Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
850/07.7TVLSB.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE FACTO
GRAVAÇÃO DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRATO DE EDIÇÃO
FORMA DE DECLARAÇÃO NEGOCIAL
FORMA ESCRITA
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
LEGITIMIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
PROVA TESTEMUNHAL
ADMISSIBILIDADE
ABUSO DO DIREITO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ NEGÓCIO JURÍDICO/ EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA - RECURSOS
DIREITOS DE AUTOR - EDIÇÃO
Doutrina: - Carlos Mota Pinto, Teoria Geral, 2005, págs. 433, 438.
- Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, pág. 26.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 289.º, 334.º, 364.º, N.º 2, 393.º, N.º 1,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 456.º, N.º3, 646.º, N.º4, 722.º, N.º1, 754.º, N.ºS 2 E 3.
CÓDIGO DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS (CDADC): - ARTIGO 87º, Nº2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27/6/06, PROCESSO N.º 06A1744;
-DE 5/7/07, PROCESSO N.º 07B2027;
-DE 15/10/09, PROCESSO N.º 407/2002.C1.S1;
-DE 8/6/10, PROCESSO N.º 3161/04.6TMSNT.L1.S1;
-DE 28/2/12, PROCESSO N.º 349/06.8TBOAZ.P1.S1.
Sumário :

I - O tribunal da Relação está vinculado a realizar uma reapreciação substancial da matéria do recurso de apelação, sindicando adequadamente, através da audição do registo ou gravação da audiência que necessariamente acompanha o recurso, a convicção adquirida pelo tribunal de 1.ª instância, formando sobre os pontos de facto impugnados a sua própria convicção, que pode ou não ser coincidente com a do juiz a quo.
II - Tal não significa que deva ter lugar na Relação uma repetição ou renovação dos meios probatórios produzidos na 1.ª instância, através de um novo julgamento do caso quanto aos pontos da matéria de facto questionados.
III - No caso dos autos dúvidas não subsistem que a Relação procedeu a essa análise crítica que se lhe impunha, formando, por esta via e em termos substanciais, a sua própria convicção sobre as questões controvertidas.
IV - Não cabe no âmbito do recurso de revista uma reapreciação da convicção substancial que as instâncias formaram sobre as provas produzidas e sujeitas a livre apreciação do julgador, cabendo-lhe apenas sindicar o juízo que a Relação fez acerca do âmbito e profundidade da tarefa de análise crítica das provas que lhe cumpre realizar.
V - A exigência legal de celebração por escrito do contrato de edição constitui uma formalidade ad probationem, sujeita ao regime estabelecido no n.º 2 do art. 364.º do CC, sendo que a omissão deste documento escrito que prove a declaração negocial – que se presume imputável ao editor – carece de ser invocada pelo autor para produzir o típico efeito que lhe aparece associado, só ele tendo legitimidade para se prevalecer do défice formal do negócio.
VI - Esta restrição da legitimidade, apenas ao autor, para se fazer valer da inexistência de escrito que corporize o contrato, opondo-a ao editor e provocando, em consequência, o típico efeito previsto de simultânea oneração acrescida e restrição probatória (estabelecido nos arts. 364.º, n.º 2, e 393.º, n.º 1, do CC) é manifestamente inconciliável com a tese da admissibilidade do conhecimento oficioso do défice formal do negócio com vista à protecção do dono da obra: é a este – e não ao tribunal – que cabe avaliar o seu interesse pessoal e avançar para o exercício ou não da faculdade potestativa de invocar a nulidade do contrato.
VII - A restrição e simultânea proibição probatória que decorre das disposições conjugadas dos arts. 364.º, n.º 2, e 393, n.º 1, do CC, não significa que a prova testemunhal esteja totalmente banida do âmbito das acções em que se controvertam as consequências de se haver celebrado um contrato com preterição de escrito que constitua formalidade ad probationem; significa apenas que não é lícito ao editor demonstrar a existência juridicamente relevante das declarações negociais através de prova diversa da confissão da contraparte.
VIII - Nada impede que, para demonstração de elementos consequenciais ou laterais à nulidade formal do negócio, se possa fazer uso, nos termos gerais, da prova testemunhal.
IX - São planos perfeitamente diversos o da prova da própria declaração negocial sujeita a escrito como formalidade ad probationem e o da prova dos pressupostos de um eventual abuso do direito na invocação do vício, traduzido na inexistência de documento escrito.
X - Nada impedia que, para apuramento da excepção de abuso do direito, se indagasse plenamente, mediante quaisquer meios probatórios e perante posições contraditórias dos litigantes, das circunstâncias concretas que envolveram a 2.ª edição da obra do autor, averiguando, nomeadamente, se teria havido algum acordo oral e informal entre as partes, qual o respectivo conteúdo e as exactas circunstâncias que teriam obstado à redução a escrito de tal acordo informal.
XI - A circunstância de estarem em causa normas que regem imperativamente sobre a forma dos actos jurídicos não obsta a que possa ter aplicação a figura do abuso do direito, de modo a sindicar a actuação da parte que se pretende prevalecer do vício formal.
XII - Considerando que resultou provado que (i) entre as partes ocorria uma especial relação de confiança (decorrente de autor e editora ré estarem, na época, ligados a uma mesma instituição universitária, que funcionava em moldes informais e muito familiares, na base da confiança e palavra das pessoas), (ii) que essa especial relação estava reforçada pela circunstância de já ter havido entre autor e ré uma anterior relação editorial (que culminara na 1.ª edição da obra), (iii) a solicitação e interesse revelado pelo autor em efectuar uma 2.ª edição da obra em causa a ré acedeu em fazê-lo nas mesmas condições acordadas para a 1.ª edição, está plenamente justificada a confiança da ré editora de que o procedimento informal seguido aquando da 1.ª edição – fazendo-se primeiro o trabalho material, imprimindo-se os livros e só depois tratando das formalidades de colher as assinaturas nos contratos escritos, em regra assinados depois – se repetiria a propósito da 2.ª.
XIII - Neste quadro de fundada expectativa de que os compromissos verbalmente assumidos se manteriam, constitui injustificável lesão a conduta do autor que – apesar de mencionar no seu curriculum a 2.ª edição da obra – inviabilizou, após consumado todo o trabalho material de impressão da obra, a formalização do contrato escrito, faltando às reuniões agendadas para esse efeito (e às quais havia anuído comparecer).
XIV - Consideram-se, assim, verificados os pressupostos da aplicação da figura do abuso do direito, prevista no art. 334.º do CC, pelo que estava o autor impedido de invocar a nulidade decorrente de preterição da forma escrita para o contrato de edição.
XV - Nos casos de dolo substancial – em que a condenação como litigante de má fé assentou na falsidade ou manifesta inveracidade dos factos essenciais alegados pela parte condenada –, estando em causa no recurso interposto da decisão de mérito a aquisição processual de tal versão factual, é lícito à parte suscitar a questão da sua condenação como litigante de má fé.
XVI - Tendo o quadro factual dos presentes autos – que ditou a condenação do autor como litigante de má fé – permanecido intocado, deverá manter-se tal condenação.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

   1. AA intentou acção de condenação, na forma ordinária, contra “BB, S.A.”, formulando os seguintes pedidos.

   No que respeita à 1ª edição da obra:

1) Indemnização de 972,70€; 2) respectivos juros de mora vencidos desde 16.5.2000 e vincendos.

   No que respeita à 2ª edição da obra:

3) Indemnização por danos emergentes de 4.052,50€; 4) respectivos juros de mora, vencidos desde 2/10/2003 e vincendos; 5) indemnização por lucros cessantes de 12.968€; 6) indemnização de 3.028€ por despesas extraordinárias; 7) indemnização por danos não patrimoniais de 15.000€; 8) juros de mora sobre as indemnizações referidas nos pontos 5 a 7, desde a citação.

   Subsidiariamente, pede a condenação da R. numa indemnização, por enriquecimento sem causa , no valor de 14.589€.

   Pede ainda que se condene a ré na sanção pecuniária compulsória do artº 829º-A do Código Civil.

   Em síntese, alegou como fundamento de tais pretensões que a ré não cumpriu integralmente o contrato de edição de obra sua, e veio depois a publicar segunda edição, sem autorização e conhecimento do autor e sem celebração de contrato escrito – deixando, por isso, de auferir lucros com as vendas, sofrendo desgostos pela actuação da ré e pelas despesas que teve de suportar devido à referida situação de incumprimento.

   Contestou a ré, excepcionando a prescrição dos eventuais direitos de indemnização do autor. Alegou ainda que lhe foram entregues mais exemplares do que os previstos no contrato celebrado inicialmente  e que a 2ª edição da obra foi autorizada, acompanhada e desejada pelo autor, só não se tendo reduzido a escrito o contrato por sua culpa.

   Pede, por isso,  a absolvição do pedido e ainda a condenação do autor como litigante de má fé.

   Replicou o autor, defendendo não ter ocorrido a prescrição, por um lado, porque, quanto à 1ª edição, o pedido deduzido se funda na responsabilidade contratual, cujo prazo prescricional é o ordinário de vinte anos; e, por outro, porque só tomou conhecimento da 2ª edição em data que não dista mais de três anos da propositura da acção. No mais, nega o cumprimento do contrato, negando ainda que a 2ª edição tenha sido por si autorizada, mantendo a versão factual alegada na petição.

    Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré do pedido, tendo condenado o autor como litigante de má fé, numa multa de vinte UC e em indemnização, a fixar ulteriormente, ao abrigo do disposto no artigo 457º nº 2 do CPC.

   Não se conformando com a sentença, dela recorreu o autor, impugnando, desde logo, a decisão proferida acerca da matéria de facto, tendo a Relação entendido, porém, que o recorrente não havia cumprido os ónus que lhe eram impostos pelo art. 690º-A do CPC, o que precludiria, sem mais,  o conhecimento do objecto da impugnação.

   Inconformado, recorreu do assim decidido para o STJ que – por acórdão de fls. 944 e segs. – concedeu provimento à revista, anulando o acórdão recorrido e determinando que se procedesse à reapreciação da matéria de facto.

   Remetidos os autos à Relação, procedeu-se à reformulação do acórdão, apreciando a impugnação deduzida pelo recorrente quanto à matéria de facto, negando-lhe provimento, e mantendo a solução jurídica do pleito que havia sido tomada na 1ª instância.

   2. Novamente inconformado, o A. interpôs a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

   a)As presentes alegações estão em tempo, atento ao disposto no art.° 254.°, n.°5, do C.P.C, dando entrada no terceiro dia posterior ao termo do prazo, com o pagamento da multa prevista no art.°145.°, n.°5, do C.P.C, devidamente efectuado;

b)O Acórdão de que se recorre foi proferido em 06-10-2011, nos autos de Acção Ordinária, que correram termos sob o processo n.° 850/07.7TVLSB.L1, na 8ª Secção, do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou improcedente a Apelação, confirmando a sentença recorrida;

c)O ora Recorrente nas conclusões f), g), h) e i) das suas alegações [numeradas no Acórdão recorrido como conclusões 7ª a 10ª] pediu ao Tribunal da Relação que alterasse a decisão sobre a matéria de facto no que respeita à resposta aos quesitos 23.°, 28.° e 31.°da base instrutória, considerando-as não escritas.

d) O Tribunal da Relação de Lisboa não tratou de tais questões, tendo-se limitado, sobre tais quesitos, a tratar das questões constantes das alíneas eeee) a qqqq) das conclusões, que no Acórdão recorrido vieram a sernumeradas como conclusões 30ªa 42ª. Como tal, o Acórdão incorreu em omissão de pronúncia, não tratando de questão que lhe havia sido submetida, por violação do disposto no art.°668.°, n.°1, al. d), do C.P.C., padecendo de nulidade;

e)Deve o Acórdão recorrido ser anulado e substituído por outro que conheça da questão vertida nas conclusões f), g), h) e i) das alegações do então Apelante, que no Acórdão recorrido vieram a ser numeradas como conclusões 7ª a 10ª, que considere não escritas as respostas dadas aos quesitos 23.°, 28.° e 31.° da base instrutória, i.e. que tais factos deixem de fazer parte do acervo factual que conduzirá à decisão;

f)A não haver omissão de pronúncia, no que não se concede, o Acórdão recorrido, em tal desiderato, é nulo nos termos do disposto no art.°668.°, n.° 1, al. b), do C.P.C., por total ausência de fundamentação no que à improcedência das ditas questões, suscitadas nas conclusões f), g), h) e i)

[numeradas no Acórdão recorrido como conclusões 7ª a 10ª], devendo ser substituídopor outro que fundamente a improcedência das questões suscitadas;

g)O Apelante na conclusão bb) das suas alegações [numerada no Acórdão recorrido como conclusão 29ª] pediu ao Tribunal da Relação que alterasse a decisão da matéria de facto - quanto à resposta ao quesito 20.° dabase instrutória -por força da matéria assente em N) e L) conjugada com o teor do documento de fls. 364, i.e. sem que para tal fosse necessário ao Tribunal ouvir quaisquer depoimentos;

h)O Acórdão recorrido em tal desiderato, é nulo nos termos do disposto noart.°668.°, nº 1, al. b), do C.P.C., por falta de fundamentação no que à improcedência da dita questão, suscitada na conclusão bb) [numerada no Acórdão recorrido como conclusão 29ª], devendo ser substituído por outro que fundamente a improcedência da questão suscitada;

i) No que respeita à impugnação da resposta aos quesitos 23.°, 28.° e 31.° da base instrutória, o Tribunal a quo não efectuou uma análise crítica das provas, formando uma nova convicção, tendo aliás declarado que estava impedido de formar essa nova convicção, limitando-se a reproduzir, ipsisverbis, a fundamentação da decisão sobre matéria de facto proferida pelo Tribunal de lª instância;

j)O tribunal a quo violou o disposto no art.°712.°, do C.P.C., na redacção aplicável a estes autos, pois não se poderia ter a exercer a faculdade fiscalizadora sobre os pontos concretos da matéria de facto impugnados pelo Recorrente, devendo, em conformidade, ser revogado por Acórdão que ordene a baixa dos autos ao Tribunal a quo a fim de este dar cumprimento ao vertido na citada disposição legal;

 k)O acórdão recorrido deu a resposta de «provado» aos quesitos 23.°, 28.° e 31.°, da base instrutória, a qual veio a determinar a resposta de «não provado» a quesitos do Autor com sentido diverso e, ainda, a fundamentar a improcedência dos pedidos do Autor e a sua condenação como litigante de má-fé;

l)A resposta a tais artigos/quesitos da base instrutória tem de ser tida por não escrita, pois aqueles contêm factos que não são passíveis de serem provados através de prova testemunhal, sendo certo que, sobre tais factos, foi unicamente produzida tal prova, tendo sido com base na mesma que a decisão a quo os deu como provados;

m)O Acórdão recorrido ao dar tais factos, relativos à validade de contrato formal, como provados através de prova testemunhal violou, frontalmente, o disposto nosart.°s 87.°, n.°2, do CDADC, 364.°, n.° 2 do C.C., dado que os mesmos só através de confissão do Autor - de quem nem sequer foi pedido depoimento de parte - poderiam ser provados, e ainda os art.°s 352.°, 355.° e 356.°, todos dos C.C.;

n)Tais respostas aos quesitos 23.°, 28.° e 31.°,da base instrutória, em cumprimento do vertido no n.°4, do art.° 646°, do Código de Processo Civil, têm-se por não escritas. Devendo, em conformidade, o Acórdão recorrido, em tal segmento ser revogado e substituído por decisão do Tribunal ad quem que expurgue do elenco de factos, a que irá ser aplicado o direito, os elencados com os n.°s 34.°, 38.° e 40.° no Acórdão recorrido;

o)O Autor, aqui Recorrente, formulou diversos pedidos de indemnização, no que concerne à 2ª Edição da obra, fundamentando-os no facto de tal edição não ter sido por si autorizada, mormente mediante a celebração de contrato de edição;

p)Tais pedidos foram julgados improcedentes, pelo Tribunal a quo, porque aoter dado como provados os factos 34, 38 e 40 - i.e. factos que têm de ser dados por não escritos - concluiu que não se tratando de uma 2ª Edição não autorizada não se encontram preenchidos os requisitos de uma eventual responsabilidade civil aquiliana, por acto ilícito;

q)Sendo tidas por não escritos tais factos, conjugados os pontos da matéria de facto assinalados na decisão recorrida com os n.°s 1.°, 2.°, 8.°, 9 °, 11.°, 12.°, 13.°, 14.°, 19.°, 20.°, 21.°, 23.°, 25.°, 27.° e 30.°,ospedidos formulados pelo Autor têm de ser julgados procedentes, por se encontrarem preenchidos os requisitos da responsabilidade civil aquiliana, por acto ilícito d a Ré;

r)Devendo, em conformidade, o Tribunal ad quem condenar a Ré, no pagamento ao Autor das seguintes quantias: a título de indemnização por danos patrimoniais, na vertente de danos emergentes, € 4.052,50 (quatro mil, cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde 02/10/2003 até à presente data, à taxa legal de 4%, e vincendos até seu efectivo e integral pagamento, à taxa legal, em cumprimento do disposto no art.° 92.° do CDADC; a título de danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes, € 13.208 (treze mil, duzentos e oito euros) acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação da Ré até à presente data, à taxa legal de 4%, e vincendos até seu efectivo e integral pagamento, à taxa legal; a título de indemnização por despesas extraordinárias que o Autor teve de suportar com a promoção da presente lide, € 2.975,20 (dois mil, novecentos e setenta e cinco euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação da Ré até à presente data, à taxa legal de 4%, e vincendos até seu efectivo e integral pagamento, à taxa legal; a título de danos não patrimoniais € 15.000 (quinze mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação da Ré até à presente data, à taxa legal de 4%, e vincendos até seu efectivo e integral pagamento, à taxa legal;

s)O Acórdão recorrido após analisar os pedidos principais formulados pelo Autor, ateve-se na questão de saber se, oficiosamente, o Tribunal, tendo declarado a existência de um contrato de edição verbal, poderia daí retirar consequências de responsabilidade contratual. Concluindo que tal questão não é de conhecimento oficioso, que a nulidade do contrato teria de ser invocada pelo Autor e, não o tendo sido, não poderia o Tribunal, sob pena de violação do disposto no art.° 87.° do CDADC, dela conhecer;

t)A decisão a quo em tal desiderato carece de razão a dois título, em primeiro lugar não se está em presença de uma formalidade exigida ad substantiam, mas sim ad probationem, pelo que em face dos princípios que regem a produção de prova, em tais circunstâncias, nunca a Ré poderia ter provado a existência de um contrato de edição verbal, pelo que os pedidos formulados pelo Autor teriam de ser julgados procedentes; em segundo lugar faz uma interpretação desconforme do art.° 87.°, do CDADC, ao afirmar que o mesmo impede o conhecimento oficioso em todas as circunstâncias;

u)A razão de ser na norma em causa, art.° 87.°, do CDADC, é a de, ao limitar a invocação da nulidade ao autor da obra, o proteger, pois é visto como aparte mais fraca da relação contratual, negocial. Assim, sempre que o conhecimento oficioso se destine a proteger o autor da obra, como no caso dos autos, o Autor/Recorrente, não está o tribunal inibido de conhecer da questão. O que o Tribunal está impedido de fazer é conhecer da nulidade para daí retirar vantagens para o editor, a Ré, aqui Recorrida;

v)Assim, mal andou a decisão recorrida ao não conhecer da nulidade do contrato de edição verbal, o qual, segundo a sua versão dos factos constante da sentença teria existido. Devendo ser revogada nessa parte, pois deveria ter conhecido da questão ao abrigo do disposto nos art.°s 801.°, n.°1 e 2 e art.º 798.°, do Código Civil;

w)A decisão recorrida julgou também improcedente o pedido subsidiário do Autor, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, com o fundamento de que não está provado que a Ré tenha enriquecido à custa do Autor;

x)Carece de fundamento a decisão recorrida em tal segmento, uma vez que: tal contrato verbal não pode ser dado como provado, sob pena de se subverterem todas as regras de direito probatório, nomeadamente as de ónus de prova e do tipo específico de prova exigido quando se trata de uma formalidade ad probationem; e por estar provado (facto 12.°) que da 2.a Edição da obra foram impressos 500 exemplares, e que o preço de capa da 2.a Edição é de € 32,42 (trinta e dois euros e quarenta e dois cêntimos] (facto 14.°), daí resultando que entraram no activo da Ré bens no valor €16.210,00 (dezasseis mil, duzentos e dez euros);

y)Caso o pedido principal não proceda, deve o autor ser reintegrado na quantia de pelo menos € 14.589,00 (catorze mil, quinhentos e oitenta e nove euros) considerando o Tribunal ad quem procedente o pedido subsidiário do Autor, revogando a decisão recorrida por violação do disposto no art.° 473.°, do Código Civil;

z)O acórdão recorrido condenou o Autor como litigante de má-fé porque, basicamente, deu como provada a tese da Ré, de que o Autor havia tomado conhecimento e dado a sua autorização à Ré, para que procedesse à 2ª Edição da obra, como o fez. Em bom rigor, é por força da resposta dada aos quesitos 23.°, 28.° e 31.°, da base instrutória, que a decisão recorrida entende que o Autor litigou de má-fé;

aa)Sendo tais factos 34.°, 38.° e 40.°expurgados do rol da factualidade que conduzirá à decisão, deixa de existir qualquer fundamento para a condenação do Autor como litigante de má-fé, pelo que se requer a revogação do Acórdão recorrido em tal condenação;

bb)Todavia, mesmo que a matéria de facto não venha a sofrer alterações, não se encontram preenchidos os requisitos da condenação do Autor como litigante de má-fé, nos termos do disposto no art.° 457.°, do C.P.C., dado que o Autor não teve um comportamento processual doloso. Devendo, ainda nesse hipótese de inalteração da matéria de facto, ser a sentença revogada e substituída por outra que absolva o Autor do pedido de condenação como litigante de má-fé;

cc)Caso assim não se entenda, a título subsidiário, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, a condenar o Autor como litigante de má-fé o condene no valor mínimo de multa, ao invés do exagerado valor de 20UC's, para alguém que, como o Autor, tem uma situação financeira que lhe permite beneficiar do apoio judiciário, e atendendo ao baixo valor da acção.

Pelo exposto, requer-se a revogação da decisão recorrida, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito, nos segmentos assinalados e a sua substituição por decisão que considere procedentes os pedidos formulados pelo Autor e o absolva do pedido de condenação como litigante de má-fé. Pelo exposto, requer-se a V.ªsEx.ªs:

a)- a revogação da decisão recorrida, por violação do disposto no art.° 668.°, nº 1, al. d) e b), do C.P.C., e a sua substituição por outra que conheça das questões relativamente às quais houve omissão  de  pronúncia e fundamente a improcedência das questões suscitadas, e, consequentemente considere não escritas as respostas dadas aos quesitos 23.°, 28.° e 31.° da base instrutória, i.e. que tais factos deixem de fazer parte do acervo factual que conduzirá à decisão;

b)- a revogação do Acórdão recorrido, por não cumprimento do disposto no art.° 712.°, do C.P.C., e a sua substituição por Acórdão que ordene a baixa dos autos ao Tribunal a quo a fim de este dar cumprimento ao disposto no art.° 712.°, do C.P.C.;

c)- a revogação da decisão recorrida, nos segmentos assinalados, e a sua substituição por decisão que considere procedentes o s pedidos formulados pelo Autor e o absolva do pedido de condenação como litigante de má-fé.

   A recorrida pugna pela confirmação do decidido pelas instâncias, suscitando a ampliação do objecto do recurso, a título subsidiário, quanto a três questões: a invocada prescrição dos direitos indemnizatórios peticionados , a existência de abuso de direito quanto à invocação da nulidade do contrato respeitante à 2ª edição da obra, por preterição da forma escrita, legalmente exigível, e o agravamento da sanção cominada para a litigância de má fé.

   Na resposta apresentada, o recorrente sustenta a inadmissibilidade legal da ampliação quanto à condenação em multa, por litigância de má fé, pugnando ainda pela improcedência das outras duas questões, levantadas pela entidade recorrida ao abrigo do disposto no art. 684º-A do CPC.

   3. As instâncias fizeram assentar a solução jurídica do pleito no seguinte quadro factual:

   1º - O autor elaborou e compilou a obra literária original intitulada “A Opinião Pública em

Portugal (1780-1820) - (A).

2º - Tal obra correspondeu à Dissertação de Doutoramento em História das Ideias Políticas, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa - (B).

3º - Em 12 de Fevereiro de 2001 foi celebrado entre autor e ré um “Contrato de Edição”, pelas cláusulas e termos constantes de fls. 69 a 71, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e mais concretamente, as seguintes:

“1ª

O AUTOR autoriza a EDITORA a publicar em Portugal, com carácter de exclusividade, e a comercializar em todo o mundo, em edição normal, a obra de que é titular do direito de propriedade intelectual do texto, cujo o título é: ‘A Opinião Pública em Portugal (1780-1820).

A autorização conferida pelo AUTOR destina-se à 1ª edição da obra acima referida, com uma tiragem de 500 exemplares.

1. A EDITORA poderá publicar, além da tiragem indicada na cláusula anterior, 50 exemplares suplementares, sobre os quais não incidirá qualquer percentagem a título de direitos de autor, dos quais 20 são destinados ao AUTOR e os restantes a promoção e depósitos legais.

2. O AUTOR poderá adquirir exemplares da obra contratada com o desconto de 50%.

(…)

O AUTOR obriga-se a entregar à EDITORA, até ______ de ________ de ____ o original completo da obra em perfeitas condições para a sua reprodução.

(…)

            10ª

Para pagamento dos direitos autorais (10% sobre a totalidade de edição), a EDITORA retribuirá ao AUTOR o n.º de 50 exemplares.” - (C).

4º - A ré não publicou 50 exemplares extra - (D).

5º - A ré publicou, em Maio de 2000, 500 exemplares da obra acima referida - (E).

6º - Os exemplares referidos na alínea anterior tiveram a configuração constante do documento n.º 2 apenso por linha aos autos - (F).

7º - Os ditos 500 exemplares foram compostos e impressos pela “G............, S.A” -

(G).

8º - Tais 500 exemplares foram facturados pela “G...........o, S.A.” à ré, através da factura nº 0000 de 16 de Maio de 2000 - (H).

9º - A 2ª edição da obra foi colocada no mercado em 2 de Outubro de 2003, data em que a

“Gráfica .........” emitiu a factura dos exemplares efectuados em Setembro de 2003 -

(I).

10º - Os exemplares da 1ª edição da obra tinham um preço de capa de, pelo menos, 32,42€ -(J).

11º - A segunda edição da obra do autor tem a aparência física constante do documento n.º 6, apenso por linha aos autos - (K).

12º - Na 2ª edição da obra foram impressos 500 exemplares - (L).

13º - Os exemplares da 2ª edição apresentam na capa a menção “2ª edição” e apresentam o mesmo número de depósito legal e o mesmo “ISBN” que a anterior - (M).

14º - O preço de capa da 2ª edição é de 32,42€ - (N).

15º - A “Gráfica .........” foi contratada, nas duas edições da obra, pela ré - (O).

16º - O autor foi docente da Universidade Autónoma, com a qual teve contrato de trabalho desde 1991 até 2006 - (P).

17º - O autor leccionava as disciplinas de “História dos Media” e “Cultura e Língua Portuguesa” - (Q).

18º - O autor é investigador da Universidade Nova de Lisboa, mais concretamente do Centro de História da Cultura - (R).

19º - O autor é considerado uma autoridade nacional na área da sua investigação - (S).

20º - O autor fez, ao longo dos anos, variadas comunicações, designadamente as elencadas  no artº 130º da p.i., e que aqui se dão por integralmente reproduzidas - (T).

21º - O autor, ao longo dos anos, publicou variados livros e artigos, designadamente os elencados no artº 131º da p.i., e que aqui se dão por integralmente reproduzidos - (U).

22º - O autor é conhecido por ser muito exigente e perfeccionista com os seus trabalhos e respectivas publicações - (V).

23º - Por intermédio da sua advogada, o autor remeteu uma carta à ré, recebida em 19/12/2006, donde consta: “(…) Acontece que, só foram entregues ao m/ cliente cerca de 20 exemplares, pelo que, se encontram em falta 30 ou 50 exemplares, consoante a impressão da 1ª Edição se tenha confinado aos 500 exemplares ou se tenha expandido aos 550, i.e. número máximo autorizado pelo autor. (…) Mais se interpela a “BB” para, em data e condições a acordar, ou a comunicar oportunamente, entregar ao m/ Cliente o número de exemplares da obra que se encontram em falta para pagamento da retribuição fixada no Contrato de Edição. Na hipótese de a “BB” já não dispor de exemplares da obra, a retribuição deve ser paga em dinheiro, em montante que corresponda ao preço de capa da obra, i.e. €32,42. Pelo que o valor da retribuição em falta oscilará entre €972,60 e €1.621, caso se trate de 30 ou 50 exemplares. (…)” - (X)

24º - Quando o contrato identificado na alínea C) foi assinado pelo autor e pela ré, os 500 exemplares da obra já tinham sido editados/impressos - (Y).

25º - A 2ª edição da obra encontra-se a ser comercializada na Livraria da Universidade Autónoma - (Z).

26º - Aquando da assinatura do contrato referido nas alíneas C) e Y), os 500 exemplares da obra já tinham sido colocados no mercado - (resposta ao quesito 5º).

27º - O autor transmitiu à ré que queria que no novo contrato, respeitante à 2ª edição, lhe fosse fixada uma retribuição pecuniária dos seus direitos de autor - (9º).

28º - A 2ª edição da obra esteve à venda até pouco após a citação da ré para os presentes autos, e esteve-o na Livraria Bertrand e na Quidlibri, que publicitava a venda “online” - (11º e 12º).

29º - Com a promoção da presente lide o autor terá de despender, pelo menos, 2.500€ em honorários a mandatários e 475,20€ em taxas de justiça - (14º).

30º - O autor pretendia introduzir alterações na obra e proceder a uma 2ª edição já com as referidas alterações, sentiu frustração por a 2ª edição sair sem as alterações preconizadas, sem prejuízo do que consta sob o número 40 - (18º).

31º - O autor, na Universidade Autónoma, tinha a categoria de Professor Associado - (19º).

32º - A ré entregou ao autor cerca de 70 exemplares da 1ª edição da obra - (21º).

33º - Aquando da 1ª edição da obra, o autor manifestou vontade de colocar uma gravura por si escolhida na capa, o que a ré recusou pois tem como regra publicar todas as teses académicas em capa padrão, nos termos como veio a ser impressa a capa da 1ª edição - (22º).

34º - O autor pediu à ré que efectuasse uma 2ª edição, cuja capa passaria a ser a gravura por si fornecida - (23º).

35º - A gravura fornecida pelo autor à ré para figurar na capa, foi por ele identificada como

“Gravura da página de rosto do periódico “Tutelemundi liberal” Lisboa: Na oficina da Viúva de CC, 1822” - (24º).

36º - A ré entregou ao autor um número não concretamente identificado de exemplares da 2ª

Edição - (26º).

37º - A ré mostrou disponibilidade para entregar ao autor mais exemplares da 2ª edição, mas este não os solicitou - (27º).

38º - Não foi reduzido a escrito qualquer contrato referente à 2ª edição porquanto o autor faltou às reuniões agendadas para esse efeito, e às quais havia anuído a comparecer - (  28º).

39º - Aquando da apresentação da obra “A Opinião Pública em Portugal (1780/1820)” no Palácio das Galveias, no dia 26 de Maio de 2000, detectou-se um erro no índice remissivo, que implicou, logo após, o seu retorno à gráfica para eliminação do erro - (30º).

40º - A ré transmitiu ao autor que apenas aceitava fazer uma nova edição da obra, nas mesmas condições que haviam sido acordadas para a primeira edição, o que o autor aceitou - (31º).

    4. A primeira questão suscitada pelo recorrente tem que ver com a decisão proferida sobre a impugnação da matéria de facto – sustentando-se que o acórdão ora proferido teria continuado a não assegurar adequadamente a efectividade do duplo grau de jurisdição, legalmente cometido às Relações, ao abster-se de proceder a uma análise crítica das provas conexionadas com os pontos da matéria de facto questionados pelo recorrente na respectiva apelação.

   Note-se que não oferece presentemente qualquer dúvida que a Relação, ao apreciar os invocados erros de julgamento sobre os pontos da matéria de facto questionados pelo recorrente, está efectivamente vinculada a realizar uma reapreciação substancial da matéria do recurso de apelação, sindicando adequadamente, através de audição do registo ou gravação da audiência que necessariamente acompanha o recurso, a convicção formada pelo tribunal de 1ª instância e formando sobre tais pontos de facto impugnados a sua própria convicção, que pode ou não ser coincidente com a do juiz a quo.

   Serão, pois, manifestamente inconciliáveis com a efectividade do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, vigente no nosso sistema jurídico desde 1994, quer uma interpretação formalmente desproporcionada e exigente dos ónus impostos ao recorrente pelo art. 690º- A do CPC, de modo a considerá-los desrazoavelmente incumpridos - e abstendo-se por isso, sem mais, de conhecer da substância do recurso ;  quer uma análise das provas realizada em plano puramente abstracto, com mero apelo a critérios de desrazoabilidade ostensiva ou de flagrante desconformidade com os elementos probatórios documentados nos autos, desfocada de uma apreciação crítica, feita perante a especificidade do caso concreto e com decisivo apelo ao conteúdo casuístico dos vários meios de prova efectivamente produzidos em audiência. Ou seja: embora o exercício do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto envolva efectivamente a dificuldade decorrente de a Relação não ter acesso directo e imediato à prova produzida oralmente, apenas dispondo do respectivo registo ou gravação, não pode o tribunal de recurso escudar-se pura e simplesmente na inevitável quebra dos princípios da oralidade e da imediação – decorrente de apenas lhe serem facultados os registos sonoros da audiência e das provas nela produzidas – para se abster de levar a cabo a tarefa substancial que a lei lhe comete nesta matéria.

   Tal não significa obviamente que deva ter lugar na Relação uma repetição ou renovação dos meios probatórios produzidos na 1ª instância, através de um novo julgamento do caso quanto aos pontos da matéria de facto questionados: o nosso sistema de recursos continua a assentar decisivamente  na reponderação da decisão recorrida, não sendo, em princípio, destinados a criar matéria nova ou a realizar novas diligências probatórias ( cfr. todavia a possibilidade excepcionalmente prevista no nº3 do art. 712º), - mas tão somente a verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve efectivamente acesso e de que podia e devia conhecer.

   No caso dos autos, analisado o teor integral do acórdão recorrido e as extensas considerações tecidas ao longo de fls. 990/1028, assentes numa análise do teor concreto dos depoimentos produzidos e da sua consistência e capacidade de convencimento, não fica dúvida relevante sobre ter efectivamente a Relação procedido, quanto aos pontos questionados pelo recorrente, a uma análise crítica das provas, sindicando - com base numa consideração aprofundada do teor concreto e casuístico  dos depoimentos prestados e da apreciação crítica da racionalidade e consistência da motivação apresentada às respostas aos quesitos - a convicção do juiz a quo e  formando, por esta via e em termos substanciais, a sua própria convicção sobre as questões essencialmente controvertidas entre as partes.

   Ora, como é evidente, não se situa no âmbito de um recurso de revista uma reapreciação da convicção substancial que as instâncias formaram sobre as provas produzidas e sujeitas a livre apreciação do julgador – cabendo apenas ao STJ, num plano estritamente normativo, sindicar o juízo que a Relação fez acerca do âmbito e profundidade da tarefa de análise crítica das provas que lhe cumpre realizar – e, portanto, do âmbito dos seus poderes cognitivos próprios, face a uma correcta interpretação da lei de processo ,  de que, em última análise, irá resultar a garantia das partes da efectividade do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto.

   Alega ainda o recorrente que ocorreria nulidade por falta de fundamentação quanto à resposta ao quesito 20 da base instrutória, em que se indagava acerca dos lucros que a R. teria auferido com a 2ª edição da obra: é, porém, evidente que nenhuma razão lhe assiste quanto a este ponto, revelando-se a fundamentação das instâncias apropriada à natureza e evidência  da questão suscitada – não podendo obviamente inferir-se ou presumir-se  a pretendida existência de lucros da mera demonstração do preço de capa de cada um dos 500 exemplares produzidos, abatidos que fossem os custos de impressão e composição. É que, como é óbvio, a existência de lucros só poderia inferir-se do volume de vendas efectivamente realizadas, abatidos que fossem os custos de produção, pelo que, indemonstrado aquele facto, não podia obviamente dar-se por provado o referido lucro da entidade recorrida…

   Finalmente – e sob a capa de pretensos vícios do decidido em sede de impugnação da matéria de facto pela Relação ( omissão de pronúncia, falta de fundamentação) – coloca o recorrente a questão de direito que – como veremos – constitui o essencial do objecto da presente revista : o que está em causa é saber se poderia dar-se como provada a matéria constante dos quesitos 23º, 28º e 31º( existência de um acordo informal e oral das partes para a efectivação da 2ª edição da obra, nas mesmas condições acordadas para a 1ª edição, sem redução de tal acordo a escrito por o autor não ter comparecido às reuniões agendadas para esse efeito) através de prova testemunhal, num caso em que a forma escrita do contrato de edição constituía formalidade ad probationem, imposta pelo art. 87º, nº2, do CDADC.

   E a demonstração de que esta questão é, afinal, uma verdadeira e nuclear questão de direito acaba por ser reconhecida pelo próprio recorrente, ao configurar o decidido nesta sede como envolvendo violação da norma constante do art. 364º, nº2 , do CC só consentindo a substituição do documento escrito por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, constante neste caso de documento de igual ou superior valor probatório – e pretendendo, em última análise, que se tivessem por não escritas as respostas a tais pontos da base instrutória, nos termos impostos pelo art. 646º, nº4, do CPC.

   E, tratando-se, afinal, de uma questão de índole normativa, a sua resposta acabou por ser dada pela Relação, não no segmento do acórdão em que se abordavam as questões suscitadas em sede de impugnação da matéria de facto, mas antes no âmbito da solução jurídica do pleito, ao afirmar-se, nomeadamente:

  Estamos perante um contrato de edição, que vem definido no artº 83º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) nos seguintes termos: “considera-se de edição o contrato pelo qual o autor concede a outrem, nas condições nele estipuladas ou previstas na lei, autorização para produzir por conta própria um determinado número de exemplares de uma obra ou conjunto de obras, assumindo a outra parte a obrigação de os distribuir e vender”.

Relativamente ao conteúdo, estabelece o artº 86º, nº 1 do CDADC que “o contrato de edição deve mencionar o número de edições que abrange, o número de exemplares que cada edição compreende e o preço de venda ao público de cada exemplar”, embora nos dois números seguintes se preveja que o editor está autorizado a fazer uma edição e fica obrigado a produzir dois mil exemplares da obra, no caso de não terem sido convencionados, respectivamente, o número de edições e o de exemplares.

Quanto à forma, o artº 87º, nº 1 exige que seja celebrado por escrito e o nº 2 preceitua que a nulidade resultante da falta de redução do contrato a escrito presume-se imputável ao editor e só pode ser invocada pelo autor.

Ficou provado que:

            - O autor pediu à ré que efectuasse uma 2ª edição, cuja capa passaria a ser a gravura por si fornecida -  facto provado sob o nº 34º.

            - Não foi reduzido a escrito qualquer contrato referente à 2ª edição porquanto o autor faltou às reuniões agendadas para esse efeito, e às quais havia anuído a comparecer - 38º.

            - A ré transmitiu ao autor que apenas aceitava fazer uma nova edição da obra, nas mesmas condições que haviam sido acordadas para a primeira edição, o que o autor aceitou – 40º.

A presunção de que a nulidade do contrato é imputável ao editor foi ilidida pela ré nos termos do artigo 350º nº 2 do C. Civil, conforme o facto provado sob o nº 38.

A norma do nº 2 do artº 87º do CDADC que restringe a autor a legitimidade para invocar a nulidade resultante da falta de forma, afasta-se da regra geral de que a nulidade é de conhecimento oficioso (artº 286º do C.Civil).

Na verdade, e como bem refere a douta sentença recorrida, a não entender assim, ficava subvertida a intenção do legislador na restrição da legitimidade ao autor, intenção de proteger o seu interesse, só permitindo a ele a invocação da nulidade por falta de forma no contrato de edição e, consequentemente, que tal nulidade nunca venha a ser invocada se não corresponder ao seu interesse e com isso se conformar. O legislador não se limita a retirar legitimidade a determinadas pessoas para invocarem a nulidade, permitindo que todos os demais, com legítimo interesse, o possam fazer. O legislador concentra numa única pessoa, afastando claramente a possibilidade de conhecimento oficioso.

Nesta conformidade, existe o contrato de edição, não sendo possível a declaração da sua nulidade, por não ter sido invocada pelo autor e, assim, estamos perante um contrato válido.

Os pedidos formulados pelo autor na petição inicial não se fundam nos direitos que lhe são concedidos legalmente enquanto parte num contrato de edição pois, ao negar a própria existência do contrato, não pode o autor pedir o seu cumprimento ou invocar a sua resolução.

Os pedidos formulados pelo autor não correspondem ao incumprimento do contrato nem à sua resolução, não existindo qualquer fundamento para a peticionada indemnização de prejuízos.

  Improcede, pois, manifestamente a arguição de nulidade do decidido, por o acórdão recorrido se ter pronunciado efectivamente sobre a questão  de direito suscitada – restando saber se tal decisão deve ou não ser mantida, o que tem a ver com o mérito da causa e não com o plano das nulidades da sentença ou com a temática do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto.

   5. Importa definir claramente os traços fundamentais da presente situação litigiosa:

- assim, ao delinear a petição inicial, o A. não se limitou a invocar em seu benefício  a nulidade formal do contrato de edição que, porventura, pudesse estar na base da 2ª edição da sua obra, decorrente de inexistir escrito que o corporizasse, em consonância com a formalidade ad probationem prevista na lei: bem pelo contrário, construiu toda a sua tese em torno da existência de uma situação de crime de usurpação de obra de arte, decorrente de a referida 2ª edição ter sido realizada pela R. à sua inteira revelia e com total desconhecimento do A. – que nunca teria por qualquer modo consentido ou autorizado tal edição - requerendo inclusivamente que fosse dada vista nos autos ao MºPº para eventual instauração de procedimento criminal;

- na contestação apresentada, a entidade R. impugnou tal versão factual do A.: reconhecendo que não existia documento escrito que titulasse o contrato, sustenta-se, todavia, que a 2ª edição foi realizada a solicitação e por insistência do A., com pleno conhecimento e consentimento informal deste, só não tendo tal acordo sido formalizado por escrito porque o A. não compareceu às reuniões agendadas com esse objectivo – estando, pois, tal 2º edição legitimada pelo acordo verbal das partes; e, em consonância com tal versão, considera-se que ao vir agora invocar a falta de contrato escrito, a conduta do A. integra uma situação de exercício ilegítimo do seu direito, colocando-se o mesmo numa posição de venire contra factum proprium, um dos corolários do abuso de direito, previsto no art. 334º do CC;

- da prova, nomeadamente testemunhal, produzida em audiência e livremente valorada pelo julgador provou-se, no essencial, a versão factual da R., expressa nos pontos 23,28 e 31 da matéria de facto;

- porque as instâncias entenderam que - face à estratégia processual seguida, traduzida em negar a existência de qualquer acordo na base da referida edição, configurando antes um crime de usurpação de obra - o A não havia invocado, em seu benefício, a nulidade formal do contrato, decorrente da inexistência de documento escrito, nos termos previstos no nº2 do art. 87º do CDADC, consideraram não ser possível a declaração (oficiosa) da nulidade, por não ter sido  invocada pelo detentor único de legitimidade para tal, pelo que existiria um contrato de um contrato válido( cfr. fls. 633).

   Como é evidente, este entendimento da situação litigiosa torna irrelevante – na lógica subjacente à decisão recorrida - a questão decorrente da proibição de prova consagrada nas disposições conjugadas dos arts. 364º, nº2, e 393º, nº1, do CC, de que resulta, em termos imperativos, que o contrato sujeito a forma escrita, como formalidade ad probationem, só pode ser demonstrado por confissão, estando, nesta sede, excluída a prova testemunhal: é que, na lógica decisória das instâncias, a existência e validade jurídica do contrato subjacente à 2ª edição resulta do não exercício pelo A. do direito potestativo de se prevalecer da nulidade formal em causa, e não propriamente de se haver tal negócio, formalmente nulo, por demonstrado através do depoimento prestado por testemunhas.

   Do mesmo modo , tal entendimento das instâncias ditou a não apreciação da questão do abuso de direito, expressamente suscitada na contestação, prejudicada pela solução dada ao litígio. Na verdade, tal questão do possível abuso de direito só se colocaria se o A. tivesse exercido o direito de invocar a nulidade formal do contrato: ora, se se considerou que tal direito não havia sequer sido exercitado pelo A., - implicando irremediavelmente tal omissão a validade formal do negócio -  é manifesto que a questão do uso abusivo de tal faculdade potestativa sempre  estaria irremediavelmente prejudicada…

   Não oferece dúvida – nem vem questionado pelas partes – que a exigência legal de celebração por escrito do contrato de edição constitui formalidade ad probationem, sujeita ao regime estabelecido no nº2 do art. 364º do CC ; por outro lado, a omissão de documento escrito que prove a declaração negocial – que se presume imputável ao editor - carece de ser invocada pelo A. para produzir o típico efeito que lhe aparece associado, só ele tendo legitimidade para se prevalecer do défice formal do negócio, onerando a parte contrária com a prova das declarações negociais mediante confissão, sujeita às exigências decorrentes do estatuído no referido art. 364º, nº2.

    Em bom rigor, como se refere, por exemplo, no ac. de 27/6/06, proferido pelo STJ no P. 06A1744, estamos aqui confrontados, não propriamente com uma verdadeira nulidade do negócio, mas com uma especial oneração da parte a quem se presume imputável a inexistência de escrito – o editor – para provar a existência jurídica do negócio:

    "Quando a lei exigir, como forma de declaração negocial documento autêntico, autenticado ou particular, não pode ser substituído por outro meio de prova ou qualquer documento que não seja de força probatória superior."

Em anotação a este comando legal, Pires de Lima e Antunes Varela alertam para a regra do regime de que "os documentos escritos, autênticos, autenticados ou particulares, são exigidos como formalidades ad substanciam" e daí o princípio da nulidade consagrado no art. 220º.

E, acrescentam: "Só quando a lei se refira, ..., claramente à prova do negócio, é que é aplicável o regime o nº 2 deste artigo" (in Código Civil Anotado, Volume I - 4ª edição -, pág. 32).

Id est, "se, porém resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório".

No 1º caso estamos perante uma formalidade ad substantiam; no 2º em face de uma formalidade ad probationem.

Os termos da distinção entre estes dois tipos de formalidades ficaram claramente explicados por Manuel de Andrade:

"As primeiras, também chamadas substanciais, são as exigidas sob pena de nulidade do negócio. Sem elas não é válido o negócio. A sua falta é irremediável. São, em suma, absolutamente insubstituíveis por qualquer outro género de prova.

As segundas, também chamadas probatórias, são as impostas, e não de modo absoluto, apenas para prova do negócio. Sem elas o negócio não é propriamente nulo; só que a sua prova será mais custosa de obter. São, portanto, formalidades cuja falta pode ser suprida por outros meios mais difíceis de conseguir." (in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 145).

Ainda sobre este ponto concreto, é bastante elucidativo o que diz Ewald Horster:

"Também não estamos em face de uma nulidade, por força do art. 220º, mas perante uma questão de prova, quando um documento for legalmente exigido e a seu respeito resultar claramente da lei que é exigido apenas para efeitos de prova da declaração (art. 364º, nº 1, 1ª parte). Esta «forma ad probationem» não tem na Parte geral relevância prática, uma vez que a lei considera aqui a exigência de forma como pressuposto de validade da declaração (art. 219º)." (in A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito Civil -, pág. 528).

   Ao contrário do pretendido pelo recorrente, esta restrição da legitimidade apenas ao autor para se valer da inexistência de escrito que corporize o contrato - opondo-a ao editor e provocando, em consequência, o típico efeito previsto de simultânea oneração acrescida  e restrição probatória, estabelecido nos aludidos arts. 364º, nº2, e 393º, nº1, do CC – é manifestamente inconciliável com a tese da admissibilidade do conhecimento oficioso do défice formal do negócio com vista à protecção do dono da obra: é a este – e não ao Tribunal – que cabe avaliar o seu interesse pessoal e avançar, em consonância com tal avaliação pessoal, para o exercício ou não exercício da faculdade potestativa que aquela norma do CC lhe outorga

   Ora, deverá entender-se, como fizeram as instâncias, que o A. não invocou, como lhe cumpriria necessariamente, nos articulados apresentados, a referida nulidade do contrato verbal?

   Saliente-se que efectivamente a linha argumentativa seguida extravasou em muito o plano da mera invocação da inexistência de documento escrito que corporizasse o contrato de edição, pugnando antes e prioritariamente o A. pela verificação de uma situação ilícita de usurpação de obra, caracterizada, não apenas pelo défice formal do convénio das partes, mas pela edição da obra totalmente à revelia, sem conhecimento e contra a vontade do A.; ou seja: nega-se aprioristicamente a existência de qualquer acordo de vontades ou sequer de contacto informal entre as partes, em vez de se afirmar que o possível acordo verbal seria insuficiente, só por si, para fundar os direitos e deveres dele emergentes para as partes.

   Mas mesmo que, de forma benevolente, se admita que – ao arguir, afinal, a inexistência material do contrato – o A. pretenderia ainda subsidiariamente prevalecer-se do eventual défice formal decorrente de inexistir documento escrito que provasse o acordo de vontades, tendo-se assim, por actuado o interesse em se prevalecer do apontado vício formal, nem por isso seria de ter por procedente a tese do recorrente.

   Na verdade, a restrição e simultânea proibição probatória que decorre das disposições conjugadas dos arts. 364º, nº2, e 393º, nº1, do CC não significa que a prova testemunhal esteja totalmente banida do âmbito das acções em que se controvertam as consequências de se haver celebrado um contrato com preterição de escrito que constitua formalidade ad probationem: o que tal bloco normativo significa é que não é lícito ao editor demonstrar a existência juridicamente relevante das declarações negociais através de prova diversa da confissão da contraparte.

   Porém, nada impede que para - demonstração de elementos consequenciais ou laterais à nulidade formal do negócio - se possa fazer uso, nos termos gerais, da prova testemunhal: é o que ocorre, por exemplo, com a demonstração destinada ao apuramento dos efeitos da declaração de nulidade, nos termos do art. 289º do CC, podendo a prova da prestação, para o efeito desta obrigação de restituir, ser feita por qualquer dos meios de prova admitidos em geral pela lei ( Carlos Mota Pinto, Teoria Geral, 2005, pag. 433); ou com a prova dos pressupostos de uma possível responsabilidade pré contratual da parte que invoca a nulidade de um contrato que ela própria provocou culposamente ; ou – e é o caso dos autos - com a aferição de possível abuso de direito no exercício da faculdade potestativa de invocação da invalidade formal de negócio, envolvendo tal exercício insuportável lesão dos princípios da justiça e da confiança: para aferir de tal situação de abuso de direito, pode o tribunal proceder a um apuramento exaustivo e integral da situação litigiosa existente entre as partes, com recurso a quaisquer meios probatórios, sem que tal actividade instrutória possa sofrer os constrangimentos ou a compressão decorrentes da previsão da confissão como único meio legítimo para prova da declaração negocial sujeita legalmente a forma escrita como formalidade ad probationem.

   Na verdade, são planos perfeitamente diversos o da prova da própria declaração negocial sujeita a escrito como  formalidade ad probationem e o da prova dos pressupostos de um eventual abuso de direito na invocação do vício, traduzido na inexistência de documento escrito – só valendo quanto à primeira questão as limitações probatórias consignadas nas disposições atrás referenciadas do CC; pelo contrário, para aferir do abuso de direito na invocação da insuficiência formal do acto não há qualquer restrição probatória quanto  ao apuramento integral da situação litigiosa existente entre as partes, na medida em que  tal se revelar indispensável à emissão de juízo seguro acerca do exercício abusivo do direito de invocação da nulidade formal em causa.

   E, decidida a questão do abuso de direito na invocação da insuficiência formal das declarações negociais, de duas uma:

- ou se considera procedente o abuso de direito e, deste modo – paralisada a faculdade potestativa que a lei outorgava a uma das partes – o negócio informalmente celebrado estabiliza-se e sedimenta-se;

- ou se julga improcedente a questão do abuso de direito e, neste caso, sendo lícita a invocação do défice formal das declarações negociais, estas só poderão efectivamente ser provadas por confissão do autor.

   Nada impedia, pois, que – para apuramento da excepção de abuso de direito, invocada, aliás, pela R. na contestação - se indagasse plenamente, mediante quaisquer meios probatórios e perante as posições contraditórias dos litigantes, das circunstâncias concretas que envolveram a 2ª edição da obra, averiguando, nomeadamente, se teria havido algum acordo oral e informal entre as partes, qual o respectivo conteúdo e as exactas circunstâncias que teriam obstado à redução a escrito de tal acordo informal.

   E, assim sendo, não procede a alegada violação  dos arts. 87º, nº2, do CDADC e dos arts. 364º, nº2, do CC e do art. 646º, nº4, do CPC.

   6. Resta saber se a actuação do A. envolve preenchimento da figura do abuso de direito.

   Como se afirma no Ac. de 8/6/10, proferido pelo STJ no P. 3161/04.6TMSNT.L1.S1 ( citando, por sua vez, o ac. de 5/7/07, proferido no P. 07B2027):


       O abuso de direito – art. 334º do Código Civil – traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
    Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.
    Mas não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara, assim se acolhendo a concepção objectiva do abuso do direito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pag. 217).
    O abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
    Como refere Baptista Machado (Obra Dispersa, I, 415 e ss.) o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também, no futuro, se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”.
    É sempre necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que, com base nessa

situação de confiança, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis.”
Está ínsita a ideia de “dolus praesens”.
O conceito de boa fé constante do art. 334º do Código Civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, “que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos” (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pags. 104-105).
Como se julgou neste STJ (Ac. de 1.3.2007 – 06 A4571): Para haver abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, é necessário saber se a conduta do pretenso abusante foi no sentido de criar, razoavelmente, uma expectativa factual, sólida, que poderia confiar na execução dos contratos promessa.
“Uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objectivamente, trair o “investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça.
Ou seja, tem de existir uma situação de confiança, justificada pela conduta da outra parte e geradora de um investimento, e surgir uma actividade, por “factum proprium” dessa parte, a destruir a relação negocial, ao arrepio da lealdade e da boa fé negocial, esperadas face à conduta pregressa.
Não se busca o “animus nocendi” mas, e como acima se acenou, apenas um comportamento anteriormente assumido que, objectivamente, contrarie aquele” (Ac. STJ, de 15.5.2007,
www.dgsi.pt).
Para o Prof. Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil, 45) “o venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo”.
E o mesmo Professor considera (ROA, 58º, 1998, 964) que o “venire contra factum proprium”pressupõe: “1º- Uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no “factum proprium”); 2º- Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do “factum proprium” seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis”; 3º- Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do “factum proprium”, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo “venire”) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4º- Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no “factum proprium”) lhe seja de algum modo recondutível.”

   A circunstância de estarem em causa normas que regem imperativamente sobre a forma dos actos jurídicos não obsta, como é sabido, a que possa ter aplicação a figura do abuso de direito, de modo a sindicar a actuação da parte que se pretende prevalecer do vício formal.

   Como se refere, por exemplo, no recente Ac. de 28/2/12, proferido pelo STJ no P. 349/06.8TBOAZ.P1.S1:

Tem-se entendido, apesar disso, que os efeitos da invalidade por vício de forma podem ser excluídos pelo abuso de direito, mas sempre em casos excepcionais ou de limite, a ponderar casuisticamente.
Como se fez notar no ac. deste Supremo de 06-8-2010 (Proc. 3161/04.6TMSNT.L1.S1), “não pode generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de – sindicando os motivos pessoais e subjectivos que estão na base da invocação da nulidade pelo interessado cujo interesse é por ela prosseguido - acabar por se precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada invalidade por motivos de deficiências de forma do acto jurídico – dependendo a subsistência do invocado abuso de direito da alegação e prova de ter ocorrido um particular e fundado «investimento de confiança» na estabilidade e definitividade do contrato”.

Trata-se, pois, de reconhecer a admissibilidade da invocação desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo.
“Sempre tendo na devida conta que, nestes casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, antes e porque as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral, só excepcionalmente é que se pode submeter a invocação da nulidade à invocação do venire contra factum proprium “ac. STJ, de 30/10/2003 (proc. 03B3125).

Reportando-se aos casos excepcionais em que se justificasse a cedência da nulidade perante a proibição do venire, o Prof. BAPTISTA MACHADO (in “RLJ”, 118º-10/11), propõe o concurso dos seguintes pressupostos: a) ter a parte confiado em que adquiriu pelo negócio uma posição jurídica; b) ter essa parte, com base em tal crença, orientado a sua vida por forma a tomar posições que ora são irreversíveis, pelo que a nulidade provocaria danos vultuosos, agora irremovíveis através de outros meios jurídicos; e, c) poder a situação criada ser imputada à contraparte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma exigida, ou então ter o contrato sido executado e ter-se a situação prolongado por largo período de tempo, sem que hajam surgido quaisquer dificuldades.

   Saliente-se que, no caso dos autos, estamos confrontados, por um lado, com uma exigência de forma negocial de conteúdo menos intenso, já que o mesma se situa no plano da
prova da declaração negocial – e não no plano constitutivo e material das formalidades ad substantiam; e, por outro lado, que o valor negativo do acto carecido de forma bastante está condicionado ao exercício pelo beneficiário prioritário de tal exigência legal de forma escrita de uma faculdade potestativa, afastando-se o respectivo conhecimento oficioso – o que bem demonstra que, no caso, são menos intensas as exigências de tutela do estrito interesse público que normalmente aparecem associadas à imposição de formalidade dos actos jurídicos.

   Poderá considerar-se, perante a especificidade da situação dos autos, que se verifica uma hipótese de dolus praeteritus, em que uma parte obstou à observância da forma legal pré-ordenadamente, para vir depois invocar esse vício, ou de inadmissível comportamento contraditório ( de venire contra factum proprium), em que a falta de forma, mesmo que não provocada dolosamente pela parte que a vem invocar, lhe é imputável, tendo a outra parte efectuado um investimento com base na confiança depositada na validade do negócio ( M. Pinto, ob. Cit., Pag. 438) ?.

   Relembrando os traços essenciais da matéria de facto apurada pelas instâncias, temos como evidente e incontroverso que ocorria entre as partes uma especial relação de confiança, decorrente, por um lado, de autor e editora estarem, na época, ligados a uma mesma instituição universitária, que funcionava em moldes informais, muito familiares, com algum amadorismo, só com uma ou duas pessoas a trabalhar nela e na base da confiança e palavra das pessoas, por se tratar de uma editora universitária, vocacionada para a publicação das obras de interesse para a universidade (cfr. fls. 616).

   Tal normal relação de confiança entre partes, ligadas a uma mesma instituição universitária, era, por outro lado, reforçada pela circunstância de já ter havido uma anterior relação editorial entre os interessados – que culminara na 1ª edição da obra, importando realçar que a mesma informalidade se havia então verificado, sem gerar qualquer problema, no âmbito da 1ª edição da obra - já que esta foi elaborada materialmente e apresentada ao público em 26/5/00 e só em Fevereiro de 2001 foi reduzido a escrito o contrato de edição que estava na sua base, com os espaços em brando documentados nos autos ( cfr. fls. 617).

   Neste contexto – e estando provado que, perante a solicitação e interesse revelado pelo autor em efectuar uma 2ª edição da obra em causa, a R. acedeu a fazê-la, mas apenas nas mesmas condições que haviam sido acordadas para a 1ª edição, o que o autor aceitou – é evidente que se justificava plenamente a confiança da R. /editora de que o procedimento informal seguido aquando da 1ª edição se repetiria a propósito da 2ª, fazendo-se primeiro o trabalho material, imprimindo-se os livros, só depois se tratando da formalidade consistente em colher as assinaturas dos contratos escritos, que eram em regra assinados depois ( cfr. fls. 617).

   Ora, neste quadro de fundada expectativa de que os compromissos verbalmente assumidos entre as partes se manteriam, constitui efectiva e injustificável lesão da confiança a conduta do A. que, neste caso, - e apesar de mencionar no seu curriculum a 2ª edição da obra ( cfr. fls. 618) -inviabilizou, após consumado todo o trabalho material de impressão da obra, a formalização do contrato escrito, faltando às reuniões agendadas para esse efeito, às quais havia anuído a comparecer.

   Consideram-se, deste modo, verificados os pressupostos de aplicação da figura do abuso de direito, prevista no art. 334º do CC, pelo que estava impedida ao A. a invocabilidade da nulidade decorrente da preterição da forma escrita para o contrato de edição, pelo que este se sedimentou nos termos apurados, em função do acordo verbal das partes.

   E tal entendimento deita consequencialmente  por terra as pretensões indemnizatórias deduzidas, todas elas estribadas na ilicitude de realização de una 2ª edição da obra, bem como o pedido de enriquecimento sem causa, cujos pressupostos básicos não podem obviamente ser dados por demonstrados, perante o quadro factual fixado no presente processo. Do mesmo modo, está prejudicada a questão da prescrição dos eventuais direitos indemnizatórios do A., suscitada subsidiariamente na alegação da entidade recorrida.

   7. Resta analisar a questão da condenação do A./ recorrente por litigância de má fé, divergindo ambas as partes da condenação proferida em 1ª instância e confirmada na Relação, nos seguintes termos:

   Da análise da petição inicial e tendo em consideração a matéria de facto que se provou e ainda os factos que o autor não conseguiu provar, é evidente que o mesmo litigou de má fé contra a ré.

O autor intentou a presente acção com o fundamento na inexistência do contrato de edição e na não ocorrência de determinados factos e estes vieram a provar-se. Provou-se ainda que a segunda edição foi feita de acordo com a vontade do autor e com o seu conhecimento, tendo ainda acompanhado a evolução da mesma, recebendo da ré um número não concretamente apurado de exemplares da 2ª edição – vide factos provados sob os nºs 30º, 32º, 34º 35º, 36º, 37º, 38º e 40º.

Os factos apurados levam à conclusão de que o autor alterou dolosamente a verdade dos factos, o que significa que, nos termos do nº 2 alª a) e b) deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão da causa.

No caso dos autos, estamos perante uma situação claramente enquadrável na figura da litigância de má fé, pois foram, clara e ostensivamente ultrapassados os limites daquilo a que Luso Soares chama de litigiosidade séria, que "dimana da incerteza"[1] por parte do autor.

   Na verdade, enquanto o recorrente pugna pela inadmissibilidade da sua condenação em 20 UC, por entender que se não verificam os pressupostos legais de tal instituto, tendo ainda subsidiariamente tal montante por excessivo, a recorrida pugna pelo agravamento da condenação para o máximo legal de 100 UC.

   Tendo, no caso, sido já exercitado o duplo grau de jurisdição sobre a aplicação de tal sanção processual deverá admitir-se o acesso ao STJ, no âmbito da presente revista, para reapreciar tal matéria?

   Saliente-se que a norma constante do nº3 do art. 456º do CPC não deverá configurar-se como restritiva, mas antes como ampliativa do direito ao recurso, nos casos em que se controverta, de forma autónoma, a aplicação ao recorrente desta sanção processual: o que se pretendeu com tal dispositivo foi assegurar sempre o recurso, em um grau , da decisão das instâncias que condene por litigância de má fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência, isto é, do montante da multa cominada facultando-se, deste modo, por exemplo, a interposição de agravo em 2ª instância ( já que a aplicação de sanções processuais tem uma dimensão essencialmente procedimental, diversa das questões de mérito) da decisão da Relação que, pela primeira vez, tivesse condenado a parte como litigante de má fé, ainda que o valor da causa fosse inferior à alçada da Relação, inviabilizando a revista,  e o valor da multa cominada a tal título fosse também inferior ( como quase sempre o será, na prática) a metade do valor daquela alçada.

   Porém, sendo a aplicação de sanções processuais às partes matéria de natureza procedimental ou adjectiva, é evidente que o acesso ao STJ, quer mediante agravo em 2ª instância, quer através da absorção de tal matéria pelo recurso de revista, nos termos do art. 722º, nº1, ficará condicionado pela aplicabilidade dos critérios normativos – esses sim restritivos – constantes dos nºs 2 e 3 do art. 754º - o que ditará normalmente, não sendo invocados os específicos fundamentos de recorribilidade, aí previstos, a inadmissibilidade de recurso autónomo da questão da condenação por litigância de má fé cfr., por ex., o Ac. de 15/10/09, proferido pelo STJ no P. 407/2002.C1.S1.

   É, porém, manifesto que esta conclusão não obsta a que, nomeadamente nos casos de dolo substancial, em que a condenação assentou na falsidade ou manifesta inveracidade dos factos essenciais alegados pela parte condenada, estando precisamente em causa no recurso interposto da decisão de mérito a aquisição processual de tal versão factual, impugnada pelo recorrente, seja lícito à parte suscitar consequencialmente a questão da sua condenação como litigante de má fé – não fazendo obviamente sentido que  se, porventura, viessem a ser alterados os factos que fundaram decisivamente a cominação de multa por litigância de má fé, esta se mantivesse, de forma puramente tabelar, independentemente da ponderação da versão factual do litígio que se sedimentou e passou a valer definitivamente entre as partes no processo.

   Ora, no caso dos autos, permanecendo intocado o quadro factual que – aliás justificadamente – ditou a condenação do recorrente por litigância de má fé, deverá manter-se inteiramente tal condenação, cujo montante – sobre o qual já foi exercido o duplo grau de jurisdição pelas instâncias – ficará também intocado, mantendo-se , pois, a condenação do recorrente no valor de 20 UC decretada pelas instâncias.

   8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista.

   Custas pelo recorrente.


Lisboa, 24 de Maio de 2012

Lopes do Rego (Relator)
Orlando Afonso
Távora Victor

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[1] A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, pág. 26.