Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
448/11.5TBSSB-A.E1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CITAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CULPA
Data do Acordão: 11/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / CITAÇÕES.
DIREITO EUROPEU - CITAÇÃO EM MATÉRIA CIVIL EM RELAÇÃO AOS ESTADOS-MEMBROS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 323.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 234.º, N.º1, 247.º, N.º1.
DEC.-LEI N.º 383/89, DE 6-11: - ARTIGOS 1.º, 11.º.
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 219.º, N.º1, 226.º, N.º1, 228.º, N.ºS 1 E 3.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) Nº 1393/2007 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 13-11-2007 QUE ESTABELECEU AS REGRAS DE CITAÇÃO E NOTIFICAÇÃO DOS ACTOS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL EM RELAÇÃO AOS ESTADOS-MEMBROS: - ARTIGOS 2.º, 4.º, N.º1, 8.º, N.ºS 1 E 4, 14.º, 15.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30-04-1996, DE 14-05-2002 E DE 03-02-2011, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 02-10-2007, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 20-06-2012.
-DE 05-03-2013, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
Nos termos do art. 323º nº 2 do C.Civil, se a citação (ou notificação) se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, têm-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias.

Como decorre da disposição, para que a prescrição se considere interrompida logo que decorram os ditos cinco dias, será necessário que se demonstre que a citação (ou notificação) se não faça por motivos não imputáveis aos requerentes.

É entendimento pacífico na jurisprudência do STJ que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada no art. 323º nº 2 do C.Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação

No caso vertente, não se vê que a falta de citação no tempo devido possa ser imputada às recorrentes, antes se demonstrando que a realização da citação nos cinco dias posteriores à propositura da acção foi devida a factos imputáveis a terceiros, pelo que as mesmas poderão beneficiar da interrupção da prescrição a que alude o nº 2 do dito art. 323º.

Decisão Texto Integral:

                                           

                                              

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

I- Relatório:

1-1- AA e BB instauraram acção declarativa de condenação contra CC, com endereço postal em 00045 ..., ..., tendo a demandada, na respectiva contestação, para além do mais, arguido a excepção da prescrição.

No saneador o Mº Juiz conheceu da arguida excepção peremptória, julgando-a improcedente.

                       

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. CC para o Tribunal da Relação de ..., tendo-se aí julgado procedente a apelação e, consequentemente, revogou-se a decisão impugnada, julgando-se procedente a excepção peremptória da prescrição, absolvendo-se a R. do pedido.

                       

1-3- Irresignadas com este acórdão, dele recorreram as AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

As recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

a) Não decorre das regras do Regulamento CE nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho - aplicável em matéria de citações e notificações de actos judiciais e extra judiciais em matéria civil e comercial nos Estados Membros da Comunidade Europeia - a exigência de que a citação por via postal seja acompanhada de comunicação ao citando da tradução para a língua deste, quer da petição inicial, quer dos documentos com esta juntos.

b) Da mesma forma se dizendo no que respeita ao direito ordinário português, no tocante a tal exigência na citação por via postal de estrangeiros residentes ou sedeados no estrangeiro.

c) Não constituindo, assim, qualquer obrigação imposta aos requerentes da citação, antes e outrossim uma mera faculdade.

Por isso que,

d) Desde logo em tal quadro legal não seja censurável a omissão de tal tradução por parte das AA., ora Recorrentes, no tocante à citação da R./Recorrida.

e) Sendo até certo que, não constituindo tal omissão fundamento de recusa do cumprimento do acta - antes e somente constituindo causa de recusa de recepção do mesmo - e constituindo também a exigência dessa tradução uma mera faculdade concedida ao destinatário, que este pode ou não exercer, tal como resulta do artigo 8° do Regulamento aplicável.

No entanto,

f) Do exercício de tal faculdade não resulta que a citação se não verifique (ou se deva ter por não verificada), mas tão só que se venha a completar, corrigida "mediante citação ou notificação ao destinatário de uma tradução do acto" (considerando 12 in fine do mesmo diploma).

g) É, por conseguinte, certo que, tal como até decorre do disposto no nº 2 do art. 9° do Regulamento, nada obsta a que as Recorrentes se possam prevalecer do prazo ficcional de 5 dias previsto no artigo 323º nº 2, do C.Civil.

h) Não lhes cabendo a obrigação - ou mesmo o ónus - de promover inicialmente a tradução em causa.

i) Sendo até certo que, previamente à questão da recusa por falta de tradução do acta a citar até houve outra carta remetida para citação da Recorrida que foi devolvida por causas totalmente estranhas às Recorrentes e que, por lhes não serem imputáveis, nada obsta a que estas possam prevalecer-se do prazo ficcional previsto no supra referido art.323°, nº 2, do C.Civil,

j) Tanto mais que a questão da tradução somente após a data da recusa por falta da mesma se poderia suscitar, inexistindo anteriormente qualquer fundamento para que as Recorrentes o fossem requerer a Tribunal ou este disso tomasse a iniciativa.

Em qualquer caso,

k) Certo é que as AA./Recorrentes litigam com apoio judiciário, estando dispensadas de suportar a taxa de justiça, bem como os demais encargos do processo, circunstância que deriva da sua total ausência de meios económicos para aceder a juízo na defesa dos seus direitos.

l) A tradução do acto a citar constitui um encargo do processo, tal como decorre do disposto na alínea d) do nº 1 do art.16° do Regulamento das Custas Processuais, do qual as AA./Recorrentes estão dispensadas, por virtude do apoio judiciário com que litigam.

m) E só surge, enquanto tal, após a propositura da acção, donde que o entender-se que às AA./Recorrentes coubesse promover a tradução - até previamente a essa propositura - então, pura e simplesmente, estariam estas impedidas por razões de índole económica de aceder a juízo e, logo, por ausência de meios, de aceder ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos.

n) Sendo, além do mais, certo que nem sequer sobre as AA./Recorrentes impendia a promoção dessa tradução - tal como o pretende a decisão recorrida - pois que, em presença do benefício do apoio judiciário com que litigam, a promoção da tradução recai sobre o Estado, através do próprio Tribunal em que a acção foi proposta, tal como, de resto, se veio a verificar.

Ora,

o) A decisão recorrida por completo ignorou que as AA./Recorrentes litigam com apoio judiciário - nem sequer tendo conhecido da questão que a tal propósito foi invocada por aquelas na alínea g) das suas conclusões de resposta à alegação da R., então Recorrente - e que, também por tal razão, lhes não pode ser imposta a promoção da tradução em causa, pelo que a respectiva omissão em circunstância alguma possa ser-­lhes censurável.

p) Ao decidir em contrário, não só violou a decisão recorrida os normativos legais supra invocados, quando pretende caber às AA./Recorrentes a promoção da tradução em causa, como, não tomando em conta que se tal lhes fosse exigível previamente à propositura da acção, as estaria a negar, em razão da sua situação económica, a possibilidade de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e legítimos interesses, por tal forma frontalmente violando, com o entendimento perfilhado, também o normativo constante do art.20° da C.R.P.

Deve, por conseguinte, ser concedida a revista e, no respectivo seguimento, revogado o Acórdão recorrido, reconhecendo-se beneficiarem as AA./Recorrentes do prazo ficcional de interrupção da prescrição previsto no nº 2 do art. 323° do C.Civil, por nenhuma actuação censurável existir que lhes seja imputável e que a tal obste e, em consequência, confirmar in totum a decisão da 1ª instância, decidindo pela improcedência da excepção peremptória de prescrição suscitada pela R./Recorrida.

A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

II- Fundamentação:

2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas

Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

- Se as recorrentes poderão beneficiar do prazo interrupção do prazo de prescrição exarado no art. 323º nº 2 do C.Civil.

- Se não cabia às recorrentes a obrigação de promover inicialmente a tradução da carta de citação.

2-2- Com vista à decisão, vêm fixadas das instâncias as seguintes circunstâncias:

1 - O acidente de viação em discussão nos autos ocorreu no dia 7 de Abril de 2008.

2 – A presente acção deu entrada em juízo no dia 28 de Março de 2011.

3 – A R. CC tem a sua sede e endereço postal em 00045 ..., ....

4 – A carta registada com aviso de recepção para citação da R. foi expedida no dia 30 de Março de 2011, e veio devolvida com a menção de endereço insuficiente.

5 – No dia 14 de Junho de 2011, foi expedida carta registada com aviso de recepção para citação da R., para a mesma morada e veio também devolvida com a menção de recusada.

6 – Por despacho proferido a 26/09/2011, determinou-se a citação por carta rogatória, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, sendo que a R. recusou receber a citação porquanto a petição inicial e documentos anexos não se mostravam traduzidos para a língua alemã.

7 – A R. foi citada para a acção no dia 13 de Novembro de 2013. --------------

2-3- No douto acórdão recorrido afirmou-se que, atentos a causa de pedir e o pedido formulado na acção, se está no domínio da responsabilidade civil extracontratual (a que aludem, genericamente, os arts. 483º e segs. do C.Civil). Esta qualificação parece-nos, porém, inexacta já que, atendendo aos ditos elementos (causa de pedir e pedido), o que estará em causa neste pleito é a responsabilidade civil do produtor (de bens), a que diz respeito o Dec-Lei 383/89 de 6/11. Com efeito, o art. 1º do diploma estabelece, sob a epígrafe de responsabilidade objectiva do produtor, que “o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”. Contudo esta divergência na qualificação jurídica dos factos não tem relevância prática, já que, na mesma medida que a responsabilidade extracontratual (art. 498º nº 1 do C.Civil), “o direito ao ressarcimento prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do dano, do defeito e da identidade do produto” (art. 11º).

Poderemos, assim, assentar que o pedido formulado pelas AA., ora recorrentes, se insere no âmbito da responsabilidade civil do produtor e, neste âmbito, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do dano (ou do defeito e ou da identidade do produto).

Como resulta do art. 323º nº 1 do C.Civil, o prazo prescricional (de três anos) pode ser interrompido “pela a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

Acrescenta o nº 2 deste dispositivo, que se a citação (ou notificação) se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, têm-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias.

É precisamente neste dispositivo que as recorrentes baseiam a sua pretensão, ou seja, de que o prazo prescricional se deve ter interrompido no prazo de cinco dias após o requerimento da citação da R.

Como decorre da disposição, para que a prescrição se considere interrompida logo que decorram os ditos cinco dias, será necessário que se demonstre que a citação (ou notificação) se não faça por motivos não imputáveis aos requerentes.

É entendimento pacífico na jurisprudência do STJ que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão «causa não imputável ao requerente», usada no dito artigo, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação (Acs. de 30-04-1996, de 14-05-2002) e ainda o de 03-02-2011[1] em que expressamente se afirma “ora, por força do preceituado no art. 323º do CC, a prescrição interrompe-se pela citação na acção em que é formulada a pretensão indemnizatória – valendo, porém, inteiramente o regime de «citação ficta» consagrado no nº2 de tal preceito legal: se a citação se não fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias”. Como também se refere no acórdão de 2-10-07[2]o efeito interruptivo da prescrição, estabelecido no nº2 do referido preceito, pressupõe a concorrência de 3 requisitos: que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da acção ;- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias ;- que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor. E este benefício, assim concedido ao autor, exige necessariamente que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a informação não chegasse ao demandado no sobredito prazo de 5 dias; caso contrário, isto é, se a demora lhe for imputável, a lei retira-lhe o ficcionado benefício e manda atender, sem mais, à data da efectiva prática do acto informativo – devendo interpretar-se aquela expressão legal – causa não imputável ao requerente – em termos de causalidade objectiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação”.

Por outro lado, a exigência, formulada expressamente pelo nº 2 do art. 323º de que o autor requeira a citação do réu carece presentemente de sentido e alcance prático, face ao estabelecimento do regime de oficiosidade da citação pela lei processual, do que decorre que mesmo que, porventura, o A. não introduza na parte final da petição inicial o tradicional e tabelar pedido de citação do R., tal «omissão» em nada poderá afectar a aplicabilidade do regime previsto no nº 2 do art. 323º, já que sempre competirá à secretaria judicial proceder à citação do demandado, nos termos do art. 234º do C.P.Civil (vigente anteriormente ao Novo C.P.Civil[3]). Assim, não se poderá imputar a tal hipotética omissão qualquer consequência processual ou atraso na normal realização do acto, perante a vigência da referida regra da oficiosidade.

Em síntese, o que releva decisivamente na aplicação do dito regime legal é o eventual cometimento pelo autor de uma infracção a regras procedimentais a que estava vinculado e que tenham sido causais da demora na consumação do acto de citação.

Deve, por outro lado, afastar-se o entendimento de que, em razão de o autor não se ter socorrido de actos ou diligências aceleratórias que, porventura, a terem sido adoptadas, poderiam permitir um curso mais célere do processo na sua fase liminar, não poder beneficiar do dito regime (consagrado no nº 2 do art. 323º), já que essas diligências constituem uma faculdade e não um dever ou ónus do autor. Neste sentido referiu-se no acórdão do STJ de 20-06-2012 que “… a resposta à questão colocada é negativa: não se perscrutando nos autos a imputação objectiva à conduta das autoras de violação de preceito processual, a simples omissão de um acto facultativo que tanto pode justificar como não a recusa do acto de citação, não pode ter o efeito obstativo da interrupção da prescrição, conforme pretende a ré e decidiu o acórdão recorrido. Não é essa a linha de interpretação do disposto no art. 323.º, n.º 2, do CC”.

Tendo o evento ocorrido em dia 7 de Abril de 2008, as AA. propuseram a presente acção em 28 de Março de 2011, ou seja, dez dias antes da ocorrência da prescrição do direito.

Segundo o art. 228º nº 1 do C.P.Civil (na redacção anterior à dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho aplicável à situação)[4]a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para se chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa”, sendo que este acto é sempre acompanhada de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto (nº 3 da disposição).

Por outro lado, determinava o art. 234º nº 1 do mesmo diploma[5] que “incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efectivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da citação por agente de execução ou promovida por mandatário judicial. Ou seja, estabelecia este dispositivo a oficiosidade da citação, segundo a qual a secretaria devia promover, por iniciativa própria, a todas as diligências e actos necessários à realização da citação pessoal do R.[6].

Determinava o disposto no art. 247º nº 1 do C.P.Civil então vigente[7], quanto à citação, que “quando o réu resida no estrangeiro, observar-se-á o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais”. Ou seja, tendo a R. sede na ... a citação da R. deveria ter obedecido aos tratados e convenções internacionais para efectuar a respectiva citação. Sendo a ..., como é facto notório, membro da União Europeia (o mesmo sucedendo com Portugal), dever-se-ia diligenciar por realizar a citação conforme o Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13-11-2007 que estabeleceu as regras de citação e notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial em relação aos Estados-Membros[8]. Assim, dever-se-ia efectuar a diligência, através das chamadas «entidades de origem» e das «entidades requeridas» competentes, respectivamente, para transmitir actos judiciais ou extrajudiciais para efeitos de citação ou notificação noutro Estado-Membro ou para os receber e cumprir (art. 2º do Regulamento). Neste sentido estabelece o art. 4º nº 1 do diploma “os actos judiciais são transmitidos, directamente e no mais breve prazo possível, entre as entidades designadas ao abrigo do disposto no artigo 2.º”[9]

Nesta conformidade, a citação através das chamadas «entidades de origem» e das «entidades requeridas» competentes, para transmitir actos judiciais ou extrajudiciais para efeitos de citação ou notificação noutro Estado-Membro ou para os receber e cumprir, deveria ter sido promovida e diligenciada pela secretaria do tribunal onde acção foi proposta.

Esta secretaria não realizou estas formalidades de citação, já que, para realizar o acto, foi enviada carta registada com aviso de recepção (no dia 30 de Março de 2011). Isto é, utilizou-se a citação directa da demandada pelos serviços postais, fora, portanto, do âmbito de transmissão de acto a realizar entre entidades de origem e entidades requeridas. Mas o certo é que o dito Regulamento, no seu art. 14º[10], permite o uso da via postal directa para a citação ou notificação de actos judiciais a pessoas residentes em país estrangeiro da União Europeia. Todavia esta possibilidade só será de adoptar quando a mesma seja admitida pelo direito interno do Estado de origem e se realize com respeito pelo direito constituído no Estado de destino. Assim, o art. 15º do mesmo diploma determina que “os interessados num processo judicial podem promover a citação ou notificação de actos judiciais directamente por diligência de oficiais de justiça, funcionários ou outras pessoas competentes do Estado-Membro requerido, se a citação ou notificação directa for permitida pela legislação desse Estado-Membro” (sublinhado nosso). Ora se, no caso, tal tipo de citação é admissível, face ao direito interno português (art. 228º do C.P.Civil), caberia à secretaria providenciar por indagar essa possibilidade face ao direito adjectivo alemão.

Por outro lado, pese embora o dito Regulamento não imponha que a carta de citação siga com a correspondente tradução[11], o certo é que o destinatário pode relevantemente recusá-la, como decorre do disposto no art. 8º nº 1 e 4 do diploma[12]. Portanto, haveria todo o interesse por banda da entidade requerente da citação que, com o correspondente expediente, seguisse a tradução do documento, para assim se evitar que uma possível recusa do recebimento tivesse lugar. Este procedimento seria ainda mais adequado e premente no caso, dado que o direito a exercer estava em vias de prescrever. Por outras palavras, muito embora o acto de citação não careça de tradução (esta apresenta-se como uma faculdade para o requerente), mas como o seu destinatário deve ser avisado de que pode recusar a citação com o fundamento na falta de redacção em língua-oficial do Estado-Membro ou em língua que compreenda, deveria ter-se providenciado para que o respectivo expediente seguisse com a tradução, dada a urgência da realização do acto pelas ditas razões.

No caso dos autos, a carta foi enviada através dos serviços postais como se tal forma de citação directa fosse possível face ao regime adjectivo do Estado Alemão.

A carta foi devolvida com a menção de endereço insuficiente. Por isso, foi expedida nova carta registada com aviso de recepção (no dia 14 de Junho de 2011), para citação da R., para a mesma morada e veio também devolvida com a menção de recusada.

Face a estas circunstâncias é possível concluir que, logo da primeira vez, a carta de citação foi enviada para o endereço correcto da R., já que aquando da segunda expedição para o mesmo endereço, a destinatária (a R.) recusou-se a recebê-la. Ou seja, a indicação de endereço insuficiente aposto na carta de citação remetida pela primeira vez para citação da R. foi, pelos correios da destinatária, incorrectamente aposto na carta.

Como resulta da própria posição das partes, a carta postal foi expedida sem a correspondente tradução, o que poderia levar (como levou na 2ª tentativa de citação) a uma possível recusa de recebimento por parte da entidade citanda e a uma maior demora na realização do acto.

Porém, não sendo obrigatória a tradução do expediente relativo à citação não será possível atribuir a falta pela não realização da citação às AA.. Aliás nunca seria possível atribuir, desde logo, tal omissão a estas, dada a oficiosidade da citação. A não obrigatoriedade de tradução do acto de citação decorre, segundo cremos, da circunstância de o destinatário do acto poder perceber e entender a língua em que vai redigido o expediente. No seio da União Europeia a tradução dos elementos relativos à citação constituirá uma excepção[13].

Como já se viu, a parte pode recusar o recebimento do acto de citação por falta de tradução e, consequentemente, a citação não se poderá ter como realizada. E foi precisamente isso que sucedeu na 2ª tentativa de citação. Nestas circunstâncias competiria à secretaria notificar a parte interessada para providenciar pela tradução, mas o certo é que não se demonstra que tal tenha sido feito. Todavia esta possível omissão por parte da secretaria (a quem, recorde-se, competia promover a todas as diligências e actos necessários à realização da citação pessoal da demandada), acaba por não ter relevância no caso concreto, já que nos termos do citado art. 323º nº 2 a prescrição deve ter-se por interrompida passados cinco dias após ter sido requerida, ou seja, cinco dias após a propositura da acção. Isto porque o 1º acto de citação só não foi efectuado por falta imputável aos serviços postais ..., isto é, por circunstâncias alheias às AA.. Dado que a conduta do requerente, como se disse acima, só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, a conclusão a retirar é que a prescrição se interrompeu, nos termos do dito art. 323º nº 2 (citação “ficta”), cinco dias após a data da instauração da acção (ou seja, em 2 de Abril de 2011).

Nesta conformidade, quando da 2ª tentativa de citação já a prescrição estava interrompida.

Em síntese:

Pela devolução da primeira carta expedida (com o fundamento de endereço insuficiente), pelas razões aduzidas, a falta deve ser atribuída aos serviços postais ..., o que serve para afirmar que a não realização da citação nos cinco dias posteriores à propositura da acção foi devida a factos imputáveis a terceiros, pelo que deverão as AA. beneficiar da interrupção da prescrição a que alude o nº 2 do dito art. 323º.

O recurso procede, por conseguinte.

III- Decisão:

Por tudo o exposto, concede-se a revista, considerando-se interrompida a prescrição nos termos e na data referidos, devendo o prosseguir os seus ulteriores termos.

Custas pela parte vencida a final.

                       

Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do Novo C.P.Civil):

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Lisboa, 29 de novembro de 2016

Garcia Calejo - Relator

Hélder Roque

Gabriel Catarino

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[1] Acórdãos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[2] Acessível em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[3] Aplicável à situação vertente. Hoje o art. 226º nº 1 do Novo C.P.Civil, tem formulação idêntica.
[4] Hoje art. 219º nº 1 do Novo C.P.Civil.
[5]  Hoje art. 226º nº 1 do Novo C.P.Civil.
[6] De modo igual, vigora actualmente a oficiosidade da citação (art. 226º do Novo C.P.Civil).
[7] Hoje, como resulta dos arts. 239º nº 1 e 246º nº 1 do actual C.P.Civil, a citação de uma pessoa colectiva com sede no estrangeiro deve, igualmente, efectuar-se consoante o que estiver efectuado nos tratados e convenções internacionais.
[8] Na presente acção, como as AA. pretendem a condenação da R. no pagamento de uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual, estamos, claramente, no âmbito de matéria civil.
[9] Sobre a forma como devem ser transmitidos os actos estabelece o nº 2 do art. 2º do Regulamento que “a transmissão de actos, requerimentos, atestados, avisos de recepção, certidões e quaisquer outros documentos entre as entidades de origem e as entidades requeridas pode ser feita por qualquer meio adequado, desde que o conteúdo do documento recebido seja fiel e conforme ao conteúdo do documento expedido e que todas as informações dele constantes sejam facilmente legíveis”. Acrescenta o nº 3 do mesmo artigo que “o acto a transmitir deve ser acompanhado de um pedido, de acordo com o formulário constante do anexo I. O formulário deve ser preenchido na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local em que deva ser efectuada a citação ou notificação, ou ainda numa outra língua que o Estado-Membro requerido tenha indicado poder aceitar. Cada Estado-Membro deve indicar a língua oficial ou as línguas oficiais das instituições da União Europeia que, além da sua ou das suas, possam ser utilizadas no preenchimento do formulário”.
[10] Esta disposição estabelece expressamente que “os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de recepção ou equivalentes”.
[11] Vide a este propósito o acórdão deste STJ de 5-3-2013 (www.dgsi.pt).
[12] A possibilidade de recusa pelo destinatário do acto de citação, tal como vem estabelecida no art. 8º nº 1, aplica-se igualmente nos casos de citação pelos serviços postais, como determina o nº 4 desse artigo
[13] A regra da desnecessidade da tradução dos actos entre os Estados-Membros da União Europeia, pode retirar-se do considerando preambular nº 10, que refere que «a fim de assegurar a eficácia do presente regulamento, a possibilidade de recusar a citação ou notificação deverá limitar-se a situações excepcionais».