Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7/10.OPEBJA .S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Indicações Eventuais: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
Doutrina:
- Eduardo Cabete, Col. Saberes do Direito, Vol. VI, Parte Especial, S. Paulo, 2001.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 365.
- Miguez Garcia e Castela Rio, “Código Penal” Anotado, 2014, 380.
- Rogério Greco, Curso de Direito Penal, I, Niterói, 2012.
- Taipa de Carvalho, Direito Penal, Ed. UCP, 2003, 86.
- Germano Marques de Sousa, Curso de Processo Penal, I, 264.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 20.º, N.º4, 40.º, 71.º, 72.º, N.º2, 73.º, 75.º, N.º1.
DEC.-LEI N.º 15/93, DE 22-1: - ARTIGOS 21.º, 22.º, 25.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28.02.07, P.º N.º 9/07-3.ª, 16.01.08, P.º N.º 4638/07-3.ª, DE 26.03.08, P.ºS N.ºS 306/08-3.ª E 4833/07-3.ª, DE 04.06.08, P.º N.º 1668/08-3.ª, E DE 04.12.08, P.º N.º 3774/08-3.ª.
Sumário :

I - O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, que se situa entre o crime de tráfico simples e o crime de tráfico agravado, tem lugar sempre que a ilicitude se mostrar consideravelmente diminuída.
II - A ilicitude exigida neste tipo legal tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta, pelo desvalor da acção e do resultado, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou a qualidade das plantas ou substâncias estupefacientes, como factos-índice a atender numa valoração global, não isolada, de que a configuração da acção típica não prescinde, em que a quantidade não é o único nem, eventualmente, o mais relevante.
III -A modalidade de venda assenta no contacto directo com o consumidor na sua residência, reparte-se ao longo de 3 anos, o tempo não serviu como contra-motivo da sua acção reprovável, teve por objecto 2 dos mais nocivos estupefacientes (heroína e cocaína), para além de resina de cannabis, e o arguido é dono de um automóvel, o que se mostra incompatível com a condição de quem se acha desempregado ou com a vida de um miserável traficante que vende, em sobressalto e deslocalizadamente, para subsistir e para alimentar o vício.
IV - Estas circunstâncias, numa visão global dos factos, não se reconduzem a um crime de tráfico de menor gravidade, pese embora os produtos vendidos não repercutam quantidades significativas.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : 

Em processo comum com intervenção do colectivo,  no Tribunal Judicial de Beja,  foram submetidos a julgamento AA e BB, vindo , a final , a ser condenados :

 O AA pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º nº.1 do DL n.º 15/93, de 22/01 com referência ao disposto na Tabela I-A e I-B anexa àquele diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão ;

 A BB pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 25º al. a) do DL n.º 15/93, de 22/01 com referência ao disposto na Tabela I-A e I-B anexa àquele diploma legal, na pena de 2 (dois) anos de prisão e pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi  condenada  a arguida BB na pena única de 2 (dois) e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita a regime de prova que contemple, além do mais que vier a ser definido pela DGRSP, plano de tratamento adequado à problemática de dependência do consumo de estupefacientes de que a arguida padece.

Inconformado com o teor da decisão recorrida , recorreu o arguido , que apresentou na motivação as seguintes conclusões :

1. O recorrente vinha acusado pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, punível pelos art.ºs 75° e 76° do Cód. Penal e pelo art.º 21°, n.º 1, do D.L n.º 15/93, de 22/01.

2. Pelo tribunal recorrido, foi julgada procedente por provada a douta acusação, e, consequentemente, foi o recorrente condenado como reincidente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos art.ºs 75° e 76°, do C.P. na pena de 6 (seis) anos de prisão.

3, O recorrente prestou depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento, assumiu os factos, confessando-os integralmente e sem reservas.

4. É dependente da adição de cannabis desde há cerca de duas décadas - 40 anos.

5. Tem actualmente 60 anos.

r 6. Encontra-se desempregado, mas inscrito no Centro de Emprego,

7. Tem a seu cargo a companheira e dois filhos de 20 e 22 anos.

8. Auferem R.S.1.

9. Ao recorrente foi apreendida, na sua residência 2.089gramas de cannabis (resina) e 4.021gramas de cocaína.

10. Foi também apreendida a quantia monetária de € 265,33.

11. O recorrente cedeu a terceiros/consumidores, na sua residência, a solicitação destes, pequenas quantidades de estupefaciente a troco de dinheiro, sem intuito lucrativo.

12. Conduta essa (ilícita) determinada exclusivamente pela sua adição e da sua companheira.

13. Não foram detectados quaisquer sinais exteriores de riqueza, nem encontrados/apreendidos objectos (balança/aditivos), bens, valores conectados com a alegada venda reiterada de estupefacientes.

14. O recorrente não praticou o crime pelo qual vinha acusado e foi condenado - tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21°, n.º 1, do D.L. N.º 15/93, de 22/01.

15. O recorrente não deve ser condenado como reincidente, atenta previsão do n.º 2 do art.º 75° e 76°, do C.P.

16. As condutas ilícitas do recorrente devem sim integrar a previsão do art.º 25°, al. a), do D.L. N. ° 15/93, de 22/01.

17. Devendo por tal crime ser condenado, em pena de prisão, mas suspensa na sua execução com regime de prova.

18. Tal como, embora meramente elucidativo e nunca vinculativo, espelha o Relatório Social junto aos autos.

19. Condenando-se o recorrente pela prática do crime p. e p. na al. a), do art.º 25°, do D.L. n.º 15/93, de 22/01, numa pena situada junto seu limite médio, atentos os seus antecedentes criminais, mas não descurando uma atenuação especial da pena, pela assunção/confissão dos factos.

20. A qual deverá ficar suspensa na sua execução por igual período, sujeita regime de prova da definir pelo D.G.R.S.

 A Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta neste STJ  , na linha da opinião  do Exm.º Procurador  Adjunto da emitiu parecer , defendendo a redução da pena a 5 anos e a  suspensão  da sua execução  , acompanhada de  sujeição a regime de prova.  

Resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

1. O arguido AA vive maritalmente com a arguida BB, residindo na residência sita na Rua ....

2. O arguido AA foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por acórdão proferido no PCC nº35/04.4PEBJA, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Beja, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, cometido em 23/1/2006.

3. O arguido cumpriu parte da referida pena de prisão, tendo sido colocado em liberdade condicional, por sentença de 10/10/2007, do TEP.

4. Desde, pelo menos, o ano de 2010 que ambos os arguidos se vêm dedicando à venda de estupefacientes aos consumidores, no Bairro ..., designadamente na residência de ambos e nas suas proximidades.

5. O arguido é proprietário de um veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca BMW e de matrícula ...-AU

6. Durante o ano de 2010, o arguido AA vendeu doses de heroína a ..., pelo preço de 10€ a dose.

7. No dia 2/3/2010, a arguida BB vendeu, na sua residência, uma dose de heroína ao referido consumidor, o qual viria a ser interceptado pela PSP, com cerca de 0,14 gramas de heroína.

8. Durante os anos de 2011 a 2013, o arguido Carlos Guerreiro vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro da Esperança, duas vezes por mês, entregando o arguido dois pacotes de cocaína pelo preço de 40€.

9. Durante os anos de 2011 a 2013, o arguido AA vendeu cocaína ao consumidor CC em número e quantidades não concretamente apuradas, no Bairro da Esperança.

10. Durante o ano de 2012, por várias vezes, o arguido CC vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro ..., entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 10€.

11. Durante o ano de 2012, por várias vezes, o arguido AA vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro ..., entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 10€.

12. Durante os anos de 2012 a 2013, pelo menos duas vezes, o arguido Carlos Guerreiro vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro ..., entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 20€.

13. Designadamente, no dia 19/2/2013, pela tarde, no Bairro ..., o arguido AA vendeu cocaína ao ....

14. Pouco tempo depois, o ... viria a ser interceptado pela PSP. O estupefaciente não foi apreendido, por ter sido engolido pelo consumidor.

15. No dia 20/2/2013, pela tarde, no Bairro da Esperança, o arguido AA vendeu, mais uma vez, estupefaciente ao ....

16. O produto estupefaciente referido em 13 e 15 destinava-se a ser também entregue ao consumidor ....

17. Durante o ano de 2013, em ocasiões, quantidades e valores não concretamente apurados, o arguido AA e a arguida BB venderam cocaína ao consumidor  ... em quantidades e valores não concretamente apurados. Tais vendas ocorreram no Bairro ....

18. No dia 26/2/2013, pela tarde, no Bairro ..., a arguida BB conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-AU.

19. A arguida não é titular de carta de condução.

20. No dia 23/5/2013, pelas 14.45 horas, na residência dos arguidos, sita na Rua ..., o arguido AA tinha consigo 265,33€ e  2,089 gramas de cannabis (resina) e, no interior de uma máquina de café, um invólucro contendo 8 embalagens plásticas contendo 4,021 gramas de cocaína.

21. Foram, ainda, encontrados vários recortes plásticos, para embalar o estupefaciente.

22. O arguido destinava estas substâncias à venda aos consumidores, sendo o dinheiro resultado de vendas já efectuadas.

23. Foi, ainda, apreendido o automóvel de matrícula ...-AU, propriedade do arguido.

24. Durante o mês de Setembro de 2013, o arguido AA vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro ..., entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 20€.

25. Durante o ano de 2013, por várias vezes, o arguido AA vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro ..., entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 20€.

26. Designadamente, no dia 8/10/2013, pela manhã, o arguido AA vendeu uma dose de cocaína ao consumidor ..., pelo preço de 20€.

27. Pouco tempo depois, o ... foi interceptado pela PSP, tendo-lhe sido apreendidas cerca de 0,26 gramas de cocaína.

28. Ambos os arguidos conheciam as características e a composição da heroína, da cocaína, nomeadamente as suas qualidades estupefacientes, sabendo que a sua cedência a terceiros é proibida.

29. A arguida BB pretendeu conduzir veículo automóvel, sabendo que não está habilitada com carta de condução.

30. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo o carácter reprovável das suas condutas.

Mais se provou relativamente ao arguido AA:

31. Realizado relatório social pelos serviços da DGRSP do mesmo consta:

“I -Condições sociais e pessoais

AA reside em ..., integrado em agregado familiar composto pela companheira e dois filhos de ambos, ... e ... de 22 e 20 anos de idade, respectivamente. O relacionamento intrafamiliar é-nos descrito como adequado e afectivamente compensador. É referido existir um ambiente de respeito mútuo entre os diferentes componentes da família.

À data dos factos AA mantinha a residência, que construiu na pendência da primeira união conjugal, num bairro periférico da cidade de ..., conotado com atividades marginais, onde se enquadra adequadamente O espaço habitacional é-nos descrito como adequado às necessidades do agregado familiar.

Foi neste bairro que cresceu e sempre residiu, compondo um agregado familiar constituído pelos progenitores e mais dois irmãos, à excepção de um período de cerca de uma dezena de anos, em que permaneceu emigrado na Suiça.

A união com BB data de há cerca de 25 anos, pouco tempo volvido do seu regresso da Suiça.

AA encontra-se desempregado, situação que se verificava à data a que remontam os presentes autos. Com efeito, desde que o primeiro vinculo conjugal se desfez, permanecendo a companheira e filhos na Suiça, o arguido passou a revelar grande instabilidade pessoal e laboral, deixando de manter ocupação laboral de carácter continuado, tendo-se ocupado, no início, em exploração de mini mercado e, posteriormente de um café/bar, actividades que o arguido e a atual companheira não lograram manter.

Trabalhou na profissão que aprendeu com seu pai, de magarefe, na Suiça e só voltou a exercê-la no seu regresso a Portugal durante um período de alguns meses, há cerca de três ou quatro anos, aquando da abertura de um talho no edifício do matadouro de beja. Foram problemas num dos braços que impediram o arguido de prosseguir esse trabalho.

Há cerca de 5/6 anos, deslocou-se para o Norte de Itália com a família, por alguns meses, com o objectivo de cumprir um contrato de trabalho, do qual desistiu, regressando de novo a Portugal. Tal como AA, também a companheira está desempregada. Actualmente, no agregado, apenas a filha dispõe de um trabalho de natureza precária, em bar da cidade.

O agregado é beneficiário do RSI – Rendimento Social de Inserção, no valor mensal de 420€. Como despesas mensais regulares em água, electricidade e gás despende cerca de 90€.

AA encontra-se inscrito no Centro de Emprego.

O arguido dispõe como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade, resultante da conclusão do Curso de Manutenção e Reparação de Computadores, num dos anteriores períodos de reclusão, que lhe proporcionou equivalência a este nível de ensino.

Remonta ao período da separação conjugal, há mais de 25 anos, o início do consumo de substâncias estupefacientes, de que diz ser dependente e para a qual, não procura apoio terapêutico, por considerar ser impossível travar os consumos quando pessoalmente algo o desestabiliza. Refere, no entanto, conseguir manter-se abstinente por largos períodos, tentando controlar as dificuldades/problemas que os despoletam, através da toma de medicamentos ansiolíticos. Apenas em anteriores períodos de cumprimento de pena de prisão efectiva ou em liberdade condicional aderiu a tratamentos nesta área. Também a companheira é toxicodependente, sendo que esta frequenta as consultas na Unidade de Intervenção Local do SICAD, integrada no programa de metadona.

Data igualmente da ruptura conjugal o início da actividade de índole criminal apresentada por AA. Efectivamente, desde 1989 que os processos judiciais de natureza criminal têm marcado a vivência do arguido, tendo o mesmo sido condenado, entre outras, a algumas penas de reclusão, nomeadamente no proc. n.º 84/93, por acórdão datado de 9 de Março de 1994,do Circulo Judicial de Beja, por tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos e seis meses de prisão, no proc. 9/95, por acórdão datado de 9 de Julho de 1995, do Circulo Judicial de Beja, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos de prisão tendo-lhe sido, pelo mesmo acórdão, revogada a pena de 3 anos de prisão que se encontrava suspensa nos autos n.º 76/91, do Tribunal Judicial da Comarca de Cuba, pela prática do crime de ofensas corporais com dolo de perigo. As penas a que foi condenado no âmbito dos procs 84/93 e 9/95 foram objecto de cúmulo jurídico, no qual lhe foi imposta a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão. Em 2007, no proc. n.º 35/04.4PEBJA, foi AA condenado pela autoria de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de dois anos e seis meses de prisão. Em meio livre, no cumprimento de medidas probatórias, manteve uma postura caracterizada por falta de cumprimento quanto à injunção de submissão à tutela dos serviços de reinserção social, transmitindo informações falseadas sobre o seu modo de vida, nomeadamente que continuava em formação profissional quando já havia rescindido esse contrato, omitindo ainda a informação que se encontrava com obrigação de sujeição a consultas do ex CAT, determinada em processo a decorrer na Comissão de Dissuasão da Toxicodependência.

AA é crítico perante a sua situação processual, com enfoque nos consumos que faz, afirmando-se incapaz de lidar com situações geradoras de tensão, sem que retorne aos hábitos aditivos.

A situação de toxicodependência do arguido, e mesmo a sua situação jurídico-penal, não são fatores que obstem à sua aceitação no meio social onde reside.

II -Conclusão

AA apresenta como factores de risco a situação de toxicodependência que protagoniza há largos anos e a demarcação de qualquer processo de tratamento específico, o desemprego de longa data e subsequente apoio através de RSI, e de entidades locais de cariz social, situado ao nível básico da subsistência familiar e a inserção em comunidade acrítica perante os seus desvios normativos.

Como factores de protecção verificam-se a adequada integração familiar que, se bem que acrítica, funciona como segurança afetiva do arguido.

Em face do referido, caso venha a ser condenado, julga-se oportuno realçar a necessidade de tratamento terapêutico adequado à problemática de que é portador há mais de duas décadas.

32. Por acórdão transitado em julgado no dia 30.03.2007, proferido no âmbito do processo comum colectivo n.º 35/04.4PEBJA do Tribunal Judicial de Beja foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de trafico de estupefacientes numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por factos praticados em 23.01.2006.

Mais se provou relativamente à arguida BB:

33. Realizado relatório social pelos serviços da DGRSP do mesmo consta:

“I -Condições sociais e pessoais

BB reside em ..., localidade onde se fixou há cerca de 25 anos, quando se uniu maritalmente a AA, em casa construída pelo companheiro aquando da pendência do casamento deste, entretanto findo. Até então a arguida residira com o agregado de origem na Amora/Seixal e, posteriormente, durante parte da adolescência, no Algarve.

Desta união nasceram dois filhos, ... e ... atualmente com 22 e 20 anos de idade respetivamente, os quais continuam a integrar o seu agregado. Petra que completou o 12.ºano está a iniciar, com caráter precário, trabalho em bar da cidade.

Actualmente a arguida não dispõe de ocupação laboral, situação que se vem mantendo ao longo dos anos, sendo que a última ocupação nesta área foi a exploração, por sua conta, de um bar, durante cerca de 6 anos, terminada há mais de uma década. Complementarmente, regista experiência na hotelaria como empregada de mesa e balcão, durante a adolescência.

As suas principais referências familiares, mãe e irmãs, permanecem no Algarve, tendo o pai falecido há alguns anos. Junto destes familiares obtém apoio e enquadramento, tendo inclusive passado com os filhos alguns períodos no Algarve, junto da mãe, aquando de anterior reclusão do companheiro.

Deslocou-se para Itália com a família, por alguns meses, há cerca de 5/6 anos, para que o companheiro cumprisse um contrato de trabalho, situação que foi interrompida por desistência daquele.

Neste momento, o companheiro também não dispõe de ocupação laboral desde há alguns anos. As debilidades económicas vivenciadas pelo agregado são minimizadas através da recepção de Rendimento Social de Inserção (RSI), desde há cerca de 4 anos, no montante de 420€/mês. O agregado tem sido apoiado pontualmente através da distribuição de alimentos, quer pelo Centro Comunitário do Bairro, quer através de outras entidades de cariz social desta cidade. As despesas mensais em água, eletricidade e gás ascendem aproximadamente a 90€.

BB completou, ao longo do tempo em que se manteve inativa, alguns cursos profissionais em Agro-turismo, durante 6 meses e dois de costura, com duração de 2 meses cada, dispondo como habilitações literárias o 6.º ano de escolaridade, nível de ensino frequentado em idade própria.

A arguida é toxicodependente, tendo-se iniciado nos consumos de substâncias estupefacientes com cerca de 30 anos, durante um dos períodos de reclusão do companheiro. Encontra-se a frequentar as consultas Unidade de Intervenção Local do SICAD – ex-CAT, estando integrada no programa de metadona, facto que lhe proporciona equilíbrio, demonstrando a arguida capacidade de assumir compromissos, nomeadamente em termos laborais, conforme veio a acontecer recentemente, na sequência de uma substituição de multa, por 130 dias de trabalho a favor da comunidade, a que foi condenada e cujo desempenho mereceu realce bastante positivo por parte da entidade beneficiária do trabalho.

O seu agregado é conotado com práticas marginais, quer de consumo quer de tráfico de estupefacientes, atendendo, sobretudo, ao passado do companheiro. Contudo, e ao nível do meio de residência, por virtude do mesmo também comportar outros indivíduos/famílias portadores de idêntica problemática, o agregado encontra aí adequada integração.

No seio familiar há conhecimento dos problemas aditivos e do foro criminal da arguida e companheiro.

Contudo, os filhos, não obstante a maioridade que já atingiram, não procuram diálogo sobre os problemas vivencidados pelos pais. É-nos descrito um bom ambiente familiar. O filho AA é pai de um menino, de 9 meses, que se encontra a residir com a progenitora, noutra zona residencial, e que foi fruto de relacionamento afectivo sem coabitação.

BB não aceita as acusações de que é alvo, não ignorando a ilicitude dos factos descritos nos autos. Enquadra o seu envolvimento no presente processo como decorrente de deficiente avaliação dos agentes da autoridade quanto aos seus movimentos, não os legitimando.

Respondeu criminalmente por prática de um crime de condução sem habilitação legal proc. n.º 894/09.4TABJA, tendo sido condenada, por decisão de 08 de Out. de 2010, a 130 dias de multa, à taxa diária de 6€, a qual foi substituída por igual tempo de trabalho a favor da comunidade; foi igualmente condenada por prática de crime de idêntica natureza, no proc. n.º 363/03.8PBBJA, na pena de 50 dias de multa, por sentença de 28 de Maio de 2003, conforme consta do teor do proc.894/09.4TABJA acima mencionado.

II – Conclusão

BB integra agregado familiar no qual co-existem referências afectivamente significativas e comportamentos criminais persistentes, o que tem sido atenuado com a manutenção de relacionamento próximo e apoiante junto dos familiares de origem, eficaz em momentos de crise.

Numa situação de desemprego prolongado, apresenta grande vulnerabilidade económica, encontrando-se totalmente dependente de apoios sociais, impossibilitada de assumir novos compromissos, nomeadamente com a obtenção de habilitação para conduzir veiculos automóveis.

Com antecedentes de consumo dependente de estupefacientes, assume no presente uma postura consistente de superação do problema, aderindo de forma positiva ao tratamento em curso.

Assim, e tendo em atenção o supra referido, caso venha a ser condenada, identificam-se necessidades de intervenção ao nível da interiorização do interdito e ainda a manutenção do tratamento ao nível do consumo de estupefacientes, aspectos passíveis de ser intervencionados em medida de carácter probatório.

Simultaneamente, a confirmar-se a reincidência na condução de veículo automóvel sem habilitação legal, sugere-se que frequente sessão de grupo de sensibilização para o comportamento rodoviário responsável, com a duração de 3 horas, ministrada por estes.”

34. Por sentença transitada em julgado no dia 08.11.2010, proferida no âmbito do processo comum n.º 894/09.4TABJA do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Beja foi a arguida Sandra Racha condenada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 130 dias de multa, à razão diária de € 6, por factos praticados em 26.11.2009.

***

Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :

O arguido controverte a qualificação jurídico-penal   adoptada  pelo Tribunal  ,  que tipifica  a prática um crime  de tráfico de estupefacientes ,  simples,  p. e p . pelo art.º 21.º n.º 1 , do Dec.-Lei n.º 15/93 , de 22/1 , em lugar do crime de tráfico de estupefacientes , de menor gravidade, que , na sua perspectiva, o quadro factual  autoriza que se dê por  provado e , com isso ,   a aplicação de  uma pena mais benigna do que a cominada ,  ainda alvo de especial atenuação  e suspensão .  

O crime de  tráfico de menor gravidade comporta previsão  na generalidade dos sistemas jurídico-penais , justificado , por um lado ,  por uma razão de justiça material e  de  proporcionalidade , não sendo legítimo que a sua  punição se   assemelhe à do tráfico simples  ,  de maior gravidade , além de que  é instrumento  de preferência dos grandes traficantes na difusão dos estupefacientes, cumprindo  dissuadir dessa prática , que agrega   elevado número de agentes , dotados de grande mobilidade ,  eficácia e à margem   de  elevado e incontornável  grau  risco.

De um ponto de vista  empírico o tráfico de menor gravidade  é , como o nome  sugere , um tráfico de reduzida, pequena , diminuta danosidade  social  , com escassa ressonância ético-jurídica , produtor de uma impressão juridicamente abaladora,  limitadamente apenas à  fímbria da norma de estatuição   e de punição . 

É um tipo privilegiado , previsto no art.º 25.º n.º 1 , do Dec.º_lei n.º 15/93, de 22/1 ,  que se situa  entre  o crime de tráfico simples  e o tráfico agravado , sempre que , nos casos descritos   nos art.ºs 21.º e 22.º, daquele Decreto_lei n.º 15/93 , a ilicitude  se mostrar consideravelmente diminuída,  tendo , em conta , nomeadamente , os meios utilizados , a modalidade ou as  circunstâncias da acção   , a quantidade ou   a qualidade das plantas , substâncias ou preparações , o tráfico é punido com prisão de 1 a 5 anos , se compreendidas nas Tabelas I a III ,  V e VI  ou até 2 anos ou multa até 240 dias  se compreendidas na Tabela IV , anexas   ao Dec.º -Lei n.º 15/93.

A ilicitude , genericamente , é a relação de antagonismo a estabelecer entre uma conduta humana e voluntária e o ordenamento jurídico ; no aspecto formal ela assume a forma de  acto contrário a uma proibição  estabelecida pela ordem jurídica ; de um ponto de vista material representa o ataque  a bens individualmente relevantes ou colectivamente significantes .   

A antijuridicidade é anterior à lesão ou perigo  de lesão sociológica , no dizer de VON LIZT  ; diverge da culpa porque esta reveste a natureza de um juízo de reprovação individual  , de desvalor subjectivo ,  sendo ambas passíveis de graduação, consoante a maior  intensidade da lesão de bens jurídicos  ou de perigo  de ofensa .

A ilicitude exigida no tipo legal de crime de tráfico de  estupefacientes de menor gravidade é , ou tem de ser, não apenas diminuta , mas  mais do que isso , consideravelmente diminuta ,  pelo desvalor da acção  e   do resultado , funcionando , exemplificativamente, “ os meios utilizados , a modalidade ou as  circunstâncias da acção   , a quantidade ou   a qualidade das plantas , substâncias ou preparações “ , como factos-índice a atender   numa valoração global, não isolada,   de que a configuração da acção típica  não prescinde , em que a quantidade não é nem o único e nem , eventualmente, o mais relevante  .

 Desde, pelo menos, o ano de 2010 que ambos os arguidos se vêm dedicando à venda de estupefacientes aos consumidores, no Bairro da Esperança, em Beja, designadamente na residência de ambos e nas suas proximidades.

 Durante o ano de 2010, o arguido AA vendeu doses de heroína a ..., pelo preço de 10€ a dose.

Durante os anos de 2011 a 2013, o arguido AA vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro ..., duas vezes por mês, entregando o arguido dois pacotes de cocaína pelo preço de 40€, como ainda  ao consumidor ... em número e quantidades não concretamente apuradas, no dito  Bairro .

 Durante o ano de 2012, por várias vezes, o arguido ... vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no dito  Bairro, entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 10€, como ainda  por várias vezes, a .... Tais vendas ocorriam no Bairro ..., entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 10€.

Durante os anos de 2012 a 2013, pelo menos duas vezes, o arguido AA vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro da Esperança, entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 20€.

 Designadamente, no dia 19/2/2013, pela tarde, no Bairro ..., o arguido Carlos Guerreiro vendeu cocaína ao ....

 Pouco tempo depois, o ... viria a ser interceptado pela PSP. O estupefaciente não foi apreendido, por ter sido engolido pelo consumidor.

No dia 20/2/2013, pela tarde, no Bairro da Esperança, o arguido AA vendeu, mais uma vez, estupefaciente ao ....

O produto estupefaciente destinava-se a ser também entregue ao consumidor ....

 Durante o ano de 2013, em ocasiões, quantidades e valores não concretamente apurados, o arguido AA e a arguida BB venderam cocaína ao consumidor  DD, em quantidades e valores não concretamente apurados.

Tais vendas ocorreram no Bairro ....

Durante o mês de Setembro de 2013, o arguido AA vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro ..., entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 20€.

 Durante o ano de 2013, por várias vezes, o arguido AA vendeu cocaína ao consumidor .... Tais vendas ocorriam no Bairro ..., entregando o arguido um pacote de cocaína pelo preço de 20€.

 Designadamente, no dia 8/10/2013, pela manhã, o arguido AA vendeu uma dose de cocaína ao consumidor ..., pelo preço de 20€.

 Pouco tempo depois, o ... foi interceptado pela PSP, tendo-lhe sido apreendidas cerca de 0,26 gramas de cocaína.

 No dia 23/5/2013, pelas 14.45 horas, na residência dos arguidos, sita na Rua ..., o arguido AA tinha consigo 265,33€ e  2,089 gramas de cannabis (resina) e, no interior de uma máquina de café, um invólucro contendo 8 embalagens plásticas contendo 4,021 gramas de cocaína , que destinava a venda .

  Foram, ainda, encontrados vários recortes plásticos, para embalar o estupefaciente.

A modalidade de venda assenta no contacto directo com o consumidor   na sua residência ,  ponto  fixo ,  acessível e seguro   das transacções ,  praticadas  também na respectiva periferia,  reparte-se ao longo de três anos  ,  não servindo o tempo como contramotivo  da sua acção reprovável   tanto individual como colectivamente  , tendo por objecto dois dos mais nocivos estupefacientes conhecidos  , a heroína e a cocaína ,  como , ainda ,  resina de “cannabis “,  de certo que se  em quantidades  e vezes  não  integralmente determinadas, todavia durante os anos de 2011 a 2013, o arguido,  duas vezes por mês , vendeu cocaína ao consumidor ... e , também ,  a  outros consumidores , o que,   numa visão global dos factos ,  se não reconduz a um tráfico de menor gravidade ,  quase sem expressão  antijurídica ,  como o confirma,  ainda , o facto de ser dono de uma viatura ligeira da marca BMW , incompatível com a condição de quem se acha desempregado ou a vida de um  miserável traficante que vende ,  em sobressalto e deslocalizadamente ,   para subsistir e alimentar o vício ;   a  apreensão de  265,33€ , provenientes  de venda a que procedera,  de  2,089 gramas de cannabis (resina) e  de 8 embalagens plásticas contendo 4,021 gramas de cocaína ,  que se propunha vender  ,   assumem a tradução   da sua contínua  indiferença   perante as graves consequências  para a saúde do consumidor ,  sua liberdade individual e  para a instabilidade familiar e social  .

De certo que as quantidades vendidas  e apuradas, individualmente ,  não repercutem quantidades  significativas,  porque não foram concreta e globalmente apuradas ,  mas foram-no, por certo ,  em muito maior escala ,  reiteram-se  no tempo  e , conjugadamente com as demais circunstâncias , a  globalidade  do  facto emergente   reflecte  uma imagem profundamente  negativa referida ao arguido  ; o grau de ofensividade à lei e o  de desvalor da sua acção , estão longe de configurar ilicitude  consideravelmente  diminuta , logo se acolhendo a qualificação jurídico-penal adoptada em 1.ª instância .

Admitir o contrário seria ignorar o fenómeno , seus contornos  e processamento ,  deixando acção criminosa impune , numa altura em que o tráfico  tende para o aumento , e não referentemente  apenas à drogas ditas  clássicas .  

 

Outra questão que cumpre abordar  diz respeito à agravação da responsabilidade penal do arguido  por força do concurso da reincidência .

 No CP de 1886 ,  ao lado da reincidência homótropa, em delitos da mesma natureza ,  previa-se a polítropa , a chamada sucessão de crimes , de  natureza diferente,  mas o legislador actual  renunciou à distinção , para se centrar unicamente  na definição  e e fixação de  pressupostoda  reincidência , limitando-se a agravar o limite mínimo da pena abstracta  em 1/3,   de certo conhecedor  de um movimento reactivo contra a reincidência , movimento esse  reputando-a grave ofensa ao  princípio da igualdade entre os cidadãos , cindindo-os entre “  bons e maus “ ,  um atropelo ao princípio  constitucional  “ ne bis in idem “ , por acarretar uma dupla punição , pela repercussão da condenação anterior na moldura punitiva , acrescendo autores que sustentam haver na prática subsequente do facto um “ grau inferior de liberdade da conduta “ , atenuada pelo menor “ grau de consistência aos impulsos criminosos “, justificando  uma redução da pena , razão pela qual  concluem representar uma falência do Estado na tarefa de ressocialização, limitando-se , pura e simplesmente , algumas codificações  a ignorá-la ou a reduzir ao mínimo as suas implicações na esfera individual , como dá nota Eduardo Cabete , Col. Saberes do Direito , Vol. VI , Parte Especial , S. Paulo , 2001 .   

A reincidência é uma agravante da culpa , segundo a tradição do nosso direito ,  pessoal e incomunicável ,  havendo quem a fundamente na acrescida necessidade de prevenção especial negativa ( assim Taipa de Carvalho , in  Direito Penal ,  Ed. UCP , 2003 , pág. 86)   , pela patente   e reiterada rebeldia do arguido   e inadaptação  ao direito , demonstrativa da necessidade acrescida de reprimenda , nas palavras de Rogério Greco ,  Curso de Direito Penal ,  I, Niterói , 2012, numa maior   culpa, consubstanciada na desconsideração à advertência contida na condenação  anterior , revelando uma mais grave “ traição da tarefa existencial de conformação da personalidade do agente , com o tipo de personalidade suposta pela ordem jurídica , do tipo de homem “  fiel ao direito “ , havendo na reiteração homótropa ou polítropa da actividade criminosa  graves indícios da maior perigosidade e , assim , necessidades acrescidas de prevenção, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias , Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , .§ 365 .

O art.º 75 .º ,n.º 1 ,  do CP , faz depender o funcionamento da reincidência,  da prática de crime doloso , punível com prisão superior a 6 meses , após condenação transitada em julgado em pena de prisão efectiva  superior   a seis meses  por crime doloso , desde que entre a prática do crime  anterior e o seguinte não mediarem   mais de cinco anos –n.º 2 ,  estes sendo os requisitos formais, acrescendo o pressuposto  substancial , a avaliar segundo as circunstâncias do caso , da constatação de  que a condenação ou condenações anteriores não terem servido ao arguido de dissuasão   contra o crime .

O cadastro criminal anterior não é suficiente , per se ,  para configurar  a reincidência  ; por outro lado  a  prática fora do prazo   de 5 anos  traduz  a chamada “ prescrição da reincidência “ , por não ser possível , daí, estabelecer-se  uma conexão material  permitindo reconduzir o crime  posterior  a uma desatenção à advertência contida na condenação precedente  ; o Estado  esquece essa posterior condenação para aquele efeito,  o condenado  fica a salvo da agravante , mas , como é óbvio ,  não do seu mau comportamento anterior  .

 Não basta, pois ,  a  simples história criminosa,  formalmente documentada ,  do agente, pois não é de conhecimento oficioso , nem a mera alegação conceptual,  antes exige uma especial comprovação   e presença  nos factos materiais provados  de onde derive que o condenado não  sentiu a solene advertência contra o crime contida na anterior condenação transitada em julgado e que conduz  à  sua ineficácia  preventiva (cfr. entre outros, os Acórdãos de 28.02.07, Pº 9/07-3ª, 16.01.08, Pº 4638/07-3ª, de 26.03.08, Pºs 306/08-3ª e 4833/07-3ª, de 04.06.08, Pº 1668/08-3ª e de 04.12.08; Pº 3774/08-3ª) Prof.  Germano Marques de Sousa  , Curso de Processo Penal , I, pág. 264 .

A pluriocasionalidade criminosa não se reconduz , sem mais , à reincidência  ,  podendo aquela ficar  a  dever –se a factores fortuitos , meramente acidentais , de circunstância , sem deixar transparecer uma predisposição do agente para o crime , implicando da parte do julgador uma especial atenção em ordem a descortinar se é  ou não dificilmente   motivável e a indagar a  concorrência  de uma  “íntima   conexão entre crimes reiterados , que deva considerar-se relevante do ponto de vista da censura e consequente culpa , exacerbando-as . Cr.  CP  Anotado , Miguez Garcia e Castela Rio , 2014, 380 .

O arguido refuta a  verificação  do pressuposto  temporal  entre a prática da condenação anterior e a subsequente , mas sem evidente  razão  porque foi condenado na pena de prisão efectiva de 2 anos e 6 meses de prisão,   pela prática de crime tráfico de estupefacientes , p . e p . pelo art.º  21.º ,  n.º 1 , do  Dec.º-Lei n.º 15/93 , de 22/1 , por acórdão transitado em julgado a 30.03.2007,  por factos de  23.01.2006,  proferido no âmbito do processo comum colectivo n.º 35/04.4PEBJA,  do Tribunal Judicial de Beja , sendo que entre tal  prática e a subsequente destes autos com limite de 2012 ,  não excederam 5 anos , demonstrando, assim,   que a condenação anterior não serviu de advertência nem o desmotivou ou demoveu do propósito de  vender e continuar a traficar droga, pelo que deverá ser considerado reincidente quando ao tráfico dentro do quinquénio.  

 E por força da reincidência,   aqui específica, homótropa  e homogénea , que se deduz sem esforço  a partir de uma conexão visível  entre os aqui factos provados  , na linha dos primeiros ,  a moldura pena aplicável ao arguido AA é de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão.

O arguido tem de resto,  desde 1989 , desde que rompeu o primeiro vínculo conjugal,  experimentado a reclusão ,   nomeadamente no Proc. n.º 84/93, por acórdão datado de 9 de Março de 1994,do Circulo Judicial de Beja, por tráfico de estupefacientes,  em que foi condenado na pena de 4 anos e seis meses de prisão e no Proc. 9/95, por acórdão datado de 9 de Julho de 1995, do Circulo Judicial de Beja, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos de prisão tendo-lhe sido, pelo mesmo acórdão, revogada a pena de 3 anos de prisão que se encontrava suspensa nos autos n.º 76/91, do Tribunal Judicial da Comarca de Cuba, pela prática do crime de ofensas corporais com dolo de perigo.

O tráfico de estupefacientes , com a malignidade individual  e perigo  que desencadeia ,  sendo uma fonte de preocupação e perigo   colectivos  e a sua ligação ao mundo dos estupefacientes,   é-lhe uma constante no seu percurso de vida ,  reflectida no relatório social ; o  arguido aceita  os consumos que faz, afirmando-se incapaz de lidar com situações geradoras de tensão, sem que retorne aos hábitos aditivos,  apesar dos meios de libertação sanitários públicos,    postos  à sua disposição para deles se libertar,  sobressaindo o incumprimento da “  injunção de submissão à tutela dos serviços de reinserção social, transmitindo informações falseadas sobre o seu modo de vida, nomeadamente que continuava em formação profissional quando já havia rescindido esse contrato, omitindo ainda a informação que se encontrava com obrigação de sujeição a consultas do ex CAT, determinada em processo a decorrer na Comissão de Dissuasão da Toxicodependência . “

No caso de uma situação de inimputabilidade  o agente é reputado plenamente imputável , desde que se coloque voluntariamente nessa situação com vista a cometer crimes , nas situações denominadas de “ actio liberae in causa “ –art.º 20.º n.º 4 , do CP . Sem ser caso de inimputabilidade   a condição do arguido  , certo é que  ele  convive  bem com o consumo  , procurando-o, em situações de tensão ,  em lugar de buscar a libertação da tóxico-dependência, com o carácter criminógeno  de todos reconhecido , vivendo do RSI , sem trabalhar , desprezando o justificado  apoio  médico-social ,  merecendo um mais elevado juízo de censura.

O recorrente peticiona , de acordo com a alteração da qualificação jurídica  invocada ,  aliás , sem fundamento ,   “ uma pena situada junto seu limite médio, atentos os seus antecedentes criminais, mas não descurando uma atenuação especial da pena, pela assunção/confissão dos factos,  a qual deverá ficar suspensa na sua execução por igual período, sujeita regime de prova da definir pelo D.G.R.S.”

Entre os factos provados não figura a atenuante da confissão  e nem a aceitação do tráfico, mas apenas que admitiu parcialmente os factos ,  nenhum relevo  sendo  de  creditar-lhe  a ter lugar , porque há-de ser de molde  a convencer que o agente fornece garantias de que não voltará a delinquir   , sendo o  objecto da condenação  é  prática meramente   acidental ,  juízo de prognose que , vistas as circunstâncias do caso,   é inteiramente de arredar .

E assim não há lugar a qualquer atenuante especial , como é por demais lógico e  evidente, pressupondo e impondo a formatação ,  na determinação  da  moldura  abstracta da pena , de uma moldura especial de favor ,  umas vezes prevista na lei,   outras,   face à imagem global do facto , e  da sua valoração resulte que das circunstâncias anteriores, concomitantes ou posteriores ao crime, diminuam , de forma acentuada a ilicitude do facto,   culpa do agente ou a necessidade de pena , em particular nos casos , além do mais , previstos  no n.º 2, do art.º 72.º , do CP .

Essa moldura obriga  à actuação de  um poder –dever do julgador ,  vinculado , em vista da aplicação do art.º 73.º , do CP,  que se não prescinde de um quadro de favor de índole objectiva também não dispensa um quadro subjectivo   com aquele em interacção .

È elevado o grau de culpa do arguido , na forma de dolo firme e repetido no  tempo ; o grau de ilicitude,  avaliado em função dos valores atingidos  que se  propõem  acautelar com a incriminação ,  não só da saúde  individual  como colectiva , bem assim da liberdade individual do consumidor afectada , mas, dificilmente  não excluída  ,  da estabilidade familiar que é posta em crise , como,  ainda , a prática de crimes , atento o carácter consabidamente criminógeno que se lhe associa  , que fazem dele um crime grave, frequente ,  por isso que temido socialmente .

O comportando anterior do  arguido é  mau, condenado como foi , além do mais , por três  vezes , em prisão efectiva pela prática de crime estupefacientes ,   pouco importando   a aceitação de que goza no meio social onde se insere,  o que até se compreende porque o Bairro da Esperança, em Beja,   é conhecido como local  de traficância de estupefacientes .   

A inconsistente versão de que se limitava a receber os estupefacientes à consignação e  dinheiro  de terceiros  para comprar para eles  estupefacientes –fls. 676  e 687-  , não provada , por inverosímil ,  atesta  bem  a  sua  deficiente formação  da personalidade , a carecer de  sentida emenda , porque reitera na prática ,   situando-se em patamar elevado a   necessidade  de   correcção individual , ou seja as necessidades de prevenção especial ,  como ainda as de prevenção geral  ,  dissuadindo  potenciais interessados , que, de resto ,  não dão mostras de regredir , actuando psicologicamente  sobre eles ( teoria psicológica da coacção , de Feuerbach ), como ainda  de afirmação da validade e  presença da lei pronta a  ser aplicada e a incidir sobre aqueles que infringem regras de sã convivência comunitária , que não podem e nem devem ser continuamente expostos a comportamentos tão nocivos   como os do arguido , para quem a lei é letra morta e o ganho fácil ,  lesivo de terceiros e abjecto ,  a preocupação dominante .    

Numa moldura penal abstracta de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão,   a pena concreta fixada no acórdão , de 6 (seis ) anos pouco desviada daquele mínimo –apenas 6 meses-, é inteiramente justa, equilibrada e não merece reparo , mostrando-se conforme aos parâmetros gerais e concretos de fixação , segundo os art.ºs 40.º e 71.º , respectivamente , do CP.

Nega-se provimento ao recurso .

Taxa de justiça : 7   Uc,s .      

 Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral (“vencido…”)
Pereira Madeira (“com voto de desempate a favor do Exmo. Relator…”)