Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2213/10.8TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO AFONSO
Descritores: RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR
PRODUTO DEFEITUOSO
CONSUMIDOR
PRESUNÇÕES LEGAIS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DISPOSITIVO MÉDICO
EXAME MÉDICO
Data do Acordão: 06/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO CONSUMO - CONTRATOS DE CONSUMO / OBRIGAÇÕES DE PRODUTOR / RESPONSABILIDADE DECORRENTE DE PRODUTOS DEFEITUOSOS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA / VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS.
Doutrina:
- Calvão da Silva, A Responsabilidade Civil do Produtor, Colecção Teses, Almedina, 1990, 633 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2, 344.º, N.º 2, 913.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 674.º, N.º3.
D.L. N.º 145/2009, DE 17 DE JUNHO: - ARTIGOS 3.º, AL. T), 5.º, 12.º E SS., 49.º, 65.º E ANEXO I, PARTE IV, 10 A 10.3.
D.L. N.º 383/89, DE 06 DE NOVEMBRO, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO D.L. N.º 131/2001, DE 24 DE ABRIL: - ARTIGOS 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º.
D.L. N.º 67/2003, DE 08 DE ABRIL, ALTERADO PELO D.L. N.º 84/2008, DE 21 DE MAIO.
LEI N.º 24/96, DE 31 DE JULHO, ALTERADA PELA LEI N.º 47/2014, DE 28 DE JULHO.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA N.º 85/374/CEE, DO CONSELHO, DE 25 DE JULHO DE 1985.
DIRECTIVA N.º 2007/47/CE DE 05 DE SETEMBRO.
Sumário :
I - Os dispositivos médicos são produtos submetidos ao regime jurídico da responsabilidade civil do produtor, aprovado pelo DL n.º 383/89, de 06-11, alterado pelo DL n.º 131/2002, de 24-04.

II – Por produto defeituoso entende-se – não aquele que é inapto para o fim a que se destina – mas que carece de segurança, a legitimamente esperada, decorrente de um defeito de concepção, de fabrico ou de informação.

III - Porém, se um dispositivo médico for inapto a cumprir com a respectiva finalidade e com isso acarretar riscos para a saúde e/ou integridade física do utilizador, deve ser considerado produto defeituoso para efeitos de aplicação do regime do DL n.º 383/89.

IV- Considera-se produto defeituoso o dispositivo médico com funções de medição, concretamente utilizado por consumidor – um teste para detecção semi-quantitativa do antigénio específico da próstata (PSA), denominado «On call PSA», com a ref.ª TPS 402 – incapaz de cumprir os requisitos de desempenho, ao tempo de vida em prateleira atribuído de 24 meses, podendo produzir resultados de PSA falsos negativos no limite de detecção ou na proximidade deste e conduzir, por sua vez, a um diagnóstico errado ou a um atraso no diagnóstico do cancro da próstata.

V - Em acção de efectivação de responsabilidade civil do produtor, incumbe ao autor o ónus de alegação e prova do defeito, dano e nexo causal entre o defeito e o dano, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1, do CC.

VI - Na referida acção, uma vez provado o defeito, caberá ao produtor ilidir a presunção da existência deste ao momento da sua comercialização, mediante a prova da probabilidade ou razoabilidade da sua inexistência nessa data (art. 5.º, al. b), do DL 383/89 e art. 342.º, n.º 2, do CC).

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:




A) Relatório



I – Pela 12.ª Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa corre acção declarativa de condenação, na forma ordinária, em que é autor AA, identificado nos autos, e é ré BB, Inc, onde pede a condenação desta no pagamento de € 190 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora que se vencerem, desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que a ré, anteriormente denominada de CC, Inc, em 2007 e 2008, produzia e comercializava um teste para detecção semi-quantitativa do antigénio específico da próstata (PSA), denominado On Call PSA, com a referência TPS 402 e para despiste do seu PSA, o autor efectuou esses testes, na farmácia de Santo António dos Cavaleiros, em várias datas de 2007 e 2008, sendo os resultados sempre negativos, inferiores a 4 ng/ml; em Fevereiro de 2008, através de análise efectuada a amostra de sangue obtida por colheita venosa, foi detectado ao autor um valor de PSA de 8.0; em Abril de 2008, e após biópsia que realizou no Instituto Português de Lisboa DD, EPE, foi-lhe diagnosticado Adenocarcinoma da Próstata; em Junho de 2008, com a idade de 61 anos, foi submetido a uma prostatectomia radical; em Julho de 2008, foi submetido a Junta Médica, no Centro de Saúde de …, que lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 60%, vindo a sofrer de sistemática e irreversível incontinência urinária, disfunção eréctil definitiva (impotência), permanente irritabilidade, ausência de concentração e auto-estima, tendo-se separado da companheira com quem vivia há mais de 20 anos e afastado dos filhos, restantes familiares e amigos, tudo causado pela deficiência do teste On Call PSA – que não permitiu uma atempada detecção da doença – deficiência essa que veio a ser reconhecida pela própria ré, em Agosto de 2008, bem como pelo Infarmed que, em Setembro de 2008, através da Circular Informativa n.º 145/CD, ordenou a suspensão imediata da comercialização do teste em causa, que, no caso do autor, produziu falsos negativos de nível de PSA, tendo conduzido a diagnóstico errado.

A ré contestou por excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da causa; por excepção peremptória de facto impeditivo da responsabilidade objectiva do produtor, dado estarmos perante caso de força maior, alegando, em síntese, que a teoria da causalidade adequada não permite ir tão longe, como o autor pretende, na medida em que os danos alegados resultam do diagnóstico da doença de que padece e não de um alegado defeito nos testes a que se sujeitou e que terão conduzido a um tardio diagnóstico de tal doença, que é caso de força maior, e, finalmente, por impugnação da factualidade alegada na petição inicial, concluindo pela absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela absolvição do pedido formulado contra si pelo autor.

O autor replicou, defendendo a competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da causa, concluindo, no mais, como na petição inicial.

Proferido despacho de convite a aperfeiçoamento (folhas 82), veio o autor apresentar nova petição inicial, ao que a ré respondeu, concluindo, um e outra, como no respectivo articulado inicial.

Realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador onde se decidiu pela improcedência da excepção de incompetência internacional, julgando-se competentes os tribunais portugueses para o julgamento da causa; e ainda despacho de condensação factual - folhas 121 a 125 – onde se declarou a matéria assente e se organizou a base instrutória, o que foi objecto de reclamações que, vindo a ser deferidas, deram azo à elaboração de novo despacho de condensação, que consta a folhas 152 a 157.

Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, tendo sido proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar ao autor, a título de indemnização, por danos não patrimoniais, a quantia de € 85 000,00, acrescida de juros de mora legais civis, desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

Inconformada com o assim decidido, apelou a ré, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, com absolvição da ré/apelante do pedido.


Inconformado, recorre o autor de revista e alegou, em conclusão, o seguinte:

(…)

B) No entender do ora Recorrente o Tribunal "a quo" errou na interpretação e aplicação da norma em apreço (o art.342.º, n.º 1, do CC) porquanto o teste fabricado pela Recorrida para detectar o antigénio específico da próstata (PSA), denominado «On cal PSA», foi retirado do mercado pela própria empresa por ser incapaz de cumprir os requisitos de desempenho do tempo de vida atribuído inicialmente de 24 meses, tendo o Infarmed ordenado a suspensão imediata da comercialização do referido teste.

C) Aplicou erradamente o tribunal "a quo" as regras de ónus da prova entendendo que caberia ao Recorrente a prova do defeito do produto, sendo certo que, quem não ilidiu a referida presunção foi a Recorrida já que a mesma admitiu existirem lotes de produtos com validade inferior à publicitada e garantida pela marca mas nunca logrou demonstrar, que estes não pertenciam aos lotes retirados do mercado por se entenderem inválidos ou defeituosos.

D) O DL 383/89, de 6 de Novembro agora DL n.°131/2001 de 24/04, consagra o carácter objectivo da responsabilidade do produtor consagrando que o lesado já não precisa de demonstrar a existência do defeito no domínio da organização e risco do produtor no momento em que o produto foi posto por este em circulação.

Esta existência é presumida por lei, cabendo ao produtor ilidi-la.

E) O artigo 4.° do mesmo DL estabelece a noção de produto defeituoso em oposição ao art.2°/1/b) do DL n.°311/95 que nos confere a noção de produto seguro, não sendo admissível que se entenda que confrontando ambas as noções se possa considerar o produto comercializado pela Recorrida um produto seguro.

F) Conclui nesta senda a Recorrente pela violação também do artigo 487.° do Código Civil por não aplicar na sentença recorrida a presunção legal estabelecida pelo normativo legal supra citado, focando assim erradamente o ónus da prova para o Recorrente quando o deveria fazer para a Recorrida.

G) O folheto informativo do produto comercializado pela Recorrida refere que o nível de PSA no soro de homens saudáveis está entre 0,1 ng/ml e 2,6 ng/ml, o que pode ser elevado em condições malignas como cancro de próstata e em condições benignas como hiperplasia prostática benigna e prostatites, sendo que um nível de PSA de 4 a 10 ng/ml é considerado indeterminado e acima de 10 ng/ml é altamente indicador de cancro. Pacientes com valores de PSA entre 4-10 ng/ml devem fazer análises adicionais de próstata por biopsia. Considerando-se como a ferramenta mais valiosa disponível para o diagnóstico precoce do cancro da próstata.

H) Todos os testes efectuados ao Recorrente lhe atribuíram o que se denomina um quantitativo negativo de PSA, sendo que as análises sanguíneas já apresentavam um resultado positivo, ou seja, de acordo com os testes PSA on Call o Recorrente não padecia de qualquer das enfermidades que o folheto informativo refere, quando na verdade já era vítima de um adenocarcinoma da próstata.

I) Da sentença Recorrida consta a carta do INFARMED que inclusivamente refere que os testes foram efectivamente retirados do mercado por terem sido detectados problemas com a sua estabilidade para diagnóstico, lembrando que a utilização dos testes poderá contribuir para um atraso no referido diagnóstico ou diagnóstico incorrecto de cancro da próstata.

J) Errou o tribunal "a quo" ao não atender ao artigo 4°nº1 do DL 131/2001 de 24/04 cuja primeira versão é o DL n.°383/89, de 06/1 L porquanto a incapacidade para cumprir o objectivo constante do folheto informativo do produto só se pode traduzir no comprometimento da segurança que seria expectável pelo utilizador pelo que duvidas não restam que tal como a lei define no dito artigo, trata-se de um produto defeituoso esgotando-se aqui a necessidade de prova do ora Recorrente.

K) A recorrida admitiu que retirou lotes de produto do mercado no entanto nunca se apurou efectivamente qual o lote utilizado nos exames efectuados ao Autor sendo no mínimo anormal que a análise de sangue feita ao Recorrente em Fevereiro de 2008 acusou um nível de PSA de 8,0ng/ml, enquanto os testes de despistagem da Recorrida quer de Maio e quer de Junho de 2008 acusaram sempre um resultado inferior a 4,00ng/ml.

L) Já que é o próprio produto que se garante como forma de detecção, entre outras doenças prostáticas, do cancro da próstata e se na ausência de resultado positivo se supõe que o utilizador recorra de imediato a um médico então de nada serve este produto, não tem um fim visado, o que mais uma vez nos leva à necessidade de aplicar o artigo 4°n°1 do normativo supra referenciado não cabendo qualquer ónus de prova ao Recorrente.

M) Nesta base de entendimento e porque se trata de um acto sequencial no tempo, jamais se pode olvidar que o Recorrente se deslocou a um médico, mas só posteriormente em virtude da tranquilidade que lhe ofereceram todos os testes que realizou.

N) O Recorrente ao beneficiar da presunção "júris tantum" não tem que provar os factos conducentes à demonstração do nexo de imputação subjectiva, "ex vi" do n°1 do artigo 350.° do Código Civil, invertendo-se outrossim, o "onus probandi" -n.°1, 1ª parte, do artigo 344.° (cf. Prof. Vaz Serra, "Provas", BMJ, 112-128 e ss.).

O) Também nesta matéria carece de valoração dos normativos legais a decisão e fundamentação do acórdão recorrido porquanto deve apurar a verificação do nexo legal com base nos princípios do artigo 563.° do Código Civil.

P) In Casu" tal convicção foi formulada muito longe da senda do respectivo imperativo legal, pois do depoimento da testemunha EE se retira que toda a valoração de prova ignora por completo a situação que será a mais provável e comum valorando outrossim situações mais anómalas e concretas no âmbito do hipotético e não do verossímil.

Q) E a própria Associação Portuguesa de Urologia que entende que para cada doente atingido pelo cancro da próstata é necessário que se discuta individualmente o tratamento ou tratamentos mais adequados, pois não existe nenhuma terapêutica aplicável a todos os doentes, que na sua maioria a sua evolução é lenta sendo esta a crucial diferença entre este tipo de cancro e os restantes.

R) E também a própria Sociedade Portuguesa de Oncologia que se orgulha de ter conseguido uma detecção precoce em mais casos ao longo dos anos, que resulta num decréscimo significativo da mortalidade por essa evidência indirecta. O que é normal e expectável é que o cancro detectado precocemente evite terapias mais agressivas, bem como a entende que a detecção precoce é importante.

S) Toda a valoração de prova excluiu a aplicabilidade do artigo 563.° do Código Civil por se basear em situações anómalas, excepcionais, não expectáveis, ignorando de todo o resultado provável da detecção precoce e eliminando assim o nexo de causalidade fundamentando-se no improvável.

Nestes termos e nos demais de direito, devem V. Ex.as dar provimento ao presente recurso e, em consequência, condenar os ora recorridos ao pagamento do valor peticionado, pois só assim se fará JUSTIÇA!

Contra-alegou a ré pugnando pela improcedência do recurso.




***




Tudo visto,

Cumpre decidir.


B) Os Factos:

As instâncias deram como provados os seguintes factos:


1. Em 2007 e 2008, a ré produziu e comercializou um teste para detecção semi-quantitativa do antigénio específico da próstata (PSA), denominado «On Call PSA», com a refª TPS 402.

2. Em 11.07.2008, o A. foi submetido a junta médica no Centro de Saúde de … que lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 60% desde Maio de 2008, susceptível de reavaliação ao fim de dez anos.

3. Em 29.08.2008, a ré emitiu a declaração de fls. 23 a 25 aos seus clientes, sob o título «Recolha Urgente de Dispositivos Médicos», em que refere:

«…A finalidade da presente carta é informá-lo de que a BB, Incorporated está a lançar uma recolha voluntária dos seguintes produtos:

(...)

TPS-402 Prostate Specific Antigen (PSA)…

(…)

Tenha em atenção que esta recolha se aplica a todos os lotes com uma data de validade a partir de Novembro de 2008.

(...)

Estudos recentes demonstraram que houve uma alteração da estabilidade desde o desenvolvimento inicial do produto. Os resultados dos estudos revelaram que o produto actual é incapaz de cumprir os requisitos de desempenho, ao tempo de vida em prateleira atribuído de 24 meses, o que pode produzir resultados de PSA falsos negativos no limite de detecção ou na proximidade deste. Um resultado da PSA falso negativo pode conduzir a um diagnóstico errado ou a um atraso no diagnóstico do cancro da próstata. Por este motivo, decidimos interromper a utilização destes produtos.».

4. Em 01.09.2008, o Infarmed, através da Circular Informativa nº 145/CD, ordenou a suspensão imediata da comercialização do teste em causa, entre outros, relativamente aos lotes com data limite de utilização de Novembro de 2008 ou posteriores.

5. Para despiste do seu nível de «PSA», o autor efectuou os testes «OnCall» na Farmácia de Santo António dos Cavaleiros, em 13.01.2007, 09.06.2007, 17.11.2007, 26.01.2008, 03.05.2008 e 03.06.2008.

6. Os resultados desses testes foram sempre inferiores a 4 ng/ml.

7. Os testes foram realizados por diferentes operadores (alterado pela Relação).

8. (…) - eliminado pela Relação.

9. (…) eliminado pela Relação.

10. O A., e a entidade que aplicou o teste, estavam convencidos de que os resultados eram correctos.

11. Em Fevereiro de 2008, através de análise efectuada a amostra de sangue obtida por colheita venosa, foi detectado ao A. um valor de PSA de 8.0.

12. Em 21.04.2008, o A. foi submetido a uma biopsia realizada no Instituto Português de Oncologia DD que lhe diagnosticou «adenocarcinoma da próstata».

13. Em 11.06.2008, com a idade de 61 anos, o A. foi submetido a uma prostatectomia radical.

14. Se os resultados dos testes tivessem acusado valores superiores a 4 ng/ml, o autor teria recorrido de imediato a outros meios de diagnóstico.

15. (…) eliminado pela Relação.

16. O autor realizava os testes de diagnóstico do nível de PSA várias vezes por ano, devido ao factor de risco próprio da sua idade e porque se preocupava com a despistagem do mesmo.

17. Na sequência da prostatectomia radical a que foi submetido, o A. passou a sofrer de disfunção eréctil definitiva.

18. O que origina amargura, angústia e sofrimento ao A.

19. O autor vivia maritalmente com uma companheira há mais de 20 anos.

20. Em virtude da situação descrita em 17º, o casal deixou de manter relações sexuais de cópula completa.

21. O A. afastou-se ainda dos restantes familiares e dos amigos devido ao constrangimento provocado pela situação.

22. O estado de espírito do A. é por isso quase sempre de irritação, com ausência de concentração e falta de auto-estima.

23. (…) eliminado pela Relação.

24. O risco de eventual metastização da doença origina enorme angústia ao A. (alterado pela Relação).

25. O autor é ainda obrigado a realizar testes de prevenção do PSA, de forma sistemática.

26. Os testes PSA são um meio complementar de diagnóstico.

27. Os seus resultados devem ser analisados e interpretados exclusivamente por médicos e contextualizados com as demais informações clínicas por estes obtidas.

28. O autor deveria, em face da sua idade, recorrer a um acompanhamento regular, no âmbito do qual se procedesse à realização dos exames médicos de despistagem da patologia em causa, e isto independentemente da possível realização, em paralelo, dos testes rápidos de PSA.

29. A fixação do próprio limite do valor «normal» do PSA é discutível, e variável de indivíduos para indivíduos, havendo designadamente indivíduos «normais», isto é, sem patologia detectável, que têm valores diferentes de outros nas mesmas circunstâncias.

30. Em termos de patologia, valores abaixo de 4 ng/ml não excluem patologia benigna ou maligna, valores entre 4 e 10 ng/ml sugerem, mas não afirmam, patologia benigna ou maligna, e em valores acima de 10 ng/ml a probabilidade de patologia é já muito significativa.

31. Apenas a biopsia, quando positiva, faz o diagnóstico de carcinoma da próstata.

32. Competindo ao médico, nomeadamente urologista, prescrever a realização da mesma, não apenas perante uma situação de suspeição de malignidade devido a um determinado valor de PSA, mas também em face de outras avaliações (exame digital rectal da próstata, vulgo toque rectal, ecografia, etc).

33. Exames a que os indivíduos do sexo masculino a partir dos 50 anos de idade se deverão submeter, como medida preventiva, com a frequência anual.


C) O Direito:


As conclusões recursivas têm uma função delimitadora das questões a decidir. No vertente caso, feito o enquadramento na presente acção de efectivação de responsabilidade civil do produtor (a ré fabricante), são duas:

Se o acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação das regras de distribuição do ónus da prova, ao atribuir ao lesado o ónus de provar o defeito do produto, quando, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC e do art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 383/89, de 06 de Novembro, se trata de defeito (falta de segurança do produto) no domínio da organização e risco do produtor, no momento em que o produto foi posto em circulação, existência que é presumida por lei, cabendo ao produtor (no caso, a ré fabricante) a respectiva ilisão, convencendo o Tribunal da probabilidade ou razoabilidade da inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação (art. 5.º, al. b), do DL n.º 383/89), isto é, incumbindo à recorrida a prova de que os falsos negativos dos testes feitos ao recorrente não pertenciam aos lotes retirados do mercado por se entenderem inválidos ou defeituosos;

Se o tribunal recorrido não usou do juízo de adequação na decisão proferida quanto à inverificação do nexo de causalidade, pressuposto da responsabilidade civil, considerado à luz da teoria da causalidade adequada.


Ao STJ compete fundamentalmente apreciar da justeza da aplicação do direito e só pode conhecer de matéria de facto desde que haja ofensa expressa da lei que exija prova vinculada ou que estabeleça o valor de determinado meio probatório (art. 674.º, n.º 3, do CPC). A fixação da matéria de facto é da competência das instâncias, cabendo à Relação a sua fixação definitiva.

É, pois, vedado ao Supremo exercer qualquer censura à matéria de facto, proceder ao reexame das provas ou retirar das produzidas ilações fácticas diferentes, sendo lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões da matéria de facto dada como provada desde que sem a alterarem se limitem a desenvolvê-la. Essas conclusões continuam a constituir matéria de facto alheia à competência do STJ.

No caso, o recorrente não invoca nenhum dos fundamentos legais que permitiriam ao STJ conhecer da matéria de facto, pelo que as questões de direito colocadas no presente recurso deverão ser decididas tendo por base a factualidade dada como assente pelas instâncias.

O caso enquadra-se juridicamente no instituto da responsabilidade civil do produtor, conforme pretensão formulada pelo autor, aceite pela ré, acolhido pelas instâncias e entendido por este Supremo como adequado.

Esta é uma conclusão para manter, ainda que se aquilate de eventual especificidade do regime jurídico aplicável, tendo em consideração a natureza do produto objecto da discórdia - um teste para detecção semi-quantitativa do antigénio específico da próstata (PSA), denominado «On Call PSA», com a refª TPS 402.

Na realidade, o teste em causa – cuja finalidade é a detecção de substância indicadora de cancro da próstata, sem prejuízo do recurso a meios complementares de diagnóstico – enquadra-se no conceito de «dispositivo médico», na noção legal do Decreto-Lei n.º 145/2009, de 17 de Junho, que estabelece as regras a que devem obedecer a investigação, o fabrico, a comercialização, a entrada em serviço, a vigilância e a publicidade dos dispositivos médicos e respectivos acessórios e transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2007/47/CE de 05 de Setembro.

Para efeitos do referido diploma, entende-se por «dispositivo médico» qualquer instrumento, aparelho, equipamento, software, material ou artigo utilizado isoladamente ou em combinação, destinado a finalidades médicas – de diagnóstico, prevenção, controlo, tratamento ou atenuação de uma doença -não realizáveis através de meios farmacológicos, imunológicos ou metabólicos (art. 3.º, al. t)). Tratar-se-á de dispositivo «com função de medição», destinado a medir quantitativamente «um parâmetro anatómico ou fisiológico ou uma quantidade ou característica qualificável de energia ou de uma substância administrada ou removida do corpo humano», «com precisão e exactidão», visto que a existência de «problemas na fiabilidade da medição têm impacto no diagnóstico, monitorização ou terapêutica do doente» (segundo a MEDDEV 2.1/5, de Junho de 1998, da Comissão Europeia), cuja concepção e fabrico devem respeitar os requisitos previstos no Anexo I, Parte IV, 10 a 10.3 do DL n.º 145/2009.

De acordo com o art. 5.º do DL 145/2009, a entrada dos dispositivos no mercado só é permitida mediante o cumprimento dos requisitos, condições e procedimentos ali elencados, os quais não se esgotam nesta fase inicial, pelo contrário, mantém-se no que tange ao dever de proceder a vigilância pós-comercialização com o inerente dever de informar sobre incidentes adversos ocorridos durante o uso do dispositivo e que tenham passado incólumes nos ensaios e nas avaliações.

Existe, efectivamente, uma panóplia de obrigações que os produtores de dispositivos médicos devem cumprir, desde a concepção ergonómica do dispositivo, passando pelo material usado para o respectivo fabrico e indo até à informação prestada aos utilizadores não profissionais (os consumidores), nomeadamente a referência a dados clínicos.

E, com efeito, cuidando o apontado diploma legal apenas do controlo e aprovação para comercialização por parte das entidades competentes, sem tratar, contudo, da eventual responsabilidade por danos causados pelos ditos dispositivos, estes são, para efeitos legais, produtos submetidos ao regime da responsabilidade objectiva do produtor, mais restrito que o da responsabilidade contratual e extracontratual, previstas no Código Civil.

Rege esta matéria o Decreto-Lei n.º 383/89, de 06 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 131/2001, de 24 de Abril.

Aquele diploma transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 85/374/CEE, do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros em matéria da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos.

Estabelece, no art.1º, a responsabilidade objectiva do produtor ao prever que é este responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.

Prevê a hipótese em que o facto gerador da responsabilidade não é uma conduta deficiente, mas o defeito do produto posto em circulação.

O art2º prevê uma noção ampla de produtor, entendendo-se este como o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo.

Por produto, diz-nos o art.3º, entende-se qualquer coisa móvel, ainda que incorporada noutra coisa móvel ou imóvel. É neste conceito, que se integra o dispositivo médico, o teste, em causa nos autos.

É este defeituoso – segundo o art.4.º - quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção, todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação, não se considerando como tal um produto pelo simples facto de posteriormente ser posto em circulação outro mais aperfeiçoado.

Produto sem defeito é o produto seguro, mesmo que inapto a satisfazer o fim a que se destina.

O cerne desta noção está na segurança do produto e não na aptidão ou idoneidade deste para a realização do fim a que é destinado (que é o conceito determinante para efeitos de aplicação da garantia e responsabilidade contratual - cf. art.913º do CC, o regime da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pela Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho, e o regime do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio).

Não se exige, porém, uma segurança absoluta: basta a segurança com que se possa legitimamente contar, isto é, a segurança com que o lesado, consumidor concreto pode contar – uma expectativa subjectiva – e ainda aquela com que o “público em geral” ou o conjunto global dos consumidores pode esperar como normal – uma expectativa objectiva, a avaliar, casuisticamente, tendo em atenção a peculiaridade do produto em causa e todas as circunstâncias do caso, nomeadamente, às exemplificativamente previstas na lei, como a apresentação do produto, a utilização razoável do produto (incluindo o fim normal e outros usos razoavelmente previsíveis) e o momento da sua entrada em circulação (o momento atendível para a existência do defeito é o da comercialização do produto e não o da ocorrência do defeito; isto sem implicar que do seu aperfeiçoamento ulterior se possa inferir a existência de defeito naquela data), entre outros (por exemplo, as normas técnicas vigentes à data da comercialização) (Calvão da Silva, A Responsabilidade Civil do Produtor, Colecção Teses, Almedina, 1990, págs. 633 e seguintes).

A falta de segurança de um produto pode decorrer de um defeito de concepção (por exemplo, no caso dos dispositivos médicos, decorrente de uma insuficiente investigação clínica – arts.12.º e seguintes do DL n.º 145/2009), de fabrico (adveniente, v.g., de deficiências ao nível do controlo de produção) ou de informação (quando, por exemplo, o produto é omisso quanto aos cuidados que o consumidor/utilizador deve respeitar – exige o art.65.º do DL n.º 145/2009, que as instruções sejam claras, precisas e sucintas).

O defeito de informação, tratando-se de dispositivos médicos, tendencialmente terá um conteúdo mais amplo, na medida em que está naturalmente associado a uma extensão da obrigação de informação a que o produtor se encontra adstrito: os produtores estão vinculados a vigiar continuamente o seu produto e a acompanhar o estado da técnica, recaindo sobre eles a obrigação de informar acerca dos riscos entretanto detectados, ou mesmo a retirar o dispositivo do mercado.

Os possíveis riscos e outras informações associadas à utilização do produto deverão constar de um folheto disponibilizado com o mesmo (art. 49.º do DL n.º 145/2009), configurando-se, nesta parte, como medida da expectativa de segurança do dispositivo médico a medida da informação do utilizador/consumidor/paciente. Isto é, quanto mais informado estiver, maior é a margem de segurança do produto.

Visto que o defeito de segurança e o defeito de eficácia não se confundem, posto é que existem casos em que a falta de idoneidade do bem para o fim visado se confunde com a sua falta de segurança.

Trata-se de confluência que é particularmente evidente no caso de dispositivos médicos: sendo pertinentes com a saúde e a integridade física da pessoa, o simples facto de não estarem aptos a cumprir com a respectiva finalidade pode acarretar riscos para a saúde e/ou integridade física do utilizador. Por exemplo, as tiras de glicemia que são incapazes de medir com rigor o valor glicémico. O mesmo se dirá do teste em causa nos autos: falhando na realização do fim a que se destina, isto é, a medição precisa e exacta de parâmetros, torna-se inseguro para o doente, visto não permitir aceder a um valor fiável – o dito “falso negativo” -, comprometendo o diagnóstico, por um lado, e ludibriando a necessidade de recurso a meios complementares de diagnóstico, por outro.

Aqui residiria o defeito do produto, talqualmente foi reconhecido pela ré que, cumprindo com a obrigação de informação e cuidado a que estava adstrita, tomou medidas adicionais de segurança, a par da actuação do Infarmed, decidindo pela retirada dos dispositivos do mercado.

Contudo, o defeito apenas é defeito em sentido propriamente considerado para efeitos de responsabilidade civil do produtor, se o produto for, em concreto, utilizado pelo consumidor/paciente e neste se hajam repercutido as consequências daquele.

Esta concretização – muito embora considerada assente sob os pontos 8 e 9 pela 1.ª instância – não está provada no processo, conforme decidiu o acórdão recorrido ao eliminar essa factualidade, decisão que não foi objecto de sindicância por parte do autor em sede de revista, que se limitou a impugnar o modo de aplicação das regras de distribuição do ónus da prova.

Como tal, não se tendo provado que “os testes «On Call PSA, PS 402» efectuados ao A. apresentavam alteração na estabilidade do produto que punha em causa a sua validade fixada em vinte e quatro meses” e que “por esse motivo, os aludidos testes produziram resultados de falsos negativos de nível da PSA”, não se pode afirmar que o defeito do produto usado pelo autor esteja cabalmente demonstrado nos autos.

O ónus da alegação e prova do defeito incumbia ao autor.

Na realidade, no que respeita aos factos constitutivos do direito de indemnização que pretende fazer valer, tendo por base a responsabilidade civil do produtor, têm aplicação as regras gerais de distribuição do ónus da prova, constantes do Código Civil – art. 342.º -, não se vislumbrando qualquer especificidade: de harmonia com o n.º 1 deste preceito legal, caberia ao autor/consumidor/utilizador provar o defeito, o dano e o nexo causal entre o defeito e o dano.

Já no que tange a factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado – onde se integra a matéria do art. 5º do DL 383/89 –, o ónus da respectiva alegação e prova caberia à ré/produtora, conforme o n.º 2 do mesmo artigo.

De facto, para afastar uma responsabilidade absoluta, sem limites, do produtor, enuncia o art. 5º do DL 383/89, seis causas de exclusão de responsabilidade que o mesmo deve provar, entre as quais, a prevista na al. b): “Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação”.

Nesta hipótese, a que nos ocupa, o legislador possibilita ao produtor que ele demonstre que os defeitos causadores dos danos não lhe são imputáveis, mas não exige que ele prove a inexistência do defeito quando pôs o produto em circulação. É suficiente para a exclusão da responsabilidade do produtor a prova de que, tendo em conta as circunstâncias, é plausível ou razoável a inexistência do defeito, aquando da colocação do produto em circulação.

O produtor não tem que provar nenhum facto positivo, ou seja, de que o defeito surgiu após a entrada em circulação do produto e é imputável a terceiro ou à própria vítima, mas sim o facto negativo da probabilidade ou razoabilidade da sua não existência ao momento em que o pôs em circulação (bastará, por exemplo, alegar e provar que o produto funcionou bem durante alguns anos, devendo ter-se em conta o tempo de uso do produto, pois quanto mais longo for, maior a possibilidade de o defeito não existir à data em que foi colocado em comercialização).

Repete-se, em matéria de distribuição do ónus da prova, este regime não apresenta nenhuma excepção às regras gerais previstas no Código Civil, nomeadamente, no seu art. 342.º.

Por conseguinte, querendo efectivar a responsabilidade civil objectiva do produtor, incumbe ao lesado provar o defeito (o dano e o nexo causal) – a falta de segurança legitimamente esperada -, embora não se exija que especifique se é defeito de concepção, de fabrico ou de informação, defeito que, afinal, é facto constitutivo da sua pretensão (art. 342.º, n.º 1, do CC).

Não tem de provar, porém, a existência do defeito no domínio da organização e risco do produtor no momento em que o produto foi por este posto em circulação, existência essa que é presumida por lei, cabendo ao produtor, para efeitos de exclusão da sua responsabilidade, a prova da probabilidade ou razoabilidade da inexistência do defeito a esse momento, o que, afinal, configura facto impeditivo da pretensão de indemnização (art. 342.º, n.º 2, do CC).

Porém, o produtor apenas terá de ilidir a presunção de existência do defeito ao momento da sua comercialização se o defeito estiver demonstrado.

Como vimos, não está provado o defeito do teste que o autor concretamente usou, razão pela qual não se pode afirmar que caberia à ré alegar e provar os factos constitutivos da apontada causa de exclusão de responsabilidade.

Nem tão pouco se pode afirmar – como pretende o autor – que incumbiria à ré provar que os testes utilizados pelo autor não pertenciam aos lotes retirados do mercado.

Primeiro, é um facto negativo de cuja falta de prova não se podem extrair consequências, nomeadamente de prova do facto contrário, dado que não se subsume a nenhum facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado que incumbisse à ré demonstrar.

Segundo, o mesmo facto, mas formulado na positiva (que os testes utilizados pelo autor faziam parte dos lotes retirados do mercado), esse sim, trata-se de facto que integra a noção de defeito, portanto, de facto constitutivo do direito indemnizatório que pretende fazer valer nesta acção.

Acresce que nenhuma razão legal existe para inverter o ónus da prova, de modo a afirmar que passaria a incumbir à ré a prova de tal facto, dado que a presunção que beneficia ao lesado, não é uma presunção de defeito, mas de existência do mesmo ao momento da sua comercialização, por um lado, e não consta do processo – nomeadamente, na fase de instrução – que a ré haja, culposamente, tornado impossível a prova ao autor (cf. art. 344.º, n.º 2, do CC), por outro, tanto mais ter sido o mesmo alegado pelo autor no seu articulado inicial.

A primeira questão colocada em revista terá, pelo exposto, de improceder.

Em função da resposta dada à primeira questão, prejudicado fica apreciar a segunda questão colocada pelo autor, respeitante ao nexo de causalidade.

Não se tendo logrado demonstrar o defeito do produto, não se vê utilidade em apreciar o facto constitutivo reportado ao nexo causal, sem virtualidade de, por si, permitir a afirmação do direito indemnizatório invocado pelo autor.

        

     Formulam-se as seguintes conclusões:

I – Os dispositivos médicos são produtos submetidos ao regime jurídico da responsabilidade civil do produtor, aprovado pelo DL n.º 383/89, de 06-11, alterado pelo DL n.º 131/2002, de 24-04.

II – Por produto defeituoso entende-se – não aquele que é inapto para o fim a que se destina – mas que carece de segurança, a legitimamente esperada, decorrente de um defeito de concepção, de fabrico ou de informação.

III – Porém, se um dispositivo médico for inapto a cumprir com a respectiva finalidade e com isso acarretar riscos para a saúde e/ou integridade física do utilizador, deve ser considerado produto defeituoso para efeitos de aplicação do regime do DL n.º 383/89.

IV – Considera-se produto defeituoso o dispositivo médico com funções de medição, concretamente utilizado por consumidor, - um teste para detecção semi-quantitativa do antigénio específico da próstata (PSA), denominado «On Call PSA», com a refª TPS 402 - incapaz de cumprir os requisitos de desempenho, ao tempo de vida em prateleira atribuído de 24 meses, podendo produzir resultados de PSA falsos negativos no limite de detecção ou na proximidade deste e conduzir, por sua vez, a um diagnóstico errado ou a um atraso no diagnóstico do cancro da próstata.

V - Em acção de efectivação de responsabilidade civil do produtor, incumbe ao autor o ónus de alegação e prova do defeito, dano e nexo causal entre o defeito e o dano, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1, do CC.

VI - Na referida acção, uma vez provado o defeito, caberá ao produtor ilidir a presunção da existência deste ao momento da sua comercialização, mediante a prova da probabilidade ou razoabilidade da sua inexistência nessa data (art. 5.º, al. b), do DL 383/89 e art. 342.º, n.º 2, do CC).


Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 2 de Junho de 2016


Orlando Afonso (Relator)

Távora Victor

António da Silva Gonçalves