Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P3456
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MAIA COSTA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
AVULTADA COMPENSAÇÃO REMUNERATÓRIA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IN DUBIO PRO REO
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
ACTOS DE EXECUÇÃO
TRANSPORTE
AUTORIA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
ARTº. 31 DO DL Nº 15/93
DE 22-01
DESISTÊNCIA
Nº do Documento: SJ200812040034563
Data do Acordão: 12/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
I - A verificação da agravação prevista na al. c) do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01 [quando o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória], não depende de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestinas da actividade.

II - O carácter “avultado” da remuneração terá que ser avaliado mediante a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente.

III - Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada.

IV - “Avultada” será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.

V - Constatando-se que:
- o recorrente associou-se com outro indivíduo para, com regularidade, se dedicarem à venda lucrativa de estupefacientes, “utilizando o território nacional como plataforma logística para a introdução de grandes quantidades de cocaína que, posteriormente, seria distribuída pela Europa”;
- o arguido e o seu comparsa organizaram uma rede de apoio e uma estrutura logística constituída por duas casas para guardar o estupefaciente, tendo obtido, por forma não apurada, uma quantidade de cocaína que rondava as 6 toneladas (5515 kg encontrados numa das casas, outros 197 kg transportados para Espanha, e ainda quantidade desconhecida, mas que deveria ser de idêntico montante, transportada para o mesmo país), quantidade essa de um tal volume que revela incontestavelmente um tráfico de dimensão enorme e excepcional;
tais factores de natureza objectiva induzem, necessariamente, a conclusão de que o arguido procurava uma compensação remuneratória muito avultada, não merecendo censura a integração dos factos na al. c) do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01.

VI - E, tendo em consideração que:
- a ilicitude do facto é elevadíssima, face à enorme quantidade de estupefaciente em causa, mesmo no quadro do crime de tráfico agravado (punido com uma moldura de 5 a 15 anos de prisão), pelo que a pena não poderá deixar de se situar próximo do limite máximo;
- são notórias as exigências de prevenção geral;
- o arguido WP conta já com antecedentes criminais nesta área criminal e a sua forma de actuação revela um evidente profissionalismo, a par de uma culpa intensa;
- as atenuantes invocadas são de pouco ou nenhum valor, sabido como a inserção social e familiar não são invulgares nos agentes deste tipo de criminalidade quando a assumem como “empresários”, como organizadores e donos do negócio;
mostra-se inteiramente adequada a pena de 12 anos de prisão em que o recorrente foi condenado.

VII - O princípio in dubio pro reo estabelece que, perante a persistência de uma dúvida razoável, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido.

VIII - Sendo um princípio atinente à produção da prova, o STJ apenas poderá pronunciar-se pela sua violação quando, com base nos elementos constantes dos autos, nomeadamente a matéria de facto e sua fundamentação, e guiando-se pelas regras da experiência comum, for visível e inequívoco que, perante as dúvidas razoáveis que a prova suscitava, o tribunal decidiu contra o arguido.

IX - Resultando da matéria de facto provada que:
- o recorrente PC foi contactado para transportar para Espanha, por duas vezes, parte do estupefaciente que o co-arguido WP e outro indivíduo detinham, mediante o pagamento de € 15 000 e ainda produtos da Gillette no valor de € 10 000 a € 11 000;
- um primeiro transporte por automóvel, conduzido por si, foi efectuado pelo recorrente PC no dia 06-04-2006, de quantidade não apurada de cocaína, e um segundo foi por ele realizado no dia seguinte, nas mesmas circunstâncias, transportando então 197 kg de cocaína;
- o recorrente sabia que transportava “droga”, não conhecendo a qualidade concreta da mesma, mas sabendo que se tratava de uma das drogas mencionadas nas tabelas I a III anexas ao DL 15/93.
em face da posição de “correio” que o recorrente PC foi chamado a desempenhar e sabido, de acordo com as regras da experiência comum, que os “correios” normalmente apenas têm conhecimento dos factos estritamente essenciais ao cumprimento da sua “missão”, é natural que o recorrente apenas soubesse o lugar de destino do transporte, ignorando a identidade do receptor; mas não podia deixar de saber, pelo carácter sigiloso da conduta, pelos cuidados que a envolviam, pela remuneração elevada que ele próprio iria receber, que se tratava de um transporte de droga (ele o reconheceu, aliás) e que estava necessariamente em causa um estupefaciente valioso, dos mais valiosos, e portanto daqueles cujo tráfico é mais severamente punido; e, sabendo-se que da segunda vez o recorrente transportava 197 kg de estupefacientes, é natural que o primeiro “carregamento” tivesse sido de idêntica dimensão (aliás, as regras da experiência comum mostram que a utilização de um automóvel, por proporcionar um carregamento de médio ou mesmo grande volume de “mercadoria”, se destina precisamente a efectuar um transporte dessa dimensão).

X - Tais raciocínios não encerram nenhuma incongruência ou extrapolação ilegítima, não violando o princípio in dubio pro reo.

XI - De acordo com o art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, o transporte de estupefacientes é um acto executivo do crime. Donde, o arguido PC, ao efectuar dois actos de transporte de estupefacientes, interveio como autor e não como mero cúmplice da infracção – cf. art. 26.º do CP.

XII - A disposição do art. 31.º do DL 15/93, de 22-01, premeia a desistência activa e também a colaboração relevante na investigação criminal. Necessário é, porém, neste segundo caso, que as provas fornecidas pelo agente sejam decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis.

XIII - Constando da matéria de facto que o recorrente PC confessou os factos em que teve intervenção directa e que essa confissão terá sido relevante para o apuramento de situações e ligações entre os principais arguidos, a sua colaboração terá sido relevante mas não decisiva para a identificação dos outros arguidos, já referenciados pelas autoridades, o que obsta à aplicação da atenuação especial prevista no referido preceito.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende foram os arguidos AA e BB, entre outros, condenados, por acórdão de 27.7.2007 (fls. 2530-2576), o primeiro como autor de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28º do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 11 anos de prisão, e ainda como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 24º, c) do mesmo diploma, na pena de 12 anos de prisão, sendo a pena unitária fixada em 16 anos de prisão; e o segundo, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na pena de 7 anos de prisão.
Desse acórdão recorreram para a Relação de Guimarães estes arguidos, além de outros, e ainda o Ministério Público (MP).
Por acórdão de 7.1.2008 (fls. 3284-3306), a Relação anulou a decisão da 1ª Instância, ordenando que fosse reformulada a matéria de facto, com indicação das provas utilizadas e exame crítico das mesmas ou, caso fosse entendido necessário, que se realizasse novo julgamento.
Tendo sido seguida esta segunda opção na 1ª Instância, foi proferido novo acórdão, em 14.3.2008, que condenou os arguidos nos mesmos termos da primeira decisão (fls. 3485-3538).
Interpuseram novamente recurso o MP e os arguidos para a Relação de Guimarães.
Por acórdão de 10.7.2008 (fls. 4153-4205), a Relação decidiu, além do mais:
a) Alterar parcialmente a matéria de facto, eliminando dos factos provados os nºs 3 e 42 e modificando a redacção dos nºs 1, 4, 7, 10, 18, 44 e 45;
b) Negar provimento ao recurso do MP;
c) Desqualificar o crime imputado ao arguido BB, mantendo embora a pena de 7 anos de prisão em que vinha condenado;
d) Conceder provimento parcial ao do arguido AA, absolvendo-o do crime de associação criminosa.
Desse acórdão recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ambos os arguidos.
Concluiu assim a sua motivação o arguido AA:

1 - Dispõe o artigo 379 n° 1 al. c) do C.P.P.: “É nula a sentença: c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
2 - O arguido recorreu invocando que o acórdão padecia de insuficiência prevista na al. a) do n° 2 do artigo 410 do C.P.P. Tal insuficiência tinha subjacente a não valoração por parte do tribunal recorrido do depoimento da testemunha M...V... conjugado com os depoimentos das arguidas CC, DD e EE e o documento que a defesa juntou no dia 14-06-07 – fls. 2318 do 8° volume, cfr. Acta de audiência de julgamento - 2ª secção – fls. 2322, 2323, (cópia de uma fotografia) que as mesmas reconheceram sem sombra de dúvida como sendo a pessoa que juntamente com outra procedeu ao referido arrendamento, no caso da testemunha M...V..., e pelas demais como sendo a pessoa que levou as arguidas até à casa sita à rua dos Sargaceiros, que lhes abriu a porta, esteve no seu interior e aí pernoitou. Cfr. fls. 2404, 2406, 2422.
3 - Dos factos provados e não provados não resulta que os mesmos tenham ordenado o referido arrendamento, tendo quanto a tal matéria, sido provado os pontos 6 e 31 e não provado o ponto A do acórdão proferido em 1ª instância.
4 - Face a tal circunstancialismo, entendeu o recorrente que a decisão não ficou suficientemente esclarecida, porque na matéria de facto o tribunal não se pronunciou directa ou indirectamente sobre quem procedeu ao arrendamento das referidas casas, em especial a casa sita à rua dos Sargaceiros, onde foi guardada e encontrada a maior quantidade de produto estupefaciente. O tribunal podia e devia ter ido mais além, explicitando se não se provou ou se se provou quem fez o referido arrendamento e qual a relação entre este indivíduo e a droga que se encontrava na casa sita à rua dos Sargaceiros. E a sua relação com os demais arguidos. Não o fazendo, a decisão formou-se incorrectamente.
5 - Violando o disposto nos arts. 410 n° 2 al. a), 339 n° 4 e 374 todos do C.P.P.
6 – A considerar-se verificado tal vício, nos termos do artigo 426 do C.P.P e não for possível decidir da causa, o tribunal determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão do reenvio.
7 - Vício que o recorrente expressamente invoca, nos termos do artigo 410 n° 2 al. a) do C.P.P.
8 - Da leitura do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, constata-se que o mesmo não se pronunciou sobre questão suscitada.
9 - Tal omissão de pronúncia, “… nos termos das combinadas arts. 379, al. c), 410 n° 2 al. a) e 428, todos do C.P.P., tem como consequência a expressamente prevista no n° 1 do art. 122 do referenciado Diploma Processual Penal.
10 - Violou-se o disposto nos arts. 379, n° 1 al. c), 410, n° 2 e 428 do C.P.P.
11 - O arguido nas conclusões do recurso por si apresentado perante o tribunal da Relação manteve o interesse no recurso por si interposto aquando da decisão instrutória dando assim cumprimento ao preceituado no artigo 412 n° 5 do C.P.P.
12 - Conforme se constata do acórdão ora recorrido, o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre o mesmo, quando a tal estava obrigado por força do disposto nos artigos 379 n° 1 al. c), 412 n° 5 e 428, todos do C.P.P.
13 - Tal omissão torna o acórdão nulo por violação do disposto nos arts. 379 nº 1 al. c), 412 n° 5 , 428 e 122 n° 1 do C.P.P
14 - Entende o recorrente, face à alteração da matéria de facto, designadamente, a redacção dos pontos 1, 4, 7, 10 e 18 conjugados com a decisão de considerar não provados os factos n° 3 e 42 todos do acórdão proferido em 1ª instância, não ser integrada a conduta do recorrente no crime p. p pelos artigos 21 n° 1 e 24 al. c) do D.L 15/93 de 22-01.
15 - Na verdade, para qualificar o tráfico de estupefacientes em função da «avultada compensação remuneratória» é necessário demonstrar, ainda que aproximadamente, a envergadura do benefício, não se exigindo, é certo, uma contabilidade rigorosa, que será difícil de detectar numa actividade clandestina, mas impondo-se que a conclusão se extraia de dados seguros, sendo que essa conclusão não se pode tirar só do volume da droga que está em jogo, porque há toda uma série de condicionantes a atender, como a posição que o agente ocupa no negócio (se é dono, ou se é intermediário e que tipo de intermediário), que espécie de comparticipação nos proveitos é que vai obter (lucros, remuneração fixa), etc. Presumir do volume de negócios em jogo e da latitude de poderes do recorrente no que se refere ao domínio da acção que ele iria obter avultada compensação remuneratória é extrair uma presunção contra reo e, portanto, uma forma de violar o princípio da presunção de inocência consagrado no art. 32.°, n.° 2, da CRP, ou o princípio in dubio pro reo, que é outra vertente do mesmo princípio. O facto da 1ª instância ter dado como provado que «o recorrente visava alcançar um lucro pecuniário avultado» e alcançou, constitui um facto conclusivo que não deve ser levado em conta, devendo ter-se por não escrito – cf. art. 646.°, n.° 4, do C.P.C., tanto mais que o Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que nenhuma prova é indicada que permita saber o concreto conteúdo do acordo quanto à repartição dos lucros, nem se o acordo implicava o “investimento” conjunto dos lucros e, não se tendo dado como provado os pontos 3 e 42 do acórdão, referentes aos lucros obtidos, montantes, ganhos individuais, e forma de aplicação dos mesmos, não se pode, considerar que pelo facto do recorrente ser um dos donos do negócio, obtivesse ou fosse obter elevados lucros, tendo por subjacente a quantidade de droga apreendida.
16 - Violou-se o disposto no art. 24 al. c) do Decreto-Lei 15/93 de 22-01.
17 - Os critérios que presidem à medida concreta da pena são os indicados no art. 70 do C.P. A actividade ilícita praticada pelo recorrente, deve ser entendida de acordo com o circunstancialismo descrito nos pontos 3 e 4 da medida da pena, os seus antecedentes criminais, embora de idêntica natureza foram praticados, no ano de 1992, estando à data da prática dos factos, inserido familiar e profissionalmente. Mantém apoio familiar e ocupação laboral no E.P.
18 - Face aos critérios legais (arts. 70 e 71 do C.P.) o recorrente deveria ser punido, atento as razões aduzidas na motivação do recurso ora interposto, pelo crime de tráfico de estupefacientes p. p. no artigo 21 n° 1 do Dec.-Lei n° 15/93 de 22/01, em medida não superior a 9 anos de prisão.
19 – Caso não seja esse o entendimento do tribunal, e a considerar que a conduta do recorrente tipifica o crime de tráfico agravado, face ao aduzido nos números 3 e 4 do item da motivação de recurso – medida da pena - a pena não deveria exceder os 10 anos e 6 meses de prisão.
20 – A decisão recorrida violou, nessa parte, os arts. 70 e 71 , ambos do C. P.

Por sua vez, o arguido BB concluiu desta forma a sua motivação:

I. Como melhor se vê a fls. 31 e ss. do acórdão de que se recorre, a Relação de Guimarães deu inteira razão ao ora recorrente na parte atinente à impugnação da matéria de facto que havia sido dada como provada na 1ª instância, que corrigiu, tendo assim ficado definitivamente assente, no que a ele concerne, a factualidade enunciada supra, no item 3 da motivação do presente recurso;
II. Além disso, foi dado definitivamente como não provado que: [1] ao disponibilizar-se a realizar o transporte do produto estupefaciente para Espanha, o aqui recorrente tivesse conhecimento da actividade de tráfico de estupefacientes levada a cabo pelos demais arguidos, contribuindo assim para a sua distribuição, o que quis e fez; e, [2] ele soubesse ao certo quanta droga levava – facto esse que o Tribunal a quo não incluiu na matéria de facto provada e/ou não provada, mas que expressamente reconhece a fls. 46 do acórdão em recurso;
III. Atenta a factualidade assim apurada e corrigida, nenhuma dúvida resta de que, conforme aliás foi expressamente reconhecido no acórdão sub judicibus, o aqui recorrente era um simples “pau mandado”, que tinha somente a função de “correio” e agia exclusivamente de acordo com as ordens e/ou instruções que lhe eram dadas, ignorando completamente a proveniência e localização da droga que iria transportar, cuja natureza e quantidade também desconhecia em absoluto, pois não tinha qualquer contacto directo com ela, uma vez que se limitou a levar o “AUDI” a Famalicão por duas vezes, ao qual foi depois conduzido sem saber onde ele se encontrava, sendo que só então é que lhe era entregue a respectiva chave, estando ele já ‘carregado’ e pronto a seguir para o local que lhe era comunicado;
IV. No que concerne às circunstâncias a que alude o art. 71.°, n.° 2. do Cód. Penal, foi também dada definitivamente como provada a factualidade enunciada supra no item 8 da motivação deste recurso, o mesmo sucedendo com os factos constantes do subsequente item 9, que o Tribunal a quo não mandou fossem incluídos no elenco dos factos provados, apesar de, a fls. 33 do acórdão em recurso, fazer expressa menção de que tais factos continuarão também a ser considerados;
V. E bem andou ainda o Tribunal a quo ao decidir: [1] que o aqui recorrente não pode ser considerado co-autor do crime de tráfico cometido pelos demais arguidos, já que não tinha minimamente o domínio dos factos; e que [2] não tem cabimento, quanto a ele, a agravação decorrente da al. c) do art. 24.° do DL n.° 15/93, de 22/JAN, dado que a contrapartida que ele visava obter era apenas de € 15.000,00 no total, sendo cerca de 10 a 11 mil euros pagos com o que conseguisse realizar com a venda de um lote de produtos da “Gillette”, recebendo em dinheiro apenas os remanescentes 4 ou 5 mil euros;
VI. Tendo o Tribunal a quo, como expressamente resulta da própria decisão recorrida, dado como certo que o aqui recorrente não sabia a quantidade de droga que transportava (e/ou iria transportar) e tendo assim ficado inultrapassavelmente em dúvida semelhante elemento essencial para aferir da respectiva culpa concreta, não podia ter-se decidido em desfavor dele, tendo assim ocorrido clara violação do princípio “in dubio pro reo”, ao entender-se “não ser pensável que ele tivesse imaginado que eram apenas um ou dois quilos”, que “para transportar essa quantidade não seria necessário um Audi A4, nem, muito menos, duas viagens” e que ele “representou que eram, necessariamente, algumas dezenas de quilogramas”;
VII. Idêntica violação sucedeu no tocante à quantidade da droga transportada, pois o Tribunal a quo fez constar a fls. 32 do acórdão em recurso que o aqui recorrente sabia que transportava droga, mas não sabia concretamente qual a espécie da mesma, dando apesar disso como provado que ele “não podia deixar de saber que a droga que aceitou transportar seria uma das que a lei pune de forma mais grave”, ou seja, uma de entre as mencionadas nas tabelas I a III anexas ao DL n.° 15/93, cujo transporte é proibido, não se abstendo de agir do modo descrito, o que quis e fez;
VIII. Havendo, como há, dúvidas relativamente a esses concretos aspectos da matéria de facto, com manifesta repercussão na questão da culpabilidade do ora recorrente, deveria a mesma ter sido resolvida e valorada de forma favorável ao mesmo, pelo que, não tendo assim sucedido, houve violação do princípio “in dubio pro reo” podendo e devendo essas ocorrências, que constam do próprio texto da decisão recorrida, ser sindicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que infringem uma regra de direito e, como tal, são susceptíveis de revista, com todas as legais consequências, nomeadamente em sede de medida da pena;
IX. Acresce que, para além de estar aqui apenas em causa o tipo base consagrado no art. 21.° n.° 1, do cit. DL n.° 15/93, por todas as razões, de facto e de direito, que acima se deixaram expostas e ora se dão por reproduzidas, continua o aqui recorrente a ter como certo que se aplica in casu, no que a si respeita, quer a atenuação especial (ope legis) da pena determinada pelo art. 27.° n° 2 do CPen., quer ainda, cumulativamente, a possibilidade de atenuação especial (ope judicis) da pena, nos termos previstos e estabelecidos no cit. art. 31.° do DL n.° 15/93, devidamente conjugado com os arts. 72.° e 73.º, com referência ao art. 71.°, todos do CPen.;
X. Uma vez que, conforme se demonstrou supra, após a cumulativa atenuação especial da pena por força dos preceitos referidos na conclusão que antecede, a respectiva moldura abstracta se situaria entre o limite mínimo de 1 (um) mês de prisão e o máximo de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, tendo presentes todas as circunstâncias atrás aludidas, sem esquecer o facto de já se encontrar em prisão preventiva desde 7/ABR/2006, ou seja, há praticamente 2 (dois) anos e 3 (três) meses, tem o aqui recorrente como certo que a pena ajustada in casu jamais deveria ultrapassar os 3 (três) anos de prisão;
XI. Ainda mercê de todas as referidas circunstâncias e por ser manifesto que se verificam igualmente todas as razões para concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão – já substancialmente concretizada por mais de 2 (dois) anos de prisão preventiva – realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sempre a execução de tal pena deveria ficar suspensa na sua execução, por igual período de 3 (três) anos, de harmonia com o disposto no art. 50.° do CPen.
XII. Não tendo assim entendido e antes tendo mantido a condenação do aqui recorrente na pena de 7 (sete) anos de prisão efectiva, o Tribunal a quo infringiu, entre outros, os arts. 27.°, 40.°, n.° 2, 50.°, 71.°, 72.° e 73.°, todos do CPen., bem como os arts. 24.° al. c) e 31.º, ambos do DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

O sr. Procurador-Geral Adjunto na Relação pronunciou-se pelo não provimento de ambos os recursos.
Neste STJ, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer sobre o mérito dos recursos:

II.1. - Quanto ao recurso do arguido AA, e
1.1. - no que tange à alegada omissão de pronúncia [configurativa da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 379º do C.P.P.], não crendo que tal suceda na parte relativa à invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada uma vez que, como bem decorre de fls. 4182 a 4183, o tribunal recorrido conheceu e decidiu de tal questão, já entendemos que isso acontece no que diz respeito ao recurso interlocutório.
Efectivamente, interposto e motivado (cfr. fls. 1959 a 1960) que foi pelo arguido AA recurso do douto despacho (cfr. fls. 1923 a 1925) de 19.03.2007 [que indeferiu a arguida irregularidade do despacho de pronúncia e decorrente de, na perspectiva do recorrente, não se encontrar devidamente fundamentado de facto e de direito quanto à questão que, suscitada no requerimento de abertura de instrução, se prende com a propriedade, entre o mais, dos telemóveis apreendidos] e a que respondeu o Ministério Público (cfr. fls. 2068 a 2072), foi o mesmo recurso admitido, por douto despacho de fls. 1963, para subir com o que viesse a ser interposto da decisão final, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Acontece que, vindo o mesmo arguido a interpor recurso para a Relação de Guimarães da decisão (a primeira) final proferida em 27.07.07 pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, na 23ª e última conclusão que extraiu da sua motivação (cfr. fls. 2728) fez o recorrente expressamente consignar que mantinha interesse no recurso interlocutório “interposto aquando da prolação da decisão instrutória”.
E tendo, na sequência do decidido pela Relação de Guimarães [acórdão de 07.01.08 (cfr. fls. 3284 a 3306) que anulou aquele aresto de 27.07.07 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende], sido prolatado, em primeira instância, o acórdão de 14.03.08 (cfr. fls. 3495 a 3538), veio o mesmo arguido AA a dele interpor recurso para a Relação de Guimarães, o que fez nos termos constantes de fls. 3781 a 3885, manifestando mais uma vez, ora na conclusão 33ª, o seu interesse no aludido recurso interlocutório (cfr. fls. 3884).
Ora, como é dado ver dos doutos acórdãos da Relação de Guimarães de 07.01.08 (cfr. fls. 3284 a 3306) e de 10.07.08 (cfr. fls. 4153 a 4205), sobre o referenciado recurso interlocutório não se pronunciou o mesmo tribunal.
Daí entender-se que nesta parte assiste razão ao recorrente e, como assim, que haverá lugar à anulação do douto acórdão recorrido e à baixa dos autos à Relação de Guimarães por forma a que, pronunciando-se sobre o mesmo recurso, supra a nulidade da al. c) do nº 1 do art. 379º do C.P.P., que se tem por verificada.
E conquanto, no entendimento que se defende, prejudicado fique o conhecimento das demais questões suscitadas quer pelo recorrente AA quer até pelo arguido BB, à cautela não se deixará de anotar...
1.2) - quanto à qualificação jurídico-penal dos factos da responsabilidade do arguido AA que, a nosso ver, carece o mesmo de razão.
Na realidade, e como bem se anota no douto aresto recorrido, também nos parece que quase dispensa justificação o facto atinente à avultada compensação remuneratória que o arguido visava obter com uma actividade de tráfico de estupefacientes de tão grande dimensão como a vertente, considerando por um lado a natureza da droga (Cocaína) e quantidade (para cima de 5,5, toneladas) em causa.
E para tanto bastará atentar, entre o mais, que se o arguido Posso era um dos “donos do negócio” e a sua intervenção não se confinou, bem pelo contrário, a providenciar pelos dois transportes para Espanha da mesma droga, a quantidade e natureza da droga em questão [como é por demais patente e notório, muitíssimo substancial e uma das que importam custo mais elevado] são por demais reveladoras da avultada compensação remuneratória que o arguido não só se propunha retirar do negócio [do qual - repete-se - era um dos “donos”] como chegou a retirar (e que utilizou, nomeadamente, para a aquisição de motos, fatos e outros artefactos ligados à prática do motociclismo).
Por outro lado, de atentar sempre importa que, se pelos dois transportes de droga que efectuaram para Espanha o arguido BB receberia 15.000 Euros, mais, bem mais avultada seria a compensação remuneratória que o arguido AA, como “dono do negócio”, tencionava retirar da actividade ilícita de tráfico de estupefacientes a que, por acordo com FF, decidiu dedicar-se com regularidade e “utilizando o território nacional como plataforma logística para a introdução de grandes quantidades de cocaína”, que posteriormente seria distribuída pela Europa [cfr. ponto 1 dos factos provados].
Ponderando pois tudo isto, afigura-se-nos insusceptível de qualquer reparo a qualificação jurídico-penal dos factos da responsabilidade do arguido Posso, gizada pelas instâncias nos termos dos arts. 21º nº 1 e 24º al. c) do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01. Depois ...
1.3.) - no que concerne à medida judicial da pena fixada ao mesmo arguido AA (12 anos de prisão), não crendo embora que no caso vertente se possa considerar «generosa» a pena imposta ao recorrente, tendo em conta a moldura penal abstracta do ilícito [entre 5 e 15 anos de prisão], crê-se ainda assim que a mesma, não se revelando excessivamente severa, representa-se proporcional à culpa do arguido e adequada a satisfazer as finalidades da punição.
E isto considerando que, se no condicionalismo exógeno ao tipo legal nada de significativo depõe em benefício do arguido [que, já tendo sofrido condenação pela prática de crime da mesma natureza, não assumiu a sua responsabilidade nem tão pouco emitiu sinais de arrependimento], intensíssima revela-se no caso a ilicitude dos factos (considerando a natureza, quantidade e destino da droga em causa) e deveras acentuada representando-se a culpa do agente, muito prementes assumem-se as necessidades de reprovação e prevenção, quer geral quer especial.
Daí que sopesando tudo isto se mostre, a nosso ver, acertada a medida da pena fixada ao arguido AA. Finalmente...
II.2) - Quanto ao recurso do arguido BB, e
2.1. - no que diz respeito à alegada violação do princípio in dubio pro reo, em breve apontamento dir-se-á que [sabendo-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode sindicar a aplicação do aludido princípio se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a um qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, de sorte que a violação do mesmo princípio, dizendo respeito à matéria de facto e sendo fundamental em matéria de apreciação e valoração de prova pode ser sindicado pelo S.T.J., embora tal sindicabilidade tenha de exercer-se dentro dos estritos limites dos poderes de cognição deste mais alto tribunal, o que vale dizer que tem de resultar o texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410º nº 2 do C.P.P.], passando em revista o texto do douto acórdão impugnado, não se vislumbra que ao tribunal tivesse sobrestado uma qualquer dúvida quanto ao conhecimento do arguido àcerca da natureza (uma das mencionadas nas tabelas I a III anexas ao Dec-Lei nº 15/93 de 22.01) e quantidade (não apenas um ou dois Kilos) da substância estupefaciente a cujo transporte procedeu... e muito menos que, na dúvida, tivesse optado pela posição mais desfavorável para o arguido. Bem pelo contrário!
Na realidade, e para além das razões invocadas no douto aresto recorrido para fundamentar tal convicção [tais sejam as atinentes à utilização de uma viatura AUDI 4, à necessidade de fazer duas viagens e às cautelas havidas aquando dos aludidos transportes], sempre importa ponderar na compensação remuneratória prometida ao arguido em troca da tarefa (o transporte para Espanha de pelo menos duas partidas de droga) que lhe cabia desempenhar no âmbito da actividade ilícita: nada mais nada menos que 15.000 Euros em dinheiro e em produtos da “Gillette” que venderia, revertendo para si a receita apurada.
Ora, mal se compreenderia que uma tão substancial compensação remuneratória fosse prometida ao arguido BB se em causa estivesse apenas o transporte de um ou dois Kilos de estupefacientes e, por maioria de razão, se a substância em causa não se tratasse de uma das mencionadas nas tabelas I a III anexas ao Dec-Lei nº 15/93 de 22.01.
De onde que, não se vislumbrando que às instâncias se tivesse suscitado uma qualquer dúvida àcerca da responsabilidade do arguido, nos termos acima equacionados, parece-nos antes que, a pretexto de uma alegada violação do princípio in dubio pro reo, pretenderá antes o recorrente “atacar” a apreciação e valoração da prova feita pelas mesmas instâncias, o que vale dizer opor a sua própria convicção à que chegaram aquelas, designadamente a Relação de Guimarães. Posto isto...
2.2. - no que se reporta à forma de participação (cumplicidade/autoria) do recorrente no facto ilícito típico, importa referir que, à semelhança do considerado no douto aresto impugnado (cfr. fls. 4193 a 4194), também se entende não assistir-lhe qualquer razão.
Na realidade, e como bem demonstrado ficou na douta decisão impugnada, face à materialidade fáctica provada patente resulta que o recorrente teve efectivamente o domínio do facto de sorte que, ao invés do que pretende fazer crer, a sua participação na actividade ilícita típica não revestiu um carácter secundário, dependente, subalterno em relação à dos seus co-arguidos, quer em termos de execução do crime quer em função de gravidade objectiva, na perspectiva de ser determinante ou não para a prática do mesmo ilícito.
E como secundária, subalterna, acessória, não poderá, a nosso ver, ter-se a participação do arguido BB na medida em que ela foi determinante para introduzir em Espanha cerca de 200 Kilogramas de Cocaína!
Ora, como considerado no douto aresto recorrido, basta atentar no elevado custo da droga em causa e risco associado à sua entrega para transporte transnacional, sem esquecer a remuneração que pelo encargo dessa tarefa receberia em contrapartida, para concluir no sentido da manifesta incompatibilidade que existe entre a pretendida cumplicidade do arguido BB e a real dimensão da sua participação no âmbito da actividade ilícita típica.
Daí entender-se que, no caso do mesmo arguido BB [que, como visto, não se limitando a prestar auxílio, a facilitar a execução dos factos ilícitos, antes contribuiu, com o desempenho da tarefa que lhe coube, para o resultado planeado, querido e visado pelo “grupo”, de sorte que não só a sua vontade foi determinante para a produção dos eventos ilícitos típicos como participou decididamente na sua execução], a sua comparticipação deverá ser punida a título de co-autoria. Por fim...
2.3) - no que concerne à medida judicial da pena (7 anos de prisão) imposta ao arguido BB:
Afigura-se-nos ainda falecer razão ao recorrente nesta parte. E isto porque:
A - se é certo que
- o tribunal, de acordo com o estabelecido no artigo 72º do Código Penal, atenua extraordinariamente a pena (para além dos casos previstos de forma expressa na lei) quando existem circunstâncias anteriores ou posteriores ao facto ou contemporâneas dele que diminuam de modo acentuado a culpa do agente ou a necessidade da pena,
- na acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, logo das exigências de prevenção, radica a autêntica “ratio” da atenuação especial da pena, de modo que, se as circunstâncias previstas no nº 2 do art. 72º do Código Penal não constituem as únicas capazes de desencadear tal efeito, este também não surge como consequência necessária e automática da verificação de uma ou várias das mesmas circunstâncias,
- só em casos extraordinários ou excepcionais pode haver lugar à atenuação especial da pena, o que vale dizer quando for de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não resulta possível no quadro da moldura penal abstracta pensada pelo legislador para o respectivo tipo legal, antes exige manifestamente uma pena inferior, de onde que, afora esses casos, é no âmbito da moldura normal que a mesma adequação pode e deve ser encontrada,
B - não menos verdade resulta que, como bem decorre do art. 31º do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01, a possibilidade de atenuação extraordinária da pena encontra-se condicionada, no que poderá relevar para o caso aqui em apreço, ao auxílio concretamente prestado pelo agente às autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, em particular quando em causa estão grupos, organizações ou associações,
C - entende-se que, no caso do arguido BB, inexistem razões para atenuar extraordinariamente a pena a aplicar-lhe pelo crime de tráfico de estupefacientes objecto de previsão no art. 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01 em que se mostra incurso.
E entende-se assim considerando que, embora houvesse confessado os factos em que teve intervenção directa e contribuído para o apuramento de situações e ligações entre os principais arguidos e bem assim tivesse mostrado arrependimento, verdade é que não prestou qualquer auxílio às autoridades na recolha de provas e muito menos decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis.
Antes, e como bem se observa no douto acórdão impugnado, quando o arguido BB foi detido já o arguido AA e as suas co-arguidas estavam referenciados, tal como a casa sita à Rua dos Sargaceiros nº ..., em Esposende, onde vieram a ser apreendidos os 5.515 Kilogramas de Cocaína!
E se não se descortinam motivos para atenuar extraordinariamente a pena a aplicar ao arguido BB pela prática do mencionado ilícito, também não se vislumbram razões para alterar a medida fixada pelo tribunal recorrido.
E para tanto importa considerar, para além do grau elevado de ilicitude dos factos (face à a natureza e quantidade da droga e modalidade do tráfico em causa), da intensidade da culpa manifestada pelo agente (a quem apenas a obtenção de lucro motivou a respectiva conduta) e das necessidades de prevenção geral, que em benefício do arguido depõem apenas as circunstâncias atinentes à confissão que fez dos factos em que teve intervenção directa, ao arrependimento manifestado e à sua condição sócio-económica e familiar.
Ora, sopesando todos estes aspectos, como impõe de resto o art. 71º do Cód. Penal, crê-se que a pena de 7 anos de prisão imposta ao arguido, situando-se de facto dentro (se não aquém, atenta a grande quantidade de droga transportada pelo arguido) da medida que, em média, tem sido aplicada por este Supremo Tribunal quando em causa se encontram os chamados “correios de droga” (situação a que há-de equipar-se à havida pelo aqui recorrente), não merece qualquer reparo.
Em resultado disto, escusado será dizer que, como mais não fosse pelo facto de a pena imposta exceder os 5 anos de prisão, comprometida sempre ficaria a possibilidade de na respectiva execução suspender-se a mesma, tendo em vista a falta de preenchimento daquele requisito formal exigido pelo art. 50º (nº 1) do C. Penal.
De todo o modo, e ainda que assim não sucedesse (o que vale dizer que em medida não superior a 5 anos de prisão se situasse a referida pena), num caso com os contornos do vertente inviável sempre resultaria, ao que nos parece, a formulação do indispensável juízo de prognose social no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastariam para satisfazer as finalidades da punição.

Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), tendo apenas respondido o arguido AA, que se limitou a dar como reproduzida a sua motivação de recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Comecemos por analisar se existe omissão de pronúncia do acórdão recorrido quanto ao conhecimento do recurso interposto pelo arguido AA do despacho de pronúncia e admitido a subir com o que viesse a ser interposto da decisão final.
A fls. 1887, o arguido veio arguir uma irregularidade do despacho de pronúncia, consistente no facto de o tribunal não ter se ter pronunciado sobre uma questão por ele colocada no requerimento de abertura da instrução: não ser proprietário nem utilizador dos telemóveis... e .../..., que lhe foram apreendidos.
Por despacho de fls. 1923-1925, foi esse requerimento indeferido.
Interpôs o requerente recurso dessa decisão, que foi admitido a subir com o que viesse a ser interposto da decisão final (fls. 1963).
O MP respondeu, pronunciando-se pela inadmissibilidade do recurso, por a nulidade arguida não ser nenhuma das previstas no art. 309º do CPP e a decisão instrutória ser insusceptível de recurso, já que o arguido foi pronunciado pelos mesmos factos da acusação pública (fls. 2068-2072).
O acórdão recorrido não conheceu deste recurso intercalar, apesar de o recorrente expressamente manifestar o seu interesse em que fosse conhecido.
Essa omissão constituirá omissão de pronúncia? Adiante-se já que só o será se o recurso for efectivamente admissível, pelo que importa analisar a questão prévia suscitada pelo MP.
Nos termos do art. 309º do CPP, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução.
Por sua vez, o art. 310º, na redacção vigente ao tempo do acto, determinava a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciasse o arguido pelos factos constates da acusação, mas o Assento nº 6/2000 do STJ (DR, I, de 7.3.2000) veio determinar que a decisão instrutória que pronunciasse o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério era recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, recurso esse que deveria subir imediatamente (Acórdão do STJ nº 7/2004, DR, I, de 2.12.2004).
A nulidade invocada pelo ora recorrente não é uma nulidade arguida no decurso do inquérito ou da instrução, pois foi suscitada depois de proferido o despacho de pronúncia, e impugna, afinal, esse mesmo despacho, que considera não ter fundamentado suficientemente a decisão quanto ao ponto específico acima referido.
Sendo, pois, a própria pronúncia que é posta em causa pelo recorrente, o recurso é inadmissível, por força das disposições citadas.
Não vincula este Tribunal, como não vinculava a Relação, o despacho que o admitiu (art. 414º, nº 3 do CPP).
Donde, não existe nenhuma omissão de pronúncia.
Impõe-se, de seguida, conhecer os recursos interpostos do acórdão da Relação.
Previamente importa conhecer a matéria de facto.
É a seguinte a matéria de facto fixada na 1ª Instância:

1.- Em data não concretamente apurada, o arguido AA e FF, também conhecido por “El Marico”, decidiram associar-se para se dedicarem, com regularidade, à venda lucrativa de produtos estupefacientes, utilizando o território nacional como plataforma logística para a introdução de grandes quantidades de cocaína que, posteriormente seria distribuída pela Europa.
2.- O arguido AA e aquele FF são motociclistas e faziam diversos circuitos de motociclismo em Portugal e no estrangeiro, e utilizaram lucros obtidos com a venda de cocaína na aquisição de motos, fatos e outros artefactos ligados à prática daquela modalidade de desporto.
3.- Ao referido FF e a GG, sua esposa, cabia a organização do apoio logístico e da gestão de todos ou, pelo menos, de boa parte dos lucros obtidos com a venda de tais produtos.
4.- Assim, o referido FF contactou o arguido BB para efectuar, pelo menos, dois transportes de cocaína de Esposende, onde estava guardada, até à Galiza, mediante o pagamento de uma quantia, que previamente fixaram.
5.- As arguidas CC; DD; e EE foram contactadas em Madrid, onde residiam, por pessoa não identificada, e trazidas para Portugal e quando chegaram à vivenda infra indicada, encarregaram-nas além de outros serviços, de desfazerem uns fardos que aí se encontravam e de acomodarem num dos quartos do 1º. andar os pacotes que retiravam do interior daqueles fardos, para serem ulteriormente levados dali.
6.- Os pacotes continham cocaína, e tinham sido acomodados no interior dos fardos que foram depositados numa vivenda sita na Rua dos Sargaceiros, nº. 21, desta cidade de Esposende, que fora arrendada à empresa imobiliária “M.V.D.F. – Mediação Imobiliária”, já com aquela intenção.
7.- Nos inícios do mês de Abril de 2006 o arguido AA e o FF decidiram efectuar o transporte de, pelo menos, parte daquele produto estupefaciente para Espanha, tendo este, então, contactado o arguido BB, como acima se refere.
8.- Na concretização deste objectivo, e seguindo plano que traçaram, no dia 5 de Abril de 2006, alguém, combinado com os arguidos AA e com o FF conduziu o veículo automóvel de matrícula ...-...-IH, de marca “Audi”, modelo “A4” até à cidade da Póvoa do Varzim.
9.- Este veículo foi entregue naquele dia 5 de Abril de 2006, em Famalicão, pelo arguido BB, para nele ser colocado produto estupefaciente, de acordo com o que havia directamente combinado com o referido FF.
10.- De facto, este arguido BB, na sequência de outras conversas anteriores, tinha sido contactado pelo referido FF, em finais de Março de 2006, para proceder, pelo menos, a dois transportes de produtos estupefacientes para Espanha, mediante o pagamento de, pelo menos, a importância de € 15.000, e ainda de produtos da “Gillette” no valor de 10 a 11 mil euros, mercadoria que aquele arguido venderia, ficando para si com a receita que obtivesse.
11.- Pelas 23:00 horas daquele dia 5 de Abril, em artéria não concretamente apurada, mas junto à Praça de Touros, da cidade da Póvoa do Varzim, o arguido AA encontrou-se com as arguidas CC, DD e EE, fazendo-se ele transportar no veículo automóvel com a matrícula ...-BD-..., de marca “Peugeot”, modelo 407, que o já referido FF comprou na representante da marca – “C... – Comércio de Automóveis, Representações, S. A.”- em Janeiro de 2006.
12.- A seguir a este encontro, as arguidas dirigiram-se para a localidade de Esposende, no já referido veículo “Audi A4”, de matrícula ...-...-IH, conduzido pela arguida CC, e, aqui chegadas, parquearam-no junto à vivenda acima mencionada, sita na Rua dos S..., onde entraram e permaneceram.
13.- Pelas 02:00 horas aquela arguida CC saiu da vivenda referida e conduziu o “Audi A4” pela Avenida Marginal, desta cidade de Esposende, no sentido Norte para Sul, aparcando-o em frente ao Hotel S... M..., e ficou por ali.
14.- Poucos minutos mais tarde, surgiu o arguido AA, conduzindo o veículo “Peugeot 407”, também pela Avenida M...l, mas no sentido Sul para Norte, transportando consigo o arguido BB.
15.- Ao passar junto daquela arguida CC, o arguido AA parou a viatura, e pela janela do lado do passageiro, aquela passou a chave do “Audi A4” para as mãos do arguido BB.
16.- Prosseguiu então o arguido AA a sua marcha por mais alguns metros, e quando estava já próximo do local onde se encontrava o “Audi A4” parou, altura em que o arguido BB, apeando-se do “Peugeot 407”, entrou naquele veículo, colocou-o em andamento, e ambos seguiram em direcção à “A-28”.
17.- Neste veículo havia sido colocada uma quantidade não apurada de cocaína, retirada da que se encontrava na casa de habitação sita na Rua dos S..., e, seguindo as instruções que havia recebido, o arguido BB conduziu-o até para lá da ponte de Valença, já em território Espanhol, aparcando-o no antigo parque de estacionamento da Guarda Fronteiriça Espanhola.
18.- Em seguida, o mesmo arguido atravessou a pé a estrada e passados alguns momentos verificou que alguém trazia o “Audi A4” de volta, parando a uns metros de si, pelo que voltou a introduzir-se nele e conduziu-o novamente até Vila Nova de Famalicão, no local que lhe indicara o FF, para se efectuar novo carregamento.
19.- Alguém, que se não conseguiu identificar, trouxe aquele “Audi A4” até Esposende e pelas 20:30 horas do dia 6 de Abril de 2006, a arguida CC colocou aquele veículo na rampa de acesso à garagem da vivenda da Rua dos S.... e foram colocados alguns volumes na bagageira daquela viatura.
20.- Cerca da 1:00 hora, já do dia 7 de Abril de 2006, a mesma arguida pegou no “Audi A4” e fez o mesmo percurso da véspera, voltando novamente a estacioná-lo em frente ao Hotel S... M..., após o que seguiu a pé pela Avenida Marginal, no mesmo sentido em que viera de carro – de Norte para Sul – mas pelo passeio do lado esquerdo, considerado este sentido, ficando, assim, à espera que, tal como no dia anterior, ali chegassem os arguidos AA e BB.
21.- Quando tinha andado alguns metros surgiram, de facto, aqueles arguidos, o primeiro a conduzir o “Peugeot 407” e o segundo no lugar do passageiro e pararam junto à arguida CC, que, como fizera na noite anterior, entregou a chave do “Audi” ao arguido BB, novamente pela janela do veículo.
22.- O arguido AA ainda prosseguiu a sua marcha, entrando na rua lateral ao hotel S... M..., e depois de percorrer nela cerca de 20 metros deixou o arguido BB que de imediato se encaminhou para o “Audi A4”, entrou nele e pô-lo a trabalhar.
23.- O arguido AA, continuando a conduzir o “Peugeot 407”, inverteu o sentido de marcha, vindo a passar junto à arguida CC que, entretanto, tinha atravessado a Avenida Marginal, e seguia a pé, agora pelo passeio do lado direito, considerando o sentido de Norte para Sul, havendo-a aquele recolhido e a levado consigo, indo em direcção à “A-28”.
24.- Por sua vez o arguido BB, que colocara em marcha o “Audi A4”, dirigiu-se também para a “A-28”, a fim de conduzir esta viatura até à estação de serviço de São Simão, em Espanha, conforme instruções que havia recebido.
25.- Porém, junto à rotunda do Hipermercado “Modelo”, ainda nesta cidade de Esposende, o arguido BB foi interceptado por agentes da Polícia Judiciária.
26.- Verificou-se, então, que transportava 181 (cento e oitenta e um) pacotes, contendo um pó branco, em duas malas e três sacos de viagem, acondicionados na bagageira e no banco traseiro daquela viatura.
Submetido aquele pó branco a exame toxicológico no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, revelou tratar-se da substância “cocaína”, e tinha o peso líquido total de 197 kg. (centro e noventa e sete quilogramas).
27.- Na mesma altura foram ainda encontrados na posse daquele arguido os seguintes objectos, que lhe foram apreendidos:
- € 85 (oitocentos e cinquenta euros), em numerário;
- Um telemóvel NOKIA, com cartão OPTIMUS e respectiva bateria;
- Um telemóvel NOKIA, com cartão MOVISTAR e respectiva bateria;
- Dois cartões do Banco Popular, titulados por BB;
- Um papel manuscrito – “96...” - número correspondente a um dos telemóveis usados normalmente por FF;
- Um telemóvel NOKIA, com cartão da VODAFONE e respectiva bateria.
28.- O veículo conduzido pelo arguido AA, no qual também seguia a arguida CC veio a ser interceptado na “A-28”, já junto à saída para S. Paio de Antas, ainda no território desta comarca de Esposende.
29.- Na altura o arguido AA tinha consigo os seguintes objectos, que lhe foram encontrados, aquando da revista, e foram apreendidos:
- uma carta de condução, em nome do arguido, com o nº. ..., emitida pelo Reino de Espanha;
- um cartão de “Extranjeros” em nome do arguido, com o número igual ao da carta de condução, também emitido pelo Reino de Espanha;
- € 3.295 (três mil duzentos e noventa e cinco euros);
- um cartão de crédito CAIXA ABIERTA, com o seu nome nele inscrito, e com o nº. ...;
- um cartão de LAWYERS CREDIT UNION, nº. ...;
- um cartão de segurança da TMN, nº. 96 ...;
- um cartão de segurança da TMN, nº. 96 ...;
- um cartão da VODAFONE, nº. ..., tendo manuscrito o nº. ...;
- uma agenda telefónica, com capas de cor vermelha;
- um porta-chaves de cor castanha, com a inscrição “RICA VARYS”, com cinco chaves;
30.- Passada revista ao veículo de matrícula ...-BD-..., o “Peugeot 407”, que aquele arguido conduzia, foi aí encontrado:
- € 80 (oitenta euros), em numerário;
- declaração de venda da viatura “Peugeot” emitida pela “C... – Com. de Automóveis, S. A.”, em nome de FF;
- recibo em nome de FF, no valor € 41.000;
- certificado provisório do seguro automóvel;
- uma factura da “VOBIS NORTE SHOPPING”, no valor de € 539, relativa à aquisição de um objecto da marca “SAMSUNG”;
- cinco cartões de rede fixa de operadoras espanholas;
- um cartão “SIM”, da VODAFONE com cartão de carregamento.
- um cartão “SIM”, da VODAFONE, nº. ...;
- um cartão “SIM”, da DIGITEL, nº. ...;
- um telemóvel NOKIA, modelo 3100, IMEI ...;
- um telemóvel NOKIA, modelo 3100, IMEI .../..., contendo um cartão “SIM” nº. ...;
- um telemóvel NOKIA, modelo 1100, IMEI .../..., contendo um cartão “SIM” da VODAFONE, refª. nº. ...;
- uma câmara fotográfica digital, SONY, modelo CYBER SHOT, 5,1 Mega Pixels, refª. nº. ..., com memory-stick, acompanhada de um adaptador e de uma bolsa CASE LOGIC;
- duas agendas com contactos telefónicos;
- um telefone com a inscrição “I-MATE/K-JAM”, com o número IMEI ... cartão “SIM” da VODAFONE nº. ...;
31.- Pelas 7:00 horas do mesmo dia 7 de Abril, em cumprimento de um mandado de busca domiciliária, foram encontrados na vivenda sita na Rua dos Sargaceiros nº. 21, nesta cidade de Esposende, acima referida, 173 “fardos”, com 1.428 pacotes (ou embalagens), contendo um pó branco no seu interior que, submetido a exame toxicológico no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, revelou tratar-se da substância “cocaína”, com o peso líquido total de 5.515 kg.
32.- No piso térreo, na sala de estar, foi encontrado ainda um cartão de visita da empresa de mediação imobiliária e condomínios “MVDF”, com o nome M...V... escrito.
33.- No terceiro piso, no quarto em frente às escadas (o do lado esquerdo), que era o ocupado pelas arguidas DD e EE, foram encontrados dois telemóveis da marca “Siemens”, com os IMEI números ...e ...
34.- No interior daquela residência encontravam-se aquelas duas arguidas, DD, e EE.
35.- E no segundo piso, no quarto da direita, foram encontrados dois bisturis (“x-atos”), dois pares de luvas e um maço de tabaco, havendo ainda aí diversos plásticos e embalagens em serapilheira, que serviram para guarda e conservação do produto estupefaciente, enquanto que os dois bisturis e as luvas foram utilizadas pelas arguidas CC, DD e EE para desenfardar os pacotes do produto estupefaciente.
36.- A arguida EE tinha na sua posse os seguintes objectos, que lhe foram apreendidos:
- € 80 (oitenta euros), em numerário;
- um telemóvel da marca SAGEM, com cartão TMN e respectiva bateria;
- três cartões da VODAFONE com os respectivos ships, e códigos pin e puk;
- um cartão da VODAFONE sem ship;
- um cartão de débito do Banco “CAIXA ABIERTA” titulado por EE;
- um recibo de compras, efectuadas no posto de abastecimento da “GALP” da Póvoa do Varzim;
- uma agenda de capa cor-de-rosa, com nomes e números de telefone manuscritos.
37.- À arguida DD foram encontrados na sua posse os objectos abaixo descriminados, que foram apreendidos:
- € 125 (cento e vinte e cinco euros), em numerário, do B.C.E.;
- cinco cartões da operadora “VODAFONE” contendo os ships e os respectivos códigos pin e puk;
- um cartão da operadora “VODAFONE” sem o respectivo ship;
38.- Na execução de mandados de buscas domiciliárias, foram encontrados além de outros, os seguintes objectos:
I - No interior do quarto utilizado pelo arguido AA, no 4º. andar direito do “Edifício Beiriz”, sito na Rua Dr. A..... G... da Póvoa do Varzim, que também foi arrendado pela imobiliária acima já referida:
- € 80.000 (oitenta mil Euros), em numerário;
- dois adaptadores para cartões de memória MICRO SD ADAPTER;
- um cartão de carregamento da VODAFONE correspondente ao número 91 ...;
- um cartão “SIM” da TMN, com a refª. nº. ...;
- um cartão “SIM” da TMN, com a refª. nº. ...;
- um telemóvel da MOTOROLA, modelo V3, cor cinzenta escura, sem qualquer cartão no seu interior;
- um telemóvel da MOTOROLA, modelo V3, de cor azul, sem qualquer cartão no seu interior;
- um telemóvel de marca “SONY ERICSSON”, de cor azul e cinza prateada, com cartão “SIM”, da VODAFONE;
- 28 (vinte e oito) cartões “SIM” da VODAFONE;
- um carregador da marca SONY, modelo NO.BC-CS3 para câmaras fotográficas digitais;
- uma embalagem de telemóvel da marca QTEK 9100 PDA PHONE ESN, com o IMEI ..., contendo no seu interior software e diversos acessórios;
- um leitor de DVD, da marca “CROWN”, modelo ADVD2099, com o nº. ...;
- um visor “SUPER SLIM LCD TV WITH STYLE”, da marca “SAM-SUNG”, mod LW20M21CP, com o número de série ...;
- um sistema de “home cinema”, marca CROWN, modelo “AHTA895C e com o nº. de série ....
Na sala da mesma casa, foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos:
- um telemóvel da marca “MOTOROLA”, modelo V3, de cor cinzenta escura, contendo no seu interior um cartão “SIM” da operadora VODAFONE, com a referência ..., com a respectiva capa em couro, de cor preta;
- um cartão de carregamento da operadora VODAFONE, correspondente ao número 91...;
- um cartão de carregamento da operadora VODAFONE, correspondente ao número 91...;
II - No interior do quarto utilizado por FF, na casa de habitação sita na Travessa do Outeiro, nº. ..., 1º.- C, Calendário, Vila Nova de Famalicão, foram encontrados e apreendidos, além do mais:
- 1.000 (mil) dólares USA;
- € 6.000 (seis mil euros);
- uma nota de cinquenta euros danificada;
- um relógio ROLEX nº. 16613;
- um relógio ROLEX nº. 16610;
- uma fotografia, onde consta o arguido AA;
- um telemóvel SAMSUNG, modelo “SGH 7510” com o IMEI ..., com um cartão “SIM” da MOVISTAR nº. ...;
- duas partes de caixas de material de comunicações, da operadora “MO- VISTAR”, correspondentes aos nºs. ... e ...;
- uma factura da TMN, com o nº. ...;
- uma factura da TMN, com o nº. ...;
- uma proposta de adesão da TMN, nº. ...;
- uma cópia de um recibo de passagem electrónica da “M... T... & T...”, em nome FF;
- uma cópia de itinerário titulada pelo FF;
- cinco bilhetes e canhotos de viagens aéreas em nome de GG;
- 13 (treze) bilhetes e canhotos em nome de FF;
- uma folha A4 com timbre da “SUZUKI”, referente a um recibo manuscrito datado de 28/03/2006, da entrega de € 20.000 (vinte mil euros) em numerário.
- uma folha A4, com cópia de BI e Cartão Contribuinte de A... M... M... R...;
- uma folha A4 com fotocópia de B.I. e Cartão Contribuinte de FF;
- uma folha A4 com fotocópia do passaporte de GG;
- uma fotocópia do passaporte de FF;
- uma folha A4 manuscrita com dizeres referentes a depósitos e entidades bancárias;
- doze folhas correspondentes a fotocópias da escritura do apartamento, Travessa do .... nº. ..., 1.C, em Calendário, V.N. Famalicão;
- um cartão de visita da empresa “I.....” viagens e turismo com inscrições manuscritas;
- um cartão de segurança da TMN, com o nº. ....;
- uma folha A4 com cópia da apólice da viatura SUZUKI, ...-...-ZX, de FF;
- uma cópia de um “fax”, em nome de F... A.... S... A... contendo dados de uma conta bancária do Banco “TOTTA”;
- quatro folhas referentes a uma impressão de um email com dados e referências bancárias;
- uma ordem de pagamento do Banco “MILLENIUM BCP” datado de 05/ /12/2005, com o nº. ......;
- uma ordem de pagamento do Banco “MILLENIUM BCP” datado de 05/12/2005, com o nº. .......;
- três recibos de depósito em numerário, datados de 26; 28 e 30/12/2005 em nome de FF;
- duas folhas relativas a posição do cliente, em nome de FF;
- uma subscrição do Banco Santander, de Poupança Premium PPR/E, no valor de € 425.000, datada de 26/01/2006, em nome do FF;
- informação do Banco SANTANDER, referente a uma operação monetária, datada de 23/01/2006;
- dois avisos de débito do Banco SANTANDER, datados de 23/01/2006, de valor de 70.000 Dólares U.S.A.;
- um aviso de débito estrangeiro do Banco SANTANDER, de valor de 50.000 Euros;
- um aviso de débito estrangeiro do Banco SANTANDER, de valor de 70.000 Dólares U.S.A.;
- seis recibos de depósito em numerário do Banco SANTANDER, datados de 23/11/2005; 22; 23; 26; e 28/12/2005; e ainda 23/01/2006;
- uma folha com dados de uma transferência bancária no valor de 35.000 Euros, datada de 24/11/2005;
- quatro documentos emitidos pela firma “CARDAN”, relativos à aquisição da viatura ...-...-...;
- uma pasta com a inscrição "FACTURAS COSAS COMPRADAS PARA EL APT", contendo várias facturas;
- uma parte de uma caixa de um telemóvel NOKIA3100, IMEI nº. ....;
- uma protecção dorsal "DAINESE";
- uma capa de protecção "MOTOGP”;
- um par de luvas "ALPINE STARS";
- um fato completo "ARLEN NESS";
- uma viseira para capacete "AGV";
- um blusão "BKS";
- um par de calças da mesma marca;
- um canhoto de bilhete de avião em nome de I... M....;
- um recibo de entrada na VENEZUELA, em nome de FF;
- uma parte de uma caixa de um telemóvel MOTOROLA M04, IMEI nº. ......;
- uma factura em nome de FF, de um telemóvel "MOTOROLA V3X”, com IMEI ....., tendo o número 96 ....;
III - Na Rua da ....., nº. 48, em Calendário, Vila Nova de Famalicão, no quarto utilizado pelo FF, além de outros, descritos no “Auto de Busca e Apreensão” de folhas 280 (II volume), foram apreendidos os seguintes objectos:
- uma relação de movimentos e saldos de títulos de 2005 do Banco “SANTANDER”;
- um recibo da FIDELIDADE relativo à viatura 05-BD-56;
- uma factura do Hotel restaurante CAPITAL, sita Barcelona, em nome do FF;
- notícia do jornal “EL CORREO GALEGO”, datada de 14/06/2005, referente a uma apreensão de 3000 quilos de cocaína.
- uma mala metalizada da marca SAMSONITE, contendo no seu interior € 2.400.000 (dois milhões e quatrocentos mil euros), em notas de € 500;
- uma mala metalizada também da marca SAMSONITE, contendo no seu interior € 740.000 (setecentos e quarenta mil euros) em notas de 100 e 200 Euros;
39.- Foram também apreendidos quatro motociclos de corrida, que foram adquiridos pelo FF, que pagou em numerário:
- um motociclo SUZUKI, GSX-R1000, de cor preta, com o quadro n.º JS1B61111001015;
- um motociclo SUZUKI, GSX-R600K6, também de cor preta, quadro nº. JS1CE11110010422;
- um motociclo SUZUKI, GSX-R600K6, ainda da mesma cor preta, tendo o quadro o nº. JS1CE111100104219;
- um motociclo SUZUKI, GSX-R1000K6, também de cor preta, tendo o quadro o nº. JS1B6111100110600;
Pelos três primeiros aquele FF pagou o valor de € 27.879,00 e o quarto foi avaliado em € 5.500.
40.- No “PDA/POCKET PC i-Mate”, com o IMEI nº. ....., à altura utilizado pelo arguido AA, foram recebidas as seguintes mensagens:
- “Eh pá, estou com este número … Willy … ligo-te logo que me despacho”, datada de 15 de Março de 2006, do telemóvel com o nº. 96...., utilizado por FF;
- “Podes-me mandar o nome completo do rapaz que preciso de comprar”, datada de 16 de Março de 2006, do telemóvel com o n.º 96...., utilizado por FF;
41.- O arguido AA e o referido FF constituíram, assim, um grupo que, actuando de forma concertada e em comunhão de esforços, pelo menos transportou e armazenou e vendeu “cocaína”, nos termos acima descritos.
42.- Os elevados proventos de tal actividade eram geridos pelo arguido AA e pelo FF, que determinavam quais os investimentos a fazer, sendo este último quem guardava o dinheiro, em numerário, e quem realizou transferências e depósitos bancários do dinheiro proveniente das vendas dos produtos estupefacientes e adquiriu e tratou de arranjar os veículos automóveis para transporte destes produtos, assim como adquiriu os motociclos que utilizavam na participação das provas de motociclismo, bem como os fatos e outros artefactos.
43.- Os demais arguidos receberiam compensações em dinheiro pelo desenvolvimento das tarefas de que os incumbiram.
44.- Ao actuarem pela forma descrita, pretendiam os arguidos obter uma avultada compensação remuneratória, atendendo à elevada quantidade de cocaína a comerciar, havendo-a conseguido o arguido AA juntamente com o FF.
45.- Todos os arguidos conheciam bem as características estupefacientes da cocaína, e bem assim que a sua aquisição, transporte, detenção, manipulação e venda são proibidos, mas não se abstiveram de agir do modo descrito, o que quiseram e fizeram.
46.- O arguido AA igualmente sabia que com a sua actuação promovia e levava à formação de um grupo, ainda que de duas pessoas que, agindo concertadamente, tinham como objectivo levar a cabo a descrita actividade de tráfico de produtos estupefacientes, o que quis e fez.
47.- Os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, com a sapiência de que a sua conduta era proibida e punida por uma lei penal.
48.- O arguido AA, tendo, embora, nascido em Cali, na Colômbia, por virtude de uma deslocação que aí fizeram os seus pais, viveu com estes nos Estados Unidos e após frequentar o equivalente ao 12º. ano do sistema de ensino português, frequentou um curso técnico de electromecânica na área de aeronáutica.
Em 1992 foi condenado na pena de cinco anos de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes e quando foi restituído à liberdade, no ano de 2000, foi para a Colômbia, e daqui para Espanha, vindo a fixar residência em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, casando aí com uma cidadã espanhola.
Explora um bar/discoteca, dizendo retirar desta actividade um rendimento mensal de seis mil a sete mil euros.
Costuma participar em provas de motociclismo, deslocando-se por diversos Países, dentro e fora da Europa, acompanhando os calendários dos vários circuitos.
Durante o período de reclusão que já leva tem recebido o apoio da mulher.
Desde Março do ano em curso que exerce funções no sector da faxina da enfermaria do Estabelecimento Prisional onde se encontra detido.
49.- O arguido BB confessou os factos em que teve intervenção directa. Esta confissão foi relevante para o apuramento de situações e ligações entre os principais arguidos, e mostrou-se arrependido.
É casado e tem dois filhos menores, um com 15 e outro com 19 anos, que estudam. A esposa sofre de uma doença cancerígena grave.
Depois de se ter metido em dois negócios que correram mal, passou a viver com o auxílio de familiares e amigos e, por isso, foi viver para a Espanha, onde começou a desenvolver uma actividade ligada à compra e venda de máquinas, que ele próprio reparava, comprando e vendendo ainda outros artigos e produtos, designadamente, café, sendo com os lucros desta actividade que fazia face às despesas com o agregado familiar.
Tem pendentes no Tribunal de Braga diversos processos contra si, relacionados com dívidas relativas àqueles dois negócios.
Agora a família vive das ajudas dos familiares e de um amigo espanhol – a testemunha J... J... D......
Frequentou o 12º. ano de escolaridade. (…)
53.- O veículo automóvel “AUDI” A4, de matrícula ...-...-IH, estando, embora registado em nome do pai do arguido BB, é a irmã P... M... P... C... quem o possui e utiliza diariamente. Quando o arguido lho pediu, ficou convencida que ele o ia utilizar no transporte de café, por saber que ele comerciava com este produto, nunca tendo representado como possível que ele o viesse a utilizar no transporte de produtos estupefacientes caso em que nunca lho emprestaria.
Considerou-se não provado:
A) – A vivenda sita na Rua dos ........ tivesse sido arrendada pelo valor de € 1.600 mensais.
B) – Tenha sido o arguido AA sozinho a decidir efectuar o transporte de algum do produto estupefaciente para Espanha.
C) – Tenha sido o arguido AA a ordenar ao FF para contactar com o arguido BB.
D) – Tenha sido o arguido AA a dar instruções ao arguido BB para se dirigir até à estação de São Simão.
E) – O arguido AA usasse o telemóvel “NOKIA” com o IMEI nº. ......., em Julho de 2005, quando foram aí recebidas as seguintes mensagens:
- “OS PAINEIS DAS PORTAS TRASEIRAS É ONDE HÁ MAIS ESPAÇO, AS DA FRENTE SÃO MAIS LADILHAS”, datada de 12-07-2005;
- “DEBAIXO DOS FORROS DA CADEIRA DE LU OU PELO PLÁSTICO POR BAIXO DA CADEIRA. METE A MÃO BAIXO TABULEIRO. AÍ HÁ MAIS ESPAÇO”, datada de 12-07-2005;
- “NÃO ENTENDI CONSEGUISTE UM CLIO E NÃO PODES DEIXAR O FOCUS E 2 DIAS CUSTAM 410? 410 POR 2 DIAS DO CLIO?”, datada de 14-07-2005;
- “JÁ DESMONTASTE A PORTA? O PROBLEMA É QUE ELE TERIA DE IR NO CLIO COM LU PARA METER O “PARA” E POR TER MATRÍCULA ESPANHOLA É MENOS PROVÁVEL QUE PAREM ISSO. DIGO EU.”, datada de 14-07-2005; (…)
G) – O arguido BB, ao disponibilizar-se a realizar o transporte daquele produto estupefaciente para Espanha, tivesse conhecimento da actividade de tráfico de estupefacientes levada a cabo por aquele grupo, contribuindo, deste modo, à sua distribuição, o que quis e fez.

A Relação, conforme já ficou referido, eliminou do elenco dos factos provados os factos nºs 3 e 42 e deu aos factos nºs 1, 4, 7, 10, 18, 44 e 45 a seguinte redacção:

1.- Em data não concretamente apurada, o arguido AA e FF decidiram associar-se para se dedicarem, com regularidade, à venda lucrativa de produtos estupefacientes, utilizando o território nacional como plataforma logística para a introdução de grandes quantidades de cocaína que, posteriormente seria distribuída pela Europa.
4.- Assim, o referido FF, através dum indivíduo referenciado por “El Marico”, contactou o arguido BB para efectuar, pelo menos, dois transportes de cocaína de Esposende, onde estava guardada, até à Galiza, mediante o pagamento de uma quantia, que previamente fixaram.
7.- Nos inícios do mês de Abril de 2006 o arguido AA e o FF decidiram efectuar o transporte de, pelo menos, parte daquele produto estupefaciente para Espanha, tendo este, então, através de interposta pessoa, contactado o arguido BB, como acima se refere.
10.- De facto, este arguido BB, na sequência de outras conversas anteriores, tinha sido contactado por alguém actuando às ordens do referido FF, em finais de Março de 2006, para proceder, pelo menos, a dois transportes de produtos estupefacientes para Espanha, mediante o pagamento do valor global de cerca de € 15.000,00, em dinheiro e em produtos da “Gillette”, mercadoria que aquele arguido venderia, ficando para si com a receita que obtivesse.
18.- Em seguida, o mesmo arguido atravessou a pé a estrada e passados alguns momentos verificou que alguém trazia o “Audi A4” de volta, parando a uns metros de si, pelo que voltou a introduzir-se nele e conduziu-o novamente até Vila Nova de Famalicão, no local que fora previamente indicado, para se efectuar novo carregamento.
44.- Ao actuarem pelas formas descritas os arguidos pretendiam obter compensação remuneratória.
45.- Os arguidos AA, CC, DD e EE conheciam as características estupefacientes da cocaína. O arguido BB sabia que transportava droga. Embora não conhecendo a qualidade concreta da mesma, sabia que se tratava de uma das drogas mencionadas nas tabelas I a III anexas ao Dec.-Lei 15/93. Todos sabiam que a aquisição, transporte, detenção, manipulação e venda deste tipo de produtos são proibidos, mas não se abstiveram de agir do modo descrito, o que quiseram e fizeram.

Recurso do arguido AA

São as seguintes as questões colocadas pelo arguido:
a) Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia quanto ao alegado vício do art. 410º, nº 2, a) do CPP;
b) Não verificação de factos subsumíveis ao art. 24º, c) do DL nº 15/93;
c) Medida da pena.

A) Nulidade do acórdão

Segundo o recorrente, o acórdão recorrido incorre no vício da al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada), porque, em seu entender, não ficou suficientemente esclarecido quem procedeu ao arrendamento das casas referidas na matéria de facto.
Esta questão está, porém, subtraída ao conhecimento deste STJ. Conforme jurisprudência uniforme deste Tribunal, após a reforma do CPP de 1998, que pôs termo ao recurso de “revista alargada” para o STJ, criando em sua substituição um recurso em matéria de facto para a Relação, os vícios indicados no nº 2 do art. 410º do CPP deverão ser impugnados junto da Relação, que decide nessa matéria em última instância, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos mesmos pelo STJ, quando detectados, nos termos do art. 434º do CPP.
Da análise a que se procedeu da matéria de facto, nenhum vício foi encontrado.
Prejudicada está, portanto, esta questão suscitada pelo recorrente.

B) Qualificação dos factos

Considera o recorrente que não é possível subsumir os factos à al. c) do citado art. 24º, porque não se apurou qual era o lucro que ele iria auferir, sendo insuficiente para essa subsunção o volume da droga em jogo, quando não se sabe, como é o caso, que espécie de comparticipação é que vai obter.
Nos termos da citada norma, o crime de tráfico de estupefacientes é agravado quando “o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória”.
A verificação da agravação não depende, contudo, como aliás o recorrente reconhece, de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestina da actividade.
O carácter “avultado” da remuneração terá que ser avaliado mediante a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente.
Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o nível de organização da actividade e da sua logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada.
“Avultada” será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.
No caso dos autos, constatamos que o recorrente se associou com outro indivíduo para, com regularidade, se dedicarem à venda lucrativa de estupefacientes, “utilizando o território nacional como plataforma logística para a introdução de grandes quantidades de cocaína que, posteriormente, seria distribuída pela Europa” (nº 1 da matéria de facto).
Sendo assim “grandioso” o projecto, o arguido e o seu comparsa organizaram uma rede de apoio e uma estrutura logística constituída por duas casas para guardar o estupefaciente, tendo obtido, por forma não apurada, uma quantidade de cocaína que rondava as 6 toneladas (5.515 quilos encontrados numa das casas, outros 197 quilos transportados para Espanha, e ainda quantidade desconhecida, mas que deveria ser de idêntico montante, transportada para o mesmo país), quantidade essa de um tal volume que revela incontestavelmente um tráfico de dimensão enorme e excepcional.
São estes factores de natureza objectiva que induzem, necessariamente, a conclusão de que o arguido procurava uma compensação remuneratória muito avultada.
Assim, nenhuma censura há a fazer à integração dos factos na al. c) do art. 24º do DL nº 15/93.

C) Medida da pena

Pretende o recorrente que a pena em que se encontra condenado seja reduzida para 9 anos de prisão, mercê da desqualificação do crime, ou, caso assim se não entenda, que seja reduzida para 10 anos e 6 meses de prisão.
Invoca a seu favor a sua inserção social e familiar, desvalorizando a anterior condenação por tráfico de estupefacientes, por se reportar ao ano de 1992.
Perante a posição já tomada de manter a subsunção dos factos ao art. 24º, c) do DL nº 15/93, subsistirá apenas a pretensão do arguido de redução da pena para 10 anos e 6 meses de prisão.
Mas nem essa redução se mostra admissível. Na verdade, por um lado, a ilicitude do facto é elevadíssima, face à enorme quantidade de estupefaciente em causa, mesmo no quadro do crime de tráfico agravado, que é punido com uma moldura de 5 anos a 15 anos de prisão, de forma que a pena não poderá deixar de se situar próximo do limite máximo.
São também notórias as exigências da prevenção geral, tão evidentes que não é necessário enfatizá-las.
Acresce que o arguido já conta com antecedentes criminais nesta área criminal e a sua forma de actuação revela um evidente profissionalismo, a par de uma culpa intensa.
As atenuantes invocadas são de pouco ou nenhum valor, sabido como é que a inserção social e familiar não são invulgares nos agentes deste tipo de criminalidade quando a assumem como “empresários”, como organizadores e donos do negócio.
Sendo assim, mostra-se inteiramente adequada a pena de 12 anos de prisão em que o recorrente AA vem condenado.
Improcedem, pois, todas as questões suscitadas por este arguido no seu recurso.

Recurso do arguido BB

São as seguintes as questões colocadas por este arguido:
a) Violação do princípio in dubio pro reo;
b) Violação do princípio da proibição da reformatio in pejus;
c) Prática da infracção como cúmplice e não como autor;
d) Aplicação da atenuação especial do art. 31º do DL nº 15/93;
e) Medida e suspensão da pena.

A) Violação do princípio in dubio pro reo

Considera este recorrente que foi violado o aludido princípio pela Relação, porquanto, tendo dado como certo que ele não sabia a quantidade de droga que transportava, não podia concluir “não ser pensável que o arguido tivesse imaginado que eram apenas um ou dois quilos”, nem que “para transportar essa quantidade não seria necessário um Audi A4, nem muito menos duas viagens”, nem ainda que o recorrente “representou que eram, necessariamente, algumas dezenas de quilogramas”.
Entende que foi ainda violado aquele princípio quando o Tribunal, depois de reconhecer que o recorrente não sabia qual a droga que transportava, concluiu que ele “não podia deixar de saber que a droga que aceitou transportar seria uma das que a lei pune de forma mais grave.”
O princípio in dubio pro reo estabelece, como é sabido, que, perante a persistência de uma dúvida razoável, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido.
Sendo um princípio atinente à produção da prova, o STJ apenas poderá pronunciar-se pela sua violação quando, com base nos elementos constantes dos autos, nomeadamente a matéria de facto e sua fundamentação, e guiando-se pelas regras da experiência comum, for visível e inequívoco que, perante as dúvidas razoáveis que a prova suscitava, o tribunal decidiu contra o arguido.
Vejamos agora o caso dos autos.
Compulsando a matéria de facto, constata-se que este recorrente foi contactado para transportar para Espanha, por duas vezes, parte do estupefaciente que o co-arguido AA e outro indivíduo detinham, mediante o pagamento de 15.000 € e ainda produtos da Gillette no valor de 10.000 a 11.000 € (nºs 7 e 10).
Um primeiro transporte por automóvel, conduzido por si, é efectuado pelo recorrente no dia 6.4.2006 de quantidade não apurada de cocaína (nºs 14-17) e um segundo é por ele realizado no dia seguinte, nas mesmas circunstâncias, transportando então 197 quilos de cocaína (nºs 20-27).
Segundo o nº 45 da matéria de facto da 1ª Instância, o recorrente, como todos os outros arguidos, conhecia bem as características da cocaína. Este número foi, porém, modificado pela Relação, que apenas considerou provado, quanto a este recorrente, que ele sabia que transportava “droga”, não conhecendo a qualidade concreta da mesma, mas sabendo que se tratava de uma das drogas mencionadas nas tabelas I a III anexas ao DL nº 15/93.
A Relação justificou assim a sua decisão:

Todo o circunstancialismo fáctico indica-nos que o arguido foi contratado para ser aquilo a que vulgarmente se chama um “correio de droga”. Dizem-nos as regras da experiência que, normalmente, quem contrata o “correio” tem o cuidado de não deixar que ele conheça de onde vem a droga ou quem é o seu dono. Percebe-se que assim seja. Não pertencendo o “correio” ao núcleo de pessoas que detém e decide o destino da droga, nem sendo da sua confiança, há que acautelar a possibilidade de ele ser detido e dispondo-se a colaborar com as autoridades, revelando quem o contratou e onde está a fonte da droga.
Resulta dos factos provados que também foi assim no caso destes autos. O arguido entregava o Audi A4 vazio, que depois lhe era devolvido já com o carregamento de droga e com indicações do sítio exacto onde devia deixar o veículo, para que alguém “recebesse”a droga. Depois o Audi 4 era-lhe devolvido outra vez vazio.
No julgamento, o BB aceitou que sabia que era droga que ia transportar, mas não afirmou conhecer a espécie da mesma. Veja-se fls. 30 do volume 5 da transcrição, em que refere que quem o contratou lhe “falou em «merda»”, que é um termo vulgarmente usado para designar a generalidade dos estupefacientes. Tendo-lhe sido perguntado pelo sr. Juiz presidente, “Sabe o que transportou?”, respondeu “não vi o primeiro e não vi o segundo”. Trata-se de pormenor de interesse residual, mas, tendo o colectivo atribuído credibilidade ao que disse este arguido, não pode deixar de lhe ser dada razão.
Uma ressalva, no entanto, tem de ser feita. Este arguido não podia deixar de saber que a droga que aceitou transportar seria uma das que a lei pune de forma mais grave. As alternativas que se vislumbram, dado todo o envolvimento fáctico, é que se trataria de cocaína, heroína ou “haxixe”, em qualquer das modalidades em que estas drogas são transaccionadas. Nenhum sentido faria, face às regras da experiência, que com tantos cuidados e sigilos a envolver o transporte, este arguido tenha pensado que se tratava de uma das drogas mencionadas na tabela IV anexa ao Dec.-Lei 15/93.

Muito claro e fundamentado se mostra o juízo da Relação. Em face da posição de “correio” que o recorrente foi chamado a desempenhar, e sabido como é, de acordo com as regras da experiência comum, que os “correios” normalmente apenas têm conhecimento dos factos estritamente essenciais ao cumprimento da sua “missão”, é natural que o recorrente apenas soubesse o lugar do destino do transporte, ignorando a identidade do receptor.
Já seria inaceitável, de acordo com as mesmas regras, que o recorrente ignorasse de todo o que transportava, e ele próprio reconheceu que sabia que era “droga”.
Mas que droga? A Relação, ao contrário da 1ª Instância, entendeu considerar provado que ele não sabia que era cocaína, mas que, em qualquer caso, saberia que era um dos estupefacientes incluídos nas tabelas I a III do DL nº 15/93.
Considerou a Relação que a credibilidade que, em geral, foi atribuída às declarações do recorrente impunha aceitar o seu alegado desconhecimento da espécie de droga transportada. Mas simultaneamente entendeu a Relação, guiando-se mais uma vez pelas regras da experiência comum, que seria destituído de sentido rodear de tantos cuidados e sigilo o transporte caso o estupefaciente transportado fosse um dos indicados na tabela IV.
Este juízo afigura-se inteiramente justo e lógico. Se é perfeitamente natural que o recorrente não soubesse muitos pormenores sobre o transporte que iria realizar, não podia deixar de saber, pelo carácter sigiloso da conduta, pelos cuidados que a envolviam, pela remuneração elevada que ele próprio iria receber, que se tratava de um transporte de droga (ele o reconheceu, como ficou referido) e que se tratava necessariamente de um estupefaciente valioso, dos mais valiosos, e portanto daqueles cujo tráfico é mais severamente reprimido.
Considera ainda o recorrente violado o princípio in dubio pro reo na medida em que considerou, por um lado, que ele não sabia que quantidade de droga transportava, mas, por outro, que representou necessariamente que eram algumas dezenas de quilogramas.
Com efeito, a Relação considerou:

O arguido Paulo Correia fez dois transportes de drogas para Espanha. No segundo levava 197 Kgrs. de cocaína. É certo que era apenas um correio e não ficou provado que soubesse ao certo quanta droga levava, mas não é pensável que tivesse imaginado que eram apenas um ou dois quilos. Para transportar essa quantidade não seria necessário um Audi A4, nem, muito menos, duas viagens. Não pode deixar de se considerar que ele, embora não soubesse ao certo a quantidade que transportava, representou que eram, necessariamente, algumas dezenas de quilogramas.

Estas considerações são, também elas, inteiramente correctas. Sabendo-se que, da segunda vez, o recorrente transportava 197 kg de estupefacientes, natural é que o primeiro “carregamento” tivesse sido de idêntica dimensão. Aliás, as regras da experiência comum mostram que a utilização de um automóvel, por proporcionar um carregamento de médio ou mesmo grande volume de “mercadoria”, se destina precisamente a efectuar um transporte dessa dimensão.
Nenhuma incongruência encerra este raciocínio. Nenhuma extrapolação ilegítima envolve.
Assim, nenhuma violação do princípio in dubio pro reo se detecta na decisão recorrida.

B) Reformatio in pejus

Pretende o recorrente que se violou a regra da proibição da reformatio in pejus, porque, tendo havido desqualificação do crime, manteve-se a pena aplicada na 1ª Instância.
Efectivamente, o recorrente foi condenado na 1ª Instância como co-autor de um crime do art. 24º, c) do DL nº 15/93, tendo a Relação procedido à desqualificação do crime para o do art. 21º do mesmo diploma, mantendo no entanto a pena anteriormente fixada: 7 anos de prisão.
A Relação considerou que essa era a pena adequada dentro da moldura penal do art. 21º e considerou ainda que a sua manutenção não violava o dito princípio, porque não se verificou o agravamento da medida da pena.
Com efeito, o princípio da proibição da reformatio in pejus, estabelecido no art. 409º do CPP, apenas impede que o tribunal superior, no caso de recurso interposto pelo arguido ou pelo MP em benefício do arguido, agrave a pena, quer na sua espécie, quer na sua medida.
No caso dos autos, não houve qualquer agravação, pois a pena foi mantida. Aliás, não haveria obstáculo legal à agravação da pena, pois o MP também recorreu, pedindo a agravação da pena, embora no quadro do art. 24º do DL nº 15/93.

C) Cumplicidade

Defende o recorrente que os factos por eles praticados constituem-no como cúmplice, e não como autor, do crime imputado, pois a sua intervenção foi secundária e acessória, como “correio” ocasional, não tendo o domínio do facto.
Esta argumentação é totalmente improcedente. Nos termos do art. 26º do Código Penal (CP), é autor quem pratica actos executivos da infracção. Ora, de acordo com o art. 21º do DL nº 15/93, o transporte de estupefacientes é um acto executivo do crime Texto do nº 1 desse artigo: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.” (sub. nosso).
Donde, o arguido, ao efectuar dois actos de transporte de estupefacientes, interveio como autor, e não como mero cúmplice, da infracção.


D) Art. 31º do DL nº 15/93

Defende ainda o recorrente que, tendo em conta a sua confissão e a relevante colaboração que prestou às autoridades de investigação e às judiciárias, o arrependimento, a falta de antecedentes criminais e a sua inserção social e familiar, deveria beneficiar da atenuação especial prevista no art. 31º do DL nº 15/93.
É a seguinte a redacção desse preceito:

Se, nos casos previstos nos artigos 21°, 22º, 23° e 28°, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.

Esta norma premeia a desistência activa e também a colaboração relevante na investigação criminal. Necessário é, porém, neste segundo caso, que as provas fornecidas pelo agente sejam decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis.
Do nº 49 da matéria de facto consta que o recorrente confessou os factos em que teve intervenção directa e que essa confissão foi relevante para o apuramento de situações e ligações entre os principais arguidos.
A colaboração do recorrente terá sido relevante. Mas não foi decisiva para a identificação dos outros arguidos, já referenciados pelas autoridades.
Tanto obsta à aplicação da atenuação especial previsto no citado preceito.

E) Medida da pena

A inviabilidade da atenuação especial não obsta, porém, a que se repense a medida da pena, atentas as atenuantes apuradas, valoradas em termos gerais.
Na verdade, a confissão do arguido assumiu relevo não só relativamente aos factos que lhe eram imputados, como contribuiu relevantemente “para o apuramento de situações e ligações entre os principais arguidos”, o que não pode deixar de beneficiar o recorrente, havendo ainda que atender ao arrependimento demonstrado.
Justifica-se, assim, uma redução da pena em que vem condenado.
Ponderando a globalidade das circunstâncias, considera-se adequada a redução da pena em um ano de prisão.
Prejudicada fica a questão da suspensão da pena, face ao disposto no art. 50º, nº 1 do CP.


III. DECISÃO

Com base no exposto, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso do arguido AA;
b) Conceder provimento parcial ao recurso do arguido BB, condenando-o na pena de 6 (seis) anos de prisão;
c) Confirmar, no mais, o acórdão recorrido;
d) Condenar o arguido AA em 12 UC de taxa de justiça;
e) Condenar o arguido BB em 6 UC de taxa de justiça.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2008

Maia Costa (Relator)
Pires da Graça