A), CONJUGADOS COM O ARTIGO 70.º, N.º 2.
DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25-10, ARTS. 1.º, 5.º, 6.º, 15.º, 16.º E 18.º, AL. B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

-DE 28-1-2015, PROCESSO N.º 01003/13, IN WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 1-7-2003, PROCESSO N.º 03A1750, DE 10-1-2006, PROCESSO N.º 3331/05.
-DE 12-6-2003 E 30-3-2006, PROCESSOS N.ºS 03B1813 E 905/2006.
-DE 13-4-2010, PROCESSO N.º 109/2002.C1.S1, DE 24-5-2012, PROCESSO N.º 4329/05, DE 9-4-2013, PROCESSO N.º 277/06, DE 5-11-2013, PROCESSO N.º 396/07.
-DE 14-11-2016, PROCESSO N.º 6A3618, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O seguro de responsabilidade civil do industrial de construção civil, cuja obrigatoriedade foi consagrada nos termos conjugados dos arts. 15.º, n.º 1, al. e), 21.º, n.º 2 e 70.º, n.º 2, do DL n.º 445/91, de 20-11 e do DReg n.º 11/92, de 16-05, alterado pelo DReg n.º 32/92, de 28-11, passou a facultativo com as alterações introduzidas ao DL n.º 445/91 pelo DL n.º 250/94, de 15-10, caducando, assim, os decretos regulamentares n.ºs 11/92 e 32/92 que davam execução às disposições do DL que instituiu o referido seguro obrigatório.

II - Assumindo a seguradora no âmbito de contrato de seguro sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, que consta do DL n.º 446/85, de 25-10, a indemnização pelos danos materiais causados em propriedades contíguas ao local de trabalho da empreitada – a empreitada que tinha por objeto a demolição de edifício e a edificação de um novo suportado em alicerces instalados após trabalhos de escavação no subsolo –, danos devidos à execução dos trabalhos seguros, a inclusão de cláusula limitativa, que pela sua amplitude retira utilidade prática à cláusula geral de responsabilidade, traduz desrespeito das regras de boa fé e dos deveres de informação referenciados nos arts. 5.º, 6.º, 15.º, 16.º e 18.º, al. b) daquele diploma, constituindo uma limitação desproporcionada à responsabilidade assumida de indemnização de terceiros pelos danos resultantes da execução da empreitada.

III - É o que sucede com a cláusula limitativa da responsabilidade por via da qual a seguradora não se responsabiliza pelos danos causados “por ou em consequência de vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações, alterações do nível freático e outros trabalhos que envolvam elementos de suporte ou subsolo, quando diretamente resultantes da execução destes trabalhos”, designadamente o invocado “enfraquecimento de fundações”, considerando que o enfraquecimento de fundações dos prédios vizinhos àquele onde se procedem a escavações constitui o principal risco que decorre precisamente das escavações em subsolo.

IV - Desrespeita-se a boa fé e o dever de informação que se impõe à seguradora, nos termos das mencionadas disposições do DL n.º 446/85, de 20-10, considerando que esta, no caso de a contraparte omitir a especificação das condições em que as propriedades se encontravam, entende que tal omissão basta para ela se poder eximir à responsabilidade assumida contra terceiros pelos danos resultantes da empreitada na base da cláusula limitativa que impõe à contraparte “verificar se estão em condições de segurança as estruturas ou propriedades existentes e de tomar as medidas necessárias de segurança, especificando as condições em que as propriedades se encontravam”.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA propôs ação declarativa de condenação com processo ordinário no dia 23-8-2011 pedindo a condenação solidária de Construções BB, Lda. (doravante BB), de CC - Sociedade de Investimentos, SA (doravante CC), esta declarada insolvente em 10-1-2012 e, consequentemente, quanto a ela julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (ver fls. 1062/1063) e de DD, Companhia de Seguros, SA (doravante DD) no pagamento de

a) 60.000,00€ correspondente ao valor da indemnização por perda do direito ao arrendamento.

b) 76.753,00€ correspondente ao valor dos bens danificados e não recuperáveis.

c) 50.000,00€ a título de danos morais.

perfazendo-se a quantia total de 186.753,00€.

E ainda no

d) Custo inerente à necessidade de instaurar a presente ação judicial para ressarcimento integral dos prejuízos sofridos, a que acrescem créditos nos montantes cuja exata contabilização não é neste momento possível, a ser apurado em fase de execução de sentença, ao abrigo do disposto no artigo 564.º/2 e 569.º do Código Civil e da alínea b) do n.º1 do artigo 471.º do CPC

e) Os juros vincendos após a citação e as custas e demais despesas do processo.

2. Alegou a A. que é arrendatária do 4.º Dt.º do prédio com o n.º 275 sito na Av. ... de que é proprietária EE - Sociedade Imobiliária, SA, em Lisboa que foi chamada a intervir nos autos sendo absolvida do pedido (sentença de 29-1-2014, fls. 756/786). A ré BB é proprietária do prédio contíguo n.º 279/281. CC demoliu este edifício e procedeu a escavações. A BB, enquanto empreiteira geral e dona da obra, transferiu para a DD responsabilidade civil emergente dos danos causados com a execução da obra. A BB procedeu em junho de 2010 através da CC à demolição do imóvel com a subsequente abertura de fundações sucedendo que a escavação feita no prédio da BB foi feita sem garantir a estabilidade do solo do alicerce do edifício habitado pela autora e, por isso, em 22 de novembro de 2010 a parede mestra do prédio 275 cedeu parcialmente, enterrando-se no solo e provocando a sua derrocada, ocorrendo no dia 24 de novembro de 2010 a derrocada do troço da fachada principal, sendo a seguir, por irrecuperável, o edifício totalmente demolido pela Câmara Municipal.

3. A ré CC, na contestação, alegou que foi contratada para edificar o edifício a construir no local do demolido edifício propriedade da BB, não procedendo à sua demolição; a BB alegou que a demolição do prédio foi levada a cabo pela empresa FF, as operações de contenção da fachada foram realizadas pela empresa GG, SA procedeu às operações de contenção da fachada do prédio da BB e a CC procedeu à escavação e operações de contenção periférica, contribuindo para a derrocada do prédio arrendado à A. o seu deficiente estado de conservação, evidenciando o imóvel sinais evidentes de degradação acentuada.

4. A ré DD alegou que celebrou com BB contrato de seguro do Ramo Todos os Riscos de Construção (fls. 302/355) sendo segurados o tomador do seguro, o dono da obra e todos os subempreiteiros, fornecedores, montadores, tarefeiros, fiscalização e qualquer outra entidade, ainda que não expressamente mencionados, desde que ligados à execução dos trabalhos para a empreitada objeto do seguro, que estejam a exercer a sua atividade no local do risco, na medida dos respetivos interesses. A empreitada era a construção do edifício destinado a habitação e comércio, constituído por duas caves e seis pisos acima da cota da soleira, compreendendo-se os trabalhos de demolição do edifício sendo o valor do seguro de 250.000€.

5. A cobertura inclui o "pagamento das indemnizações legalmente exigíveis ao segurado, a título de responsabilidade civil extracontratual em consequência de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros por acidentes diretamente relacionados com a execução dos trabalhos objeto do seguro e ocorridos no local do risco ou nos locais imediatamente contíguos".

6. Refere a DD que, nos termos da condição especial 23, n.º3 (exclusões), alínea d) estão excluídos da cobertura " os danos causados por ou em consequência de vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações, alterações ao nível freático e outros trabalhos que envolvam elementos de suporte ou subsolo, quando diretamente resultantes da execução destes trabalhos".

7. Sustenta a DD que, no caso de os danos terem sido causados pelo enfraquecimento das fundações decorrentes dos trabalhos efetuados no prédio contíguo, então esses danos estão excluídos do âmbito da cobertura da apólice.

8. Mais sustenta que, de acordo com o n.º 2 da condição especial 23, os danos "apenas ficam garantidos se, previamente ao início dos trabalhos seguros, as estruturas e/ou propriedades existentes estiverem em condições satisfatórias e/ou forem tomadas as medidas necessárias de segurança, devendo especificar-se as condições em que aquelas se encontravam ainda antes de se iniciarem os trabalhos".

9. Ora, " a verdade é que previamente ao início dos trabalhos seguros, as estruturas e/ou propriedades existentes não estavam em condições satisfatórias nem, fazendo novamente fé na petição, foram tomadas as medidas necessárias de segurança, nem foram especificadas as condições em que aquelas se encontravam antes de se iniciarem os trabalhos"

10. Na réplica salientou a autora que o seguro celebrado ente BB e DD é um seguro obrigatório por lei, não sendo admitidas as exclusões estipuladas por força do disposto no artigo 8.º do Decreto Regulamentar n.º 11/92, de 16 de maio, na redação do Decreto Regulamentar n.º 32/92, de 28 de novembro; ainda que assim não fosse, tais cláusulas devem considerar-se não escritas por força do regime das cláusulas contratuais gerais que decorre dos artigos 15.º, 17.º e 18.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 46/85, de 25 de outubro.

11. A sentença de 29-1-2014 (fls. 756/786) considerou que o seguro de responsabilidade civil extracontratual do industrial de construção civil constitui seguro obrigatório nos termos do Decreto Regulamentar n.º 32/92, de 28 de novembro, não sendo passíveis de exclusão a responsabilidade por danos decorrentes de vícios de construção que sejam imputáveis a erro ou negligência na execução da obra (artigo 12.º/2, alínea c) do Decreto-Regulamentar n.º 32/92, de 8 de novembro) e, no caso em apreço, a derrocada do prédio da autora resultou dos provados vícios de construção por parte do empreiteiro; acresce que constituem cláusulas absolutamente proibidas as cláusulas em causa porque limitam ou excluem a cobertura de responsabilidade civil fixada no seguro obrigatório do industrial de construção civil conforme resulta do disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.

12. A sentença julgou a ação parcialmente procedente por provada condenando

a) a ré seguradora DD a pagar à autora a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia de 49.000€ (quarenta e nove mil euros) e a liquidar em execução de sentença (até ao montante de 50.000€) o valor estimado dos bens móveis que compunham o recheio da sua habitação, com dedução da franquia de 10.000€, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento à taxa de 4%.

b) Absolveu esta ré do demais peticionado e absolveu todos os réus de todos os pedidos.

13. A quantia de 49.000 euros corresponde ao somatório de 15.000€ a título de danos morais com 34.000€ relativos à perda do arrendamento e danos futuros previsíveis para um período de 8 anos considerando a idade da autora de 82 anos por referência a uma perda mensal de 350€; a A. paga de renda atualmente por habitação menor em área e divisões 450€; renda similar à casa arrendada pela renda mensal de 141,32€ que perdeu com a derrocada é de 800€.

14. A autora apelou da sentença considerando que as rés não seguradoras devem ser condenadas no pagamento da franquia de 10.000€ e ainda de todo e qualquer valor que vá para além do montante dos prejuízos cobertos pela apólice no montante de 250.000€.

15. A DD apelou da sentença sustentando que o Decreto Regulamentar n.º 32/92, de 28 de novembro, se destinava a regulamentar as disposições do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, que previa a responsabilidade civil dos empreiteiros e a possibilidade de celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil, não sendo sequer de considerar que esse diploma regulamentar permitia considerar o seguro em causa de natureza obrigatória conforme resulta do respetivo artigo 6.º que previa casos em que a prova era dispensada; tal diploma está revogado com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, constituindo este um caso de revogação tácita dos regulamentos por manifesta incompatibilidade com os preceitos da lei nova, que eliminou a obrigação de seguro de responsabilidade civil, não fazendo sentido a vigência de "um regulamento destinado a regulamentar um seguro obrigatório que, por força da lei, deixou de o ser".

16. Por outro lado, e no que respeita ao regime das cláusulas contratuais gerais constante do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, o que o legislador visa proibir é que os empreiteiros, nos contratos de empreitada que celebram, usem cláusulas que limitam a sua responsabilidade pelos danos sobre pessoas e coisas, mas não no sentido de proibir "a imposição de limites ou cláusulas de exclusão em contrato de seguro facultativo que os empreiteiros venham a celebrar com a suas seguradoras […] tal norma deve ser interpretada no sentido de estabelecer o princípio de que onde a responsabilidade civil do predisponente é ilimitada, deve continuar ilimitada na relação com a contraparte ou terceiros"

17. No tocante ao cálculo da indemnização a perda mensal deve referenciar-se ao valor da renda paga (450€), devendo, por isso, considerar-se a diferença entre 450€ e 141,32€, ou seja, 308,68€ o que levaria a um montante de 29.633,28€, relevando 3 anos de perda e não os considerados 8 anos, a impor uma indemnização de 11.112.48€.

18. Também não é da responsabilidade da seguradora a indemnização por danos morais por não estar contratualmente prevista.

19. A autora recorreu subordinadamente relativamente ao recurso interposto pela DD sustentando que, a ser dado provimento ao recurso da DD, então devem as rés CC e BB ser condenadas a pagar à A. solidariamente, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante de 49.000€ e a liquidar em execução (até ao montante de 50.000€) o valor estimado dos bens móveis que compunham o recheio da sua habitação, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento à taxa de 4% e bem assim os danos não patrimoniais.

20. O Tribunal da Relação absolveu a ré seguradora apoiando-se essencialmente nas razões por ela apresentadas, ou seja, considerou que houve revogação, nos termos do artigo 7.º/2 do Código Civil, do Decreto-Regulamentar n.º 32/92 por via da incompatibilidade das disposições deste diploma com as disposições do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, diploma este que substituiu integralmente a disciplina "anteriormente instituída em matéria de licenciamento de obras particulares" pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro. Não sendo o seguro de responsabilidade civil obrigatório não se lhe aplicam as regras do revogado Decreto - Regulamentar n.º 32/92 e, assim sendo, as partes, no âmbito de um seguro facultativo, são livres de modelar o âmbito das coberturas ao abrigo do princípio da liberdade contratual que consta do artigo 405.º do Código Civil; no que respeita ao regime das cláusulas contratuais gerais a interpretação que se deve abraçar, no tocante ao aludido artigo 18.º, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 446/85, é a de não impor ao terceiro um regime de responsabilidade civil diverso quanto ao seu âmbito do regime a que o predisponente se vinculou contratualmente, ou seja, onde a responsabilidade civil do predisponente é ilimitada, deve continuar, na relação com a contraparte ou com terceiros, ilimitada

21. Subsiste a condenação da ré BB - quanto à CC a instância mostra-se extinta, como já referimos, por decisão transitada que foi posterior à sua condenação pela Relação - o Tribunal da Relação, dando provimento ao recurso subordinado da autora, condenou as rés BB e CC nestes termos:

b) Concede-se provimento à apelação subordinada da autora, alterando a sentença recorrida e condenando as rés/apeladas "Construções BB, Lda" e "CC - Sociedade de Investimentos Imobiliários, SA" a pagar, solidariamente, à autora, apelante, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de 49.000€ (quarenta e nove mil euros) e a liquidar em execução de sentença (até ao montante de cinquenta mil euros) o valor estimado dos bens móveis que compunham o recheio da sua habitação, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da citação até integral pagamento à taxa de 4%.

22. Inconformadas interpõem recurso de revista a BB e a autora.

23. Sustenta a BB que o Decreto-Regulamentar n.º 32/92 não constitui regulamento de execução, mas antes um verdadeiro regulamento independente, na medida em que institui um regime totalmente inovador admissível em conformidade com o artigo 112.º/7 da Constituição da República, não tendo havido nenhuma revogação expressa ou tácita do regulamento por lei pois não há nenhuma declaração expressa de revogação do Decreto Regulamentar n.º 32/92 nem nenhuma incompatibilidade com o Decreto-Lei n.º 555/99. Assim sendo, a referida cláusula 23 limitativa constante do contrato de seguro, desrespeita o disposto no artigo 12.º/2 do Decreto Regulamentar n.º 32/92.

24. Mas, a admitir que tal Decreto-Regulamentar tivesse sido revogado, a cláusula é contrária à boa fé pois, como é manifesto, o objetivo que preside à celebração de um seguro de responsabilidade civil industrial de construção é justamente a sua proteção ao caso de danos causados pela atividade de construção.

25. Ora, ao exigir-se que "previamente ao início das obras sejam tomadas as necessárias medidas de segurança", o que está efetivamente a dizer-se " é que só se segura a responsabilidade civil do construtor se ele não se constituir em responsabilidade por culpa sua, já que a responsabilidade por culpa seria sempre excluída se tivessem sido tomadas as necessárias medidas de segurança. E o mesmo se pode dizer do universo dos lesados, uma vez que a exclusão dos danos causados em propriedades contíguas ou adjacentes constitui naturalmente uma exclusão dos lesados principais por este tipo de atividades. Da mesma forma, a exclusão dos danos causados por vibrações ou enfraquecimento das fundações abrange uma das formas mais comuns de causa de danos na atividade da construção não fazendo qualquer sentido que fosse excluída".

26. Prossegue o recorrente: "se estas exclusões fossem válidas, o construtor não teria qualquer vantagem no seguro de responsabilidade civil que contratou, sendo, por isso, totalmente contrária à boa fé a sua introdução no contrato. Ficaria não apenas esvaziado de conteúdo o contrato de seguro mas ainda precludida a intenção prática, o interesse da ré construtora, que levou as partes a celebrar o contrato de seguro, pelo que tais exclusões sempre se encontrariam viciadas de nulidade, por violação das regras dos artigos 280.º, n.º2 do Código Civil". Tais cláusulas são nulas enquadrando-se na previsão dos artigos 15.º, 16.º e 18.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

27. A BB conclui a minuta de recurso nestes termos:

1a) É obrigatória a celebração de seguro de responsabilidade civil do industrial de construção, nos termos dos artigos 6º e seguintes do Decreto Regulamentar n° 11/92, de 16 de maio, alterado pelo Decreto Regulamentar n° 32/92, de 28 de novembro.

2a) Este diploma constitui um regulamento independente, emitido ao abrigo do artigo 70°, n° 2 do Decreto-Lei n° 445/91, de 20 de novembro, pelo que a sua vigência não ficou prejudicada com a revogação da norma habilitante pelo Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de setembro.

3a) Mesmo que o diploma em questão fosse qualificado como regulamento complementar de execução do Decreto-Lei n° 445/91, a revogação da lei a que o regulamento serve de complemento e se proponha executar não provoca a cessação deste último, se, passando a haver lei nova, esta não o contrarie, e na medida dessa compatibilização, não existindo neste caso qualquer disposição do Decreto-Lei n° 555/99, que contrarie o disposto nos artigos 6° e seguintes do Decreto Regulamentar n° 11/92, alterado pelo Decreto Regulamentar n° 32/92.

4a) O artigo 4°, n° 1, alínea f) das condições gerais do contrato de seguro de responsabilidade civil constitui uma cláusula de exclusão de responsabilidade, não permitida pelo artigo 12°, n° 2 do Decreto Regulamentar n° 11/92, na redação dada pelo Decreto Regulamentar n° 32/92, o que determina a nulidade dessa cláusula nos termos gerais.

5a) Mesmo que essa cláusula fosse instituída num seguro de responsabilidade civil facultativo, continuaria a ser nula por contrária à boa fé - artigos 15° e 16° do Decreto-Lei n° 446/85 - e aos princípios do artigo 280°, n°2 do Código Civil e da ética contratual previstos no artigo 18° do Decreto-Lei n° 446/85, uma vez que não permite atingir o objetivo que preside à celebração de um seguro de responsabilidade civil do industrial de construção, o qual é justamente a sua proteção e a de terceiros em caso de danos causados a estes pela atividade de construção, prejudicando desmedida e injustificadamente, por um lado, a segurada e beneficiando, também desmedida e injustificadamente, por outro, a seguradora e pondo até em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato de seguro.

6a) Sendo manifesta a nulidade do artigo, n° 1, alínea f) das condições gerais do contrato por contrariar, quer o disposto no artigo 12°, n° 2 do Decreto Regulamentar n° 11/92, na redação dada pelo Decreto Regulamentar n° 32/92, quer o disposto nos artigos 15°, 16° e 18° do Decreto-Lei n° 446/85, quer ainda o disposto no artigo 280°, n° 2 do Código Civil, pelo que nada justifica que a ré AXA não seja condenada a indemnizar os danos causados à Autora, em lugar da ré IAMT, sua segurada.

7a) Ao decidir em contrário o douto acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação da lei em violação do disposto nos artigos 6º e seguintes do Decreto Regulamentar n° 11/92, alterado pelo Decreto Regulamentar n° 32/92, artigo 70°, n° 2 do Decreto-Lei n° 445/91, artigos 15°, 16° e 18° do Decreto-Lei n° 446/85 e artigo 280°, n° 2 do Código Civil.

8a) É inconstitucional a interpretação das normas supra referidas em sentido contrário ao defendido no presente recurso.

Nestes termos deve ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, ser proferida decisão substituindo a decisão sob recurso.

28. A Autora também sustenta que o seguro em causa é um seguro obrigatório sendo as causas de exclusão invocadas pela seguradora, a título de exceção, absolutamente proibidas; considera ainda que tais causas de exclusão são nulas por violação do princípio da boa fé, por introduzirem limitações à responsabilidade por danos patrimoniais causados na esfera da contraparte ou terceiros, por violação dos deveres de informação e de esclarecimento constantes dos artigos 5.º, 8.º 18º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro. Finaliza a sua minuta de recurso com as seguintes conclusões:

1. O Decreto Regulamentar n.° 11/92, de 16 de maio - alterado pelo Decreto Regulamentar n° 32/92, de 28 de novembro - mantém-se em vigor, porquanto inexiste qualquer declaração expressa de revogação daquele diploma, sendo o mesmo aplicável ao caso em pareço.

2. Se é certo que o referido Decreto Lei n.° 445/91, de 20 de novembro, foi revogado pelo artigo 129.°, al. a), do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, não é menos certo que inexiste no mesmo - nem em qualquer outro diploma legal - uma declaração expressa de revogação do Decreto Regulamentar n.° 11/92, de 16 de maio.

3. O seguro de responsabilidade civil extracontratual do industrial da construção civil visa, além do mais, proteger os prédios contíguos, os proprietários e/ou arrendatários desses prédios contíguos, assim como os transeuntes e, em geral, todas as pessoas a quem a execução de uma determinada obra possa eventualmente causar qualquer tipo de prejuízos.

4. Destinando-se o contrato de seguro a proteger direitos e interesses de terceiros, tem o mesmo que se considerar obrigatório ou, pelo menos, beneficiar desse mesmo regime.

5. Tendo, assim, plena justificação que um Estado de Direito continue a exigir - e continua - um seguro de responsabilidade civil obrigatório para, além do mais, proteger os proprietários/arrendatários dos prédios confinantes.

6. O artigo 12.° do Decreto Regulamentar n.° 11/92, de 16 de maio, estabelece o elenco taxativo das causas de exclusão legalmente admissíveis.

7. Tratando-se in casu de um seguro obrigatório, as causas de exclusão invocadas pela ré seguradora, a título de exceção, são absolutamente proibidas, quer porque não constam do elenco taxativo das cláusulas de exclusão legalmente admissíveis, quer porque limitam ou excluem a cobertura da responsabilidade civil fixada no seguro do industrial de construção civil.

8. O acórdão recorrido violou os artigos 8.º e 12.° do Decreto Regulamentar n.° 11/92, de 16 de maio, que fixa o âmbito do seguro de responsabilidade civil extracontratual do industrial de construção civil e estabelece o elenco taxativo das causas de exclusão legalmente admissíveis;

9. São nulas, por violação do princípio da boa fé, as cláusulas de exclusão invocadas pela ré seguradora.

10. Isto sob pena de se desvirtuar e esvaziar o conteúdo e o objeto do contrato de seguro em apreço.

11. Sempre sem conceder, o contrato de seguro dos presentes configura um contrato de adesão.

12. Nos termos do artigo 15.° do Decreto-Lei n.º 446/85 são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé.

13. Acrescenta-se na Lei do Consumidor (artigo 9.º n.° 2 alínea b) da Lei n.º 24/96, de 31 de julho), que os fornecedores estão obrigados à não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor.

14. E a Diretiva 93/13/CEE, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, determina no seu artigo 3.º n.° 1, como critério que "uma cláusula que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência da boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato".

15. Ou seja, quando, em resultado de cláusulas de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquela com que o tomador do seguro podia de boa fé contar, tendo em consideração o objeto e finalidade do contrato, tais cláusulas são nulas.

16. O que, a suceder, constituirá uma ilicitude.

17. É o que se verifica no caso dos presentes autos.

18. Atento o objeto do contrato de seguro dos autos e que uma das causas geradoras de responsabilidade civil das empresas que laboram na atividade da construção civil é, exatamente, a inobservância das boas práticas e norma legais e regulamentares aplicáveis a cada uma das específicas áreas que integram o conceito amplo de exclusão, a responsabilidade da seguradora ficaria reduzida a "quase nada", excluindo-a relativamente a terceiros e esvaziando de conteúdo útil o objeto e finalidade do contrato.

19. Têm as cláusulas em apreço de ser consideradas nulas, atento o disposto nos artigos 15.° e 18.° al. b) do Decreto-Lei n.º 446/85, de acordo com os quais são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé e em absoluto proibidas as cláusulas contratuais gerais que excluam ou limitem, de modo direto ou indireto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros.

20. As cláusulas de exclusão supra referidas são absolutamente proibidas, nos termos do artigo 18.° al. a) do Decreto Lei n.° 446/85 de 25 de outubro (porque excluem ou limitem, de modo direto ou indireto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas) e da alínea b) do mesmo preceito (enquanto excluem ou limitem, de modo direto ou indireto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros), devendo ser consideradas nulas e sem efeito.

21. Enquanto contrato de adesão, as cláusulas que integram as denominadas condições gerais da apólice nos contratos de seguro são de qualificar como cláusulas contratuais gerais, nos termos dos artigos 1.º, 2.º, e 3.º do Decreto-Lei n.° 446/85, alterado pelo Decreto-Lei n.° 220/95, de 31 de agosto e pelo Decreto-Lei n.° 224/99, de 7 de julho.

22. Por conseguinte, por estar em causa um contrato de adesão, o segurador que apresenta as cláusulas contratuais gerais tem, em relação a elas, o dever de comunicação e o dever de informação, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.° 446/85 de 25 de outubro (Regime das Cláusulas Contratuais Gerais).

23. Caso não sejam cumpridos esses deveres de comunicação e informação, como não foram in casu, têm-se por excluídas dos contratos singulares as cláusulas não comunicadas, mas subsistindo, na medida do possível, o contrato.

24. A ré seguradora, ao invocar a seu favor as cláusulas de exclusão supra referidas quando, no momento da celebração do contrato de seguro, omitiu o dever de esclarecimento quanto ao teor das mesmas, revela, manifestamente, abuso de direito;

25. Não constando a adequada prestação de esclarecimentos sobre o teor do contrato de seguro e este tipo de clausulado limitador da responsabilidade, da tábua dos factos dados como provados.

26. Em resultado da inclusão no contrato de seguro das mencionadas cláusulas de exclusão, cujo conteúdo não foi devidamente comunicado e informado ao tomador, a cobertura ficou aquém daquela com que o tomador do seguro de boa fé contava;

27. A ré seguradora, ao invocar a seu favor as cláusulas de exclusão supra referidas quando, no momento da celebração do contrato de seguro, omitiu o dever de esclarecimento quanto ao teor das mesmas, revela, manifestamente, abuso de direito.

28. Sem conceder, o contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual imposto ao industrial de construção civil configura um contrato a favor de terceiros.

29. Pois, tal seguro tem por objeto garantir o pagamento das indemnizações pelas quais o industrial de construção civil seja civilmente responsável, para ressarcimento de danos a que der causa, em virtude de erro ou negligência na execução da obra ou de qualquer vício da construção.

30. Visa, além do mais, proteger os prédios contíguos, os proprietários e/ou arrendatários desses prédios contíguos, assim como os transeuntes e, em geral, todas as pessoas a quem a execução de uma determinada obra possa eventualmente causar qualquer tipo de prejuízos.

31. Pelo que, enquanto contrato a favor de terceiro, o mesmo só pode ser revogado com o consentimento desse terceiro, sendo que, in casu, o terceiro são todos os proprietários, arrendatários, titulares de interesses dos prédios confinantes.

32. Sendo um seguro que visa proteger interesses de terceiros, não pode o comportamento unilateral do tomador de seguro, quando violador das boas práticas, prejudicar os objetivos inerentes à própria celebração do contrato de seguro, ou seja, os direitos e interesses daqueles terceiros.

33. A responsabilidade civil da 1ª ré e da 2ª ré mostra-se transferida para a ré DD, seguradora, sendo aplicável uma franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de 2.500,00€ e o máximo de 10.000,00€.

34. Resulta positivamente dos autos a existência de outras ações pendentes que têm por fonte o contrato de seguro titulado pela mesma apólice celebrada com a ré BB, o que deixará provavelmente a seguradora DD perante a obrigação de ratear o capital seguro por todos os lesados.

Nestes termos e demais de Direito, deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha a condenação da ré DD PORTUGAL a pagar à recorrente a indemnização fixada na primeira instância, depois, que condene solidariamente a 1ª e a 2ª rés a indemnizar a autora e agora recorrente do valor correspondente à franquia do contrato de seguro, finalmente, que condene a 1ª e a 2ª rés no pagamento das quantias indemnizatórias que ultrapassem o montante coberto pela apólice de seguro.

Assim se entendendo será feita a esperada e costumada JUSTIÇA

A recorrente beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

29. Factos provados

1) O prédio sito no nº 275 da Av. ..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 4..., da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2º, pertence à sociedade EE – Sociedade Imobiliária, S.A. [al. A) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

2) O prédio do n.º 275 da Av. ..., em Lisboa, era constituído por seis pisos, com duas ocupações no piso térreo (um restaurante com acesso pelos vãos de porta 27... e 27...A e uma loja com acesso pelo vão de porta nº 27...) e dois fogos por piso nos andares (1º ao 5º andar). [al. C) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

3) O prédio do nº 275 datava de 1921, com paredes exteriores em alvenaria de pedra, pisos maioritariamente em madeira, uma zona de fachada posterior com estrutura em betão armado, e com as paredes divisórias em tabique. [al. D) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

4) À data dos acontecimentos a autora residia no 4º andar esquerdo do referido prédio. [al. B) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

5) A fração autónoma que a autora habitava tinha 8 assoalhadas, um hall de entrada, um hall interior, uma dispensa, uma cozinha, uma marquise, duas casas de banho e uma varanda. [al. J) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

6) A 1ª ré Construções BB, Lda. é proprietária do prédio sito na Avenida ..., n.º 279/81, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 20..., da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3º. [al. E) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

7) O prédio identificado em 1) e o prédio da 1ª ré BB são confinantes. [al. F) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

8) A 1ª ré BB apresentou junto da Câmara Municipal de Lisboa um projeto para ampliação do imóvel identificado nº 279/81, ao qual veio a ser atribuído o n.º 86/EDI/2009, que foi deferido em 23.09.2010 (documento nº 5), que implicava a demolição do prédio e reconstrução de um novo edifício, com cave, prevendo-se que os trabalhos de escavação iriam ultrapassar a profundidade dos alicerces do prédio nº 275. [al. K) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

9) A 1ª ré, por escrito de 15.09.2010, denominado «Contrato de Empreitada», junto a fls. 220 a 238 (documento nº 1), que se dão por reproduzidas na íntegra, encarregou a 2ª ré CC – Sociedade de Investimentos Imobiliários, S.A. de proceder à demolição do edifício nº 279/81 e levar a cabo as escavações visando erigir no local um novo edifício, em conformidade com o projeto submetido à aprovação da Câmara Comercial de Lisboa com o Nº 86/EDI/2009 em conformidade com o projeto submetido à aprovação da respetiva Câmara Municipal e identificado em K). [al. G) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

10) Da cláusula 2ª deste acordo consta que a 2ª ré declarou conhecer o terreno, seus acessos e condições locais. [al. H) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

11) A 1ª ré certificou-se, conforme lhe competia, que a 2ª ré tinha capacidade financeira para assegurar o fornecimento de todos os meios materiais, humanos e equipamentos necessários à correta execução dos trabalhos. [Quesito 35º da Base Instrutória].

12) A HH, em 15.10.2010, comprometeu-se «na qualidade de empresa subempreiteira da Entidade Executante – CC – Engenharia e Construção, S.A.,… em executar o projeto de licenciamento aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa para a especialidade de Contenção Periférica para a obra sita na Av. ..., nº 279 a 281, Lisboa» (doc. nº 3, de fls. 241). [Quesito 8º da Base Instrutória].

13) Como contrapartida do pagamento periódico de um prémio por parte da ré BB, a 3ª ré DD assumiu a responsabilidade civil emergente de todos os riscos de construção do novo edifício destinado a habitação e comércio constituído por duas caves e 6 pisos acima da cota da soleira, incluindo os trabalhos de demolição do prédio identificado em E), até ao valor global de 250.000,00€, com início em 9 de setembro de 2009 e termo em 8.de setembro de 2014, conforme e nos demais termos da apólice n.º 0074.10... de fls. 293 a 355 (documento 1) cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. [al. I) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

14) A demolição do prédio da 1ª ré foi levada a cabo pela empresa «FF», com domicílio na Quinta de II, Rua ..., lote A.S.S., Camarate, ao abrigo da autorização camarária exarada no Processo Nº 66.../OTR/2009 (documento nº 2). [Quesito 5º da Base Instrutória].

15) As operações de contenção da fachada do prédio da 1ª ré foram realizadas pela empresa «GG, S.A.», com sede na Rua ..., 35, em Lisboa. [Quesito 6º da Base Instrutória].

16) As obras de demolição, escavação e contenção periféricas estavam definidas em projeto de engenharia aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa. [Quesito 9º da Base Instrutória].

17) O projeto de contenção periférica do imóvel da 1ª ré aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa adotou a solução do tipo «Berlim Definitivo», também designado vulgarmente por tipo «Munique». [Quesito 18º da Base Instrutória].

18) O projeto de contenção periférico era adequado à obra a executar e à qualidade e natureza do solo, de acordo com os testes efetuados, designadamente, sondagens de coesão, o que foi confirmado em obra na escavação. [Quesito 20º da Base Instrutória].

19) O projeto de escavação e contenção, a ter sido executado na íntegra como previsto, era adequado para suportar as cargas verticais da fachada principal do prédio da 1ª ré. [Quesito 21º da Base Instrutória].

20) A solução construtiva adotada e referida em 15 era adequada dado o terreno ter a necessária execução e estar acima do nível freático. [Quesito 22º da Base Instrutória].

21) A sequência correta da execução da «cortina» do tipo «Berlim definitivo» é a seguinte:

- furação para futura colocação de perfis metálicos verticais;

- colocação e selagem dos perfis metálicos verticais;

- escavação de uma vala de 0,80m de profundidade para execução de viga de coroamento;

- execução de viga de coroamento;

- escavação geral para permitir a execução do primeiro nível de painéis primários, deixando banquetas nas zonas correspondentes aos futuros painéis secundários, de molde a garantir a estabilidade da escavação (esta é realizada por forma a deixar exposta apenas a área correspondente à execução dos painéis primários, com cerca de 3,0mx3,0m, acrescida do espaço necessário à implantação dos varões de espera para os futuros painéis secundários laterais e para o futuro painel primário imediatamente inferior);

- montagem de armadura dos painéis primários, seguida da aplicação da respetiva cofragem e posterior betonagem. Na zona inferior de cada painel é usual deixar os varões de espera dentro de uma caixa de areia, a qual, após a escavação do troço inferior seguinte, se desmorona por ação da gravidade de molde a deixar visíveis os varões para amarração ao futuro painel primário imediatamente inferior;

- execução de ancoragens pré-esforçadas nos painéis executados na fase anterior;

- uma vez garantida a estabilidade dos painéis primários, por intermédio das ancoragens, pode-se proceder à remoção das banquetas, deixando toda a plataforma ao mesmo nível, ficando assim concluída a escavação do primeiro nível de painéis;

- execução dos painéis secundários de forma idêntica à indicada para os painéis primários;

- execução de ancoragens nos painéis secundários;

- repetição, para cada um dos níveis de escavação previstos e até à cota do fundo da escavação, das operações anteriormente referidas. [Quesito 23º da Base Instrutória].

22) O futuro edifício iria situar-se entre dois edifícios antigos, o n.º 277, construído cerca de 1920, e o n.º 283, erigido há cerca de 60 anos, ambos sem pisos enterrados. [Quesito 15º da Base Instrutória].

23) O edifício nº 283 encontrava-se em bom estado de conservação, sem apresentar patologias relevantes. [Quesito 17º da Base Instrutória].

24) As escavações e as operações de contenção periférica foram efetuadas pela ré CC, com intervenção da empresa «JJ, Lda.», com sede na Rua ..., 1, ..., S. João da Talha, subcontratada para a escavação, e da empresa «HH – Construção Civil e Obras Públicas, S.A.», com sede na Quinta do ..., ..., subcontratada para a execução do projeto de escavação e contenção periférica. [Quesito 7º da Base Instrutória].

25) As obras de demolição do edifício sito no nº 279/281 na Av. ..., em Lisboa, foram iniciadas em junho de 2010. [Quesito 1º da Base Instrutória].

26) Quando se realizaram os trabalhos de demolição do edifício da 1ª ré, foi mantida a fachada principal por imposição do projeto aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa. [Quesito 14º da Base Instrutória].

27) Durante o mês de setembro de 2010, tiveram início os trabalhos de montagem de estaleiro, incluindo a instalação de uma grua fixa. [Quesito 2º da Base Instrutória].

28) Em outubro de 2010 começaram os trabalhos de remoção de terrenos para a construção da cave do futuro prédio da 1ª ré. [Quesito 3º da Base Instrutória].

29) No âmbito desses trabalhos foi necessário escavar no solo natural a uma maior profundidade do que aquela em que se encontravam os alicerces do edifício do nº 275. [Quesito 4º da Base Instrutória].

30) A escavação feita no solo do prédio n.º 275º foi realizada sem garantir a estabilidade dos alicerces do edifício habitado pela autora. [Quesito 4º-A da Base Instrutória].

31) Os trabalhos de escavação e contenção periférica tiveram início em outubro de 2010, quando a demolição já estava em curso, tendo decorrido ao longo de vários meses, por necessidades técnicas, mediante licenciamento autónomo (documento nº 2). [Quesito 19º da Base Instrutória].

32) Na obra realizada registou-se a execução em simultâneo de um painel primário e de um dos painéis secundários. [Quesito 26º da Base Instrutória].

33) Em 22 de novembro de 2010 estavam em execução simultânea quatro painéis praticamente contíguos (foto obtida nessa data), não ancorados, situação que agravou a estabilidade da «cortina» e foi causa do desabamento de parte da fachada principal do edifício da 1ª ré, sobranceira aos referidos painéis, e da derrocada em 24 de novembro de 2010 do canto do edifício n.º 275 (primeiro módulo da fachada e metade nascente da empena norte, pavimentos e telhado). [Quesito 27º da Base Instrutória].

34) Em consequência da escavação, em 22 de novembro de 2010 a parede mestra do edifício habitado pela autora cedeu, enterrando-se parcialmente no solo, e veio a desabar em 24 de novembro de 2010. [Quesito 4º-B da Base Instrutória].

35) No dia 22 de novembro de 2010, o edifício n.º 275 foi vistoriado pelo Departamento de Conservação de Edifícios Particulares da Câmara Municipal de Lisboa, tendo-se verificado que o troço da parede da fachada principal, correspondente à prumada constituída pelos vãos de sacada e varandas pertencentes às salas da frente dos fogos do lado esquerdo e confinantes com a empena direita, já apresentava indícios de colapso iminente, devido ao aparecimento de intensa fendilhação em vários dos seus elementos constituintes (documento nº 6). [al. L) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

36) No dia 23 de novembro de 2010 o edifício n.º 275º foi de novo vistoriado pelo mesmo departamento da C.M.L., constatando-se um agravamento muito acentuado da situação, não sendo já possível aceder ao interior do edifício por questões de segurança. [al. M) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

37) Em 24 de novembro de 2010 estavam a ser executados trabalhos de escavação no local correspondente aos números 279-281 da Avenida ..., em Lisboa, visando erigir um novo edifício. [al. Q) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

38) No dia 24 de novembro de 2010 ocorreu a derrocada do troço da fachada principal do prédio situado na Av. ..., nº 275, em Lisboa, bem como da zona da cobertura do troço do edifício (documento nº 6, de fls. 63 a 85). [al. N) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

39) Com a referida derrocada ficaram expostos no edifício diversos elementos em equilíbrio instável, designadamente, pavimentos e caixilhos que se encontravam em risco iminente de queda, assim como troços das paredes de alvenaria do remanescente do saguão que se apresentavam praticamente em consola, podendo em caso de queda arrastar outras zonas das paredes contíguas (documento nº 6). [al. O) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

40) No seguimento da derrocada parcial identificada em N), o prédio do n.º 275 foi objeto de demolição por ordem da Câmara Municipal de Lisboa. [al. P) da matéria factual assente por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena].

41) O prédio do n.º 275 foi objeto de vistoria, em 26 de outubro de 2009, realizada pela empresa de fiscalização «KK, Lda.», a pedido da 1ª ré. [Quesito 11º da Base Instrutória].

42) O relatório da vistoria, junto a fls. 242 a 289 (documento nº 4), concluiu que o estado de conservação do imóvel era muito mau, com sinais evidentes de degradação acentuada. [Quesito 12º da Base Instrutória].

43) O prédio do n.º 275 foi por diversas vezes alvo de obras de reabilitação ao longo do período em que a autora aí residiu. [Quesito 31º da Base Instrutória].

44) A autora, desde outubro de 1957, tinha a cedência do 4º andar esquerdo do prédio situado no n.º 275 da Av. ..., em Lisboa, mediante o pagamento mensal da contrapartida pecuniária de 141,32€, ao abrigo do acordo escrito de fls. 27-28 (documento nº 1). [Quesito 36º da Base Instrutória].

45) Devido à derrocada e posterior demolição do prédio, a Autora teve de arranjar outra habitação, sita na ..., n.º 56, 2º Dtº, em Lisboa, cuja cedência obteve a troco da contrapartida pecuniária mensal de 450,00€ (Doc. nº 12). [Quesito 37º da Base Instrutória].

46) Esta casa é composta apenas por três quartos e uma sala, com cerca de metade da área daquela de que a autora dispunha no prédio do n.º 275. [Quesito 38º da Base Instrutória].

47) Atualmente, a contrapartida pecuniária mensal pela cedência de uma casa semelhante àquela em que a Autora habitava, no mesmo local, ascende pelo menos a 800,00€ (oitocentos euros) mensais. (Doc.s nºs 15 e 16) [Quesito 39º da Base Instrutória].

48) Na sequência do súbito enterramento da parede mestra do edifício e da posterior derrocada parcial do prédio do n.º 275, a Autora viu-se impedida de retirar do interior da sua habitação os seus bens móveis, não concretamente apurados, de valor global não superior a 50.000€ (cinquenta mil euros). [Quesito 40º da Base Instrutória].

49) À data dos factos, a autora tinha 82 anos de idade [Quesito 57º da Base Instrutória].

50) E já na altura a sua saúde estava muito fragilizada. [Quesito 58º da Base Instrutória].

51) Os bens pessoais da autora que ficaram destruídos no seguimento da derrocada e posterior demolição tinham um elevado valor sentimental. [Quesito 62º da Base Instrutória].

52) A autora sentiu uma enorme tristeza e abatimento devido à perda da habitação e dos seus bens pessoais. [Quesito 63º da Base Instrutória].

Apreciando

30. Suscitam-se essencialmente duas questões.

Primeira: saber se o Decreto-Regulamentar n.º 11/92, de 16 de maio, que foi alterado pelo Decreto-Regulamentar n.º 32/92, de 28 de novembro, que institui dois tipos de seguro, o de projeto e o de construção, visando garantir a melhoria da qualidade de construção e a salvaguarda de terceiros lesados, se deve considerar em vigor não obstante a revogação do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, que define o quadro legal de licenciamento de obras particulares e ao abrigo do qual aqueles decretos regulamentares foram publicados, pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação.

Segunda: saber se as cláusulas de exclusão que integram o n.º 2 e o n.º 3, alínea d) da Condição Especial 23 - Bens existentes e /ou contíguos propriedade de terceiros - do contrato de Seguro de Todos os Riscos Construções, de que é tomador a ré BB, desrespeitam o regime das cláusulas contratuais gerais que consta dos artigos 5.º. 6.º, 15.º. 16.º e 18.º, alínea a) e b) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.

31. Se da resposta à primeira questão resultar que está em vigor o Decreto-Regulamentar n.º 32/92, isso significa que se aplica ao caso o respetivo artigo 12.º/2, alínea c), segundo o qual os contratos de seguro podem excluir " a responsabilidade por danos decorrentes de vícios da construção que não sejam imputáveis a erros ou omissões do projeto ou a erro ou negligência na execução da obra". Este preceito conjuga-se com o artigo 8.º do mesmo Decreto-Regulamentar que diz:

"Sem prejuízo do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 12.º, o contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual do industrial de construção civil tem por objeto garantir o pagamento das indemnizações pelas quais o industrial de construção civil seja civilmente responsável, para ressarcimento de danos a que der causa, em virtude de erro ou negligência na execução da obra ou de qualquer vício da construção".

32. Ora, no caso, atenta a matéria de facto provada - ver §28 supra, designadamente factos 30, 33, 34, 35, 36 e 37 desse §28 - não se duvida, nem isso é questionado pelas partes, que houve negligência na execução da obra e, por conseguinte, as aludidas cláusulas do contrato de seguro que têm em vista danos causados na execução da obra por razões que se prendem com erro ou negligência na execução da obra não seriam válidas precisamente por contrariarem disposição imperativa - o referido artigo 12.º/2, alínea c) do Decreto Regulamentar n.º 32/92 - que proíbe a sua exclusão

33. Importa, no entanto, ter em atenção que os mencionados Decretos-Regulamentares foram publicados na vigência do texto original do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de novembro e em execução do disposto nos artigos 15.º/1, alínea e) e 21.º/2, alínea a) que, para instrução do pedido de licenciamento e para emissão de alvará de licença de construção, exigiam, respetivamente, "apólice de seguro do projeto, nos termos a definir em decreto regulamentar" e "apólice de seguro de construção que cubra a responsabilidade civil por danos causados na execução da obra e, nomeadamente, os danos decorrentes do incumprimento ou de cumprimento defeituoso do projeto, nos termos a definir em decreto regulamentar". Tais preceitos conjugavam-se com o artigo 70.º/2 daquele diploma (redação original) segundo o qual "a obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade civil contratual e extracontratual de todas as entidades envolvidas na realização da obra deve ser garantida, nomeadamente por seguro, nos termos a definir em decreto regulamentar".

34. Assim sendo, à luz destes preceitos, importaria ponderar as consequências, no tocante à vigência ou não dos mencionados diplomas regulamentares, da publicação do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro que revogou o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro e que deixou de tratar da matéria respeitante à exigência de seguro de responsabilidade civil para garantia dos " danos causados a terceiros por erros, ações ou omissões decorrentes da intervenção no projeto ou na obra" dos autores do projeto, proprietário e empreiteiros, entre outros (ver artigo 70.º/1).

35. Tais decretos regulamentares foram publicados em conformidade com o disposto na lei habilitante (ver artigo 70.º/2 do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, supra transcrito) em conformidade com o artigo 112.º/6 da Constituição da República. Não foram revogados por nenhum outro Regulamento e, por isso, não é aplicável ao caso o disposto no artigo 119.º do Código de Procedimento Administrativo de 1991 então em vigor.

36. Tratando-se de regulamentos de execução, revogada pelo Decreto-Lei n.º 555/99 a lei que se destinavam a executar (o Decreto-Lei n.º 445/91) e nada prescrevendo a lei nova sobre esta matéria que deixou de tratar, é efetivamente sustentável que ocorreu uma revogação tácita, pois deixou de se exigir para licenciamento de obras a celebração dos referenciados contratos de seguro (ver sobre caducidade de regulamentos de execução o Ac. do STA de 28-1-2015, rel. Ascensão Lopes, 01003/13 in www.dgsi.pt)

37. Sucede que houve revogação, mas esta ocorreu em momento anterior com a publicação do Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de outubro, que alterou o artigo 70.º/2 do Decreto-Lei n.º 445/91 no sentido de o referido seguro passar a facultativo - passou a prescrever o artigo 70.º/2 que " a obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade civil contratual e extracontratual de todas as entidades envolvidas na realização da obra pode ser objeto de contrato de seguro"  - deixando de figurar nos artigos 15.º e 21.º desse Decreto-Lei n.º 445/91 a mencionada exigência de apresentação de apólice de seguro.

38. Os Decretos regulamentares pressupunham a vigência de um seguro obrigatório que seria celebrado através de apólices uniformes (artigo 12.º/1 do Decreto Regulamentar n.º 32/92), relevando, no âmbito desse seguro obrigatório, a proibição de determinadas cláusulas. As novas regras fixadas pelo DL n.º 250/94 determinando que o seguro passe a facultativo são incompatíveis com as disposições revogadas da lei habilitante e dos Decretos regulamentares que lhes davam execução que, por isso, caducaram.

39. No entanto, como é bom de ver, isto não significa, agora no âmbito de contrato de seguro facultativo celebrado com base no princípio da liberdade contratual mas sempre com as limitações que decorrem da lei, designadamente do regime das cláusulas contratuais gerais, que se deva considerar que as cláusulas constantes do contrato celebrado sejam necessária e indiscutivelmente válidas.

40. Responde-se, assim, à primeira questão considerando que, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de outubro ao Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, foram revogadas as disposições, deste diploma (artigos 15.º/1, alínea e) e 21.º/2, alínea a) conjugados com o artigo 70.º/2) que prescreviam o contrato obrigatório de seguro de responsabilidade civil extracontratual do industrial de construção civil; por via dessa revogação, e passando o seguro a assumir natureza meramente facultativa face à nova redação dada ao artigo 70.º/2 do mencionado Decreto-Lei n.º 445/91, caducou o Decreto Regulamentar n.º 11/92, de 16 de maio, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 32/92, de 28 de novembro, publicado em execução das normas que instituíam o referido seguro obrigatório de responsabilidade civil (artigos 15.º/1, alínea e) e 21.º/2, alínea a) conjugados com o artigo 70.º/2 do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro).

41. No que respeita à segunda questão suscitada, importa em primeiro lugar atentar que o objeto do seguro contratado entre as rés BB e DD consiste na " construção de edifício destinado a habitação e comércio constituído por duas caves e 6 pisos acima da cota de soleira, compreendendo inclusive os trabalhos de demolição do edifício existente no local", responsabilizando-se a DD, "a título de responsabilidade civil extracontratual, em consequência de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros, por acidentes diretamente relacionados com a execução dos trabalhos objeto do seguro e ocorridos no local do risco ou nos locais imediatamente contíguos" (ver fls. 294 e 299).

42. O contrato de seguro no artigo 17.º das Condições Gerais sob a epígrafe "Exclusões relativas da cobertura de responsabilidade civil" dispõe:

"Salvo se tiver sido contratada a respetiva Condição Especial, o segurador não será responsável por indemnizações emergentes de

a) lesões materiais causadas a bens existentes e/ou contíguos propriedade de terceiros (Condição Especial 23).

43. Ficou, no entanto, derrogada essa Condição Geral, aplicando-se ao contrato a Condição Especial 23.

Esta Condição Especial 23 dispõe:

1 - Âmbito de cobertura - nos termos desta Condição Especial, fica expressamente convencionado que, em complemento às disposições da apólice, ficam abrangidas por esta extensão de cobertura, até ao limite de valor estabelecido nas Condições Particulares, as indemnizações decorrentes de lesões materiais causadas a estruturas e/ou propriedades existentes, adjacentes e/ou contíguas ao local dos trabalhos, pertença de terceiros, durante e devido à execução dos trabalhos seguros, desde que tais danos resultem diretamente relacionados com a execução da empreitada segura.

2 - Os danos referidos no número anterior ficarão garantidos se, previamente ao início dos trabalhos seguros, as estruturas e/ ou propriedades existentes estiverem em condições satisfatórias e/ou forem tomadas as medidas necessárias de segurança, devendo especificar-se as condições em que aquelas se encontravam antes de se iniciarem os trabalhos.

3. Exclusões - ficam excluídos desta cobertura:

[…]

d) danos causados por ou em consequência de vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações, alterações do nível freático e outros trabalhos que envolvam elementos de suporte ou subsolo, quando diretamente resultantes da execução destes trabalhos.

44. Não está questionado que o contrato de seguro em causa se assume como contrato em que a seguradora se obriga a indemnizar terceiro dos prejuízos que advenham dos trabalhos da empreitada, obrigando-se igualmente a indemnizar o segurado por quaisquer perdas e danos materiais verificados nos bens objeto do seguro.

45. Não está igualmente questionado que este contrato está sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais a que se refere o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro pois ao segurado ficou salva, quando celebrou o contrato de seguro, apenas a faculdade de aceitar ou não aceitar cláusulas previamente elaboradas que não pode influenciar (artigo 1.º do DL n. 446/85).

46. Considerou o acórdão recorrido, se bem compreendemos, que o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 446/85 deve ser interpretado no sentido de que, sendo a responsabilidade civil do predisponente ilimitada, ilimitada deve continuar, na relação com a contraparte ou terceiros, mas não proibindo a aludida cláusula que seja estipulada limitação da responsabilidade do segurador.

47. Não se duvida deste entendimento; mas não é disso que aqui se cura. O que importa saber é se as exclusões que a seguradora fez incluir no contrato de seguro, limitando a responsabilidade por ela própria assumida de pagar as indemnizações devidas a terceiros, devem considerar-se violadoras designadamente do disposto na alínea b) do artigo 18.º Decreto-Lei n.º 446/85 em conjugação com os artigos 15.º e 16.º do mesmo diploma.

48. O referido artigo 18.º, no que respeita a terceiros, parece à primeira vista não assumir relevância, pois, como refere Ana Prata, " o credor da indemnização, terceiro em relação ao contrato, parece que não pode ser afetado nesse seu direito por uma cláusula do mesmo" (Contrato de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2000, pág. 367).

49. No entanto, como a própria autora logo evidencia, o alcance desse preceito, no que respeita a terceiros, releva em contratos, como é o caso de contratos de seguro de responsabilidade civil, em que a seguradora assume perante a contraparte a obrigação de pagamento dos danos provocados a terceiro.

50. A limitação de responsabilidade perante terceiros decorre da responsabilidade contratualmente assumida pelo segurado; com efeito, a seguradora não terá de indemnizar o terceiro dos danos que sofreu que não estejam cobertos pelo contrato de seguro.

51. Então o que importa ponderar é se o predisponente, que assumiu perante o contratante, responsabilidade indemnizatória perante terceiros, pode introduzir limitações contratuais à responsabilização assumida com tal amplitude que afinal o risco que importava assegurar deixa de ser garantido.

52. E é com esta perspetiva que se impõe analisar as mencionadas cláusulas do contrato, pois não podem ser introduzidas limitações, como se refere no parecer junto do Prof. Menezes Leitão, que levem a que não se atinja " o objetivo que preside à celebração de um seguro de responsabilidade civil do industrial de construção, o qual é precisamente a sua proteção em caso de danos causados a terceiros pela sua atividade de construção".

53. Com efeito, a boa fé deve ser ponderada em função da " confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis" (artigo 16.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 446/85).

54. A ré seguradora considerou que, no caso, não estava obrigada a indemnizar a autora porque valia a exclusão que consta da mencionada alínea d) do n.º 3 da cláusula 23 que se refere ao enfraquecimento das fundações que resultaram diretamente da execução dos trabalhos.

55. Na verdade, sendo objeto do seguro a construção de um edifício de 6 andares e a demolição de edifício existente, estando previsto que " os trabalhos de escavação iriam ultrapassar a profundidade dos alicerces" (artigo 8º da matéria de facto) do prédio onde vivia a A. e sendo óbvio que a edificação de um novo edifício impõe trabalhos de escavação, a seguradora, que se responsabilizou pelos danos que atinjam terceiros "devidos à execução dos trabalhos seguros […] diretamente relacionados com a execução da empreitada segura" causados a "estruturas e/ou propriedades contíguas", a seguradora, dizíamos, eximindo-se simultaneamente à responsabilização pelos danos resultantes do enfraquecimento das fundações causados pela execução daqueles trabalhos, exime-se ao principal risco que decorre dos trabalhos de escavação que é precisamente o enfraquecimento das fundações dos prédios vizinhos.

56. Refira-se que a seguradora - veja-se a referida cláusula de exclusão que consta da alínea d) do n.º3 da Condição Especial 23 acima transcrita - também se exime a indemnizar os danos que resultem de vibrações, utilização de explosivos, remoção de fundações e alterações ao nível freático, ou seja, dificilmente se descortina que danos afinal a seguradora se propõe indemnizar causados nas estruturas dos prédios adjacentes e contíguos ao local dos trabalhos que resultem da execução dos trabalhos seguros

57. Não era seguramente este o fim visado pelas partes no que respeita à responsabilização perante terceiros; no entanto, a ser este o entendimento da seguradora, que conduz inexoravelmente a uma ampla limitação da sua responsabilidade, então impor-se-ia, porque se justifica inteiramente, que esse sentido fosse aclarado, informando-se o contraente (artigo 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro).

58. No que respeita à exclusão mencionada no n.º2 da Condição Especial 23 - onde se exige que as estruturas ou propriedades existentes estejam em condições de segurança ou que se tomem medidas necessárias de segurança especificando-se as condições em que as propriedades existentes se encontravam - não se vê que a observância do que aí se prescreve, admitindo a sua viabilidade, alguma vez pudesse obstar à derrocada que foi causada por uma escavação que foi realizada sem garantir "a estabilidade dos alicerces do edifício habitado pela autora" (facto 30).

59. A seguradora, aliás, não se eximiu a celebrar o contrato e aceitar a sua execução sem a especificação do preenchimento das condições mencionadas no referido n.º2; a boa fé imporia que a contraparte fosse informada de que a seguradora nunca assumiria responsabilidade pelos danos verificados em razão da omissão de tais informações, imporia a boa fé que, a ter tais procedimentos por decisivos no sentido agora sustentado pela seguradora, que esta nem aceitasse celebrar o contrato pois ela a priori não iria suportar quaisquer danos por estar inobservado o disposto nesse n.º2.

60. O alcance dessa cláusula parece que se deve conjugar com o cumprimento das obrigações que a construtora deve assumir perante as entidades que licenciam projetos de construção, ou seja, o alcance dessa cláusula talvez se justifique no caso de obra em que houve isenção ou dispensa de licença ou autorização - e mesmo assim não deveria relevar para defeitos não aparentes - o que não é evidentemente o caso de uma obra de demolição de edifício e construção de um novo edifício na Av. ... em Lisboa, uma das principais avenidas da capital.

61. Consideramos, pois, que, por violação do princípio da boa fé e dever de informação constante dos artigos 5.º, 6.º 15.º e 16.º em conjugação com o artigo 18.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, devem considerar-se proibidas as referidas cláusulas de exclusão de responsabilidade que, por se reconduzirem às causas mais comuns de danos resultantes da construção, determinam que a seguradora fique, na prática, livre de assumir as responsabilidades indemnizatórias a que se obrigara perante os segurados.

62. Dito de uma forma mais singela: a exceção não pode ter um conteúdo tão amplo que limite desproporcionadamente o âmbito da regra e, por assim ser, desrespeitam o princípio da boa fé as aludidas cláusulas exoneratórias da responsabilidade extracontratual na medida em que, pela sua amplitude, retiram praticamente utilidade ao seguro contratado, "esvaziam de conteúdo útil o objeto e finalidade do contrato". Neste mesmo sentido, veja-se o Ac. do STJ de 14-11-2016 (rel. Salreta Pereira), revista n.º 6A3618.

63. Recorde-se ainda que a ré BB é a dono da obra sendo também a proprietária do imóvel e, por conseguinte, no que respeita aos danos decorrentes das escavações, a sua responsabilidade decorre do artigo 1348.º do Código Civil, não sendo concebível, por isso, que pudesse estar no seu horizonte uma limitação do risco de pagamento de indemnização a favor de terceiros lesados pelos trabalhos de empreitada quando ela teria sempre de suportar o pagamento das indemnizações pelos danos resultantes de escavações em razão da sua qualidade de proprietária.

64. Acresce que pouca seria a utilidade do seguro em causa, na sua vertente de indemnização a favor de terceiros, estes sim, inteiramente alheios e impotentes perante as condições em que se desenvolve uma empreitada que, durante a sua execução e mesmo quando não ocorrem quaisquer problemas, é sempre uma justificada fonte de receios para todos os moradores dos prédios contíguos, se não fossem salvaguardados de um modo efetivo os interesses daqueles que as partes sabem ser os diretos beneficiários, o que, a nosso ver, impõe que as cláusulas de exceção sejam restritas para não se obstar à finalidade que as partes pretendem com a celebração de um contrato desta natureza que a seguradora, aliás, apelativamente designou "Seguro de Todos os Riscos Construções".

65. O acórdão da Relação considerou, aliás em sintonia com jurisprudência que temos por consolidada, entendimento este que não foi posto em causa pelos recorrentes, que dona da obra e empreiteira estão solidariamente obrigadas a indemnizar a autora pelos danos decorrentes da derrocada que se produziu durante e por causa das escavações levadas a cabo pela empreiteira nos termos dos artigos 483.º, 497.º/1 e 1348.º do Código Civil (ver neste sentido Ac. do STJ de 1-7-2003, rel. Azevedo Ramos, revista 03A1750, Ac. do STJ de 10-1-2006, rel. Nuno Cameira, revista 3331/05, Acs. do STJ de 12-6-2003 e 30-3-2006, rel. Salvador da Costa, revista 03B1813 e revista 905/2006, Ac. do STJ de 13-4-2010, rel. Fonseca Ramos, revista 109/2002.C1.S1, Ac. do STJ de 24-5-2012, rel. Lázaro Faria, revista n.º 4329/05, Ac. do STJ de 9-4-2013, rel. Salreta Pereira, revista n.º 277/06, Ac. do STJ de 5-11-2013, rel. Sousa Leite, revista n.º 396/07.

66. A ré BB foi condenada, na Relação, solidariamente com a CC (quanto a esta, como se disse, a instância foi entretanto extinta por inutilidade superveniente da lide) no pagamento da indemnização à autora que saiu vencedora do recurso subordinado. Esta condenação mantém-se nos seus precisos termos visto que o recurso da BB não pode proceder na medida em que por ele pretende que a sua condenação não subsista por se impor a condenação da DD. Com efeito, a condenação da DD não é incompatível com a da BB; bem pelo contrário, a seguradora, uma vez condenada com o seu segurado, responde, nos limites da responsabilidade assumida na apólice, solidariamente com o segurado perante o credor.

67. A autora, que é terceiro em relação ao contrato de seguro, não tem, é certo, de pagar franquia alguma à seguradora para ressarcimento da indemnização no montante que lhe foi reconhecido; no entanto, a autora, face à sentença proferida que impôs a dedução da franquia no montante indemnizatório que a DD foi condenada a pagar, podia, no recurso interposto, pedir a revogação da sentença na parte em que impôs essa dedução; o que não podia era exigir a condenação da BB a pagar-lhe tal valor que apenas pode ser exigido pela seguradora à BB no âmbito da relação contratual entre ambos firmada.

68. A ré BB não pode deixar de ser condenada, como se disse, nos precisos termos em que foi condenada pela Relação, termos esses que não foram postos em causa pela BB; a seguradora é condenada solidariamente com a BB, nos limites da apólice, não tendo sido suscitado nos autos qualquer pretensão por parte da seguradora no sentido da redução do montante a pagar por parcial esgotamento da apólice. No entanto, porque a autora delimitou o seu recurso no sentido de se manter a condenação da ré AXA a pagar à recorrente a indemnização fixada na sentença, a condenação solidária terá de ficar limitada a esse montante.

Concluindo

I - O seguro de responsabilidade civil do industrial de construção civil, cuja obrigatoriedade foi consagrada nos termos conjugados dos artigos 15.º/1, alínea e), 21º/2 e 70.º/2 do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro e do Decreto-Regulamentar n.º 11/92, de 16 de maio, alterado pelo Decreto-Regulamentar n.º 32/92, de 28 de novembro, passou a facultativo com as alterações introduzidas ao Decreto-Lei n.º 445/91 pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de outubro, caducando, assim, os decretos regulamentares n.ºs 11/92 e 32/92 que davam execução às disposições do Decreto-Lei que instituiu o referido seguro obrigatório.

II - Assumindo a seguradora no âmbito de contrato de seguro sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, que consta do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, a indemnização pelos danos materiais causados em propriedades contíguas ao local de trabalho da empreitada - empreitada que tinha por objeto a demolição de edifício e a edificação de um novo suportado em alicerces instalados após trabalhos de escavação no subsolo -, danos devidos à execução dos trabalhos seguros, a inclusão de cláusula limitativa, que pela sua amplitude retira utilidade prática à cláusula geral de responsabilidade, traduz desrespeito das regras de boa fé e dos deveres de informação referenciados nos artigos 5.º, 6.º, 15.º, 16.º e 18.º, alínea b) daquele diploma, constituindo uma limitação desproporcionada à responsabilidade assumida de indemnização de terceiros pelos danos resultantes da execução da empreitada.

III - É o que sucede com a cláusula limitativa da responsabilidade por via da qual a seguradora não se responsabiliza pelos danos causados "por ou em consequência de vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações, alterações do nível freático e outros trabalhos que envolvam elementos de suporte ou subsolo, quando diretamente resultantes da execução destes trabalhos", designadamente o invocado "enfraquecimento de fundações", considerando que o enfraquecimento de fundações dos prédios vizinhos àquele onde se procedem a escavações constitui o principal risco que decorre precisamente das escavações em subsolo

IV - Desrespeita-se a boa fé e o dever de informação que se impõe à seguradora, nos termos das mencionadas disposições do Decreto-Lei nº 446/85, de 20 de outubro, considerando que esta, no caso de a contraparte omitir a especificação das condições em que as propriedades se encontravam, entende que tal omissão basta para ela se poder eximir à responsabilidade assumida contra terceiros pelos danos resultantes da empreitada na base da cláusula limitativa que impõe à contraparte "verificar se estão em condições de segurança as estruturas ou propriedades existentes e de tomar as medidas necessárias de segurança, especificando as condições em que as propriedades se encontravam"

Decisão:

1 - Concede-se revista parcial à autora, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que absolveu a ré DD que será condenada nos termos a seguir indicados; nega-se a revista na parte em que se pretende a condenação da BB no pagamento da franquia, mantendo-se, portanto, a condenação da ré Construções BB, Lda. no pagamento à autora da indemnização nos termos fixados pela Relação, em regime de solidariedade com a ré DD - Companhia de Seguros, SA, não podendo, quanto a esta, serem ultrapassados os montantes que decorrem da sentença ainda que sejam inferiores aos fixados na apólice.

2 - Nega-se a revista da ré BB Lda.

Custas pelas recorrentes e recorrida sendo a proporção no decaimento, no tocante à autora, que beneficia de apoio judiciário, de 1/5.

Lisboa, 7-12-2016

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Távora Vítor