Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1125/13.8T4AVR.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
Data do Acordão: 10/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PUBLICAS.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / INVALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO / PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS DO TRABALHADOR.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 122.º, N.º1, 337.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8 DE OUTUBRO DE 2014, PROCESSO N.º 1111/13.8T4AVR.S1.
Sumário :
1 – O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do Código do Trabalho, sendo aplicável aos créditos constituídos na sua vigência o disposto no n.º 1 do artigo 337.º do mesmo código;

2 – A celebração de um contrato de trabalho em funções públicas, nos termos da legislação respectiva, no decurso de uma relação de trabalho previamente existente e para desempenhar as funções que integravam essa relação, não obstante a similitude das funções materiais contratadas com as exercidas anteriormente, constitui uma realidade jurídica diversa, com regime próprio, que não se confunde com a situação anterior;

3 – Na situação descrita no número anterior, o prazo de prescrição de créditos laborais constituídos no período anterior à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas, corre a partir do momento em que cessa a relação de trabalho no contexto da qual se constituíram.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA, BB e CC intentaram a presente acção declarativa com processo comum contra o ESTADO PORTUGUÊS - Ministério da Agricultura e do Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, representado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, peticionando que o R. seja condenado a: a) - reconhecer que se encontravam vinculadas por contratos de trabalho subordinado desde, respectivamente, 1.2.2001, 15.4.2005 e 1.1.2000, até à data da celebração dos contratos de trabalho em funções públicas; b) - pagar a cada uma delas a título de férias não gozadas, subsídios de férias e subsídios de Natal, as importâncias seguintes: - AA € 21.327,15; - BB € 13.154,26; - CC € 23.531,11; c)- a pagar-lhes os juros de mora legais, sobre as importâncias antes mencionadas, que se venceram desde da data dos vencimentos de cada um dos valores e até integral pagamento, sendo que as prestações anteriores a Dezembro de 2008, só vencem juros a partir de 23.12.2008, sendo os vencidos à data da propositura da acção, nos seguintes valores: AA € 4.197,86; BB € 2.543,58 e CC € 2.543,58; d) em custas e demais encargos com o processo.

Invocaram como fundamento da sua pretensão, em síntese, que: - «Celebraram com a DRABL - Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral contratos escritos de avença para trabalharem com auxiliares de inspecção sanitária nos serviços dependentes desta entidade, dando auxílio aos médicos veterinários responsáveis pela inspecção;

- Esses contratos tinham a duração inicial de um ano, mas foram renovados sucessivamente até 28.2.2010;

- Desempenharam funções em matadouros de reses e aves, salas de desmancha e outros locais, estando obrigadas ao cumprimento de um horário, que eram definidos pelo Chefe de Divisão da Direcção de Intervenção Veterinária;

- Quando necessitavam de trocar de turno ou faltar ao serviço pediam autorização ao Chefe de Divisão;

- Todos os anos gozaram um período de descanso autorizado pela DGV de período semelhante a férias e por esta autorizado;

- Recebiam ordens e instruções de serviço da Direcção Geral de Veterinária, através do Chefe de Divisão de Aveiro e de outros responsáveis quanto ao modo como deviam ser desempenhadas as actividades inspectivas;

- Desempenhavam funções indispensáveis à realização das competências da DGV, que não tinha no seu quadro outros técnicos para executarem tais funções e estavam na dependência hierárquica do Chefe de Divisão;

- Que apesar de os contratos celebrados estarem denominados de contratos de avença, toda a sua actividade era conformada pela DGV e mais tarde pela DIVA que coordenavam, distribuíam e orientavam todo o serviço, existindo uma relação de subordinação jurídica típica do contrato de trabalho;

- Nunca lhes foram pago o subsídio correspondente ao período de férias, o subsídio de Natal, nem subsídio de refeição;

- Em 28.2.2010, o Estado celebrou com cada uma delas contratos de trabalho em funções públicas;

- E continuaram, sem qualquer interrupção, a executar os mesmos serviços que antes desempenhavam, subordinados às mesmas orientações e instruções emanadas da DGV, na dependência directa da Direcção de Intervenção Veterinária de Aveiro;

- Integradas nas mesmas equipas, auxiliando os mesmos médicos e cumprindo o mesmo regime de horários, não se verificando nenhuma alteração na forma de prestação de trabalho, a única alteração foi na denominação dos contratos».

A acção prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de 22 de Abril de 2014, cujo dispositivo é do seguinte teor:

«Pelo exposto e, sem necessidade de mais considerações, julgando-se a presente acção parcialmente procedente, declara-se que as AA. se encontravam vinculadas por contratos de trabalho subordinado nulos, respectivamente, desde 1.2.2001, 15.4.2005 e 1.1.2000, e reconhecendo-se-lhes o direito aos subsídios de férias e de Natal, condena-se o R. a 

a) - pagar à A. AA a quantia de € 20.707,97 (vinte mil setecentos e setenta e sete euros e noventa e sete cêntimos) a título de subsídios de férias e de Natal em dívida.

 b) - a pagar à A. BB a quantia de € 12.023,52 (doze mil e vinte e três euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de subsídios de férias e de Natal em dívida.

c) - a pagar à A. CC a quantia de € 22.921. 53 (vinte e dois mil, novecentos e vinte e um euros e cinquenta e três cêntimos).

d) - a pagar a cada uma dos AA. os juros de mora legais, sobre as importâncias antes mencionadas, que se venceram desde da data dos vencimentos de cada um dos valores e até integral pagamento, sendo que as prestações anteriores a 2009 só vencem juros a partir de 6.1.209.

 e) Absolve-se o R. do pedido relativamente às quantias peticionadas a título de retribuição de férias.

*

Custas por AA. e R. , na proporção do respectivo decaimento.»

 

Inconformado com esta decisão dela interpôs o Estado recurso de revista, per saltum, nos termos do artigo 678.º do Código de Processo Civil, para este Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«I - Não tendo havido qualquer interrupção ou hiato entre a cessação dos contratos que se reconheceu serem de trabalho e a celebração dos contratos de trabalho em funções públicas, continuando as autoras a executar os mesmos serviços que antes desempenhavam, não poderá considerar-se todo o período desde o início como de execução de um mesmo contrato de trabalho de modo a dizer-se que não cessou ainda a relação contratual.

II - Mau grado não ter cessado a prestação efectiva de actividade pelas AA, no caso dos autos, verifica-se uma assinalável diferença que não se pode dizer meramente formal: existia uma situação de facto correspondente a um contrato de trabalho subordinado nos termos previstos na LCT e Código do Trabalho mas um contrato de trabalho nulo por contrariar o previsto pelo legislador, e essa situação deu lugar a contratos de trabalho válidos (contratos de trabalho em funções públicas), havendo duas situações de facto que se autonomizam entre si, sem se confundirem.

III - Tendo sido celebrados contratos de trabalho inválidos que necessariamente (por imposição legal até) cessaram, foram depois celebrados novos contratos (de natureza e qualidade diversas, porque em funções públicas).

IV- Por via disso, as autoras passaram a estar vinculadas através de contratos de trabalho em funções públicas porque, em 1.03.2010. os mesmos foram por si celebrados e não porque seja admissível considerar que desde o início estamos perante contratos válidos ou por qualquer "conversão" dos contratos iniciais.

V- O juiz do foro laboral carece de competência, em razão da matéria para apreciar e reconhecer que o início dos contratos de trabalho em funções públicas se reportam às datas da celebração dos contratos iniciais, nem para dizer que os contratos de trabalho em funções públicas são a continuidade daqueles, sendo que seguramente um contrato de trabalho em funções públicas não é a continuidade de um contrato de trabalho sujeito ao regime da LCT/Código do Trabalho.

VI - Tendo a citação do R. para a acção ocorrido a 6 de Janeiro de 2014 e os contratos de trabalho iniciais findado em Março de 2010, como tal, os créditos laborais das autoras relativos a esses contratos iniciais mostram-se há muito prescritos.

VII - Foram violadas as normas contidas nos art. 337°, n.º 1 do Código do Trabalho e 323°, n.º1 do Código Civil.

VIII - Verificando-se, in casu, cumulativamente, os requisitos contidos no n.º 1 do art° 678° do Código de Processo Civil, o recorrente, à luz desse mesmo normativo, expressamente requer que a presente apelação suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça (recurso per saltum)».

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso, «revogando[-se] a douta sentença ora posta em crise e absolvendo[-se] o apelante».

As recorridas responderam ao recurso sustentando o acerto da decisão recorrida e pedindo a respectiva confirmação.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se os créditos reclamados pelas Autoras relativos a subsídios de férias e de Natal se encontram extintos por prescrição.


II


A decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

«1. A Direcção Geral de Veterinária (DGV), ora designada de DGAV - Direcção Geral de Alimentação e Veterinária - é um organismo do Estado Português, integrado no Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas (agora designado Ministério da Agricultura e do Mar), tendo como objectivos, entre outros, o de assegurar a inspecção sanitária das carnes frescas de animais.

2. Até a entrada em vigor do Decreto-Lei 209/2006 existia a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral (DRABL), que abrangia os Distritos da Viseu, Aveiro, Coimbra e Leiria, com sede em Coimbra, cujas atribuições incluíam, entre outras, a execução das políticas emanadas pela DGV. Este diploma determinou a extinção da DRABL e a integração das suas atribuições na agora criada Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC).

3. O Decreto Regulamentar 11/2007, de 27 de Fevereiro, reformulou a estrutura da DGV, com o objectivo de integrar numa unidade hierárquica todas as actividades relacionadas com a produção animal, a protecção e promoção da saúde dos animais e a segurança sanitária dos géneros alimentícios de origem animal produzidos ou introduzidos no espaço da Comunidade Europeia.

4. Assim, o exercício de funções da competência da DGV na Beira Litoral, foi feito sucessivamente sob a tutela de três entidades distintas: DRABL, DRAPC e DGV.

 5. Cada uma das Autores foi contratada pela DRABL para trabalhar como Auxiliar de Inspecção Sanitária nos vários serviços dependentes desta entidade.

6. A todas elas foram apresentados pela DRABL contratos escritos, denominados de avença, que tinham a duração prevista, inicial, de um ano;

7. Esses contratos foram sucessivamente renovados pela DGV até 28/2/2010, porque esta não dispunha de funcionários públicos, nos seus quadros, para exercerem essas funções, indispensáveis à realização das respectivas competências, tendo as AA. em 26.2.2010, assinado insertas de fls. 13v e 114.

8. Com início em 1/3/2010, o R. celebrou com as AA. contratos de trabalho em funções públicas, na modalidade de contrato por tempo indeterminado, contratos esses apresentados e outorgados pela DGV, em representação do Estado, com cada uma das autoras.

9. As AA. continuaram a executar os mesmos serviços que antes desempenhavam, com os mesmos instrumentos de trabalho, e a receber idênticas orientações e instruções emanadas da DGV, na dependência directa da DIV de Aveiro.

 10. Permaneceram também integradas nas mesmas equipas de inspecção sanitária e cumprindo o mesmo regime de horários, dos matadouros ou o horário da DIV, quando não havia serviço nos matadouros, não tendo ocorrido qualquer alteração na forma de prestação do trabalho por parte das AA., entre o dia 28/2/2010 e o dia 1/3/2010, nem qualquer interrupção ou hiato na prestação de trabalho, mantendo-se todas as AA. ainda hoje o exercício das mesmas funções.

11. A A. AA foi contratada em 1/2/2001 para desempenho de funções na área da inspecção sanitária através da celebração de um contrato denominado de Avença outorgado pela DRABL (Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral) mediante a retribuição mensal de 208.433$00 (1.039,66), em 12 meses no ano, actualizada de acordo com o que fosse estipulado para a função pública.

12. Exerceu funções de auxiliar de I.S. em matadouros de reses e de aves, salas de desmancha, entrepostos frigoríficos, Unidades de Transformação de Subprodutos, bem como controles oficiais no âmbito do PACE (programa de aprovação e controlo oficial de estabelecimentos).

 13. A A. BB foi contratada em 15/04/2005 para desempenho de funções na área da inspecção sanitária através da celebração de um contrato denominado de avença outorgado pela DRABL (Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral) mediante a retribuição mensal de 1.175,82 €), em 12 meses no ano, actualizada de acordo com o que fosse estipulado para a função pública.

14. Exerceu funções de auxiliar de I. S. em matadouros de reses e de aves, salas de desmancha, entrepostos frigoríficos, Unidades de Transformação de Subprodutos, bem como controles oficiais no âmbito do PACE (programa de aprovação e controlo oficial de estabelecimentos).

 15. A A. CC foi contratada em 1/01/2000 para desempenho de funções na área da inspecção sanitária através da celebração de um contrato denominado de avença outorgada pela DRABL (Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral) mediante a retribuição mensal de 203.216$00 (1.013,64 €), em 12 meses no ano, actualizada de acordo com o que fosse estipulado para a função pública.

16. Exerceu funções de auxiliar de I. S. em matadouros de reses e de lagomorfos, salas de desmancha, entrepostos frigoríficos, bem como controles oficiais no âmbito do PACE (programa de aprovação e controlo oficial de estabelecimentos).

17. As AA. como "Auxiliares de Inspecção Sanitária", em colaboração com os Inspectores Sanitários, executam tarefas de inspecção sanitária e outras que lhes são destinadas pelas chefias.

18. As tarefas dos auxiliares de inspecção sanitária em matadouro são similares às dos inspectores sanitários incluindo a aprovação para consumo humano de carne de aves, elaboração e validação de mapas de abate, mapas de rejeições, colheita de material para análise, executando todo o serviço de inspecção sanitária de carnes frescas de animais de talho, capoeira e caça, no âmbito das Directivas Comunitárias e sob a jurisdição da DRABL.

19. O local de trabalho das Autoras situava-se na área de actuação da DIV de Aveiro, sendo colocados a realizar os serviços de Inspecção Sanitária nos vários matadouros de carnes desta Divisão, correspondente aos Distritos de Aveiro.

20. Embora administrativamente afectas à DRABL até 2007, as AA. como Auxiliares de Inspecção Sanitária dependiam do Chefe da Divisão de Intervenção Veterinária.

 21. Com a celebração dos referidos contratos de avença o Estado Português visava assegurar uma eficaz inspecção sanitária, tendo em vista garantir os desempenhos adequados neste sector de inspecção sanitária, como meio de prevenção e de protecção da saúde pública, em obediência às normas nacionais e às directivas comunitárias que regulam este sector económico;

22. Até 2007 a DRABL, através da direcção da DIV Aveiro, dava às Autoras orientações para cumprimento da legalidade e tratamento uniforme das situações, visando a defesa da saúde pública, da saúde dos consumidores.

23. As instruções de serviço para a inspecção sanitária eram emanadas da DGV para a DRABL que, depois, as encaminhava para os Inspectores e Auxiliares.

24. Para que pudessem cumprir rigorosamente as suas funções, e para dar cumprimento ao Regulamento CE, a DGV ministrou formação, inicial e contínua, às Autoras, promovendo a realização de cursos de formação profissional, seminários e Workshops, que estas eram obrigadas a frequentar, as quais serviam para actualizar os conhecimentos técnicos e científicos das Autoras e para lhes serem transmitidas instruções sobre a uniformização de procedimentos e critérios a respeitar na realização da inspecção sanitária, orientações que as Autoras eram, depois, obrigadas a respeitar no exercício das suas funções.

25.Quando em serviço nos matadouros, as AA. estavam adstritas ao cumprimento dos horários de início de abates praticados nos mesmos, sendo incertas as horas de termo de tais abates, que tinham de acompanhar e fiscalizar.

26. E quando nos matadouros em que estavam colocados não havia serviço de abate, ou o número de animais era muito reduzido, as Autoras tinham que dar conhecimento desse facto à coordenação da DIV Aveiro, sendo depois orientadas pela coordenação dessa DIV para a execução de outras funções ou para comparecerem nos serviços da DIV para aí realizarem outras tarefas.

27. Para além da inspecção sanitária em matadouros e salas de desmancha, as Autoras eram incumbidas pelos serviços do Réu de fazerem vistorias aos estabelecimentos de preparação de carnes (lei tão assado, salsicharias, etc., no âmbito do PACE (Plano de Aprovação e Controlo de Estabelecimentos).

28. No âmbito destes serviços elaboravam Autos de Vistoria que, no final, eram assinados pelo Chefe de Divisão.

29. As vistorias a estabelecimentos eram programadas pela coordenação da DIV, que determinavam quando e onde as Autoras deveriam executar tais serviços.

30. No exercício das suas funções competia às Autoras proceder à inspecção das carnes que eram abatidas nos matadouros, assim como verificar as condições higio- ‑sanitárias dos estabelecimentos em causa, procedendo ao levantamento de autos sempre que eram detectadas irregularidades, autos que eram assinados pelas Autoras e pelos Médicos Veterinários, que chefiavam a equipa.

31. No desempenho das suas funções as Autoras estavam obrigadas ao cumprimento de um horário de trabalho, o qual era determinado pelos serviços de quem dependiam

directamente.

32. Horário que variava em função das necessidades de cada estabelecimento onde estavam a fazer a respectiva inspecção.

33. Estando definido que deveriam, em média, cumprir um horário semanal de 35 horas.

34. E, por isso, quando não havia serviço nos matadouros onde estavam colocadas, ou este era reduzido, as Autoras tinham que se dirigir à sede da DIV onde cumpriam o restante horário, ou eram encaminhadas para outros serviços por indicação da Chefe de Divisão.

35. Era desses mesmos serviços da DGV, a quem estavam ligadas, que recebiam as instruções quanto ao local onde deviam desempenhar a sua missão e qual o horário que deviam cumprir.

36. Com efeito, a Coordenadora da DIV, de quem dependiam, com regularidade mensal, organizava Mapas de Colocações dos Auxiliares de Inspecção Sanitária em cada um dos estabelecimentos.

37. Nesses mapas estavam atribuídos a cada uma das Autoras os dias e os estabelecimentos em que tinham que se apresentar para trabalhar, bem como os períodos de férias que cada uma estava a gozar.

38. Trabalhando de 2.ª a 6.ª feira, das 9:00 às 12:30 e 14:00 às 17:30, descansando ao sábado e domingo, cumprindo um horário semanal de 35 horas,

39. As Autoras entregavam mensalmente o mapa de assiduidade, onde eram lançados os estabelecimentos onde prestavam serviço de inspecção, bem como as horas de entrada e saída, os quais eram entregues na DIV de que dependiam.

40. As Autoras recebiam ordens e instruções do Chefe de Divisão e da respectiva coordenadora.

41. Quando necessitavam de faltar ao serviço, por razões pessoais, as Autoras tinham que pedir autorização, assim como tinham que apresentar posteriormente a respectiva justificação.

42. Todos os anos eram concedidas férias às Autoras, com o mesmo tempo correspondente aos funcionários do quadro.

43. Embora os serviços da DGV denominassem esses períodos como semelhantes a férias.

44. Os mapas anuais de férias eram organizados numa reunião em conjunto com todos os auxiliares e a coordenação da DIV, habitualmente durante o mês de Março de cada ano, enviando previamente cada um a sua proposta de férias à coordenação da DIV.

45. Sendo, a partir dessa reunião, elaborado o mapa de férias pelos próprios serviços da DIV, o qual ficava afixado nas respectivas instalações.

46. De acordo com as conveniências do serviço eram as Autoras autorizadas, ou não, pelo Chefe de Divisão a gozar os referidos dias como de férias, sendo os próprios serviços da DIV a definir os períodos de férias, sobretudo quando algum não indicava as suas preferências.

47. As Autoras recebiam ordens e instruções da DGV, através do Chefe de Divisão ou de outros responsáveis, quanto ao modo como as funções deviam ser desempenhadas e às actividades inspectivas que deviam ser realizadas em cada momento.

48. E mensalmente, a Chefe da DIV organizava um mapa com a calendarização das vistorias e auditorias         a estabelecimentos, com indicação dos dias, dos estabelecimentos a inspeccionar e dos elementos do corpo de inspecção a realizar as mesmas.

49. Sendo elaborado um registo mensal das actividades de inspecção e auditorias desenvolvidas pelo corpo de inspecção sanitária e a Coordenação.

50. As Autoras faziam parte integrante da Divisão de Inspecção Higio-Sanitária dos Produtos Frescos de Origem Animal e todas elas estavam na dependência hierárquica do Chefe dessa Divisão.

51. O qual, por sua vez, estava na dependência directa do Director da Direcção de Serviços de Higiene Pública Veterinária e este, por sua vez, na dependência do Director Geral da Direcção Geral de Veterinária.

52. Sendo que as Autoras e os demais trabalhadores desta Divisão estavam obrigados a respeitar as orientações emanadas da referida cadeia hierárquica, nomeadamente devendo respeitar as normas procedimentais no que concerne à realização das vistorias e encaminhar os autos levantados para os serviços da Divisão, recebendo, com regularidade, instruções como deveriam actuar e regras que deveriam respeitar e cumprir na sua actuação. 

 53. Eram os serviços da DGV quem ordenava às Autoras quando estas deviam realizar as visitas inspectivas e em que locais deviam realizar esses trabalhos.

54. Apesar de, tecnicamente, exercerem a sua actividade de uma forma autónoma, dadas as suas habilitações académicas e a sua competência profissional, as Autoras executavam os trabalhos que lhes eram distribuídos por quem orientava e coordenava a Divisão de Inspecção Higio-Sanitária dos Produtos Frescos de Origem Animal.

55. Todos os trabalhos cometidos às Autoras eram realizados por elas dentro do serviço e sob a supervisão do referido Chefe de Divisão, a quem tinham que dar conta dos seus actos e das suas faltas em serviço.

56. Trabalhavam com os meios técnicos postos à disposição pela DGV, nomeadamente os meios informáticos e todo o tipo de suporte administrativo.

57. Dispondo de um gabinete próprio na DIV, com secretária e demais equipamentos necessários para a realização dos seus trabalhos, fornecidos pelo Réu.

58. Para além disso eram os serviços do Réu quem fornecia às Autoras todo o equipamento para estas realizarem a inspecção sanitária, nomeadamente batas, galochas, luvas e outros equipamentos necessários.

59. Quando não eram os serviços do Réu a fornecer estes equipamentos eram os matadouros onde trabalhavam que os forneciam, sendo essas entidades compensadas pelo Réu com a redução do valor das taxas que tinham de pagar pelo serviço de inspecção sanitária.

60. Durante o tempo que trabalharam para a DGV esta pagou às Autoras as seguintes retribuições mensais:

AA

2001
208.433,00
1.039,66
2002
1.108,63
2003
1.108,63
2004
1.149,45
2005
1.175,82
2006
1.194,84
2007
1.213,22
2008
1.238,70
2009
1.274,62
2010
1.274,62

BB

2005
1.175,82
2006
1.194,84
2007
1.213,22
2008
1.238,70
2009
1.274,62
2010
1.274,62

CC

2000
203.216,00
1. 013,64
2001
216.326,00
1.079,03
2002
1.108,63
2003
1.108,63
2004
1.149,45
2005
1.175,82
2006
1.194,84
2007
1.213,22
2008
1.238,70
2009
1.274,62
2010
1.274,62

61. O Réu nunca pagou às Autoras os subsídios de férias, correspondentes às férias que em cada ano lhes concedeu.

62. O Réu também não pagou às Autoras qualquer valor a título dos subsídios de Natal.

63.Relativamente aos subsídios de férias e de Natal de 2010, o R. também só pagou os valores proporcionais aos dez meses.»


III

1 - Na decisão recorrida declarou-se que as «AA. se encontravam vinculadas por contratos de trabalho subordinado, nulos, respectivamente, desde 1.2.2001, 15.4.2005 e 1.1.2000», reconhecendo-se-lhes o direito aos peticionados subsídios de férias e de Natal, com base em fundamentação objecto da seguinte síntese conclusiva:

«Em suma, entendemos que, no caso em apreço, sob pena de violação do disposto nos art.ºs 47°, n° 2, da CRP, os contratos de trabalho que materialmente existiram entre as AA. e o R. até 28.2.2010 estão feridos de nulidade e são insusceptíveis de convalidação.

Ou seja, pelas razões que se deixaram apontadas os contratos de trabalho entre as AA. e o Réu devem ser considerados sem termo, embora nulos, pois estamos perante relações jurídicos-laborais que se mantiveram de facto até aquela data à margem ou à revelia do enquadramento jurídico que as permitiria e sendo nulos são-lhe aplicáveis os arts ° 122° e 123° do Cód. Trabalho actual, vigente à data da sua cessação.

Estes normativos dispõem que o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução (art. 122°, n° 1).»

Esta parte da decisão recorrida transitou em julgado, não fazendo parte do objecto do presente recurso.

Seguidamente a decisão recorrida respondeu à específica questão que constitui o objecto do presente recurso, considerando que os créditos reclamados pelas Autoras não se encontravam prescritos, com os seguintes fundamentos:

 

«Aqui chegados, sabendo já que os contratos que vigoraram entre as partes foram contratos de trabalho sem termo que padecem de nulidade por violação de normas legais imperativas e que produziram efeitos como se fossem válidos durante o [período] em que vigoraram, importa agora apreciar a excepção de prescrição.

Os créditos peticionados pelas AA. decorrentes dos contratos nulos que existiram estarão prescritos?

O R. pugna pela prescrição de tais créditos, sustentando que decorreu mais de um ano entre a cessação dos desses contratos e a sua citação para a presente acção, estabelecendo o art. 337° do C. Trabalho que quer os créditos do trabalhador, quer os do empregador, prescrevem decorrido  um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

As AA. na resposta sustentam a improcedência da mesma, alegando que não houve qualquer hiato, nem alteração na sua prestação de trabalho, continuando no dia 1.3.2010 a exercer as mesmas funções que vinham exercendo e de forma idêntica.

E de facto provou-se que o R. celebrou com cada uma das Autoras contrato de trabalho em funções públicas, com início em 1.3.2010, continuando as AA. a executar os mesmos serviços que antes desempenhavam, recebendo idênticas orientações e instruções da DGV, na dependência directa da DIV de Aveiro, usando os mesmos instrumentos de trabalho de que já dispunham anteriormente e integrados nas mesmas equipas, auxiliando os mesmos médicos veterinários e cumprindo o mesmo regime de horários, não se tendo verificado qualquer alteração na forma de prestação do trabalho por parte dos Autores entre o dia 28 de Fevereiro e o dia 1 Março de 2010, nem qualquer interrupção ou hiato nessa prestação.

Destarte, só no aspecto formal houve uma alteração na relação contratual dos AA., pois no aspecto material não existiu qualquer alteração, mas sim continuidade.

E é entendimento praticamente uniforme da jurisprudência que o prazo prescricional de um ano do art. 337.º do C. Trabalho se conta a partir da cessação fáctica da relação de trabalho, independentemente da validade ou invalidade da extinção do contrato do ponto de vista jurídico.

Ora, na vertente situação, o que na prática ocorreu em Fevereiro de 2010, foi a formalização da relação contratual de trabalho subordinado existente entre as AA. e o R. de modo juridicamente válido, não se verificando uma cessação efectiva da relação de trabalho.

Assim, face à continuidade da relação laboral que não sofreu qualquer hiato, salvo melhor entendimento, cremos não haver lugar à aplicação do referido prazo de prescrição, o qual pressupõe uma cessação factual da relação de trabalho entre as partes que no caso das AA. não se verificou, improcedendo, por isso, a excepção em apreço.

E improcede igualmente a excepção de pagamento, pois o R. não logrou provar que o valor da remuneração mensal fixada nos contratos de avença dos AA. já incluía o subsídio de alimentação e os subsídios de férias e de Natal em duodécimos.»

2 – A resposta à questão que constitui o objecto do presente recurso depende do enquadramento que se dê à relação de trabalho das Autoras nas diferentes fases que a integram e da relação que se estabeleça entre essas fases, nomeadamente, de se considerar que existe uma situação de continuidade (unidade) dessa relação, desde a data em que as Autoras passaram a exercer as suas funções a coberto de um contrato de avença, incluindo o período posterior à celebração de contratos de trabalho em funções públicas, ou de se autonomizarem as duas fases que integram aquela relação, tomando a celebração dos referidos contratos de trabalho em funções públicas como ponto de referência.

No que se refere à situação jurídica do período anterior à celebração de contratos de trabalho em funções públicas considerou-se no acórdão desta Secção de 8 de Outubro de 2014, proferido na revista 1111/13.8T4AVR.S1, o seguinte:

«É entendimento unânime e pacífico desta Secção do Supremo Tribunal que os vínculos jurídicos de natureza laboral, que se tenham formado com Entidades Públicas sem a observância das regras legais imperativas estabelecidas para a contratação em funções públicas, são nulos[1], sendo, por isso, insusceptíveis de “conversão” em contratos de trabalho com a Administração Pública[2].

Contudo, por aplicação do disposto no art. 122.º/1 do CT/2009, [previsão homóloga da antes constante no art. 115.º/1 do CT/2003, com antecedentes no art. 15.º da LCT, originalmente erigida visando, segundo tese sustentada na nossa doutrina, a protecção do trabalhador nas situações da chamada ‘relação contratual de facto’[3]], a nulidade destes contratos não impede que os mesmos produzam efeitos, como se fossem válidos, durante o período de tempo em que estiveram a ser executados.

Nos termos deste regime, a Lei reconhece expressamente – …ao contrário do que decorreria do regime geral referente à nulidade estabelecida nos arts. 286.º e 289.º do Cód. Civil – a produção de efeitos a um negócio jurídico inválido.

Como já firmado em precedente Jurisprudência desta Secção (cfr., v.g., por todos, neste sentido, o Acórdão de 25.11.2009, Proc. n.º 1846/06.1YRCBR.S1), a determinação legal no sentido de “ficcionar” a validade do contrato de trabalho nulo como se válido fosse, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios actos extintivos, remetendo‑nos, assim, para a aplicação do regime geral relativo a todo o conteúdo do contrato e créditos dele emanados, como se o mesmo não estivesse ferido de nulidade.

Deste modo, e em consequência, tal significa que, atento o disposto no art. 122.º/1 do CT/2009 (também no art. 115.º do CT/2003), o reconhecimento dos deveres e direitos decorrentes do contrato de trabalho nulo têm de ser definidos e exercitados, por referência ao período em que o mesmo foi objecto de execução, nos moldes legalmente estabelecidos para o seu exercício, referidos ao contrato de trabalho em que não se colocam questões sobre a respectiva validade.

Concretizando, no que aqui importa, diremos que, se para a afirmação de créditos reclamados, decorrentes da execução do contrato de trabalho declarado nulo, se tem de atender à verificação dos pressupostos da sua existência, medida e forma de cálculo, (com abstracção do vício de que padece, ou seja, como se fosse o contrato sempre fosse válido), igual raciocínio há-de impor-se relativamente às condicionantes e prazos legalmente estabelecidos para o seu exercício.

Dito de outro modo, que se pretende mais claro: se para se afirmar a existência do crédito tem de se pressupor que o contrato é válido – e, nesse pressuposto, apreciar o seu âmbito e conteúdo –, igual critério tem de usar-se para sindicar do tempo e modo do exercício da reclamação desse crédito.

Daí a incontornável conclusão de que as regras estabelecidas no Código do Trabalho sobre o prazo para o exercício dos direitos decorrentes do contrato de trabalho válido têm, também, de ser aplicadas no exercício de iguais direitos decorrentes do contrato de trabalho nulo, reportados ao período em que o mesmo se manteve em execução.»

Relativamente ao período posterior à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas considerou-se naquele aresto o seguinte:

«O RCTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, surge no desenvolvimento da restruturação da Administração Pública e da definição dos modos de acesso à Função Pública, sucedendo ao RCTFP aprovado pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que, por sua vez, acolheu, no seu âmbito, parte do regime já estabelecido pelo DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, de molde a ultrapassar questões, então colocadas, de constitucionalidade de identificados preceitos seus e formas da respectiva interpretação, concretamente no âmbito dos contratos a termo, bem como da transparência e do direito ao acesso à Função Pública.

Por outro lado, o RCTFP foi aprovado na decorrência da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, definindo o regime jurídico-funcional aplicável a cada modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público (art. 1.º).

Este regime revestiu as modalidades previstas no art. 9.º (nomeação e contrato de trabalho em funções públicas), podendo este ser por tempo indeterminado ou a termo resolutivo, certo ou incerto (art. 21.º).                                                       

O contrato de trabalho, no âmbito deste diploma, é definido como «o acto bilateral celebrado entre a entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa» (n.º 3 do art. 9.º).

Fica, desde logo, consignada a natureza (administrativa) deste contrato … Natureza essa que não lhe advém tão-só por uma das partes ser um ente público, mas, essencialmente, da circunstância de estar sujeito a um complexo normativo intrínseco de Direito Público.

(…)

Para os contratos de trabalho em funções públicas a fonte normativa que o rege é, para além das restantes elencadas no art. 81.º desta Lei 12-A/2008, o RCTFP, que tem como âmbito de aplicação objectivo o definido no art. 3.º daquela Lei, como expressamente consigna no seu art. 3.º, n.º 1.

Resulta, assim, claro que as relações jurídicas de trabalho constituídas com a Administração Pública, no âmbito do RCTFP, ficam sujeitas ao regime próprio estabelecido no mesmo, bem como aos princípios e pressupostos definidos na Lei 12-A/2008, não se reconduzindo às regras de contratação dos funcionários públicos, nem às regras gerais estabelecidas para o contrato de trabalho (CT).

Os contratos de trabalho em funções públicas, ao contrário dos restantes contratos de trabalho, assumem natureza pública, submetidos à jurisdição Administrativa (arts. 9.º, n.º 3, e 83.º, n.º 1, da Lei 12-A/2008).

Densificando a noção acima delineada, nos seus traços mais característicos, salienta a Prof.ª Rosário Ramalho[4], a propósito da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho (reflexão com inteiro cabimento, por óbvias razões, relativamente à Lei 59/2008, que lhe sucedeu), que… “as grandes tendências e os aspectos do actual regime da função pública, que constituíram o ponto de partida para a Reforma empreendida e que pesaram especialmente no regime do contrato de trabalho na Administração Pública, recentemente aprovado, são essencialmente três: a tendência geral para a denominada privatização do emprego público; a imposição formal de limites apertados no acesso à função pública e seus efeitos perversos; a indefinição do regime aplicável aos trabalhadores laborais no âmbito da Administração Pública e os problemas colocados pela coexistência deste regime com o regime da função pública”.

Como decorre de tudo o que acima se consignou, esquematicamente, em relação ao RCTFP, conclui-se tratar-se de um regime próprio e específico que, pese embora consagre, no seu seio, normas similares às existentes no regime geral do contrato de trabalho (CT), com ele não se confunde, contudo, nem, sequer, se “interliga”.

Estamos, pois, perante regimes legais distintos, regulamentando situações de natureza diversa, quer ao nível da formação do próprio vínculo, quer ao nível do seu conteúdo, seja ainda no que tange ao âmbito dos fins prosseguidos por cada um deles (fins de natureza pública vs. natureza privada).»

Não vemos razões para nos afastarmos da linha de orientação que está subjacente a este aresto.

Na verdade, a relação de trabalho das Autoras iniciada com a celebração de contratos de trabalho em funções públicas tem inteira autonomia face à situação anterior, uma vez que lhes confere um estatuto de direito público, que embora moldado em múltiplos aspectos pelo regime que emerge do Código de Trabalho, se afasta da disciplina deste código em aspectos essenciais, cabendo-lhe até uma tutela judiciária específica – a Jurisdição Administrativa.

De facto, embora as condições em que as Autoras desempenham as suas funções sejam as mesmas desde o seu início, a verdade é que o respectivo enquadramento jurídico não tem continuidade.

Na primeira fase está em causa uma mera tutela de direitos, derivada da atribuição de eficácia jurídica à situação constituída, durante o período em que a mesma permaneceu, encontrada a partir do regime de invalidade do contrato de trabalho, conforme se referiu.

No segundo caso, ou seja, a partir da titulação da relação de trabalho no quadro de um contrato de trabalho em funções públicas, constitui-se uma nova relação jurídica, esta de direito público.

Não há deste modo continuidade entre as duas fases em que se divide a prestação de trabalho das Autoras, pelo que o prazo de prescrição de eventuais créditos constituídos na situação anterior à celebração dos contratos de trabalho em funções públicas decorreu a partir da celebração destes contratos e da cessação de funções prestadas na situação anterior.

Impõe-se, pois, a procedência da revista e a revogação da decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição dos créditos reclamados pelas Autoras e condenou o Réu no pagamento dos quantitativos peticionados a título de subsídios de férias e de Natal.


IV


Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar a decisão recorrida na parte em que condenou o Réu Estado no pagamento às Autoras das quantias peticionadas a título de subsídios de férias e de Natal e respectivos juros de mora, absolvendo-se o Réu desses pedidos.

Custas na 1.ª instância e na Revista pelas Autoras.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 29 de Outubro de 2104

Leones Dantas (relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

____________________
[1] - No caso, por afronta de normas imperativas então previstas no Decreto-Lei n.º 427/89, compaginadas com o disposto nos arts. 286.º e 294.º do Cód. Civil.
[2] - Cfr., inter alia, os Acórdãos de 22.09.2011 (proferido no Proc. 528/08.4); de 03.02.2010 (proferido no Proc. 387/09.0); de 25.11.2009 (proferido no Proc. 1846/06.1); e de 03.10.2007 (proferido no Proc. 177/07), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] - Regime específico/invalidade atípica do contrato de trabalho.
Cfr., na doutrina, v.g., Romano Martinez e Maria do Rosário Palma Ramalho, locs. cits. na anotação de Pedro Madeira de Brito, in ‘Código do Trabalho’, 9.ª Edição, 2013, pg. 327.
[4] - InQuestões Laborais’, Ano XI, n.º 24, pg. 121/ss., sob o tema ‘O Contrato de Trabalho na Reforma da Administração Pública’.