Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | URBANO DIAS | ||
| Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | SJ20071218044041 | ||
| Data do Acordão: | 12/18/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | 1 – Decretada a falência de uma firma, ao abrigo do disposto no art. 164º-A, nº 1 do CPERRF, extingue-se automaticamente o contrato-promessa firmado entre os seus sócios e terceiro relativo à cessão das respectivas quotas. 2 – Daí que seja ilegítima qualquer pretensão daqueles em relação a este com base em alegado incumprimento formulada posteriormente à data em que a falência foi decretada. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório CC e mulher, BB, e CC e mulher, DD, intentaram, no Tribunal Judicial de Santo Tirso, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra EE e mulher, FF, pedindo que estes: a) Sejam solidariamente, por ter sido aceite a substituição dos avales por parte dele R., condenados no pagamento da quantia de 46.919,87€, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa de 7% ao ano, prevista na execução melhor identificada em 16º e ss. da petição inicial (Caja de Ahorros de Salamanca Y Soria (Caja Duero), Sucursal Operativa); b) Sejam solidariamente, por ter sido aceite a substituição dos avales por parte dele R. nas supra citadas livranças, condenados no pagamento da quantia de 87.498, 46 € acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa de 7% ao ano, prevista na execução melhor identificada em 16º e ss. da petição inicial sob o número 50575 (BANCO NN, S.A.); c) Sejam solidariamente, por ter sido aceite a substituição dos avales por parte dele R., condenados no pagamento da quantia de 15.968,14€, acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa anual de 4%, prevista na execução melhor identificada em 16º e ss. da petição inicial (MC Leasing – Sociedade de Locação Financeira, S.A., agora Banco SS, Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A.); d) Sejam solidariamente condenados a pagar aos primeiros AA. a quantia de 375.000€ por danos não patrimoniais causados; e) Sejam solidariamente condenados a pagar aos segundos AA. a quantia de 125.000 € por danos não patrimoniais causados. Contestaram os RR., pugnando pela improcedência da acção. Na réplica, os AA. contrariaram a defesa excepcional dos RR. e aproveitaram para alterar o pedido nos pontos a), b) e c) da petição de molde a estes serem condenados na seguinte forma: a) Condenação no pagamento solidário daquilo que os AA. já pagaram resultante dos avales, ou seja, até à presente data o montante de 27.845€; b) Condenação a substituir os avales prestados pelos AA. às seguintes instituições financeiras: MC Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A. (Santander); BANCO NN, S.A., e Caja Duero, Caja de Ahorros de Salamanca e Sorya, inerente a obrigações contraídas junto dessas instituições por AC, Lda.; c) Condenação a pagar aos AA. as quantias que a estes forem exigidas por aqueles bancos em razão dos avales prestados pelos AA. às seguintes instituições financeiras MC Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A. (Santander); BPN, BANCO NN, S.A., e Caja Duero, Caja de Ahorros de Salamanca e Sorya, a liquidar em execução de sentença. Manterem, no entanto, tudo o mais inicialmente peticionado. Concomitantemente, requereram a intervenção de MC Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A. (Santander), BANCO NN, S.A. e Caja Duero – Caja de Ahorros de Salamanca e Sorya, mas este pedido acabou por ser indeferido. No saneador, foi julgada improcedente a arguida excepção de ilegitimidade, tendo o processo, após selecção de factos provados e controvertidos, seguido para julgamento, findo o qual foi proferida sentença a julgar a acção improcedente. Irresignados, os AA. apelaram, sem êxito, para o Tribunal da Relação do Porto. Face à decisão confirmatória deste Tribunal, os AA. pedem, ora, revista (incorrectamente intitularam-se agravantes no intróito da sua minuta!!!), a coberto de conclusões extensas, confusas, prolixas, desconexas, impertinentes até algumas delas, em total desrespeito pela estatuição do disposto no art. 690º, nº 1 do CPC (“o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão”) e do princípio da cooperação de todo nosso sistema processual civil (cfr. art. 266º do diploma legal acabado de citar), que se seguem (num breve parêntesis, diremos que não olvidamos, o relator certamente não olvidou, o disposto no nº 4 do mesmo preceito legal, mas pretendeu afirmar o princípio da celeridade processual, entendidas as questões subjacentes ao recurso). São as seguintes: 1) O acórdão recorrido não conheceu de um recurso que, salvo o devido respeito, merecia provimento pois recusou o direito à indemnização e créditos dos ali apelantes, estes derivados do incumprimento do contrato de promessa, por entender que os mesmos não têm, in casu, aplicação. 2) O acórdão ao remeter para a sentença de 1ª instância comete o mesmo erro e contradiz-se ao assumir que o negócio de cessão de quotas tornou-se impossível por esvaziamento do objecto e por essa via não admitir a assunção dos avais por serem adjacentes ao negócio e depois refere que ambas as questões são autónomas não dependendo uma da outra, ou melhor “... A assunção de dívidas não tem como pressuposto de vigência que o R. marido pode vir a ser sócio dessa sociedade”. 3) Há independência no negócio de assunção das dívidas originadas pelos avais prestados pelos recorrentes e a cedência das quotas, uma não depende da outra e são ambas autónomas. 4) Essa autonomia é tão clara que foram os próprios recorrentes a terem de pagar as dívidas que tiveram origem nos avais por eles prestados ainda que depois da sociedade ter sido declarada falida. 5) Em concreto estamos em sede de relações autónomas próprias do aval o que poderia até admitir-se a diferenciação caso fosse uma assunção derivada de uma fiança. 6) Ainda que no contrato referisse que estes avais derivam das quotas e lhes são inerentes os mesmos gozam de autonomia face a relação que lhe subjaz e por essa via a negociação da assunção derivada dos mesmos goza dessa mesma autonomia. 7) Ora, pressuposto dessa autonomia devia o recorrido ter assumido essa obrigação, ou melhor, cumprido a mesma. 8) É manifesto que o recorrido incumpriu o contrato de promessa. 9) Esse incumprimento se deu aquando da sua não comparência para outorga da escritura de cessão quotas, não assumiu o que havia prometido assumir. 10) Podia e devia ter o recorrido analisado todos os pressupostos contratuais antes de subscrever o contrato de promessa de cessão de quotas e sua adenda onde refere a assunção das obrigações de substituição dos avais prestados pelos recorrentes em obrigações derivadas dos empréstimos que a sociedade contraíra e os quais ele recorrido tinha o perfeito conhecimento e não se coibiu de assinar os contratos (adendas). 11) O recorrido ao outorgar em 17/8/2000 os aditamentos sabia que os recorrentes haviam autorizado as instituições melhor referidas a folhas 550 da sentença de primeira instância e reproduzida pelo acórdão aqui em causa, a preencher as livranças avalizadas por aqueles. Não podia por essa via ignorar a que estava sujeito caso o negócio se deteriorasse. 12) Mesmo depois de algum tempo de assinado o “contrato de promessa”, assinou os seus aditamentos e, nesse momento, caso houvesse dúvida no negócio poderia ter-se recusado a assiná-los justificadamente. 13) O recorrido poderia ter lançado mão da recusa da assinatura do contrato com base na falta das condições que se previam na altura da promessa, ao abrigo dessa falta de condições sempre haveria fundada recusa na outorga da escritura de cessão de quotas, ainda que a assunção da posição de avalista não dependa, em nosso entender e salvo melhor opinião, da cessão de quotas. 14) Dispõe o art. 272° do CC que “aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte” 15) O recorrente CC procedeu com a notificação judicial avulsa antes da sociedade ter sido declarada falida, antes mesmo do pedido da falência da mesma, o acórdão (por remeter-se à sentença) não poderia divagar que a sociedade já não existia de facto e pelos ditames da boa-fé dar razão ao recorrido. 16) A sociedade à data da assinatura dos contratos estava em plena laboração e não tinha nenhuma dívida vencida e não paga. 17) O recorrido deveria ter cumprido com a promessa que havia feito e outorgado a escritura de cessão de quotas na data marcada. 18) Deveria, ainda que de forma autónoma, assumir os avales prestados pelos aqui recorrentes. 19) Ao não cumprir tal obrigação ele recorrido incumpriu directamente o art. 397° do C.C. que acabou o acórdão por aceitar tal incumprimento, ao nosso ver mal, ainda que respaldado, também mal, na dita boa-fé. 20) Os recorridos remeteram-se ao silêncio, nunca justificaram o motivo da recusa da outorga da escritura. 21) Nunca, seja de que forma for, invocaram a nulidade do contrato para justificar a sua não outorga. 22) Agiu assim o recorrido com má-fé, limitando-se ao silêncio para justificar o incumprimento do contrato de promessa. 23) Não se compreende, porque a violação clara do previsto no número 1 do artigo 406° do Código Civil "O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei” logrou na impunidade para os recorridos. 24) Não houve extinção do contrato por mútuo consentimento das partes. 25) Não existe previsão legal, para o presente caso, para que o mesmo se extinga. 26) Temos de ver que não existiam motivos de extinção do mesmo à data da marcação da escritura de cessão de quotas. 27) Pacta sunt servanta. 28) Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód.Civil Anot., Vol. I, 4ª ed., pág.258, “apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto indeterminável, mas não os de objecto indeterminado. São de objecto indeterminado, por exemplo, as obrigações genéricas ou alternativas”. 29) Sempre se diz o mesmo no que toca o negócio da assunção das obrigações derivadas da assunção dos avais, trata-se de forma pura a assunção de uma obrigação e como tal deveria ter sido cumprida. 30) São coisas autónomas como acima referido, a cessão de quotas e assunção das obrigações derivadas dos avais. 31) As adendas aos contratos de promessa de cessão de quotas devem retroagir à data da assinatura dos mesmos. Logo, ainda que fizesse parte do preço pago deveria ter produzido eficácia imediata e não, tempos depois, ter-se verificado o incumprimento por motivos que inexistiam à época da assinatura dos contratos. 32) Veja-se neste sentido, e de forma ainda que análoga, o Acórdão nº 0325209 do TRP, de 31/03/2004, disponível na base de dados da DGSI, Internet, www.dgsi.pt. segundo o qual: "I - Em alguns contratos-promessa é de admitir que cláusulas do mesmo assumam autonomia e se mantenham mesmo após a celebração do contrato definitivo, mesmo que para este tenham passado. II – É o caso de cláusulas em que os compradores se comprometem ao pagamento dos impostos devidos pelos vendedores ao fisco e que não constam da escritura pública do contrato definitivo”. 33) No entender do Prof. Menezes Cordeiro in Obrigações, AAFDL, pág. "... o contrato-promessa é já vinculante nas suas disposições, cujo definitivo se limita a reproduzir por decalque e cuja formalização de uma vontade de vinculação é susceptível de criar obrigações específicas e autónomas, que dispensarão repetição no contrato definitivo para efeitos de vinculação” ... com acolhimento quer da doutrina, quer da jurisprudência mais recentes, a figura do contrato-promessa, reflectindo a preocupação de dar resposta jurídica eficaz a exigências sociais cada vez mais complexas, tende a perder, em muitos casos, a sua tipicidade. De tal forma que se torna muito mais importante e premente, para as partes contratantes, a execução e o cumprimento das cláusulas do contrato-promessa, cláusulas essas que frequentemente, assumem autonomia própria de uma ou mais contratos, conviventes com o contrato de promessa e que, algumas vezes, até lhe sobrevivem”. 34) É o que pleiteiam os recorrentes: que os recorridos cumpram o contrato prometido, pelo menos na parte referente a assunção dos avais prestados pelos recorrentes, em última referência pelo pagamento pelos danos causados pelo não cumprimento de tal obrigação. 35) Indemnizando os recorridos em montante igual aos que os recorrentes pagaram e têm de pagar. 36) Efectivamente, a decisão deixou impune e sem consequências os recorridos pelo total incumprimento contratual dele recorrido. 37) É manifesta a inadimplência do recorrido pelo incumprimento contratual, pelo incumprimento do prometido, razão pela qual deverá ser condenado, bastando a condenação dos recorridos em melhor aresto, devendo o acórdão proferido ser revogado. Sem prescindir. 38) É manifesto, por provado que foi, que os recorrentes pagaram as dívidas que tiveram origem nas livranças subscritas, logo o recuo do pagamento deveria ir até a data da assinatura da adenda. 39) “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” Isso é o que dita o artigo 798.º do Código Civil. 40) “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. Isso vem vertido no número 1 do artigo 799.º do mesmo diploma. 41) O recorrido não logrou provar que o não cumprimento do contrato não foi por sua culpa. Aliás, sequer foi alegado qualquer facto que fosse excludente de culpabilidade por parte do recorrido, pois a ele vigorou sempre o silêncio. 42) Então o não cumprimento foi por culpa exclusiva do recorrido e impõe-se que este responda por esses danos, como foi o que os recorrentes pediram. 43) O Tribunal a quo fez uma interpretação demasiado ampla da lei que retira da boa-fé ou falta desta a explicação para todo o restante, com vista a dar azo a justificativa na recusa na prestação do cumprimento contratual na parte que era e é possível. 44) É este o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 29/01/2004 (Proc. n° 03B4187) e disponível na página da DGSI na internet www.dgsi.pt. que, na sequência das demais já anteriormente referidas, refere explicitamente que: I “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segunda as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte – art. 227º do C. Civil. Tudo pois ainda na fase pré-contratual, ou pré-negocial no sentido de responsabilizar quem ilícita e culposamente cause danos à outra parte. II. A responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á, em regra, a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, em ordem a colocar esta na situação em que esta última se encontraria se o negócio não houvesse sido efectuado. III. A celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução), ou também a sua ineficácia, não afastam a estatuição/previsão do art. 227º, a qual é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações como no de o contrato chegar mesmo a consumar-se. IV. Impendem pois sobre as partes, entre outros, os deveres de comunicação, informação e esclarecimento que abrangem não só a viabilidade da celebração do contrato e os obstáculos a ela reversíveis, como os elementos negociais e a própria viabilidade jurídica do contrato projectado. V. Em decorrência desse dever de boa-fé, de lealdade e de lisura contratual impõe-se que a parte, que conheça ou saiba – ou deva saber com a normal diligência – que algum risco ameaça o sucesso do processo negocial, o comunique à contraparte, advertindo-a, em particular, da necessidade de adequada prudência na realização de gastos. VI. É, contudo, necessário para que ocorra responsabilidade civil do faltoso que tal conduta ilícita e culposa haja provocado danos à contra parte, entendidos estes como todos os prejuízos sofridos por esta última”. 45) Impõe-se, por conseguinte, a revogação do acórdão em crise e a sua substituição por outro que julgue e condene os recorridos a assumirem os avais prestados pelos recorrentes nos termos do peticionado, ou, sem prescindir, substituído por outro que reconheça o direito à indemnização por parte dos recorrentes pela violação contratual do recorrido. Responderam os recorridos em defesa do aresto impugnado. II – As instâncias fixaram o seguinte quadro factual: - Os AA. foram titulares de duas quotas de 120.000 esc. e 40.000 esc., respectivamente, na sociedade AC, Limitada, com sede na Rua ...., 000, r/c, freguesia de Oliveira do Douro, concelho de Vila Nova de Gaia. - Através da celebração de dois contratos celebrados em 9/11/1999 entre os AA. e R. marido, que as partes denominaram de “Contrato Promessa de cessão de quotas”, aqueles prometeram ceder ao R. marido as quotas. - Preço das quotas que o R. marido pagou integralmente a cada um dos AA.. - No dia 17/8/2000, os AA. e R. marido subscreveram o documento junto aos autos a fls. 15 que denominaram de “Adenda aos contratos promessa de cessão de quotas da sociedade AC, Lda.”, o qual tem o seguinte teor: “Que esta cessão será feita com todos os correspondentes direitos e inerentes obrigações das quotas cedidas, nomeadamente a obrigação por parte do segundo outorgante EE, de substituir os primeiros outorgantes CC e CC em todos os avales por eles prestados à sociedade “AC Lda.” junto do Banco Totta & Açores, S.A., Banco Comercial Português, S.A., Banco Espírito Santo, SA, Caja Salamanca Y Soria, Banco BANCO NN, S.A., BPN Leasing, MC Leasing e BESCL Leasing”. - O R. foi notificado judicialmente pelos segundos AA. em 7/5/2001 para comparecer no 2° Cartório Notarial de Santo Tirso no dia 25/5/2001, pelas 9,30 horas, a fim de se proceder à outorga de escritura de cessão de quotas. - Os RR. no dia e hora designados não compareceram para outorgar a escritura pública. - Apenas os quatro AA. prestaram avales em livrança no valor de 46.920,81€ em benefício da Caja de Ahorros de Salamanca y Soria (Caja Duero), noutra livrança no valor de 15.678,70 € em benefício do Banco BANCO NN, Sociedade Anónima, noutra livrança no valor de 71.819,76 € em benefício do Banco BANCO NN, Sociedade Anónima, noutra livrança no valor de 15.968,14 € em benefício do agora denominado SS Leasing, Sociedade de Locação Financeira, Sociedade Anónima, sendo em todas as livranças subscritora AC, Limitada. - Todas as livranças referidas já foram objecto de execução, correndo seus termos respectivamente no Tribunal de Lisboa, 7ª Vara, 1ª Secção; 6ª Vara, 2ª Secção do Tribunal Cível do Porto e 16ª Vara, 2ª Secção do Tribunal Cível de Lisboa, sob os números 41/01, 82/2001 (reporta-se às livranças em que é beneficiário o BPN) e 8168/03.8TVLSB. - O A. AA é economista. - O A. CC é contabilista. - Os AA. viram os seus nomes lançados no Banco de Portugal como maus pagadores. - A AC, Lda. foi declarada falida em 24/2/2002 e não tinha actividade económica corrente desde Março de 2001, ou seja antes da notificação de Maio de 2001. - Ao celebrar os dois contratos promessa, o R. tinha a perspectiva de ir participar no capital de uma sociedade titular de uma indústria de calçado moderna, em plena laboração, com cerca de 200 trabalhadores, exportando a totalidade da sua exportação. - O R. tinha a perspectiva de participar num projecto empresarial sério. - A falência da “AC” foi requerida por um credor em 9/7/2001. - Nessa altura a “AC” tinha as suas instalações encerradas há 3 ou 4 meses, já tinha cessado a maior parte dos pagamentos desde Dezembro de 2000 e cessou todos os pagamentos no dia em que encerrou as instalações. - A livrança que titula 46.920,81€ em benefício da Caja de Ahorros de Salamanca y Soria (Caja Duero) foi subscrita no local do aval pelos quatro AA. em 22/10/1999, aceitando os AA., subscritora e outros avalistas que a beneficiária inscrevesse o montante de 46.920,81€ na livrança; a livrança no valor de 15.678,70 € em benefício do BANCO NN, Sociedade Anónima, foi subscrita no local do aval pelos quatro AA. em 21/5/1999, aceitando os AA., subscritora e outros avalistas que o beneficiário inscrevesse o montante de 15.678,70€ na livrança; a livrança no valor de 71.819,76 € em benefício do BANCO NN, Sociedade Anónima, foi subscrita no local do aval pelos quatro AA. em 26/6/2000, aceitando os AA., subscritora e outros avalistas que o beneficiário inscrevesse o montante de 71.819,76€ na livrança; a livrança no valor de 15.968,14 € em benefício do agora denominado SS Leasing, Sociedade de Locação Financeira, Sociedade Anónima, foi subscrita no local do aval pelos quatro AA. em 22/4/1999, aceitando os AA., subscritora e outros avalistas que o beneficiário inscrevesse o montante de 15.968,14 € na livrança. - Ao outorgar em 17/8/2000 o aditamento aos dois contratos promessa referido, o R. sabia que os quatro AA., subscritora e outros avalistas tinham autorizado a Caja de Ahorros de Salamanca y Soria (Caja Duero) a inscrever numa livrança o montante de 46.920,81 €, o BANCO NN, Sociedade Anónima, a inscrever o montante de 15.678,70 € numa livrança, o mesmo Banco BANCO NN, Sociedade Anónima, a inscrever o montante de 71.819,76 € noutra livrança e o agora denominado SS Leasing, Sociedade de Locação Financeira, Sociedade Anónima, a inscrever o montante de 15.968,14€ numa livrança. - A livrança subscrita ao MC Leasing foi avalizada pelos AA. em 22/4/1999, com pacto de preenchimento, sendo preenchida pela instituição financeira em 14/2/2003. - As livranças subscritas ao BPN, Banco BANCO NN, S.A., foram avalizadas em 21/5/1999 e 26/6/2000, respectivamente, com pacto de preenchimento, sendo preenchidas em 15/6/2001 e 6/7/2001. - A livrança subscrita a Caja Duero, Caja de Ahorros de Salamanca e Sorya foi avalizada em 22/10/1999, com pacto de preenchimento, sendo preenchida pela instituição financeira em 26/10/1999. - O A. AA e mulher e o A. CC e mulher pagaram em cumprimento do aval na livrança que titula 46.920,81 € à Caja de Ahorros de Salamanca y Soria (Caja Duero), respectivamente, 15.000€, em 31/3/2004, e 12.845€, em 28/4/2004, sanando perante essa beneficiária todas as responsabilidades que lhe poderiam advir do referido aval e os quatro AA., em conjunto e em data que se compreende entre 12/9/2003 e 29/3/2006, pagaram em cumprimento do aval na livrança que titula 15.968,14 € ao agora denominado SS Leasing, Sociedade de Locação Financeira, Sociedade Anónima, a quantia de 7.112 €, sanando perante esse beneficiário todas as responsabilidades que lhe poderiam advir do referido aval. III – Quid iuris? O que está verdadeiramente em causa é saber se o R.-recorrido incumpriu o contrato-promessa que celebrou (em 09/11/99) com os AA. maridos relativo à cessão de quotas da sociedade AC Lª, concretamente a sua adenda através da qual ficou estabelecido que a cessão de quotas era acompanhada, além do mais, com a obrigação de o cessionário (o R.-recorrido) substituir os cedentes em todos os avales por eles prestados a favor da firma. Esta, tempos depois da outorga do contrato-promessa, faliu (foi declarada falida em 24/02/02). Antes desta data o R. foi convocado para comparecer no tabelião a fim de ser outorgado o contrato definitivo e não apareceu. A não comparência por parte do R., em si, não significa automaticamente incumprimento do contrato: tal comportamento (omissivo) apenas e só dá ou pode dar origem a uma situação de mora, a menos que haja uma perda de interesse, objectivamente comprovada, na celebração definitiva do contrato prometido: é o que claramente resulta do art. 808º do CC. Outrossim, que tal atitude pudesse ser interpretada como vontade inequívoca de não querer jamais celebrar o contrato prometido. Temos, assim, que o R. não deixou de cumprir o contrato-promessa em resultado da sua ausência no Cartório Notarial, afastada que está, por falta de qualquer alegação nesse sentido, perda de interesse. Igualmente não foi alegado (e, portanto, nem sequer passou pelo crivo da prova) que tal comportamento traduzisse uma forma (tácita embora) de vontade no incumprimento. O que aconteceu, como já ficou referido, é que, logo de seguida, a firma foi declarada falida, facto que, tendo em devida conta o preceituado no art. 164º-A do CPEREF (D.-L. nº 315/98, de 20 de Outubro), determinou automaticamente a extinção do dito contrato-promessa. A partir de então, tornou-se impossível, de parte a parte, o cumprimento do invocado contrato-promessa. Como salienta Baptista Machado, se uma qualquer circunstância obsta à produção do resultado, pode dizer-se que se verifica uma «impossibilidade de cumprimento». E acrescenta, ainda: “A prestação tem de ser considerada no contexto do programa obrigacional e em função deste. Se este programa não pode ser implantado, a prestação torna-se impossível: impossível como prestação capaz de implementar tal programa, de proporcionar certo resultado ao credor. Uma prestação feita abstraindo deste contexto, como simples ritual que «não cumpre ou implementa um dado programa obrigacional, já não será a prestação devida, mas sim um aliud… A implementação de um programa obrigacional (cumprimento) enquanto resultado não depende apenas daquilo que o devedor deve e pode fazer (e por que responde): depende também de circunstâncias alheias ao poder do devedor” (in Obra Dispersa, Vol. I, A Resolução Por Incumprimento e a Indemnização, pág. 264 e ss.). Daí que Ana Prata, na linha argumentativa explanada, venha defender que “prometida a venda de certo bem imóvel para proceder o promitente-comprador à sua desocupação e demolição, a ulterior publicação de um diploma legal que suspenda o direito de demolição constitui facto impeditivo da realização do fim contratual pretendido e, por isso, impossibilitador do cumprimento” (in O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil - Reimpressão -, pág. 666). Por via da injunção legal referida, o contrato-promessa extinguiu-se e isso arrastou, a impossibilidade de cumprimento das obrigações assumidas pelo R. (só as dele é que, como é evidente, que estão em apreciação), em bloco. Pretendem, agora, os recorrentes autonomizar a adenda do mais estipulado no contrato-promessa. Sem qualquer razão, como mui bem decidiram as instâncias. O que consta da adenda faz parte integrante do contrato-promessa a partir do momento em que a mesma foi alcançada pelas partes –“que esta cessão será feita com todos os correspondentes direitos e obrigações das quotas cedidas, nomeadamente a obrigação por parte do segundo outorgante EE de substituir os primeiros outorgantes CC e CC em todos os avales…”. A razão que determinou a impossibilidade de cumprimento de uma parte do contrato – sublinhe-se, mais uma vez, que à data da declaração de falência, o contrato não tinha sido incumprido pelo R. – é precisamente a mesma que não permite que o mais seja exigido. Deixando de existir a razão pela qual o contrato-promessa não pôde ser cumprido – sua extinção ope legis – por que bulas ficaria o R. com a obrigação de pagar os montantes que foram exigidos nas diversas execuções aos AA. por virtude de terem avalizados os títulos? Qual a causa de tal hipotética obrigação? Avalizaria ele os títulos que serviram de base às diversas execuções, independentemente de qualquer contrapartida? Claro que não. Ele só se comprometeu a “atravessar a sua assinatura”, passando a avalizar as dívidas da firma de cujas quotas foi um promitente-comprador, prevendo que o negócio acabaria por ser celebrado: este é o sentido – diremos mesmo único – que se pode tirar do contexto da adenda referida. Já vimos que o negócio se tornou impossível: desequilibrado ficaria o prato da balança contratual se, sem qualquer obrigação, assumisse o R. as ditas dívidas, a não ser que se admitisse como certo o enriquecimento sem causa dos AA.. Definitivamente, ao contrário do que os AA. vieram a juízo dizer, não há nenhuma autonomia entre a adenda e o demais contratualizado entre os AA. maridos e o R. atinente à promessa de cessão de quotas da firma AC Lª. A dita adenda, depois de elaborada, passou a fazer parte integrante do contrato e este passou a ser visto como um todo. Extinto, por força de lei, o contrato-promessa no seu todo, acabaram-se as obrigações de parte a parte, quaisquer que elas fossem. Adiante, pois. É um facto que a Lei e a Justiça impõem o respeito pelos contratos firmados – pacta sunt servanta. O art. 406º do CC determina mesmo que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, mas daí não se tira – não se pode tirar – que independentemente do que aconteceu, o R. seja obrigado a cumprir, entregando aos AA. os montantes correspondentes aos avales por estes prestados à firma, sendo certo que nenhuma contrapartida pode tirar. Est modus in rebus: esquecem-se os AA. da solução legal (equilibrada) dada ao caso da existência de contrato-promessa (interessa-nos apenas aqui os meramente obrigacionais) à data da declaração de falência e está tudo dito. Perante a impossibilidade legal de o contrato-promessa ser cumprido, as obrigações sinalagmáticas derivadas do contrato-promessa extinguiram-se, não mais sendo exigível a cada um das partes o cumprimento da respectiva obrigação (cfr. art. 790º, nº 1 do CC). O que os AA.-recorrentes podiam ter em devida conta era até o preceituado no art. 795º do CC na medida em que, por virtude da extinção do contrato-promessa, sempre seriam obrigados a restituir ao R. o que dele receberam. Isso, porém, é algo estranho ao processo e só é aqui salientado para cimentar a ideia da total extinção, com todas as suas consequência, do contrato-promessa em causa, tido o mesmo na sua globalidade. Como é possível defender que, perante a declaração de falência da firma, que arrastou consigo a extinção do contrato-promessa na sua totalidade (a adenda logo que elaborada passou a fazer parte integrante do mesmo), deixasse de haver obrigações dos AA., enquanto promitentes-cedentes, e só se responsabilizasse o R. pelo cumprimento dessa adenda, que já não da parte nobre do que foi entre eles clausulado. Não ficaria totalmente desequilibrado o fiel da balança contratual, porque despido de causa relativamente à assumpção de dívidas de avales (como, de resto, em relação ao demais contratualizado), se se obrigasse o R. ao pagamento reclamado pelos AA.? Evidentemente que sim. Visto o contrato-promessa como um todo (ou seja, clausulado inicial mais adenda) e não incumprido pelo R. apesar da interpelação para a escritura, como se procurou evidenciar, e, posteriormente extinto ope legis, não vemos razão que suporte a invocação dos arts. 273º (pendência de condição), 227º (com referência à boa fé que deve estar presente tanto nos preliminares como na formação de um qualquer contrato), como, ainda, do art. 397º (noção de obrigação), todos do CC. Finalmente, cumpre deixar uma última e pequena palavra sobre os pedidos de indemnização por danos não patrimoniais formulados pelos AA.. Estes danos – segundo a tese dos AA. – estariam na base da atitude incumpridora do R.. Já ficou dito e redito que este nada incumpriu, não lhe sendo exigível o pagamento dos montantes correspondentes aos avales: se não há ilicitude não há nexo entre a acção e os danos invocados. Razão esta de sobra para, desde já, dizer, que, também neste ponto concreto, a razão não está do lado dos AA.-recorrentes. Mas há mais: nem um facto – repetimos: nem um – ficou apurado relativamente aos alegados danos. É certo que consta do quadro factual apurado que “os AA. viram os seus nomes lançados no Banco de Portugal como maus pagadores”, mas, pelos vistos isso corresponde até à verdade na medida em que várias foram as execuções instauradas contra eles sem que haja notícia de qualquer oposição com êxito às mesmas. E que relação tem tal facto com o R.? Que se saiba nenhuma: não foram eles que prestaram os avales?! Então o preceituado no art. 32º da L.U. não os obriga ao pagamento a eles (que não ao R. que é um terceiro da relação cambiária) dos montantes titulados? E isso provocou desconforto aos AA.? Nada foi dito. Sai, pelas razões aduzidas, reforçada a ideia da total falência dos pedidos indemnizatórios. Improcede, na totalidade, a tese dos recorrentes, não merecendo qualquer tipo de crítica, antes confirmação, a decisão impugnada. IV – Decisão Nega-se a revista e condenam-se os recorrentes no pagamento das respectivas custas. Lisboa, aos 18 de Dezembro de 2007 Urbano Dias Paulo Sá Mário Cruz |