Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1310/11.7TBALQ.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: REFORMATIO IN PEJUS
ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
OBJETO DO RECURSO
CASO JULGADO
Data do Acordão: 03/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A decisão do tribunal não pode ser mais desfavorável para o recorrente que a decisão impugnada, e da qual a parte contrária não recorreu, atento o princípio da proibição da “reformatio in pejus” (art.º 635º, n.º 5, do CPC)

II. Se uma sentença proferiu condenação dos réus e se só estes interpuseram recurso, tendo a Apelação determinado a anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto, não pode a sentença que venha a se proferida posteriormente, agravar a condenação anterior uma vez que se encontram salvaguardados, em definitivo, os efeitos da decisão, na parte que não tiver sido objecto de recurso.

III. Sendo o objecto da revista proposta pelos autores, apenas, o de protestar a decisão da apelação que considerou que a sentença impugnada ofendia a proibição da reformatio in pejus do art. 635 nº 5 do CPC, tendo essa decisão da relação julgado totalmente improcedente a acção e absolvido as rés, o conhecimento da absolvição por não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual fica fora do objecto da revista e a decisão da apelação deve ser mantida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório

AA, e BB propuseram acção comum com forma de processo ordinário contra Socirol-Sociedade Ibérica de Rochas ornamentais Lda. e contra CC, DD, pedindo a condenação dos RR.:

a) Na demolição a expensas suas do pavilhão industrial destinado a serração, corte e polimento de rochas ornamentais que erigiram no prédio descrito na C.R.P ...... sob o nº ....62 e inscrito na matriz predial urbana sob o artº. ...36 e na rústica sob os arts. ...91, …42 e ….77, todos da secção .. da mesma freguesia;

b) Quando assim se não entenda, deverão os RR. subsidiariamente ser condenados:

- a pagar aos AA. a quantia de 240 000,00€ (duzentos e quarenta mil euros) a fim de lhes permitir a construção, na mesma zona, de uma nova casa de morada de família em condições similares à que actualmente possuem, ou subsidiariamente a suportarem a expensas suas a aquisição na mesma zona de um lote de terreno e a construção de uma moradia similares à que os AA. possuem;

- a pagarem aos AA. a título de danos de natureza não patrimonial a quantia diária de 30,00€ por cada membro do seu agregado familiar, desde 05.10.2010 até à data em que cesse a causa da falta de insolação e da produção dos ruídos, ou seja, até à data da demolição do pavilhão, ou subsidiariamente até à data em que venham a mudar a sua casa de morada de família para outro local, quantia a liquidar em execução de sentença, perfazendo 30 240,00€ (trinta mil, duzentos e quarenta euros).

Alegaram que são donos de um prédio e que a cerca de 200/300 metros, no prédio dos réus, labora uma indústria de corte de pedra estando a ser construído um pavilhão; a construção a executar tem em projecto, 11,95 metros de altura tapando todo o quintal da moradia dos AA., e praticamente toda a moradia, pondo em causa a insolação e provocarão ruído e emissão de poeiras.

 Na contestação os réus defendem que a construção se encontra licenciada, aprovada a altura superior a 10 metros, e a obra construída pelos RR. não ofende os direitos dos AA.

Instruídos os autos realizou-se julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

Em face do exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e exarou: “a) Condena-se a R. Sociror – Sociedade Ibérica de Rochas Ornamentais, Lda a proceder a expensas suas à redução da altura máxima do pavilhão industrial destinado a serração, corte e polimento de rochas ornamentais que erigiu no prédio descrito na C.R.P. de ....... sob o nº ........62. e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ....36 e na rústica sob os arts. ..91, ...42 e ...77, todos da secção .. da mesma freguesia, de modo a que essa altura não ultrapasse 10 metros;

b) Condenam-se os RR. Sociror – Sociedade Ibérica de Rochas Ornamentais, Lda, CC e cônjuge DD a pagarem solidariamente aos AA. a indemnização de 6.000,00 € a título de danos não patrimoniais, bem como a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença a partir da presente data e até à data em que completem a obra de redução da altura do pavilhão para 10 metros;

c) Absolvem-se os RR. dos restantes pedidos. “

Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso os réus pretendendo a revogação da sentença e a absolvição de todos os pedidos e o acórdão decidiu “anular a sentença recorrida ordenando-se a repetição do julgamento para ampliação da matéria de facto nos termos do art. 662 nº 2 al. c) do CPC. Tal ampliação da matéria de facto visa apurar a partir de que altura do pavilhão construído pela ré, a respectiva sombra se projecta sobre a cozinha, casa de banho e quartos da casa dos AA sobretudo nos meses de inverno, privando tais divisões de luz solar.

A matéria de facto já dada como provada pode manter-se salvo a necessidade de ajustar aos novos factos que se venham a provar evitando contradições – nºe al.c) do art. 662 do CPC.”

… …

 Realizado julgamento para apreciação da matéria de facto ampliada o foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e exarou: “a) Condenam-se os RR. a proceder a expensas suas à redução da altura máxima do pavilhão industrial destinado a serração, corte e polimento de rochas ornamentais que erigiu no prédio descrito na C.R.P. de ....... sob o nº …..62 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...36. e na rústica sob os arts. ..91, ...42 e ...77, todos da secção .. da mesma freguesia, de modo a que essa altura não ultrapasse 6,5 metros;

b) Condenam-se os RR. a pagarem solidariamente aos AA. a indemnização de 10.000,00 € (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, bem como a indemnização que vier a ser liquidada a partir da presente data e até à data em que os RR. completem a obra de redução da altura do pavilhão para 6,5 metros;

c) Absolvem-se os RR. do demais peticionado;”

Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso os réus pretendendo de novo a improcedência da acção e a absolvição dos pedidos  e sustentando que a sentença recorrida violou a proibição da “reformatio in pejus”, ao agravar a condenação dos RR., designadamente passando de uma sentença que condenava os RR. na redução do pavilhão até à altura de 10m, para uma sentença que condenou os RR. a reduzir a altura do pavilhão para uma altura de 6.5m, o mesmo ocorrendo quanto à condenação dos RR. a pagarem 10.000,00€ aos AA. em vez dos anteriores 6.000,00€.

O tribunal da relação julgou a apelação procedente e absolver os réus dos pedidos.

… …

 Inconformados com esta decisão interpuseram os autores recurso de revista concluindo que:

“- Os RR. interpuseram recurso da sentença inicial proferida nestes autos, tendo o Tribunal da Relação anulado a sentença recorrida e ordenado a repetição do julgamento para ampliação da matéria de facto;

- Essa ampliação da matéria de facto visava apurar a altura a partir da qual o pavilhão construído pela R., projecta a respectiva sombra sobre algumas divisões da casa dos AA. sobretudo nos meses de Inverno, privando-as divisões de acesso à luz solar;

- Portanto, sobre toda a matéria relacionada com este tema de prova (e os eventuais ajustes que sejam necessários para evitar contradições), não existiu caso julgado;

-  A proibição da “reformatio in pejus” apenas contempla a decisão a proferir no Tribunal ad quem e não a decisão a proferir em nova decisão proferida em 1ª Instância em resultado da ampliação da matéria de facto ordenada pela Relação;

-  A 2ª sentença proferida em 1ª instância após a ampliação da matéria de facto não ofende proibição da “reformatio in pejus” pelo que que não padece de qualquer nulidade e, como tal, não merece censura;

- Antes merece censura o Acórdão da Relação porquanto fez errada interpretação do nº 5 do artº 635º do C.P.C., tendo, por isso, que ser revogado substituído por outro que confirme a sentença que condenou os RR. A procederem a suas expensas, à redução da altura do pavilhão de modo a que o mesmo não ultrapasse 6,5m.”


Os recorridos contra-alegaram defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

 Fundamentação

O tribunal em primeira instância julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) Na Conservatória do Registo Predial ....... consta registada sob a inscrição Ap. ..... a aquisição por divisão de coisa comum a favor de BB, casada com AA, no regime de comunhão de adquiridos, do prédio urbano ali descrito sob o n° ......72, sito em ......., na Rua .......... n° .., lugar ......, freguesia ....., concelho ......., composto por casa de habitação de r/c, garagem de r/c e logradouro, com área total de 880 m2 e inscrito na matriz predial sob o artigo ....14 da freguesia  .... .

B) A Câmara Municipal ..... emitiu em 10 de Março de 2010 o alvará de utilização n° ../2010, que titula a aprovação da autorização de utilização do prédio referido em A).

C) EE, nascida a ...10.2001, e FF, nascido a .. de Agosto de 2008, são filhos de AA e BB.

- Na Conservatória do Registo Predial ..... consta registada sob a inscrição Ap. ...... a aquisição por compra a favor de CC, casado com DD, no regime de comunhão de adquiridos, do prédio misto ali descrito sob o n° ....62, denominado ......, composto por:

- parte urbana - casa de rés-do-chão e logradouro com a superfície coberta de 87,55 m2 e logradouro com a área de 232,45 m2, com inscrição na matriz sob o artigo ....36; e

- parte rústica - vinha e cultura arvense - com inscrição na matriz sob os artigos ...42 Secção .. (pendente de rectificação), …91 secção .. e ...77 secção .. (todos pendentes de unificação), com a área total de 4920 m2 (documento de folhas 37 e 38 do apenso A).

E)     Na descrição referida em D) consta ainda que o referido prédio confronta a norte com estrada e herdeiros de GG, a sul com rio e a nascente e poente com CC.

F)     O prédio referido em D) é contíguo ao referido em A) pelos lados sul e nascente.

G)     Por escrito dirigido ao Serviço de Finanças ...., que aqui deu entrada em 03.12.2010, a ré DD requereu a unificação de uma parcela (2) de terreno constituída por vinha e cultura arvense, com a área de 3280 m2, de um prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...43, secção .., com a área de 1120 m2, de uma  parcela do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..89, da secção .., com a área de 1000 m2 e de uma área de 425 m2, resultante do desvio do caminho vicinal ou mural que atravessava os prédios rústicos inscritos sob os artigos ..89, ...43, …91 e ...42, todos da referida secção .., daí resultando o seguinte prédio: «prédio rústico, sito em ...., com a área total de 5 885 metros quadrados, composto por parte urbana com a área de 320 metros quadrados, correspondente ao artigo matricial urbano ....36, e parte rústica com a área de 5 665 metros quadrados, composta por vinha e cultura arvense, a confrontar do norte com  estrada e AA e BB, do sul com rio, do nascente com HH, herdeiros de II, AA e BB e do poente com o próprio e AA e BB.

H) Na certidão n° ...387 de 16 de Julho de 2010, emitida pela Câmara Municipal ....., através do Director do Departamento de Urbanismo, consta que a 1a R. «entregou um pedido de licenciamento para construção de pavilhão de serração, transformação e polimento de rochas ornamentais, a levar a efeito na ......, freguesia ......, ao qual foi atribuído o n° ..01».

1) Da certidão referida em H) faz parte integrante o "Alvará de licenciamento de obras n° ..56", emitido em 8 de Julho de 2010, do qual consta que «as obras aprovadas por deliberação de 26/04/2010, respeitam o disposto no Plano Director Municipal e apresentam as seguintes características (...) Construção de pavilhão de serração, transformação e polimento de rochas ornamentais, com a área de construção: 2 226, 00 m2; volumetria 21 069, 09 m2; cércea: 11, 95m; n° de pisos acima da cota de soleira: 1; n° pisos abaixo da cota de soleira: 0; Utilização: Indústria». J) Por carta em que foi aposto carimbo de entrada com data de 08.07.2010, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal ......, o autor, além do mais, solicita que este «não permita o levantamento de licença, sem cuidar de saber se eventualmente por lapso não foram cumpridas as disposições legais aplicáveis (...)».

K) O A. marido deslocou-se então à reunião do executivo camarário que teve lugar no dia ...7.2010 e expôs a situação, tendo levantado dúvidas quanto à volumetria, tendo o Vice-Presidente, em exercício de funções de Presidente, informado que se iria verificar a conformidade da obra com o projecto e convocar o requerente.

L) Nessa reunião, o Director do Departamento de Urbanismo salientou que o Projecto foi aprovado para armazém (folhas 195 a 197).

M) Por carta em que foi aposto carimbo de entrada com data de 13.07.2010, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal ...., o autor, além do mais, informa que «     (...) a obra continuou, no dia de hoje, a ser edificada a todo o vapor».

N) Na reunião de Câmara de 19.07 seguinte, a questão foi levantada por um vereador que teve oportunidade de consultar o processo e constatou irregularidades, designadamente que o índice volumétrico não era respeitado, tendo sugerido a revisão/anulação da deliberação, tendo o Vice-presidente incumbido o Chefe de Divisão do Urbanismo de verificar a finalidade da obra e se os índices de construção estão a ser respeitados.

O) Em 19.07.2010, o Director do Departamento de Urbanismo elaborou uma Informação (n° ....) onde verifica que a obra tinha uma volumetria de 22 816,50m3, quando a volumetria máxima segundo o PDM é de 22 140 m3, concluindo que a «decisão de aprovação do projecto pode ser revogada e considerada nula».

P) Em consequência, foi deliberado na reunião de Câmara de 26.07.2010 projectar a decisão de declarar a nulidade da deliberação de 26.04.2010 que aprovara o projecto e consequentemente ordenar o embargo da obra e a cassação do alvará, decisão de nulidade que foi confirmada por deliberação da Câmara de ..08.2010, com fundamento na violação da ai. b) do ponto 5.1 do art. 35° do RPDM c.onjugado com a al. a) do art. 68° do RJUE (DL n° 555/99).

Q) A 02.09.2010, a R. sociedade veio a apresentar novo projecto de licenciamento, em que requereu o aproveitamento das peças escritas e desenhadas do anterior processo, visando a legalização da construção, a que foi atribuído o n° ..01.

R) O projecto referido em Q) foi objecto de apreciação pelos serviços municipais, onde se refere que não é passível de enquadramento na ai. d) do n° 5.1. do art. 35° do PDM por o local não estar inserido em qualquer dos espaços industriais definidos no n° 2 do art. 35°, propondo o indeferimento do pedido, decisão que foi projectada em reunião de Câmara de 18.10.2010, e confirmada em reunião de 13.12.2010.

S) Em 09.12.2010, a R. sociedade apresentara uma nova versão do projecto, sobre a qual recai.u a Informação n° ....., de 28.12.2010 onde consta, a final, «coloca-se à consideração da Exma. Câmara a aceitação ou não do projecto de arquitectura, ressalvando-se não existir expressamente o incumprimento, no projecto em análise de qualquer norma legal ou regulamentar aplicável».

T) Em reunião de Câmara de 03.01.2011 o chefe de divisão do urbanismo emitiu a seguinte informação, que recaiu sobre a informação referida em S): "Concordo com a informação prestada pelas técnicas em serviço na Divisão de Urbanismo".

U) Em reunião de Câmara de 08 de Agosto de 2011, na sequência de parecer emitido, foi solicitado ao Gabinete de Apoio Jurídico um parecer sobre a informação referida em T) e o processo em referência, para ser presente na reunião de Câmara agendada para o dia ...08.2011.

V) Em reunião de Câmara de 16.08.2011 foi aprovado o projecto de arquitectura referente ao processo n° ….01

X) A edificação que a sociedade R. está a executar, a nascente da casa dos AA., destina-se a corte, serração e polimento de rochas, tendo sido dispensada a apresentação de projecto acústico.

Z) A casa de habitação do prédio referido em A) compõe-se de cozinha, duas casas de banho, três quartos, sala, escritório, anexo para garagem, logradouro na frente e quintal nas traseiras.

AA) O prédio referido em A) confronta a norte com estrada, a sul e nascente com o prédio referido em D) e a poente com prédio rústico com o artigo ….89 da secção .. da freguesia ...., onde existe um caminho.

BB) É no prédio identificado em A) que os AA. residem com os filhos referidos em C), tomando aí refeições, recebendo familiares e amigos, e aí pernoitando.

CC) Na sequência do referido em G), o prédio descrito em A) passou a ter uma área superior a 5.585m2.

DD) No prédio referido em D), a cerca de 70 metros do prédio descrito em A), labora uma indústria de corte de pedra em unidade fabril fechada.

EE) O prédio referido em D) está murado numas partes e vedado noutras. O seu acesso faz-se por portões.  do exterior não se vê o que se passa no interior dos edifícios, mas é possível ver parcialmente o que se passa nos logradouros, dependendo da posição do observador.

FF) No Verão de 2010 existiam uns pilares em ferro no prédio referido em D), tal como constam das fotografias juntas a folhas 40 e 41 do apenso A.

GG) A R. sociedade prosseguiu com a obra, autorizada pelos restantes RR., e o pavilhão foi entretanto concluído.

HH) O prédio referido em A) do lado nascente (quintal, moradia e logradouro incluídos), tem o comprimento de 37,84m, medindo a casa 13,35m.

II) O pavilhão referido em H) está construído a uma distância da casa de habitação referida em A) que varia entre os 7,99 m e 9,45m, sendo de cerca de 5m a distância entre o pavilhão e a estrema do prédio dos AA.

JJ) O alçado lateral do pavilhão desenvolve-se ao longo de parte da moradia dos AA. e seu logradouro, do lado nascente e sul destes últimos.

KK) Os prédios estão separados por dois muros de vedação contíguos, um edificado pelos AA. e outro edificado pelos RR., sendo que visto do lado dos AA. tem uma altura de 1,4 m e é de alvenaria, e do lado dos RR. a altura do muro varia entre cerca de 3,2m e 4,4m, sendo de betão na base, seguindo depois em chapa metálica que supera o muro dos AA. em cerca de 60cm e devendo-se a maior altura do lado dos RR. ao nível inferior do solo destes relativamente ao dos AA.

LL) O pavilhão atinge 11,53 m de altura na parte mais alta na zona junto ao prédio dos AA.

MM) O pavilhão gera sobre o prédio referido em A) uma sombra no Inverno, com preponderância a .. de Dezembro, aumentando gradualmente esse ensombramento durante parte do período da manhã a partir de Setembro e até Dezembro, passando a diminuir de Abril até Setembro.

NN) O prédio dos AA. tem nas traseiras, a sul, para onde dá a cozinha, um quintal com 195m2.

OO) Devido à edificação do pavilhão, a iluminação natural directa da cozinha, que tem uma janela e uma porta para esse quintal, vai ficar diminuída entre os meses de Outubro a Março, num número de horas máximo diário até 3, com o máximo em Dezembro, no período da manhã.

PP) Bem como a iluminação natural directa dos dois quartos da casa, que também têm uma janela cada um deles para esse lado, mas mais acentuadamente, pois essas janelas encontram-se mais perto do obstáculo que é o pavilhão, o mesmo sucedendo com a despensa e casa de banho, cada também com uma janela, encontrando-se a cozinha, a despensa, um quarto, a casa de banho e outro quarto no mesmo lado da casa, por esta ordem, sucessivamente mais perto do pavilhão.

Q) Situação esta que se agrava durante o período de final do Outono, Inverno e princípio da Primavera em que a incidência dos raios solares se faz sentir entre os 27° e 50°.

RR) Nessas alturas do ano, a casa de habitação referida em A) e o quintal ficam com ensombramento parcial que advém do pavilhão.

SS) Consequentemente, a casa referida em A) tornar-se-á mais fria, mais húmida e mais insalubre.

TT) A utilização do quintal pelos AA. e família como zona de lazer ficará comprometida nas manhãs de Inverno devido ao referido ensombramento.

UU) Nas manhãs de Inverno o quintal é afectado por ensombramento parcial devido à construção do pavilhão.

W) As divisões da casa dos AA. referidas em OO), PP) e QQ) ficarão com menos luz, mais frias, húmidas e insalubres, o que causa preocupação e tristeza aos AA.

XX) O pavilhão referido em A) destina-se a serração, transformação e polimento de rochas.

YY) A maquinaria existente no pavilhão é susceptível de provocar ruído.

ZZ) No interior do pavilhão existem já duas pontes rolantes.

AAA) As referidas pontes funcionarão com roldanas, cabos e correntes de aço.

BBB) Ao prédio onde está construído o pavilhão afluem veículos pesados para carga e descarga de pedra. CCC) A data da propositura da acção, a estrutura exterior do pavilhão referido em H) e as vedações metálicas estavam concluídos.

DDD) 0 pavilhão é uma construção em estrutura metálica, em que as paredes e os telhados são compostos de chapa metálica tipo sandwich com poliuretano ou equivalente no seu interior, sendo feito em alvenaria até cerca de 2 metros.

EEE) A zona onde se situam a habitação e o pavilhão é ventosa.

FFF) O processo de polimento da pedra gera pó fino, dependendo a emissão deste pó do cuidado com o maneio e dos meios disponíveis.

GGG) A situação descrita em JJ) a MM) e OO) a UU), XX a AAA), DDD) e FFF) causa mal-estar, ansiedade, stresse e incomodidade aos AA..

HHH) Os terrenos para construção urbana situados na zona do prédio referido em A), com dimensões são transaccionados em valores da ordem dos 556 a 60€/ m2.

III) Uma moradia como a que constitui a casa referida em A) tem um valor de mercado de cerca de € 180.000,00.

JJJ) A existência da construção referida em H) e o funcionamento do estabelecimento industrial provocará uma desvalorização do valor de mercado referido em Dl).

KKK) Desde o início de Outubro de 2010, que os AA. e sua família já sofrem o referido em OO) VV).

LLL) Provado o que já consta das alíneas TT) e UU) da matéria provada.

MMM) A parte da casa de habitação referida em A) que se aproxima do terreno referido em D) é uma empena.

NNN) Na zona da estrema mais próxima do pavilhão, o prédio dos AA. situa-se numa cota de terreno acima da cota de terreno dos RR. cuja altura é variável entre os 1,66 m e os 2m.

OOO) O pavilhão referido em H) está construído à distância mínima de 4,75 m e máxima de 5,25m do limite do prédio referido em A).

PPP) O corte de pedra é feito sem pó, porque efectuado com o envolvimento de água. QQQ) Os réus residem com os seus dois filhos em edifício construído no prédio referido em D).

RRR) O pavilhão encontra-se construído no prédio referido em D).

SSS) Quando os AA decidiram construir a moradia referida em A) sabiam que no prédio vizinho dos RR existia um primeiro pavilhão - que não o referido em H) - onde se procedia ao armazenamento e corte de pedra, com o que se conformaram.

TTT) Por contrato de arrendamento celebrado em 01.10.2009, os RR CC e DD (primeiros outorgantes) deram de arrendamento à R Sociror - Sociedade Ibérica de Rochas Ornamentais, Lda (segunda outorgante), representada por aqueles na qualidade de seus sócios gerentes, o prédio rústico denominado ....., sito em ...., inscrito na matriz sob os arts. …91, ..77 e ...42 (parte rústica do prédio misto identificado na al. D supra), constando da cláusula 6 desse contrato: "Atento o fim a que se destina o prédio arrendado, os PRIMEIROS autorizam expressamente a SEGUNDA a realizar no local arrendado todas e quaisquer obras necessárias à implantação de edifícios para fins industriais".

UUU) Em 3.7.2013 a Câmara Municipal ... emitiu o alvará de licenciamento de obras n° ….27, do qual consta designadamente que "As obras aprovadas por deliberação de 03 de Junho de 2013, respeitam o disposto no Plano Director Municipal e apresentam as seguintes características conforme Processo de Obras n° ….01 :

Legalização da construção de pavilhão de serração, transformação e polimento de   ochas ornamentais, com a área de construção: 2.226,00 m2; volumetria: 21,250 m3; cércea: 10,76m; n° pisos acima da cota de soleira: 1; n° pisos abaixo da cota de soleira: O; Utilização: Indústria" (doe. de fls. 482-483 do apenso A).

… …

No tocante à ampliação da matéria de facto determinada pelo acórdão da Relação .... provou-se que:

VW) A altura do pavilhão construído pela R, tomando como principal a fachada poente é de 11,46 metros (cota 114,08).

WWW) Com referência ao dia 3.2.2018, a partir dos 5,53 metros de altura do pavilhão construído pela R (cota 100,18), a respectiva sombra projecta-se sobre a janela da casa de banho do alçado nascente da casa dos AA, e a partir dos 6,49 metros de altura mesmo pavilhão (cota 101,01), a respectiva sombra projecta-se sobre a janela do quarto do alçado sul da casa dos AA.

           … …

O objecto do recurso é limitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assim, vistas as conclusões do recurso, a única questão suscitada pelos recorrentes/réus é a de saber se a sentença recorrida, resultante da ampliação da matéria de facto, deveria ser mantida por não haver nela qualquer violação da proibição da reformatio in pejus.

… …

Concretizando em explicação o objecto do recurso, de acordo com a naturalística do processo, verificamos que na petição inicial os autores formularam como pedidos:

a) a demolição a expensas suas do pavilhão industrial destinado a serração, corte e polimento de rochas ornamentais que erigiram no prédio descrito na CRP ....... sob o nº ....62 e inscrito na matriz predial urbana sob os art. ....36 e na rústica sob os art. ….91, ....42 e ...77, todos da secção .. da mesma freguesia.

b) Quando assim se não entenda, devem, subsidiariamente, os RR. serem condenados:

- a pagar aos AA. a quantia de 240 000,00€ (duzentos e quarenta mil euros) a fim de lhes permitir a construção, na mesma zona, de uma nova casa de morada de família em condições similares à que actualmente possuem, ou, ainda subsidiariamente, a suportarem a expensas suas a aquisição na mesma zona de um lote de terreno e a construção de uma moradia similares à que os AA. possuem;

- a pagarem aos AA. a título de danos de natureza não patrimonial a quantia diária de 30,00€ por cada membro do agregado familiar dos AA., desde ...10.2010 até à data em cesse a causa da falta de insolação e da produção dos ruídos, ou seja, até à data da demolição do pavilhão ou, subsidiariamente, até à data em que venham a mudar a sua casa de morada de família para outro local, quantia a liquidar em execução de sentença, mas que, no momento, perfaz a quantia de 30 240,00€ (trinta mil, duzentos e quarenta euros).

Deste pedido, numa primeira sentença o tribunal a quo decidiu condenar a sociedade ré a reduzir a altura máxima do pavilhão industrial destinado a serração, corte e polimento de rochas ornamentais que erigiu no prédio descrito na C.R.P. de ....... sob o nº ......62. e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....36 e na rústica sob os arts ...91, ….42 e ….77, todos da secção .. da mesma freguesia, de modo a que essa altura não ultrapasse 10 metros;

b) Condenou os réus a pagarem solidariamente aos AA. a indemnização de 6.000,00 € a título de danos não patrimoniais, bem como a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença a partir da presente data e até à data em que completem a obra de redução da altura do pavilhão para 10 metros;

Em consequência da decisão que anulou a sentença proferida em primeira instância, mandando ampliar a matéria de facto, veio  ser proferida nova sentença que, aumentado a indemnização e reduzindo a altura máxima do pavilhão, condenou os réus na redução da altura máxima do pavilhão industrial destinado a serração, corte e polimento de rochas ornamentais que erigiu no prédio descrito na C.R.P. de ..... sob o nº ......62. e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....36 e na rústica sob os arts ...91, ….42 e ….77, todos da secção .. da mesma freguesia, de modo  que essa altura não ultrapasse 6,5 metros;

b) Condenam-se os RR. a pagarem solidariamente aos AA. a indemnização de 10.000,00 € (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, bem como a indemnização que vier a ser liquidada a partir da presente data e até à data em que os RR. completem a obra de redução da altura do pavilhão para 6,5 metros.

Isto exposto, e ainda no total esclarecimento do objecto do recurso, observamos como importante que a revista, nas suas alegações/conclusões, limitou-se a sustentar que a condenação proferida na (segunda) sentença a qual, relativamente à anterior, aumentou a indemnização e reduziu a altura máxima da construção, deveria manter-se por não violar qualquer caso julgado formado anteriormente. Os recorrentes não deduziram qualquer argumento substantivo de oposição à apelação que julgou totalmente improcedentes os pedidos que haviam deduzido e fizeram incidir toda a alegação/conclusões no protesto de não existir, na decisão em primeira instância, ofensa da proibição da reformatio in pejus. No entanto, a apelação, embora tendo deixado referência a que essa sentença havia violado o art. 635 nº5 do CPC por ofensa dos efeitos do julgado anteriormente, afirmou a total improcedência da acção, na consideração de não se verificavam os pressupostos (o facto ilícito) da responsabilidade civil por facto ilícito em que os autores haviam baseado a sua pretensão.    

Deste modo, mesmo que possamos decidir que a sentença recorrida não ofende a proibição da reformatio in pejus do art. 635 nº5, sempre esta decisão será insuficiente para revogar a que a Relação proferiu julgando o recurso improcedente, porque, quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil o recurso de revista nada opôs e será, por essa razão, nesse segmento inoperante.

Feita a explicação do objecto do recurso, trata-se agora de saber se o tribunal, em primeira instância, podia condenar em indemnização superior à anteriormente por si decidida (6.000,00 €) e em altura inferior (a 10 metros) e isto porque a apelação foi interposta pelos réus que pretendiam com ele não ser condenados em indemnização alguma e que não fossem colocadas reduções à altura do pavilhão.   

O art. 635 do CPC, regulando a delimitação subjectiva e objectiva do recurso, dispõe no seu nº5 que “os efeitos do julgado, na parte recorrida, não podem ser prejudicados decisão do recurso nem pela anulação do processo”.

O histórico deste preceito, vindo directamente do anterior Código de Processo Civil, tinha já aí redacção igual, herdada da dos art. 685 do CPC de 1939, e revela a constância do princípio da proibição da reformatio in pejus, com o mesmo conteúdo, consistindo em se ter por transitada em julgado a parte da decisão que não for recorrida. Radica na ideia de que, num sistema processual que comporte o princípio do dispositivo, a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente que a decisão recorrida e que efeito do caso julgado que porventura já se tenha formado prevalece sobre o eventual interesse na melhor aplicação do direito, nos termos claramente deixados expressos no preceito.

 Com este fundamento, tido e mantido como óbvio e evidente, Alberto dos Reis - CPC anotado vol. V, anotação ao art. 685 - citava nesses mesmos, com igual formulação e sentido de finalidade Manuel de Andrade – Noções Elementares de Processo Civil, p. 200. E assinalando esta longíssima tradição no nosso processo civil, Teixeira de Sousa - Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 467 - repete que a decisão do recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão recorrida no que é acompanhado por Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes - Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição, 3.º, 42.

O recurso, abrangendo por regra toda a parte dispositiva da sentença, na sua delimitação objectiva permite que possa ser interposto relativamente a algum dos segmentos decisórios – Paula Costa Silva, Poderes dos tribunais de recurso sobre o objecto do processo, Cad. Direito Privado nº1 pg. 63- , mas o objecto do recurso é a decisão que prejudica o recorrente e não os fundamentos, os quais apenas interessam enquanto segmentos – o que Alberto dos Reis chamava de capítulos da decisão e relacionava com os capítulos do pedido, in CPC anot. Vol. V pg. 305 - que serão inseridos nas alegações ou, quanto ao recorrido, nas contra-alegações na medida em que o art. 636 o permite.

No exemplo mais usado para compreensão, diz-se que se um réu for condenado a pagar determinada quantia e interpuser recurso da sentença, a proibição da reformatio in pejus impedirá o tribunal de recurso de condenar em quantia superior, quando o autor não tenha interposto recurso principal ou subordinado, quanto à parte que lhe foi desfavorável. Da mesma forma que, se o tribunal de recurso conhecer oficiosamente de excepção dilatória que conduziria à absolvição da instância do réu, está impedido de revogar a condenação em parte do pedido decretado sem impugnação pelo vencido - Teixeira de Sousa, op. cit. pg. 466 a 468.

Dizendo-se que a reformatio in pejus não afasta a possibilidade de a condenação ter critérios ou motivos diversos e que a expressão “efeitos do julgado” do nº5 do art. 635 deve ser interpretada como reportada à parte decisória da sentença – cfr. Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes op. e loc. cit. – deve esclarecer-se, em simultâneo, que dentro dos limites que provêm da proibição da reformatio in pejus, o tribunal da Relação tem liberdade de apreciação, nomeadamente para anular, mesmo oficiosamente, a decisão e em ordem a ser ampliada a matéria de facto necessária para se decidir. Todavia, tendo procedido à anulação e destruindo tudo o que constava da sentença, essa destruição não se estende ao que a proibição da “reformatio in pejus” salvou e que compreende o que foi decidido e não foi objecto de recurso pelo réu vencido – cfr. ac STJ de STJ 7-2-2013 no proc. 1720/05. TBVC D.P1.S1, in dgsi.pt.

Com igual definição, escreve-se no ac. STJ de 18-12-2013 – Proc. 1801/10.7TBOER.L1.S1, in dgsi.pt – “ a) Se apenas uma das partes interpuser recurso que abarque uma parcela da decisão, não pode, sob pretexto algum, ser revogado ou modificado o outro segmento decisório em relação ao qual tenha saído vencedora a parte contrária;

b) Se o recorrente, de forma expressa ou tácita, restringiu o âmbito do recurso, o Tribunal ad quem não pode interferir na parte da sentença que ficou excluída da impugnação;

c) Ainda que, por algum motivo, o Tribunal ad quem determine a anulação do processado, ficam salvaguardados, em definitivo, os efeitos da decisão, na parte que não tiver sido objecto de recurso.”

Com estas considerações normativas, no concreto do caso em decisão está presente que era pedida a demolição, na totalidade, de uma construção, um pavilhão industrial, da responsabilidade dos réus e, subsidiariamente, caso a demolição total não fosse ordenada, a condenação em quantia referente a danos não patrimoniais, tudo assente na responsabilidade civil por factos ilícitos. E se numa primeira decisão o tribunal, conhecendo dos pedidos, condenou na redução da altura máxima do pavilhão industrial de forma a não exceder os 10 metros e em indemnização no valor 6.000,00 € a título de danos não patrimoniais, bem como a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença a partir da presente data e até à data em que completem a obra de redução da altura do pavilhão para 10 metros, desta decisão só os réus interpuseram recurso.

Deste jeito, na observação do que deixámos dito, a finalidade do recurso dos demandados era obter “benefício” de absolvição, pretendendo que fosse revogada a decisão recorrida e julgada improcedente a acção - com as consequências de, assim, não merecer censura que a construção pudesse ter como tinha altura superior a 10 metros e de nenhuma indemnização ser devida.

Tendo o tribunal da Relação determinado a anulação da sentença para ampliação da matéria de facto, é interessante notar que essa decisão, porque nas contra-alegações os autores vieram ampliar o recurso pedindo a redução da altura do edifício para 6 metros (contra o máximo de 10 metros sentenciados), não admitiu essa a ampliação julgando. E o fundamento foi o de ter sido pedida a demolição total do edifício construído pelos RR e, condenando a sentença a reduzir a altura máxima da construção para 10 metros, os autores para pedirem a redução da altura do edifício para 6 metros seria através de interposição de recurso subordinado que não interpuseram e não através da ampliação em contra-alegações, decisão esta que transitou em julgado.

Quanto à apelação em que foi ordenada a anulação da sentença para ampliação da matéria de facto, deixou-se censurado que não havia razão para considerar que a altura máxima permitida para a construção fosse de 10 metros (por infracção ao PDM) e que, a sentença apresentava outro fundamento para ter decidido como decidiu, e que era o da colisão entre o direito de propriedade da Ré sociedade e o direito dos AA à insolação, integrado no direito à saúde, na vertente de direito de personalidade. E respaldando este último fundamento que a sentença usou para condenar a Ré a diminuir a altura do edifício para 10 metros, a decisão da Relação considerou que não se compreendia essa redução e anulou a sentença recorrida, para ampliação da matéria de facto que teria por finalidade sustentar com factos, que faltavam, a decisão de a altura máxima da construção não poder exceder os 10 metros de altura.

Toda a decisão da relação estava focada, exclusivamente, no apuramento da procedência ou improcedência do recurso dos réus, do qual apenas poderia resultar uma decisão mais favorável que a proferida em primeira instância.

Ora, ampliada a matéria de facto e realizado julgamento nessa parte, foi proferida sentença que condenou os RR. a reduzirem a altura máxima do pavilhão de modo que a mesma não ultrapassasse 6,5 metros e condenou os RR. a pagarem solidariamente aos AA. a indemnização de 10.000,00 € a título de danos não patrimoniais e indemnização que vier a ser liquidada a partir da presente data e até à data em que os RR. completem a obra de redução da altura do pavilhão para 6,5 metros. Em resumo, esta decisão agravou a anterior em prejuízo do recorrente quer quanto ao montante da indemnização quer quanto à altura permitida para a construção e isso sem que os autores recorridos tivessem interposto recurso.

Em conclusão, a sentença recorrida ofendeu o disposto no art. 635 nº 5 do CPC uma vez que agravou para os réus recorrentes a decisão proferida anteriormente quando estes o que pretendiam era um desagravamento com a improcedência da acção.

Neste ponto, e perante a conclusão que confirma a violação deste preceito, fica esgotada a alegação de recurso dos réus e, em consequência, devem julgar-se totalmente improcedentes as conclusões de revista não podendo a sentença recorrida subsistir. Porém, recordando o que dissemos, isto não significa que tenha de repristinar-se a sentença proferida em primeiro lugar porque o que está em causa na revista não é escolher entre uma e outra, entre a que fixou uma altura máxima à construção de 10 metros e 6.000,00 € de indemnização por danos morais ou a que posteriormente decidiu que a altura máxima teria de ser 6,5 metros e a indemnização de 10.000,00 €. A discussão em torno do art. 635 do CPC não decide o recurso com a manutenção da primeira decisão de primeira instância porque dela apenas se extrai que, nunca do recurso de apelação poderia advir para os recorrentes uma condenação em indemnização superior ou que limitasse a altura em menos de 10 metros. Todavia, o que os apelantes pretendiam era a absolvição total dos pedidos, não discutindo se a redução da altura do pavilhão deve ser de 10 metros ou outra altura qualquer. Negam o dever de operar tal redução, quer porque respeitaram as normas do PDM, quer porque o ensombramento na casa dos AA se verifica apenas no inverno e durante 3 horas pela manhã.

Assim, mesmo sem ser necessário abordar a decisão da apelação quanto à absolvição dos réus, (por tudo o que se referiu quanto ao objecto da revista), deixa-se nota de que essa decisão não merece censura porque censura alguma lhe foi dirigida pelos recorrentes.

Como decorre na decisão recorrida, a construção do pavilhão industrial da Ré, não infringe o preceituado no PDM respectivo porque a actividade industrial da Ré consiste em corte de pedra em unidade fabril fechada, sendo a construção para esse fim e distando da casa de habitação dos AA entre os 7,99 m e os 9,45 m. A Câmara Municipal emitiu o alvará de aprovação acomodando as características da construção e a altura desta foi justificada pela necessidade de colocação de pontes rolantes, inerentes à natureza da actividade o que constou no Projecto de Arquitectura, Memória Descritiva e Justificativa.

A sentença recorrida, que num primeiro momento havia julgado que a construção infringia o PDM, na segunda decisão resultante da ampliação da matéria de facto ordenada, já não fundamenta com base nesse incumprimento do Plano e centra-se apenas na colisão entre o direito de propriedade da Ré e um direito de personalidade dos AA à insolação como pressuposto do direito à saúde, colisão que é regulada pelo art. 335 nº 1 do CCivil ao dispor que  "havendo colisão de direitos dispõe que  iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes ". Acrescentando o n° 2 que "se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior".

Na apreciação dos factos provados, a apelação recorrida sublinha que o ensombramento que incide no quintal, na cozinha, casa de banho e dois quartos da casa dos AA, sobretudo desde final de Outono, Inverno e o princípio da Primavera e em média 3 horas e apenas durante as manhãs, aumentando gradualmente de Setembro e até Dezembro e diminuindo de Abril até Setembro. E na ponderação dos direitos de personalidade dos AA ofendidos com a altura do pavilhão e os interesses da Ré em carecer de tal altura no pavilhão para instalar as pontes rolantes, essenciais para a sua actividade industrial - e que se incorporam nos direitos de propriedade e à iniciativa privada – a preferência, em natureza, seria de proteção dos primeiros. Contudo, na avaliação concreta a apelação recorrida releva que o “ensombramento causado pela altura do pavilhão ocorre apenas durante três horas de manhã, essencialmente nos meses de inverno que, como é experiência comum, são os mais chuvosos, frios e enevoados, ou seja, com menor incidência dos raios solares.

Contudo, da matéria provada na sentença ora recorrida, resulta que o pavilhão tem a altura máxima, na fachada poente, de 11,46 metros. Resulta igualmente provado que, tomando como referência o meio do Inverno, 03/02/2016, a sombra do pavilhão se projecta sobre a janela da casa de banho do alçado nascente da casa dos AA, a partir da altura de 5,53 metros, e a partir dos 6,49 de altura do mesmo pavilhão, projecta a respectiva sombra sobre a janela do quarto da alçada sul da casa dos AA.

Ou seja, nada na prova efectuada permite concluir que a redução da altura do pavilhão para 10 metros de altura, resolva o problema dos AA, ou pelo menos o atenue. Foi esta falta de referências quanto a essa altura de 10 metros que nos levou a anular essa primeira sentença. Como os AA não recorreram da primeira sentença e os RR negaram o dever de reduzir a altura do pavilhão, os 10 metros permanecem como limite que não podemos ultrapassar. E uma vez que na segunda sentença, os 10 metros não correspondem a qualquer altura dada como provada que solucione o problema, sendo a altura adequada a impedir o ensombramento, pelo menos a de 6,5 metros, há que julgar a apelação procedente.”

Em resumo, improcedem na totalidade as conclusões de recurso e deve dar-se provimento à decisão recorrida com a improcedência da acção e a absolvição dos réus dos pedidos.

… …

 Síntese conclusiva

- A decisão do tribunal não pode ser mais desfavorável para o recorrente que a decisão impugnada, e da qual a parte contrária não recorreu, atento o princípio da proibição da “reformatio in pejus” (art.º 635º, n.º 5, do CPC)

- Se uma sentença proferiu condenação dos réus e se só estes interpuseram recurso, tendo a Apelação determinado a anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto, não pode a sentença que venha a se proferida posteriormente, agravar a condenação anterior uma vez que se encontram salvaguardados, em definitivo, os efeitos da decisão, na parte que não tiver sido objecto de recurso.

- Sendo o objecto da revista proposta pelos autores, apenas, o de protestar a decisão da apelação que considerou que a sentença impugnada ofendia a proibição da reformatio in pejus do art. 635 nº 5 do CPC, tendo essa decisão da relação julgado totalmente improcedente a acção e absolvido as rés, o conhecimento da absolvição por não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual fica fora do objecto da revista e a decisão da apelação deve ser mantida.

… …


Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a Revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 3 de Março de 2021


Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respectivo voto de conformidade da Srª. Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e do Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva.


Manuel Capelo (relator)