Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
679/19.0T8OER.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO
Sumário :
Exceptuados os três casos previstos no artigo 854.º do Código de Processo Civil, o recurso de revista de decisões proferidas em processo executivo depende da invocação de algum dos casos em que o recurso seja sempre admissível.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: AA

Recorrida: BB

I. — RELATÓRIO

1. AA intentou a presente acção executiva contra BB.

2. Em 6 de Novembro de 2019, o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo, atendendo ao disposto no artigo 81.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

3. Inconformado, o Exequente AA interpôs recurso de apelação.

4. Em 21 de Dezembro de 2020, o Exmo. Senhor Juiz Desembargador relator proferiu decisão singular, julgando totalmente improcedente o recurso e confirmando o despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância.

5. Inconformado, o Exequente AA reclamou para a conferência.

6. Em 28 de Outubro de 2021, a conferência proferiu acórdão, confirmando a decisão singular.

7. Inconformado, o Exequente AA interpôs recurso de revista.

8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1 - A privação decorrente do artº 81º do CIRE, não deve ser vista como sendo uma manifestação de qualquer incapacidade ou ilegitimidade, mas sim como de indisponibilidade relativa;

2 - Tal privação não abrange os bens e direitos excluídos da massa insolvente;

3 - O bem penhorado nos autos não integra a massa insolvente, desde logo porque não é propriedade do Recorrente;

4 - A presente execução foi movida pelo Recorrente/Insolvente para cobrança de um crédito seu;

5 - Situação que não se integra no campo de previsão do artº 81º do CIRE;

6 - A douta decisão recorrida assenta num erro manifesto ao tomar o bem penhorado como pertencente à massa insolvente, o que constitui uma nulidade como disposto nos artºs 616ºnº2 e 666º do CPC;

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

9. Em 12 de Fevereiro de 2024, foi proferido o despacho previsto no artigo 655.º do Código do Processo Civil.

10. O Recorrente respondeu ao despacho previsto no artigo 655.º do Código do Processo Civil nos seguintes termos:

1 - O Recorrente apresentou o presente procedimento executivo, para cobrança de um crédito que lhe foi reconhecido por sentença transitada em julgado;

2 - A 1ª Instância veio a rejeitar liminarmente tal requerimento, por falta de capacidade judiciária do exequente, sustentando, em síntese, que o mesmo está declarado insolvente e que, nos termos do artº 81º nºs 2, 4 e 6 do CIRE, a sua representação para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, nos quais se insere a execução movida, cabe ao administrador de insolvência.

3 - O Exequente recorreu da decisão reportada, alegando, essencialmente, que a privação decorrente do artº 81º do CIRE, não deve ser vista como sendo uma manifestação de qualquer incapacidade ou ilegitimidade, mas sim como de indisponibilidade relativa e que a mesma não abrange os bens ou direitos excluídos da massa insolvente.

4 - Ora, o Tribunal da Relação no douto Acórdão proferido sobre a Apelação, veio dizer: “Concordamos com a posição que o insolvente, pelo facto de ser declarado como tal, não sofre de qualquer incapacidade ou ilegitimidade jurídica. Ocorre uma limitação nos seus direitos reais civis, que pode ser apelidada de indisponibilidade relativa, que radica na transferência dos seus poderes de administração e disposição de bens suscetíveis de penhora, mormente os imóveis, o que na prática implica a inutilidade (superveniente) de qualquer ação que lhe seja dirigida, como é a presente”;

5 - Mais adiantando, “O bem indicado para penhora (tudo indica) é o imóvel noticiado a fls.29.

Ora concordando, também aqui, com a asserção da 2ª Questão, não temos, contudo, elementos para saber se tal imóvel faz ou não parte da massa insolvente. E não havendo prova nesse sentido, temos de presumir que faz”.

6 - E assim o Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão do Tribunal de 1ª Instância;

7 - Embora os motivos encontrados sejam absolutamente distintos;

8 - Salvo o devido respeito, é evidente que o Acórdão citado contém um erro manifesto: foi entendido que a execução era movida contra o insolvente e que o bem nesta penhorado lhe pertencia;

9 - Quando o que sucede, é que esta é uma execução desencadeada pelo insolvente para cobrança de um crédito que lhe foi reconhecido e o bem penhorado pertence ao terceiro/devedor;

10 - Logo, não é visado nestes autos, qualquer bem integrante da massa insolvente, nem está em causa a indisponibilidade respeitante à transferência dos poderes de administração e disposição daquele património;

11 - Então, o Recorrente requereu a reforma do Acórdão, nos termos dos artºs 616ºnº2 e 666º do CPC;

12 - Todavia, o Tribunal da Relação entendeu que os autos “apresentam decisão final suscetível de recurso para o Supremo Tribunal. Não se verifica a possibilidade de qualquer reforma do decidido”.

13 - Foi esta última resolução que induziu à presente Revista.

14 - Face ao exposto e caso se conclua que o Recurso não é admissível, deverá ser determinada a devolução do processo ao Tribunal da Relação, para decisão em conferência da arguição de nulidade produzida, como disposto no artº 666º nº2 do CPC.

11. A Recorrida não respondeu ao despacho previsto no artigo 655.º do Código do Processo Civil.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

12. A admissão do presente recurso de revista confronta-se com dois obstáculos.

13. Em primeiro lugar, deve atender-se ao disposto no artigo 854.º do Código de Processo Civil:

Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.

14. A decisão impugnada não corresponde a nenhuma das três situações previstas no artigo 854.º do Código de Processo Civil.

15. O Recorrente não invocou nenhum dos casos em que o recurso é sempre admissível para superar o obstáculo à admissão da revista oposto pelo artigo 854.º.

16. Em segundo lugar, ainda que não devesse atender-se ao disposto no artigo 854.º, sempre deveria atender-se ao disposto no artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil:

3. — Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

17. O Tribunal da Relação confirmou, por unanimidade, a decisão e a fundamentação da decisão proferida na 1.ª instância.

18. Embora o Recorrente alegue que a fundamentação das duas decisões é essencialmente diferente, a verdade é que não se encontra, entre a fundamentação da sentença e a fundamentação do acórdão, nenhuma diferença que deva ser qualificada como essencial.

19. A ratio decidendi foi, em ambas as decisões, a privação dos poderes de administração e de disposição do insolvente, determinada pelo artigo 81.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

20. O Recorrente não invocou nenhum dos casos em que o recurso é sempre admissível — artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou em que, ainda que não seja sempre admissível o recurso, é admissível a revista excepcional — artigo 672.º do Código de Processo Civil.

21. Em consequência da aplicação conjugada dos arts. 671.º, n.º 3, e 854.º do Código de Processo Civil, o recurso de revista deve julgar-se inadmissível.

22. A decisão sobre a inadmissibilidade do recurso de revista deve em todo o caso entender-se sem prejuízo da eventualidade de o Tribunal da Relação conhecer da arguição das nulidades ou do requerimento de reforma, ao abrigo do artigo 617.º, n.º 5, do Código de Processo Civil 1.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso.

Custas pelo Recorrente AA.

Lisboa, 14 de Março de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Sousa Lameira

Nuno Ataíde das Neves

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1. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 470/15.2T8MNC.G1-A.S1 —, de 10 de Dezembro de 2020 — processo n.º 85/12.7TVLSBL2.S1 —, de 18 de Janeiro de 2022 — processo n.º 6798/16.7T8LSB-A.L2.S1 — ou de 30 de Maio de 2023 — processo n.º 25868/21.3T8LSB-A.L1-A.S1.