Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | NUNO CAMEIRA | ||
Descritores: | AVALISTA RESPONSABILIDADE OBRIGAÇÃO NULIDADE | ||
Nº do Documento: | SJ200312110035291 | ||
Data do Acordão: | 12/11/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 336/03 | ||
Data: | 03/26/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | 1. Uma vez que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (artº. 32º, § 1º, da LU), o acordo de preenchimento do título cambiário concluído entre o subscritor e o portador impõe-se ao avalista para medir a sua responsabilidade. 2. O aval origina uma obrigação cambiária autónoma, que se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu se revelar nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. 3. Se o aval se tiver destinado a garantir uma obrigação de sociedade comercial de que o avalista seja sócio, o facto de ele ter cedido a sua quota na sociedade avalizada não o isenta de responsabilidade, atenta a natureza pessoal da garantia prestada (artºs. 30º e 31º da LU). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Por sentença de 14.10.02 a Vara Mista de Guimarães julgou improcedentes os embargos opostos por A à execução ordinária que lhe foi movida pelo "Banco B, S.A.", para pagamento de uma livrança no valor de 9.875.000$00, acrescida de juros, de que o exequente é portador. O embargante apelou, mas sem êxito, pois a Relação de Guimarães confirmou a sentença. De novo inconformado, pede agora revista, formulando conclusões que assim se resumem: 1ª Ao considerar provado que o documento de fls. 18 a 24 se refere à livrança dada à execução o tribunal da 1ª instância errou na apreciação das provas, sendo certo que a Relação não conheceu da razão aduzida pelo recorrente no sentido de que tal pacto de preenchimento não se reporta à livrança exequenda, mas a uma outra, identificada nos autos; 2ª Por estarem presentes todos os elementos considerados pelo tribunal recorrido, tal prova pode e deve ser agora reapreciada, nos termos do artº. 712º, nºs. 1 e 2, do CPC; 3ª Resulta desses elementos que o pacto em causa se refere a essa outra livrança, aí radicando o erro de apreciação; 4ª Em relação ao embargante, o preenchimento da livrança exequenda seria sempre abusivo, já que não outorgou o contrato de fls. 18 a 24; e é-lhe inoponível, por idêntica razão; 5ª O pacto de preenchimento de fls. 18 a 24 é nulo porque a sua cláusula 9ª estabelece uma obrigação indeterminável e imprescritível; 6ª A obrigação decorrente do aval prestado caducou porque o recorrente foi afastado da qualidade de sócio com base na qual subscreveu a livrança largos anos antes da apresentação a pagamento. O recorrido não apresentou contra alegações. II. A Relação deu como assentes os seguintes factos: 1 - O teor da livrança de fls 4 da acção executiva; 2 - A livrança dada à execução foi entregue ao embargado subscrita pela sociedade "C, Lda.", avalizada pelo embargante, em branco e em garantia do bom pagamento do contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada de 20 mil contos, celebrado em 26.6.85 e concedido à subscritora; 3 - O banco embargado ficou autorizado a proceder ao seu preenchimento pelo valor em dívida, juros e demais encargos, bem como a fixar-lhe e a inscrever a data do seu vencimento em caso se incumprimento, tudo conforme consta do pacto de preenchimento cuja cópia está junta de fls. 18 a 24. 4 - Vencido o referido contrato de abertura de crédito e não tendo a referida sociedade nem nenhum dos seus gerentes procedido ao reembolso do montante em dívida, o embargado preencheu a livrança dada de caução pelo valor em dívida, fixou-lhe o vencimento e apresentou-a a pagamento, de tudo dando prévio conhecimento a todos os obrigados, incluindo ao embargante. 5 - o embargante deixou de ser sócio da sociedade "C, Lda.", em 11.12.92, tendo o banco conhecimento deste facto, pelo menos, em 22.1.93. Nas três primeiras conclusões do recurso colocam-se questões atinentes à matéria de facto. Como já tinha feito na apelação, o recorrente insiste em que as instâncias erraram na apreciação das provas, designadamente no que toca às referentes ao pacto de preenchimento do título exequendo que se considerou demonstrado. É sabido, porém, e tem sido constantemente reafirmado, que não cabe ao Supremo Tribunal, como tribunal de revista, censurar a decisão de facto das instâncias, modificando-a de harmonia com a diversa convicção acerca das provas que eventualmente se forme no espírito dos seus juízes. O Supremo julga de direito, aplicando definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que considere adequado; e não pode, salvo o caso excepcional previsto no nº. 2 do artº. 722º - caso esse que aqui não se coloca - alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto (artº. 729º, nºs. 1 e 2). Nas restantes conclusões o problema central que se coloca é o de saber se, tendo o recorrente prestado o seu aval numa livrança em branco, o acordo de preenchimento do título celebrado entre o subscritor e o portador o vincula. Nos termos do artº. 32º, § 1º, da Lei Uniforme, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. Isto significa, praticamente, que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado. Por isso, sendo o aval prestado a favor do subscritor, o acordo de preenchimento do título concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista para medir a sua responsabilidade. Por outro lado, é indiferente que o avalista tenha ou não dado o seu acordo ao preenchimento da livrança. Na verdade, esse acordo somente respeita ao portador da livrança e ao seu subscritor. O avalista, enquanto tal, não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança. É sujeito, isso sim, da relação subjacente ao acto cambiário do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só no confronto de ambos é invocável. Depois, o aval, como autêntico acto cambiário, origina uma obrigação autónoma, que se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu se revelar nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (artº. 32º, § 2º, da LU). No caso ajuizado, provado que o aval foi validamente prestado pelo recorrente e que não houve violação do contrato de preenchimento, não sofre dúvida que a sua obrigação, surgida mediante a aposição da assinatura na livrança, subsiste incólume. O banco recorrido, por conseguinte, é um portador legítimo do título dado à execução, cujo pagamento o recorrente pessoalmente garantiu através do aval (artºs. 30º e 71º da LU); pessoalmente, dizêmo-lo, porque o aval se apresenta como uma garantia dessa natureza: a responsabilidade que implica incide sobre o avalista e, consequentemente, sobre o seu património pessoal. Por isso mesmo, como já se decidiu (CJ XX-III-141), é indiferente que o aval garanta obrigação de sociedade comercial de que o avalista é sócio: sendo o património do avalista que em última análise suporta a garantia concedida, o facto de ter cedido a sua quota na sociedade avalizada não o isenta de responsabilidade. Como decorre do exposto, o facto de o embargante ter deixado de ser sócio da sociedade avalizada antes da apresentação do título a pagamento não implica a cessação por caducidade da obrigação decorrente do aval prestado: isso não é uma excepção que possa ser oposta triunfantemente ao recorrido visto que o seu direito está justificado pela posse legítima do título, não ensombrada pelo cometimento de qualquer falta grave ou por comportamento lesivo da boa fé (artºs. 16º e 17º da LU). Para que a dita caducidade pudesse operar seria necessário, no mínimo, que no pacto de preenchimento tivesse ficado explicitamente estipulado que o aval prestado pelo recorrente deixaria de subsistir se e quando ele deixasse de ser sócio da subscritora/avalizada. Tal, porém, não aconteceu. A questão levantada na 5ª conclusão está prejudicada pelo que já ficou dito. Em todo o caso, importa referir que o recorrente carece de razão quando afirma que a obrigação estabelecida na cláusula 9ª do pacto é indeterminável e imprescritível. Resulta dos próprios termos daquela estipulação, em conjugação com todas as restantes cláusulas do contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada junto aos autos, concluído entre o recorrido e a sociedade subscritora da livrança, que a obrigação ali fixada ficou perfeitamente delimitada, "qualitativa" e quantitativamente: o banco concedeu à sociedade um crédito em conta corrente até ao valor máximo de 20 mil contos, utilizável nas condições especificadas no documento, sendo que a caução (isto é, a garantia do financiamento concedido) traduziu-se justamente na livrança em branco ajuizada, subscrita pela sociedade mutuária e avalizada pelos sócios, entre eles o recorrente. Improcedem, assim, ou mostram-se deslocadas todas as conclusões do recurso. III. Pelo exposto, nega-se a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 11 de Dezembro de 2003 Nuno Cameira Afonso de Melo Sousa Leite |