Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S4428
Nº Convencional: JSTJ00000286
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: ÓNUS DA PROVA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
VALOR PROBATÓRIO
SIGILO BANCÁRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: SJ200204240044284
Data do Acordão: 04/24/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 349/01
Data: 05/21/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR TRAB.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CONST92 ARTIGO 13.
CCOM888 ARTIGO 42 ARTIGO 43 ARTIGO 44.
CPC95 ARTIGO 528.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1991/03/29 IN BMJ N407 PAG308.
ACÓRDÃO RL DE 1989/07/05 IN CJ ANOXIV TIV PAG176.
ACÓRDÃO TC 516/93 DE 1993/10/26 IN BMJ N430 PAG179.
Sumário : 1 - O facto de recair sobre o autor o ónus da prova dos factos por si invocados como justa causa de rescisão do contrato de trabalho que o vinculava ao réu, não o inibe de requerer ao tribunal que notifique o réu para apresentar no processo os documentos que estejam em seu poder e dos quais o autor pretende fazer uso para provar os factos por si alegados e que lhe incumbe demonstrar.
2 - O juízo sobre o valor probatório dos documentos a juntar a um processo judicial não pode ser deixado à decisão unilateral da parte que detém os documentos, sob pena de flagrante violação do princípio da igualdade das partes.
3 - Os relatórios de auditorias feitas ao funcionamento de uma organização (bancária) não cabem na categoria de "livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos".
4 - O sigilo bancário, na escrita dimensão garantística dos direitos dos clientes do Banco é adequadamente salvaguardado com a determinação de serem ocultadas numa informação a prestar ao tribunal eventuais referências concretas a nomes de clientes e a movimentações de contas que permitiam a identificação dos respectivos titulares.
5 - O segredo bancário não tem carácter absoluto podendo ceder perante o interesse público da cooperação da justiça ou outros interesses constitucionalmente protegidos.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório:

A, intentou, em 2 de Setembro de 1999, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, acção emergente de contrato individual de trabalho contra Banco B, SA (entretanto integrado no Banco ..., SA), pedindo a declaração da licitude da justa causa por ele invocada para rescisão do seu contrato de trabalho e a condenação do réu no pagamento das indemnizações e débitos salariais que especifica.

Após contestação e reconvenção do réu (fls. 35 a 52) e resposta do autor à reconvenção (fls. 57 a 64), foi proferido despacho saneador e elencados os factos não controvertidos e os factos controvertidos (fls. 67 a 71), o que suscitou reclamação do réu (fls. 127 a 129), parcialmente satisfeita por despacho de fls. 143.

O autor apresentou, nos termos do artigo 60.º do Código de Processo do Trabalho, o requerimento de produção de prova de fls. 73 e 74, em que, além de oferecer prova testemunhal, requer que o réu junte aos autos o fax de Agosto de 1998 referenciado na sua contestação e ainda "os Relatórios das Auditorias ao Balcão, pelo menos 4, realizadas entre 1997 e 1999".

Por requerimento de fls. 153, o réu veio informar já ter junto aos autos extractos de dois relatórios de auditorias (relatório n.º 63/99, a fls. 76-82, e relatório n.º 89/99, a fls. 85-93) feitas à sua agência das Antas e que esses eram os únicos relatórios que reputava com interesse para a boa decisão da causa. Mais referiu que entre 1997 e 1999 se realizaram várias auditorias, as quais, porém, em seu entender, nenhum interesse terão para a boa decisão da causa, pelo que requer a notificação do autor para esclarecer quais os factos que pretende ver provados (ou não provados) com a junção dos aludidos relatórios.

Notificado, o autor apresentou o requerimento de fls. 168 e 169, no qual refere visar prova dos factos controvertidos quesitados nos n.ºs 1 a 3, 5, 7 a 15, 18, 20, 22, 23, 30 e 31, reiterando o pedido de intimação do réu para "juntar aos autos as auditorias, na sua íntegra, sem qualquer censura, que foram realizadas ao Balcão das Antas entre 1997 e 1999", o que foi deferido por despacho de fls. 171.

Notificado deste despacho, o réu veio: (i) arguir a nulidade de todo o processado posterior ao requerimento de fls. 168 e 169, por omissão da sua audição sobre o mesmo (requerimento de fls. 173 a 178); e (ii) para a hipótese de se julgar que essa omissão não constitui nulidade processual, interpor recurso de agravo do despacho de fls. 170 (requeri-mento e alegações de fls. 200 a 210).

Reconhecida aquela nulidade processual por despacho de fls. 221 e notificado o réu para responder ao requerimento de fls. 168 e 169, apresentou este a resposta de fls. 223 a 231, concluindo que, "atendendo ao facto de a junção aos autos dos relatórios de auditoria na sua íntegra, nos termos requeridos pelo autor a fls. 168 e 169, violar o dever de sigilo bancário, bem como não revelar qualquer interesse para a decisão da causa", tal requeri-mento deve ser indeferido.

Proferiu então o juiz do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia o despacho de fls. 233, do seguinte teor:

"Requerimento de fls. 168 e 169:

1) O interesse na junção dos documentos em questão resulta, designada-mente, dos factos controvertidos que, com a sua junção, se pretendem ver provados, pelo que este aspecto do requerido pelo autor se encontra salvaguardado;

2) A questão do sigilo bancário é ultrapassada da seguinte forma: a ré, sempre que se veja confrontada, nos documentos em questão, com o nome de um cliente ou com a identificação de uma conta bancária ocultará essas referências mantendo tudo o mais intacto. Por esta forma, os documentos em questão mantêm a virtualidade de, eventualmente, esclarecerem a matéria de facto controvertida que se pretende provar (que não refere clientes em concreto nem n.ºs de contas) sem porem em causa as susceptibilidades e os direitos associados ao sigilo bancário.

3) Quanto ao mais, afigura-se-me que é matéria fora do sigilo bancário consubstanciada em eventos que se repercutem na relação laboral em causa e que o tribunal tem a obrigação de esclarecer para proferir decisão sobre o mé-rito da acção (se assim não fosse, então em casos de despedimento promovidos pelas instituições bancárias em relação aos seus empregados não se poderia fazer prova porque estavam em causa factos respeitantes à vida das instituições de crédito que não poderiam ser revelados).

Nestes termos, decido deferir em parte o requerido a fls. 73 (com o complemento de fls. 168 e 169) e, em consequência, determino que a ré junte aos autos os Relatórios das Auditorias ao Balcão, pelo menos quatro, realizadas entre 1997 e 1999, com a reserva acima referida.

Prazo - 20 dias."

Contra este despacho interpôs o réu recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto (requerimento de fls. 235 a 237 e alegações de fls. 238 a 248), que, por acórdão de 21 de Maio de 2001 (fls. 276 a 278), lhe concedeu provimento, revogando o despacho re-corrido, para o que desenvolveu a seguinte argumentação:

"Em primeiro lugar, a constatação de o despacho recorrido não conter qualquer fundamentação jurídica expressa; mas, por se referir ao sigilo bancário, fazendo a sugestão de ocultação dos nomes de clientes e das suas contas, crê-se ter pretendido o M.mo Juiz usar da «dispensa de confidencialidade» instituída pelo artigo 519.º-A do Código de Processo Civil.

Não restam dúvidas sobre a confidencialidade das auditorias que o Banco realize aos seus serviços, no desenvolvimento da sua actividade estatutária, e que gozam da garantia do segredo comercial, instituída pelos artigos 42.º, 43.º e 44.º do Código Comercial. O Supremo Tribunal de Justiça publicou o seu acórdão n.º 2/98 , no Diário da República, de 8 de Janeiro de 1998, segundo o qual o citado artigo 43.º do Código Comercial não foi revogado pelo artigo 519.º do Código de Processo Civil.

Por isso, e em princípio, as referidas normas do Código Comercial não consentiam a determinação para que o Banco apresentasse os seus «documentos» integrados nas auditorias realizadas entre 1997 e 1999; acresce que o des-pacho da Administração do Banco a instaurar prévio inquérito disciplinar tem data de 13 de Maio de 1999, como se vê de fls. 83, e que a carta de rescisão do contrato de trabalho por parte do autor tem data de 20 de Julho de 1999, conforme fls. 15 e 16, tendo o Banco juntado extractos dos relatórios das audito-rias n. 63/99 (fls. 76) e n. 89/99 (fls. 85), no âmbito do inquérito disciplinar que decorria.

A carta de rescisão do contrato de trabalho invocou o disposto nas alíneas b) e f) do n. 1 do artigo 35. do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e o primeiro pedido formulado na acção é o de ser declarada lícita a alegada justa causa. Certo é, pois, que o ónus da prova dos factos alegados na carta de rescisão cabe ao autor (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) e que «apenas são atendíveis para justificar judicialmente a rescisão os factos indicados na comunicação» (n. 3 do artigo 34. do Decreto-Lei citado). Daqui resulta a falta de base legal para o autor requerer a junção dos ditos «documentos», os relatórios das auditorias, e a razão da não especificação dos factos a provar, faltando os pressupostos do artigo 528 do Código de Processo Civil.

Por fim, o alcance do artigo 519-A do Código de Processo Civil apenas se limita à determinação pelo juiz para «prestação de informações ao tribunal, quando as considere essenciais ao regular andamento do processo ou à justa composição do litígio». Ora, o processo ainda não chegou a tal fase; apenas as partes indicaram os meios de prova, longe ainda de ser possível tal conclusão ao M.mo Juiz, até porque, no rol de testemunhas a fls. 131, o Banco indicou o director de auditorias, o inspector-chefe, uma auditora e um técnico de auditoria, os quais serão instados na audiência de julgamento, certamente, sobre a matéria das auditorias em questão e que o tribunal considere interessar à decisão da causa. De notar, portanto, que a dispensa de confidencialidade pre-vista no artigo 519-A do Código de Processo Civil também não consentia ao juiz ordenar a junção de relatórios confidenciais, mas apenas a «prestação de informações»."

Contra este acórdão interpôs o autor, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de agravo, terminando as respectivas alegações (fls. 288 a 294) com a formulação das seguintes conclusões:

"1. Foi o recorrido que veio juntar aos autos parte de Auditorias ao local de trabalho do recorrente.

2. Prescindiu, ou entendeu não haver, sigilo bancário nestes documentos.

3. Não sendo o Tribunal nem as partes obrigados a aceitar como bons e imparciais os critérios fixados pelo recorrido para determinar a pertinência de junção de documentos.

4. Decidiu mal o douto acórdão ao entender que esses documentos estavam no sigilo bancário, porquanto não eram os documentos anexos às Audito-rias nem estavam em processo disciplinar.

5. Violando o artigo 519.º-A do Código de Processo Civil, porquanto o M.mo Juiz determinou e o requerente aceitou a «confidencialidade» dos dados das contas e clientes.

6. Como violou o art. 519.º do Código de Processo Civil ao permitir a obstaculização da descoberta da verdade, permitindo ao recorrido, ao abrigo do alegado sigilo bancário, que não acatara em seu benefício, não juntar as alegações das Auditorias.

7. Violou ainda o artigo 528.º do Código de Processo Civil ao admitir que o recorrido não juntasse documentos que confessamente estão em sua posse e são imprescindíveis para o apuramento da verdade.

8. Violou, por fim, o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a Lei e Tribunais, ao permitir que o recorrido use Auditorias para provar factos que alega, mas não o permitindo ao recorrente alegando o sigilo bancário."

O réu, ora recorrido, contra-alegou (fls. 299 a 309), concluindo:

"A. O recurso deve ser indeferido por ter sido interposto fora do prazo legalmente estipulado para tal acto, conforme o estipulado nos artigos 75.º e 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.

B. O recurso interposto pelo autor, nos presentes autos, é manifestamente infundado.

C. Efectivamente, o douto acórdão proferido não merece qualquer censura.

D. Desde logo, não estão presentes os pressupostos da aplicação do ar-tigo 528.º do Código de Processo Civil, isto é, não possui qualquer interesse para a decisão da causa a apresentação dos Relatórios de Auditoria em questão.

E. Os Relatórios de Auditoria objecto das pretensões do autor, ora recorrente, são objecto da protecção do sigilo bancário, constante dos artigos 78 e 79 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e do sigilo comercial estipulado no artigo 43 do Código Comercial.

F. O sigilo bancário e comercial integra a previsão do artigo 519, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Civil, o que legitima a recusa em juntar documentos aos autos que digam respeito ao segredo profissional e se sobrepõe ao alegado dever de cooperação das partes para a descoberta da verdade.

G. O artigo 519-A do Código de Processo Civil não se aplica ao caso sub judice, ao contrário do alegado pelo autor."

Neste Supremo Tribunal de Justiça, por despacho do relator de fls. 320, foi desatendida a questão prévia, suscitada nas contra-alegações do réu, da extemporaneidade do recurso.

Seguidamente, a representante do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 322 a 327, no sentido do provimento do agravo, parecer que, notificado às partes, suscitou a resposta do réu, ora recorrido, de fls. 329 a 333.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação

O acórdão recorrido fundamentou a revogação do despacho agravado - que havia determinado a intimação do réu para juntar aos autos os relatórios das auditorias feitas à Agência das Antas, com ocultação dos nomes dos clientes e das identificações de contas bancárias que nesses relatórios constassem, deste modo se salvaguardando o sigilo bancário - nos seguintes argumentos: (i) tais relatórios estão protegidos pela confidencialidade instituída pelos artigos 42.º, 43.º e 44.º do Código Comercial; (ii) é sobre o autor que recai o ónus da prova do alegado na carta de rescisão do contrato de trabalho; (iii) não foram especificados os factos a provar, assim faltando os pressupostos do artigo 528.º do Código de Processo Civil; (iv) o artigo 519.º-A do mesmo Código apenas se limita à determinação pelo juiz da "prestação de informações", não dando cobertura à ordem de junção de documentos; e (v) só após a audição das testemunhas em audiência de julgamento poderá o tribunal aquilatar do interesse dos relatórios para a boa decisão da causa.

Adiante-se desde já que nenhum destes argumentos procede.

2.1. O facto de recair sobre o autor o ónus da prova dos factos invocados como justa causa de rescisão do contrato de trabalho que o vinculava ao réu não o inibe de requerer ao tribunal, ao abrigo do artigo 528.º do Código de Processo Civil, que notifique o réu para apresentar no processo os documentos que estejam em seu poder e dos quais o autor pretende fazer uso justamente para provar os factos por si alegados e que lhe incumbe demonstrar.

2.2. Depois, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, o autor, no requerimento de fls. 168 e 169, especificou os factos que pretendia demonstrar com a requerida junção dos relatórios de auditorias que referenciou em termos de habilitar o réu a saber a que documentos o autor se referia. Foram, assim, cumpridos pelo autor os requisitos formais impostos na parte final do n.º 1 daquele artigo 528.º

2.3. E o n.º 2 do mesmo preceito condiciona o deferimento do pedido de notificação para junção de documentos tão-só ao reconhecimento do interesse para a decisão da causa dos "factos que a parte pretende provar". Neste ponto, quer o acórdão recorrido, quer o réu, incorrem no erro de considerar que o que tem de ter interesse para a decisão da causa são os documentos cuja junção foi requerida, o que, como é óbvio, não faz qualquer sentido: desconhecendo o tribunal o teor dos documentos, como é que ele poderia reputá-los com ou sem interesse para a decisão da causa? Por outro lado, esse juízo de relevância não pode manifestamente ser deixado à decisão unilateral da parte que detém os documentos, sob pena de flagrante violação do princípio da igualdade das partes.

O que importa averiguar é, pois, se os factos que o autor pretende provar através dos documentos cuja junção requereu têm, ou não, interesse para a decisão da causa. Se os factos identificados tiverem interesse para a decisão da causa, deve ser, em princípio, determinada a junção dos documentos. E dizemos "em princípio" apenas para prevenir a hipótese de casos extremos e anómalos em que, pela mera enunciação do teor do documento, seja patente que o mesmo nenhuma conexão possa ter com o factos indicados como destinados a ser provados por esse documento.

Assim, interessa recordar que o pedido principal formulado na presente acção consiste no reconhecimento da existência de justa causa de rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, o ora recorrente.

Os factos integradores dessa justa causa constam da carta de rescisão de fls. 15 e 16, do seguinte teor (sendo certo que só esses factos são atendíveis na apreciação judicial da justa causa de rescisão -n.º 3 do artigo 34.º do "Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo", aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro):

"Até ao presente momento não recebi qualquer resposta aos meus faxes de 15 e 19 de Julho p. p..

Mantém-se, no entanto, a minha insustentável posição laboral.

Tendo regressado de férias a 13 de Julho p. p., mantenho-me sem password, elemento imprescindível à minha actividade enquanto Assessor Financeiro.

Não contentes com esta situação, no dia 14 de Julho de 1999, por ordens expressas do Sr. Director do Balcão, Sr. C, fui impedido de ter acesso ao meu gabinete / local de trabalho, que foi fechado à chave.

Foram-me dadas ordens expressas para permanecer no Back Office contíguo ao Economato sem desempenhar qualquer actividade.

Foi-me retirada a gestão da carteira de clientes dos quais foi feita a «migração».

Sendo mesmo impedida qualquer actividade, não me permitindo contacto com os meus clientes, a quem se torna difícil entender esta situação conjugada com a minha presença na agência.

Esta dolosa atitude, sem qualquer justificação, mau grado a sua expressa solicitação, ao impedir o exercício da minha actividade, viola o dever da ocupação efectiva, provocando grave e incomensuráveis prejuízos ao signatário, vitima de grave pressão psicológica e da carga de suspeição que sobre si pende.

Face ao enquadramento em que estes factos ocorrem, a dignidade do signatário é profundamente atingida perante a carga, a suspeição que sobre mim recai, com os clientes a ficarem deveras admirados com a proibição de os atender apesar de presente no balcão.

É, pois, insustentável esta situação, repete-se, e é patentemente dolosa a vossa atitude que não a justificam nem fundamentam, não dando qualquer resposta à minha posição várias vezes expressa por fax.

Há, por tudo o exposto, uma clara ofensa à honra e dignidade do trabalhador, bem como à sua garantia legal de ocupação efectiva, pelo que, nos termos das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, venho por este meio rescindir o meu contrato de trabalho com justa causa, a partir da recepção desta declaração."

Na contestação, o réu veio referir, em suma, que, tendo surgido suspeitas de práticas irregulares na movimentação de contas de clientes, na Agência das Antas do então Banco B, SA, que envolviam diversos elementos da respectiva equipa, entre eles o ora recorrente, foram realizadas auditorias e instaurados processos prévios de inquérito e desencadeado um processo de reestruturação da Agência e redistribuição de funções dos vários funcionários potencialmente envolvidos. Como aqueles processos de inquérito ainda não estavam findos quando o recorrente regressou de férias, foi determinado que, temporariamente, o mesmo fosse afastado do contacto directo com os clientes, o que, atenta a justificação da medida e o seu carácter provisório, não seria idóneo a integrar justa causa de rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador. Nessa contestação o réu protestou juntar 10 documentos, o que veio a fazer a fls. 75 a 125, entre eles se incluindo extractos de dois relatórios de auditorias realizadas à referida Agência, tendo sido riscados os nomes de clientes e os números das respectivas contas, bem como os nomes de alguns funcionários do réu, nesses relatórios citados.

Na resposta, o autor veio sustentar que actuou sempre sob "as ordens do seu gerente de Balcão, sem qualquer autonomia e nunca no exercício solitário de qualquer competência arrogada", nunca lhe tendo sido movido qualquer processo de inquérito, apesar de o réu ter procedido "a várias auditorias internas durante o período em que o autor se encontrava no Balcão das Antas" e "sendo certo que todas as operações praticadas eram-no com suporte documental e do conhecimento do réu", "como o eram as contas a descoberto, cuja relação diária era do conhecimento do Banco, centralmente, que avaliava o desempenho das Agências"; ora, "mau grado este conhecimento nunca o réu decidiu proceder disciplinarmente contra o autor nem tão pouco lhe deu ordem para proceder de outra forma, não obedecendo às determinações do seu gerente de Balcão", pelo que "não reagindo o réu, após as diversas Auditorias, ao modus operandi da Agência, criou-se a convicção do bom procedimento desta, mormente do autor, e anuência daquele".

O autor, ora recorrente, pretende que o réu seja intimado a juntar, na íntegra, outros relatórios de auditorias, documentos estes cuja junção aos autos visaria provar os factos controvertidos quesitados nos n. 1 a 3, 5, 7 a 15, 18, 20, 22, 23, 30 e 31, cujo teor a seguir se transcreve:

"1) O autor, em 13 de Julho de 1999, após o regresso de um período de gozo de férias ainda do ano anterior, viu-se confrontado com o facto de deixar de ter acesso ao computador, dado ter-lhe sido retirada a sua password, o que inviabilizava o exercício da sua actividade profissional na prática, pois impedia-o de ter acesso ao banco de dados com o qual laborava no aconselhamento aos clientes;

2) Culminou esta situação com o encerramento do seu gabinete à chave, no dia 14 de Julho de 1999, por ordem expressa do director do seu Balcão das Antas, o Sr. C, sendo-lhe impedido o acesso ao seu posto de trabalho;

3) Questionado este seu superior hierárquico, ordenou-lhe este que passasse a permanecer no Back Office, espaço contíguo ao Economato, sem qualquer função distribuída, sendo-lhe retirada a carteira de clientes, aos quais foi feita a "migração" para outros colegas;

5) Esta situação foi extremamente penosa para o autor, pois dadas as alarmantes notícias que corriam na imprensa ligadas a este afastamento do autor, facilmente criavam a ideia do seu envolvimento em algo não explicado, criando um clima de suspeição falso e prejudicial ao autor;

7) O autor sempre actuou debaixo das ordens do seu gerente de balcão, sem qualquer autonomia e nunca no exercício solitário de qualquer competência arrogada;

8) Ao autor nunca foi movido qualquer processo de inquérito, nunca lhe tendo sido comunicado qualquer intenção de tal forma proceder;

9) Todas as operações praticadas pelo autor eram-no com suporte documental e do conhecimento do réu;

10) Como o eram as contas a descoberto cuja relação diária era do conhecimento do Banco, centralmente, que avaliava o desempenho das agências;

11) O réu já antes de Dezembro de 1998 que sabia da forma de actuar da delegação das Antas, balcão muito específico, actuando à porta fechada, com atendimento personalizado, tudo de acordo com a zona de clientes que tinha, nomeadamente chamado de "topo de gama";

12) Mau grado este conhecimento nunca o réu decidiu proceder disciplinarmente contra o autor nem tão-pouco lhe deu ordem para proceder de outra forma, não obedecendo às determinações do seu gerente de balcão;

13) Não reagindo o réu, após as diversas auditorias, ao modus operandi da agência, criou-se a convicção do bom procedimento desta, mormente do autor, e anuência daquele tanto mais que os resultados apresentados, quer no geral quer proporcionalmente, tornavam o balcão das Antas como o mais rentável do réu;

14) Sendo pública, e de forma clara, a actuação do pessoal do balcão, em obediência às instruções do Director, sendo do conhecimento do réu por força das diversas auditorias;

15) O autor assinou as cartas supra referidas nos pressupostos supra mencionados (nenhuma razão o levava a admitir, sequer, que as ordens recebidas do seu superior hierárquico o seriam contra a vontade do réu e que as devia desobedecer e que teriam de ser assinadas obrigatoriamente por dois funcionários mas de certeza que os dois clientes eram da "carteira" do Director da Agência);

18) Era do conhecimento do réu, muito antes de Dezembro de 1998, a existência de contas paralelas;

20) Na sequência dos resultados apurados num relatório de auditoria preliminar - o relatório n. 63/99, de 26 de Abril de 1999 - elaborado pela D.A.I., foi detectada a existência de irregularidades relacionadas com movimentações bancárias em algumas contas de clientes, nas quais poderiam estar envolvidos vários trabalhadores do Banco B, S.A, da agência das Antas, nomeadamente o anterior Director desta agência, bem como outros funcionários, nos quais se incluía o autor - funcionários estes que representavam a grande maioria dos funcionários de Banco B nesta agência;

22) Na pendência do referido processo prévio de inquérito, e tomando por base as informações obtidas no supra mencionado relatório de auditoria preliminar n.º 63/99, de 26 de Abril de 1999, a D.A.I. elaborou o relatório de auditoria n.º 89/99, de 29 de Junho de 1999, o qual se fundamenta nomeadamente nas declarações prestadas pelo funcionário ora autor;

23) No decorrer das acções de auditoria levadas a cabo no âmbito dos processos de inquérito prévio em curso, o Banco B, SA, veio a ter conhecimento de cartas enviadas pelo Director da agência do Banco B - Rede Clássica das Antas a vários clientes, as quais evidenciavam o compromisso do Banco perante esses clientes de constituição de depósitos a prazo ou outras aplicações financeiras a taxas remuneratórias líquidas muito acima das taxas de mercado / precário permitidas pelo Banco B;

30) Simultaneamente, como se pode verificar pelos relatórios de auditoria interna, o Banco B veio a constatar que a equipa da agência das Antas estava, na sua larga maioria, efectivamente envolvida nas irregularidades verificadas na movimentação das contas de clientes e captação de depósitos a prazo e outras aplicações;

31) Paralelamente às auditorias internas que estavam a ser efectuadas pelo Banco B surgiam na comunicação social notícias relativas às irregularidades cometidas pela equipa da agência das Antas da Rede Clássica do Banco B."

Basta a leitura destes factos -aliás, poderia mesmo dizer-se que bastaria terem sido quesitados -para se concluir pela sua relevância para a decisão da causa. Na verdade, a justa causa para a rescisão invocada pelo autor (retirada de funções) poderá ser afectada se se comprovar a versão do réu de que se tratou de mera suspensão cautelar, provisória e temporária dos contactos directos do autor com os clientes, justificada por suspeitas de irregularidades, mas voltará a ganhar força se se apurar que estas alegadas irregularidades eram conhecidas e não contrariadas pelos órgãos responsáveis do réu. Tanto basta para se concluir pela verificação de todos os requisitos elencados no artigo 528.º do Código de Processo Civil. E ainda acresce que, no presente caso, não estamos perante aquelas situações extremas e anómalas, atrás referidas, em que seja patente nenhuma conexão existir entre o documento cuja junção se requer e o facto a cuja prova o mesmo se destinaria; pelo contrário, surge como plausível que os relatórios das auditorias, versando sobre o funcionamento interno da Agência das Antas, forneçam elementos úteis para dilucidação das versões opostas de autor e réu, com directa repercussão no sucesso da acção.

2.4. Mas constituirá obstáculo à intimação do réu para apresentação dos citados documentos qualquer tipo de segredo, seja ele o segredo comercial, o segredo bancário ou o segredo profissional? Entende-se que não.

Os artigos 42.º, 43.º e 44.º do Código Comercial, invocados no acórdão recorrido, respeitam à exibição judicial dos "livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos", categoria em que não cabem relatórios de auditorias feitas ao funcionamento de uma organização, e, além disso, o artigo 43.º permite o exame nos livros e documentos dos comerciantes quando tenham responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.

Por seu turno, o artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, invocado pelo réu, dispõe:

"1 - Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.

3 - (...)."

No presente caso, o sigilo bancário, na estrita dimensão garantística dos direitos e interesses legítimos dos clientes do Banco réu, é adequadamente salvaguardado com a determinação - contida no despacho da 1.ª instância, com a qual o autor expressamente concordou - de serem ocultadas eventuais referências concretas a nomes de clientes e a movimentações de contas que permitam a identificação dos respectivos titulares.

Quanto ao segredo profissional, na dimensão de proibição de revelação de factos ou elementos respeitantes à vida da instituição, ele releva na perspectiva da revelação dessas informações para o exterior, não operando nas relações internas à instituição, mesmo quando derivem de conflitos entre ela e os seus trabalhadores que sejam trazidos a tribunal. Como refere António Menezes Cordeiro (Manual de Direito Bancário, Coimbra, 1998, pág. 326), "o sigilo não vigora nas relações internas entre o banco e o seu trabalhador".

No caso sobre que recaiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Julho de 1989, processo n.º 5030 (Colectânea de Jurisprudência, ano XIV, 1989, tomo IV, pág. 176), confirmado pelo acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Março de 1991, processo n.º 2500 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 407, pág. 308), considerou-se neste último aresto que, na instrução de um processo disciplinar movido a um trabalhador, um Banco tem o direito de proceder às necessárias investigações na defesa de todos os seus interesses, incluindo a análise da conta bancária do trabalhador arguido que, para esse efeito, não intervém na qualidade de cliente do Banco, quando as irregularidades que haja cometido tenham precisamente a ver com movimentações da sua conta susceptíveis de prejudicar outrem.

Similarmente, não é lícito à entidade empregadora invocar o sigilo bancário, comercial ou profissional, para se furtar à exibição perante o tribunal de documentos em sua posse que, incidindo sobre o funcionamento do seu departamento onde o autor exercia funções, surgem como potencialmente relevantes para a prova de factos (o conhecimento e a aceitação de práticas que depois vieram a ser rotuladas de irregulares para pretensamente justificar o esvaziamento das funções atribuídas ao autor, com violação do seu direito a ocupação efectiva) de óbvio interesse para o sucesso da acção.

Como convincentemente se refere no parecer do Ministério Público:

"Estando assente, na nossa óptica, que os factos que o autor pretende provar com os relatórios de auditoria cuja junção aos autos requereu têm interesse para a decisão da causa, a questão que agora se coloca é a de saber se é legítima a recusa do Banco recorrido em juntar aos autos os referidos relatórios por os mesmos estarem cobertos pelo segredo bancário, nos termos do disposto nos artigos 78.º e 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e pelo sigilo comercial, nos termos do disposto nos artigos 41.º e 42.º do Código Comercial.

A resposta a esta questão prende-se, a nosso ver, não só com o segredo bancário mas também com o princípio da igualdade das partes no processo ou igualdade de armas, previsto no artigo 3.º-A do Código de Processo Civil, e que possui dignidade constitucional, por derivar em última instância do princípio do Estado de Direito e constituir emanação directa do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 516/93, de 26 de Outubro de 1993, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 430, pág. 179).

Com efeito, no caso concreto, verifica-se que o Banco réu juntou aos autos extractos de auditorias internas para prova de factos pertinentes à sua defesa, não obstante esses documentos estarem cobertos pelo segredo bancário.

E sendo assim, o que agora se questiona é saber se é admissível a junção de documentos idênticos requerida pelo autor para prova de factos que invocou na resposta à contestação.

Ora, pode desde já afirmar-se que à luz do referido princípio da igualdade de armas a solução quanto à admissibilidade daqueles documentos terá de ser a mesma para ambas as partes.

O que desloca o problema para a sede do sigilo bancário.

Como referem Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal Anotado, 1.º volume, 1999, pág. 739), "o segredo bancário repousa sobre factos ou elementos respeitantes à vida das instituições de crédito e às relações destas com os clientes, nomeadamente no que toca aos seus nomes, contas, movimentos ou operações realizadas".

Todavia, o segredo bancário não tem carácter absoluto podendo ceder perante o interesse público da cooperação da justiça ou outros interesses constitucionalmente protegidos.

Como atrás se referiu, o Banco réu juntou aos autos extractos de auditorias internas para prova de factos que teve por relevantes em sede desta acção.

Isto significa, a nosso ver, que o Banco réu, colocado perante o conflito entre o interesse da sua defesa e o interesse da salvaguarda do sigilo bancário, resolveu esse conflito através da junção aos autos dos referidos extractos tendo neles ocultado os nomes dos clientes e os números das contas bancárias com vista a salvaguardar o sigilo bancário.

Ora, pretendendo o autor provar, através dos relatórios de auditoria cuja junção requereu, os factos que invocou na resposta à contestação, logo se conclui que o interesse que esteve subjacente à junção pelo Banco réu dos extractos das auditorias é o mesmo que subjaz à junção dos documentos requerida pelo autor.

E sendo assim, não se vislumbra qualquer fundamento válido para que, no caso concreto, o segredo bancário se sobreponha ao princípio da igualdade das partes no processo, tanto mais que a salvaguarda do segredo bancário pode ser alcançada nos mesmos moldes que foram utilizados pelo Banco réu relativamente aos extractos das auditorias que juntou aos autos para prova dos factos que invocou na contestação, o que, aliás, foi ponderado no despacho da 1.ª instância que ordenou a junção dos documentos requerida pelo autor."

2.5. Refira-se, por último, que são improcedentes os dois últimos fundamentos do acórdão recorrido.

Na verdade, do que sempre se tratou foi da junção de documentos, regulada pelo artigo 528.º, e não da prestação de informações a coberto do artigo 519.º-A, ambos do Código de Processo Civil.

Por outro lado, a eventualidade de serem ouvidos na audiência de julgamento, como testemunhas, funcionários do réu que participaram nas auditorias em nada afecta o interesse na junção dos respectivos relatórios, até para sobre eles poderem ser prestados, pelos seus autores, os esclarecimentos tidos por relevantes. Aliás, não deixa de ser algo contraditório o acórdão recorrido ter considerado que esses relatórios estavam cobertos pela confidencialidade e admitir que sobre o seu teor venham a ser inquiridas as testemunhas que hajam participado na sua feitura.

Não pode, assim, ser mantido o acórdão recorrido, devendo antes ser confirmado o decidido na 1.ª instância, que procedeu a uma criteriosa conciliação entre o dever de colaboração das partes na administração da justiça e a salvaguarda dos interesses relevantes dos clientes do banco no que tange ao sigilo bancário.

3. Decisão

Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando o acórdão recorrido, para ficar a subsistir o decidido na 1.ª instância.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 24 de Abril de 2002.

Mário Torres,

Vítor Mesquita,

Emérico Soares.